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Comercialismo e regulação estatal na educação superior brasileira: o caso do provão

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Academic year: 2017

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HIVY DAMÁSIO ARAÚJO MELLO

COMERCIALISMO E REGULAÇÃO ESTATAL NA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA:

O caso do Provão

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HIVY DAMÁSIO ARAÚJO MELLO

COMERCIALISMO E REGULAÇÃO ESTATAL NA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA:

O caso do Provão

Dissertação apresentada à Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas como requisito à obtenção do título de Mestre em Administração de Empresas.

Campo de Conhecimento:

Organização, Recursos Humanos e Planejamento.

Orientador: Prof. Dr. José Carlos Garcia Durand

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Mello, Hivy Damásio Araújo.

Comercialismo e regulação estatal na educação superior brasileira : o caso do Provão / Hivy Damásio Araújo Mello. - 2004.

288 f.

Orientador: José Carlos Garcia Durand.

Dissertação (mestrado) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo.

1. Educação - Avaliação - Brasil. 2. Educação - Brasil. 3. Ensino superior e Estado. 4. Educação e Estado - Brasil. 5. Reforma do Estado. 6. Universidades e faculdades - Brasil - Avaliação. 7. Universidades e faculdades - Exames. I. Durand, José Carlos Garcia. II. Dissertação (mestrado) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo. III. Título.

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HIVY DAMÁSIO ARAÚJO MELLO

COMERCIALISMO E REGULAÇÃO ESTATAL NA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA:

O caso do Provão

Dissertação apresentada à Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas como requisito à obtenção do título de Mestre em Administração de Empresas.

Campo de Conhecimento: Organização, Recursos Humanos e Planejamento.

Data de aprovação: _____/_____/_______

Banca Examinadora:

________________________________________ Prof. Dr. José Carlos Garcia Durand (Orientador) FGV/EAESP

________________________________________ Prof. Dr. Dilvo Ristoff

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

________________________________________ Profa. Dra. Helena Sampaio

Coordenadora do Projeto Artesanato Solidário e Doutora pela Universidade de São Paulo (USP)

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AGRADECIMENTOS

Uma certa vez um colega me advertiu: “quem está no meio é como água morna. Sabemos para que serve a água fria, sabemos para que serve a água quente. Mas a água morna é morna. Eu não sei para o que ela serve; ela não serve para nada”. Certamente, o seu comentário, ou a forma como o assimilei, me marcou. Há muito já percebera que estava no

meio, nesse lugar tão indesejado. Meu colega contribuíra, com sua metáfora, para que eu percebesse que os outros também conheciam esse meu meio lugar. Meio administradora, meio

inconformada... Realmente um lugar meio desconfortável...

Mas alguém também já disse um dia que o desconforto pode ser um bom começo. Talvez não um fim, mas quem sabe um bom começo. Foi esse começo que se tentou esboçar nesse trabalho. Desencontros nem sempre mostram diretamente para que servem. Seu caminho é um pouco tortuoso, um pouco dolorido. Provavelmente, o encontro é mais prazeroso e claro no que é. E talvez os desencontros sirvam não como fim, e o meio seja um

caminho para se tentar responder a algumas perguntas, encontrar algum sentido, algumas hipóteses.

A finalização desta dissertação de mestrado só foi possível graças ao apoio de pessoas especiais que me acompanharam nesta trajetória e às quais devo o meu mais profundo agradecimento e afeto. Registro, então, aqui a minha gratidão:

Ao Jefferson, do qual sou companheira em todas as viagens, ele, meu ouvido de todas as horas, de todos os questionamentos, das angústias e alegrias. Devo-lhe, além da semente plantada, o incentivo diário para que não desistisse. Ao seu carinho e compreensão nos momentos difíceis.

Aos meus pais, Pedro e Luiza, e ao meu irmão Henrique agradeço pelo apoio constante, essencial para nossa aventura nesta nova cidade, agora também um pouco nossa. Devo muito do que sou aos seus exemplos de respeito aos outros e senso de justiça. Sem vocês, não teria conseguido!

À família Mello agradeço pelo incentivo permanente ao longo de todo esse período, pela compreensão da falta e por terem me dado o meu maior presente.

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Agradeço a grande oportunidade e a sua doação, por acreditar em processos e meios e por me dedicar o seu tempo e a sua experiência.

Aos amigos do CECC, Profa. Tânia Limeira, Fábio, Diogo, André, Izolda, Josiane e, finalmente, o incansável amigo Luis Matos, pela amizade, pelo debate de idéias, pela convivência e pela ajuda ao longo deste período.

Aos familiares e amigos de Floripa, ilha que deixei nesta caminhada, pela torcida e apoio que sempre superou a distância.

Aos amigos de Sampa sou grata por nos acolherem e nos ajudarem a transformar um lugar estranho em uma casa acolhedora: Ricardo, Roberta, Ivan, Vima, Giselle, Francini, André, Karu, Ronaldo, Marisa, Silvio e Edna. Vocês transformaram nossa cidade.

Aos colegas que tive o prazer de conhecer na FGV/EAESP e nos congressos da área de Administração, entre conversas de corredor, palestras, disciplinas e grupos de estudos, agradeço pela troca, amizade e solidariedade em momentos difíceis.

Aos professores da FGV/EAESP e em especial aos professores da área de ORH sou grata por me acolherem na Escola e pelas sugestões ao longo do percurso. Registro o meu especial agradecimento à Profa. Maria José Tonelli que acompanhou mais de perto meus primeiros passos na Escola.

Aos funcionários da Biblioteca da FGV/EAESP, do NPP e demais funcionários da Escola agradeço a atenção, presteza e os incentivos sempre manifestadas.

Ainda, este trabalho não seria possível sem a contribuição de todas as pessoas que cederam seu tempo para me contarem um pouco da sua experiência, seja como aluno, pesquisador, professor, reitor, dono de instituição de ensino superior, representante de movimento discente ou docente, representante de ordem profissional ou ainda, observador da realidade educacional do país. A elas o meu agradecimento e minha esperança de não ter cometido injustiças. Também, agradeço ao cuidadoso trabalho de Lúcia Helena, Meire, Fúlvia e Marisa, que me ajudaram, em diferentes momentos, a transcrever e revisar este rico material guardado em tantas fitas.

Por fim, registro o meu agradecimento institucional à FGV/EAESP e ao CNPq

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Eu ando pelo mundo

e os automóveis correm para quê? As crianças correm para onde? Transito entre dois lados de um lado Eu gosto de opostos

Exponho o meu modo, me mostro Eu canto para quem?

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RESUMO

O Exame Nacional de Cursos - Provão - foi o carro-chefe de um conjunto de instrumentos de avaliação do ensino superior implementados no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995 - 2002).

Reconstruindo suas origens, sua implementação e reações que o Provão suscitou e vem suscitando, o texto mostra a importância da regulação estatal como meio de contrabalançar efeitos negativos do excesso de mercantilização no terreno educacional.

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ABSTRACT

The Exame Nacional de Cursos - Provão - was the main piece of a whole of instruments used in the evaluation of the Brazilian university system implemented during Fernando Henrique Cardoso government (1995 - 2002).

Reconstructing the origins, the implementation, the reactions that the Provão

provoked and is still provoking, the text shows the importance of State regulation as a way of counterbalancing the mercantile excesses in the educational area.

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Lista de tabelas

Tabela 1: Evolução da Matrícula - Ensino Superior - Brasil 1962 – 1979 Tabela 2: Estabelecimentos de ensino superior segundo dependência administrativa e natureza institucional 1971-1980

Tabela 3: Evolução da Matrícula por Dependência Administrativa - Ensino Superior - Brasil 1980 – 1994

Tabela 4: Evolução do Número de Instituições por Dependência Administrativa - Brasil 1980-1994

Tabela 5:Lista de cursos avaliados pelo Provão de 1996 a 2003.

Tabela 6:- Lista com o número de áreas, cursos e inscritos no Exame Nacional de Cursos nos anos de 1996 a 2003

Tabela 7: Número de Instituições de Educação Superior, Número de Cursos de Graduação e Matrícula (em 30/06) por Organização Acadêmica e Categoria Administrativa, segundo a Unidade da Federação - 1995-2002 Tabela 8: Taxa de crescimento do número de Instituições de Educação Superior, Número de Cursos de Graduação e Matrícula (em 30/06) por Organização Acadêmica e Categoria Administrativa, segundo a Unidade da Federação - 1995-2002

Tabela 9: Número e percentual de instituições, cursos e matrículas em 1995, 1998 (1º governo FHC), 1999 e 2002 (2º governo FHC).

Tabela 10 - Distribuição Percentual do Número de Funções Docentes em Exercício por Grau de Formação, segundo a Categoria Administrativa - Brasil - 1994,1998 e 2002

Tabela 11: Dez maiores anunciantes por setor econômico

69 70

75

75

115 115

137

137

139

142

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Lista de abreviaturas e siglas

ABESC – Associação Brasileira das Escolas Superiores Católicas ABMES – Associação Brasileira das Mantenedoras de Ensino Superior ABRUC – Associação Brasileira das Universidades Comunitárias

ABRUEM – Associação Brasileira das Universidades Estaduais e Municipais ACE – Avaliação das Condições de Ensino

ANDES-SN – Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior – Sindicato Nacional ANDIFES – Associação Nacional das Instituições Federais de Ensino Superior

ANUP – Associação das Universidades Particulares BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento BM – Banco Mundial

CAPES – Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CFA – Conselho Federal de Administração

CFE – Conselho Federal de Educação CFM – Conselho Federal de Medicina CNE – Conselho Nacional de Educação CNPq – Conselho Nacional de Pesquisas

CRUB – Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras ENC – Exame Nacional de Cursos (Provão)

FENEAD – Federação Nacional dos Estudantes de Administração FHC – Fernando Henrique Cardoso

FMI – Fundo Monetário Internacional

GERES – Grupo Executivo de Reforma do Ensino Superior IES – Instituições de Ensino Superior

IFES – Instituições Federais de Ensino Superior

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MARE – Ministério da Administração Federal e Reforma do Es tado do Brasil MEC – Ministério da Educação e do Desporto

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil OMC – Organização Mundial do Comércio

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SEMESP – Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo

SESu – Secretaria de Educação Superior

SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência UNE – União Nacional dos Estudantes

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 15

COMERCIALISMO E REFORMA DO ESTADO: OS DOIS LADOS DA MESMA MOEDA 17

COMERCIALISMO NA EDUCAÇÃO E INTERVENÇÃO ESTATAL 22

O OBJETO DE PESQUISA: JUSTIFICATIVA E ASPECTOS METODOLÓGICOS 24

ESTRUTURA DO TRABALHO 29

1. GOVERNO FHC E A NOVA RELAÇÃO ESTADO E SOCIEDADE NO BRASIL:

A CONCEPÇÃO GERENCIAL DO ESTADO 31

1.1.AREFORMA DO ESTADO E O DESMANTELAMENTO DO ESTADO-PROVIDÊNCIA 32

1.2.O LEGADO DA ERA VARGAS 35

1.3.GOVERNO FHC E A SUPERAÇÃO DO VARGUISMO NO BRASIL: DO ESTADO-PROVIDÊNCIA

AO ESTADO GESTOR 39

1.4.OESTADO GESTOR: O SEU NOVO PAPEL E AS PRÁTICAS GERENCIAIS MODERNAS 48

1.5.AREFORMA DO ESTADO E O PAPEL DO ESTADO NA EDUCAÇÃO 52

2. O GOVERNO FHC E AS TENTATIVAS DE COMBATE AO CLIENTELISMO. 56

2.1.O DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA DE ENSINO SUPERIOR NO BRASIL: UM BREVE

HISTÓRICO 57

2.2.O DIAGNÓSTICO DO GOVERNO FHC DO LEGADO NO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO 77

3. OS ANTECEDENTES DO PROVÃO 89

4. PROVÃO: ORIGENS E METODOLOGIA DE IMPLEMENTAÇÃO (1995-2002) 113

4.1.A SOLUÇÃO PROPOSTA: INFORMAÇÃO, AVALIAÇÃO E COMUNICAÇÃO COMO BASE DA

NOVA POLÍTICA EDUCACIONAL 118

5. EFEITOS DA AVALIAÇÃO SOBRE O SISTEMA AO FIM DO GOVERNO FHC.132

5.1.A VERSÃO OFICIAL E OS TRÊS PRINCIPAIS EFEITOS: CRESCIMENTO, MELHORIA E

COMPETITIVIDADE 133

5.1.1.INDICADORES DE CRESCIMENTO FÍSICO DO ENSINO SUPERIOR 135 5.1.2.VERSÕES SOBRE O INCREMENTO DA COMPETITIVIDADE E MELHORIAS ALC ANÇADAS: A

QUALIDADE 140

5.2.AS CRÍTICAS VINDAS DE FORA DO GOVERNO 146

5.2.1.CRÍTICAS DAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS: DIRIGENTES, DOCENTES, SERVIDORES TÉCNICO

-ADMINISTRATIVOS E ESTUDANTES EM DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA 147

5.2.2.CRÍTICAS DOS ESPECIALISTAS EM EDUCAÇÃO 155

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5.3.ESTRATÉGIAS BÁSICAS DE ADAPTAÇÃO 169 5.3.1.“CURSINHOS” INTERNOS PREPARATÓRIOS PARA O PROVÃO 172

5.3.2.SELEÇÃO DOS MELHORES ALUNOS PARA FAZER O PROVÃO 180

5.3.3.PRÊMIOS OFERECIDOS E COBRADOS 181

5.3.4.ALUGUEL TEMPORÁRIO DE BIBLIOTECAS E PROFESSORES 183

5.3.5.O FIM DO VESTIBULAR 186

5.3.6.MAIS PROPAGANDA 188

5.3.7.PREÇOS BAIXOS, PAGAMENTO FACILITADO, CONVÊNIOS, LEILÕES DE VAGAS ETC 193

6. CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS DE APROFUNDAMENTO. 194

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 198

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INTRODUÇÃO

Este estudo visa iniciar uma reflexão sobre o acirramento do comercialismo, i.e., de um momento avançado de irradiação da lógica empresarial ao conjunto das atividades de serviço, na educação superior brasileira. Neste primeiro contato da autora com o tema, analisam-se o uso e os efeitos da avaliação concebida como política pública durante os dois governos do presidente Fernando Henrique Cardoso1, focando-se especificamente, no principal instrumento de avaliação deste governo, o Exame Nacional de Cursos, conhecido como Provão.

O Provão, carro-chefe do sistema de avaliação dos cursos de graduação no governo FHC, foi criado por razões bastante específicas: propiciar um controle de qualidade de um sistema de ensino a ser expandido; induzir a melhoria da qualidade, tida como problemática nas instituições de ensino superior já existentes por causa da sua heterogeneidade e pela forte presença do clientelismo e corporativismo; e incentivar, como instrumento de controle de resultados, a competição administrada, também denominada quase-mercado.

Como se sabe, tais objetivos estão ligados à lógica da nova administração pública que começa a ser instaurada no Brasil com a Reforma Gerencial do Estado no governo FHC. Entre os pressupostos da nova Reforma do Estado, que visava superar a burocracia, o autoritarismo e o monopólio do modelo antecessor, previa-se um Estado gerencial que, tomando de empréstimo a lógica e as práticas da administração de empresas, lançaria mão de novas formas de controle dos resultados e responsabilização (accountability) – o controle por resultados (contratos de gestão); o controle social (pelas entidades da sociedade civil, ONGs, conselhos, etc) e a competição administrada (quase mercado) – para guiar as suas relações com a sociedade e com o mercado.

Para o governo FHC, estava implícita à idéia de competição administrada o incentivo, por parte do Estado, da competição entre agentes prestadores de serviços. No caso da educação superior, o Estado, através do Ministério da Educação, cumprindo o papel de administrar a competitividade, criaria os indicadores de desempenho, demonstrando, assim, o padrão que se queria alcançar – como, por exemplo, estabelecer que o padrão de qualidade de

1 Primeiro mandato de 01 de janeiro de 1995 a 01 de janeiro de 1999, e o segundo desta última data até 01 de

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uma universidade é ensinar bem – e forneceria ao mercado, incluídas aí todas as instituições de ensino superior públicas e privadas, instrumentos de comparação que as permitisse competir de forma sadia. Argumentava-se que não haveria problemas com o uso de tais ferramentas e princípios da administração de empresas pois, diferentemente desta, onde a concorrência se dá sobretudo pelo lucro, no caso do setor público, cujo objetivo não deveria ser o lucro, eles incentivariam a competição do mercado pela excelência, pela qualidade dos serviços, a partir de pressupostos democráticos discutidos dentro da sociedade. E no que se refere à educação superior, o Provão, tido como transparente e público, cumpriria a tarefa,

obrigando as escolas a competirem entre si na mesma base.

Este trabalho não conclui categoricamente pela eficiência ou ineficiência do Provão enquanto instrumento de avaliação da qualidade do ensino. Durante sua implantação muita coisa aconteceu. O maior progresso talvez tenha sido disseminar o princípio da “cultura da qualidade”, muito embora se detectem estratégias reativas de diferentes tipos de instituição de ensino superior, por motivos vários, visando burlar ou contornar exigências que não quiseram ou não puderam satisfazer. Depois deste percurso, a continuidade da pesquisa poderá ter focos mais precisos e aí então permitir uma avaliação categórica. Esses caminhos são aventados ao final.

No sentido de investigar melhor a hipótese acima exposta, e tendo-se em mente que se trata aqui de uma primeira aproximação a um objeto complexo, optou-se pela reconstrução, através de documentos e entrevistas, das condições de concepção, negociação e implementação do Exame Nacional de Cursos, o Provão, abordando-se, não obstante, mas apenas quando necessário, outras medidas de regulação utilizadas pelo governo federal durante este período de Reforma do Estado2.

À guisa de introdução, pretende-se, primeiramente, conceituar comercialismo articulando-o à Reforma do Estado e, no caso da educação superior brasileira, à intervenção estatal. Em seguida, busca-se justificar, rapidamente, a escolha do nosso objeto imediato de observação, o Provão, descrevendo seus princípios de operação e metodologias.

Por fim, indicam-se os capítulos da dissertação e seus respectivos conteúdos.

2 A análise aqui proposta centra-se na regulamentação do sistema de ensino superior no Brasil que inclui todas as

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Comercialismo e Reforma do Estado: os dois lados da mesma moeda

O governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) propôs uma reforma do aparelho do Estado brasileiro, também denominada Reforma Gerencial, que, relacionada a um conjunto de mudanças em nível mundial, introduziu no país transformações no funcionamento da administração pública e, conseqüentemente, nas relações entre Estado e sociedade. A “nova” administração pública, como seria denominada, que se pretende gerencial - tomando de empréstimo modelos de gestão da administração de empresas - e não mais “burocrática” como aquela até então vigente, surge como uma das propostas do governo federal brasileiro para a superação da crise do Estado por meio da reorganização do aparelho estatal.

O amplo debate em torno da necessidade de reorganização dos Estados nacionais teve seus primeiros passos na década de 70 com o início da crise e do esfacelamento do modelo de Estado de bem-estar, que atuava como o centralizador da economia e como o principal provedor de serviços e de garantias sociais.

Esse período no qual se começa a reavaliar a função do Estado caracteriza-se, igualmente, por um outro fenômeno que possui vínculos diretos tanto com a reforma do Estado no Brasil e em outros Estados nacionais quanto com o surgimento de uma nova administração pública gerencial no país: o comercialismo, entendido como o processo de disseminação da cultura comercial / empresarial, ou, ainda, da lógica comercial / empresarial, para outras esferas que não a sua de origem – qual seja a venda de objetos produzidos industrialmente.

Apesar de o conceito de cultura empresarial e/ou gerencial (enterprise culture) remeter, segundo Lívia Barbosa (2002), à idéia de organização simbólica do universo empresarial, ou seja, ao funcionamento de uma empresa no seu interior, ele ganhou vida própria nos últimos anos extravasando o contexto estritamente empresarial e difundido-se para quase toda e qualquer atividade humana, invadindo o território da política e da cultura. Esse novo ambiente ideológico, presidido por relações mercantis, pode ser chamado de comercialismo.

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historicamente aos governos de Margaret Thatcher, na Inglaterra, e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos (Barbosa, 2002)3.

Entretanto, para Barbosa, apesar da forte relação da idéia de cultura empresarial com o ideário do liberalismo econômico e político e com determinados governos “seria ingênuo interpretar a agenda da cultura empresarial como conseqüência da doutrina liberal e de um punhado de líderes políticos”4 (Barbosa, 2002, p.36) uma vez que “embora alguns desdobramentos da cultura empresarial tenham recebido um ímpeto adicional com as reformas econômicas, institucionais e políticas propostas por vários governos, ela é, em grande parte, o resultado de processos independentemente gerados em todo o mundo ocidental a partir da década de 1970” (Barbosa, 2002, p.36).

Esse último argumento lança luz sobre dois pontos importantes. Em primeiro lugar, o comercialismo, apesar de estar diretamente ligado à reorganização dos Estados nacionais, está, também, relacionado a uma outra série de processos sociais, econômicos e políticos e a outras importantes transformações que vêm gradativamente ocorrendo nas sociedades contemporâneas. Além disso, como ressalta Durand, “a difusão do comercialismo

depende sempre da cumplicidade de algum agente coletivo em algum campo de concorrência, conseguindo mobilizar com sucesso e regularidade, em seu favor, elementos socialmente vistos como típicos da competição comercial ou da cultura de massa” (2000, p.9, grifo nosso). Portanto, o comercialismo resulta da composição de forças e interesses em jogo em diferentes esferas da sociedade num certo momento. Não obstante, ele vai sendo construído, também, ao longo da história social, sendo, pois, importante, em termos de análise, relacionar estas duas formas - a sincrônica e a diacrônica - de composição do fenômeno. E, considerando-se que os agentes sociais têm poder e influência diferenciados, que variam ao longo da história e das trajetórias sociais, torna-se essencial a contextualização de alguns processos sociais, econômicos e políticos relacionados ao surgimento do comercialismo generalizado no mundo ocidental a partir da década de 705. (Barbosa, 2002).

3 Governos estes que, segundo Abrúcio (1998, p.176), representaram o ponto máximo da tendência de, em um

contexto de crise do Estado, escolher-se a redução de gastos com pessoal como solução à redução dos gastos do Estado.

4 A origem do conceito clássico de liberalismo, que surgiu como doutrina na luta contra o absolutismo

monárquico ao longo dos séculos XVII e XVIII, possui como características “a livre iniciativa e a concorrência como princípios básicos capazes de harmonizar os interesses individuais e coletivos e gerar o progresso social” sem lugar para a ação econômica do Estado, que deve apenas garantir a livre-concorrência entre as empresas e o direito à propriedade privada, quando esta for ameaçada por convulsões sociais” (Sandroni, 2002, p.347).

5 Apresenta-se, aqui, sucintamente, alguns dos importantes processos para se contextualizar o período analisado

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Vejam-se, nesse sentido, ainda de acordo com Barbosa (2002), as mudanças ocorridas no âmbito da filosofia política, com a reinterpretação das doutrinas do liberalismo clássico, reinterpretação esta que reabre o debate em torno de conceitos como liberdade e igualdade. Observem-se, também, as mudanças na política partidária, com a eleição de candidatos de “direita” em várias democracias do mundo ocidental, marcando uma mudança na discussão econômica e política. Tais mudanças desafiaram algumas verdades básicas acerca da intervenção do Estado como o melhor método para limitar as conseqüências nefastas da economia de mercado.

Se esses eventos provocaram transformações institucionais e ideológicas, as transformações na chamada esfera produtiva não foram menos profundas. Barbosa (2002) ressalta, nesse caso, alguns pontos importantes: 1) a perda de poder por parte dos produtores na imposição de produtos e padrões de consumo, juntamente com uma sofisticação por parte dos consumidores na escolha dos bens e serviços e no estabelecimento de padrões mínimos de qualidade e segurança, ditados pela crescente importância do consumo como um dos modos básicos de auto-expressão no mundo contemporâneo e pelas modificações em uma agenda política e social – o que, segundo a autora, estaria na raiz de uma série de mudanças institucionais em consonância com o espírito da empresa comercial. Mudanças estas relacionadas, fundamentalmente, ao atendimento ou à valorização das exigências e desejo do consumidor, que “junto com o empreendedor, tornou-se o personagem central desse universo ao qual tudo e todos devem ser reduzidos: estudantes, pacientes, platéias e clientes.” (Barbosa, 2002, p. 37); 2) a introdução de um aparato tecnológico de informação na esfera da comercialização, que permitiu um acompanhamento muito próximo do consumidor no tocante às suas preferências e padrões de consumo; 3) a desestruturação do modelo hierárquico fordista de produção e sua substituição por um sistema mais centralizado e intensivo no uso da nova tecnologia de informação6.

6 Vários autores analisaram a superação do fordismo. Para Harvey (2001), por exemplo, a passagem do fordismo

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Por fim, na esfera gerencial, Barbosa aponta para o crescente grau de autonomia dos segmentos hierarquicamente inferiores das organizações, um espaço maior de oportunidades tanto para gerentes como para funcionários burocráticos ou de chão-de-fábrica, para o exercício da independência, da iniciativa e da pró-atividade, tanto individualmente como sob a forma de pequenos grupos ou times de trabalho7.

De modo geral, o comercialismo pode ser entendido, conforme ilustra Durand (2000, p.9) utilizando-se de uma metáfora da informática, “como um ambiente, ou seja, como uma força difusa que envolve outros e mais circunscritos ambientes, interferindo em sua dinâmica própria, ou seja, nas regras de competição legítimas de cada um”. Lembre-se que nas últimas décadas do século XX, “a cultura empresarial foi praticamente elevada ao nível de virtudes e transformada em valores ‘nacionais’ em quase todas as sociedades do mundo ocidental” (Barbosa, 2002, p.40). Como enfatiza Barbosa, a cultura empresarial “representou o extravasamento de uma lógica de mercado e empresarial para outras esferas da sociedade que até então não haviam sido avaliadas pelos parâmetros de eficiência, eficácia, rentabilidade e qualidade, entre outros” e, a partir desse processo, incentivou “uma grande modificação e movimentação no interior das organizações e das sociedades em relação ao comportamento econômico e gerencial de seus membros” (2002, p.40) 8.

Com efeito, como já se assinalou, tanto a elevação da lógica empresarial ao nível de virtude quanto a transformação da mesma em valor nacional estão relacionadas diretamente à mudança no funcionamento dos Estados nacionais. Segundo Barbosa,

grande parte dos países passou nos últimos anos por uma reforma do Estado e de suas administrações públicas, e seria difícil negar a ligação íntima entre as mudanças implementadas e alguns dos temas e questões levantados pela cultura empresarial. Noções como empreendedorismo, empregabilidade, auto-enriquecimento, autodesenvolvimento e responsabilidade individual estão hoje presentes nos discursos de gerentes, executivos, administradores e políticos dos mais diferentes matizes (Barbosa, 2002, p.43).

7 Ressalta-se aqui que, apesar de se concordar com a autora com o fato de que o espaço organizacional funciona

realmente hoje sob novas regras e códigos que buscam aparentar uma maior flexibilidade, esta nem sempre é benéfica ou torna o ambiente de trabalho menos hostil ou mais receptivo à efetiva participação das pessoas. Sobre a hostilidade do ambiente de trabalho no capitalismo contemporâneo ver Sennett (1998).

8 Para Barbosa, o comercialismo compreende ainda “um conjunto de percepções características acerca da

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Nesse sentido, a cultura empresarial, sendo um “tipo de cultura dentro do capitalismo” (Barbosa, 2002, p.39), manifesta-se, predominantemente, através de duas dimensões: a) em programas radicais de reformas econômicas e institucionais que enfatizam a eficiência do mercado na alocação dos recursos sociais, a liberdade do indivíduo na sua atividade econômica, e a não intervenção do Estado. Dessas reformas resultam os programas de privatização de empresas estatais, a remoção de diversas restrições governamentais acerca da provisão de serviços financeiros ao financiamento de instituições públicas em áreas como educação, saúde, telecomunicações, artes e governos locais; b) em atitudes, valores e formas de atuação, tanto nas atividades institucionais como nas individuais, que ajudam na criação de crenças, valores e comportamentos que fa vorecem o empreendedorismo, a obtenção de riqueza, a iniciativa, a autonomia, a pró-atividade, a energia, a ousadia, a autoconfiança, a disponibilidade para correr riscos e aceitar responsabilidade pelas conseqüências das próprias ações e várias outras qua lidades ou características empresariais. (Barbosa, 2002). A partir daí se observa um cenário institucional e cultural, em que “a empresa privada comercial corporifica o principal e mais adequado espaço em que as atitudes e os valores empresariais são exercidos” (Barbosa, 2002, p. 40) e o comercialismo funciona, assim, como uma “força difusa” (Durand, 2000) através da disseminação de valores ligados ao ideário liberal.

Isso posto, deve-se insistir no fato de que o fortalecimento da lógica da competição comercial evidenciado nas últimas décadas - o qual influencia outras esferas sociais, (entre elas a educação), a partir da valorização da forma de funcionamento, das regras e dos valores do mercado no sentido estrito do termo9, ou seja, o econômico - está também vinculado a uma mudança no papel assumido pelo Estado nas sociedades contemporâneas.

9 Este comentário é ressaltado pois, conforme explicado em nota anterior, qualquer campo social para Bourdieu

funciona como um mercado no qual estão em disputa diferentes tipos de capital na luta por diferentes

interesses. Bourdieu, ao montar um sistema de conceitos que dá suporte à uma análise da realidade social buscando a superação dos limites impostos pelas tradições intelectuais predominantes na França na década de 60 (a saber, estruturalismo e marxismo), se apropria de alguns termos da linguagem econômica - como capital,

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Comercialismo na educação e intervenção estatal

Bourdieu (2001 b), sociólogo francês que analisou com grande propriedade o processo de legitimação do Estado desde os seus primórdios até os dias atuais, momento em que este adquire ainda mais força, ao se referir ao campo econômico propriamente dito, todavia diferenciando-se teoricamente de algumas linhas da economia mais liberal que apontam a independência desta esfera, destaca justamente a forte relação da economia com o Estado10. Conforme afirma Bourdieu, “o campo econômico está habitado mais que qualquer outro pelo Estado, que contribui a todo momento para a sua existência e persistência, mas também para a estrutura de relações de força que o caracteriza” (2001 b, p.25, tradução nossa).

O Estado agiria, para Bourdieu, por meio de diferentes políticas mais ou menos circunstanciais que levam a práticas que tanto podem ser conjunturais, mediante leis sucessórias, política fiscal e assistência social, que atuam sobre o consumo e os níveis de vida, quanto, mais profundamente, de efeitos estruturais: é o caso das leis orçamentárias, dos gastos com infra-estrutura (em especial no âmbito dos transportes, da energia, da habitação, das telecomunicações), da (falta de) fiscalização dos investimentos, do controle dos meios de remuneração e crédito, da transformação da mão-de-obra e da regulação da imigração, da definição e da imposição das regras do jogo econômico, como o contrato de trabalho. Estas e outras tantas intervenções políticas fazem do campo burocrático um estimulador

10 Ver Bourdieu (1996). Neste texto, ele diz que o Estado contribui “de maneira determinante na produção e

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macroeconômico que contribui, ao fim, para assegurar a estabilidade e previsibilidade do campo econômico (Bourdieu, 2001 b), ou , como se pode subentender, para desestabilizá-lo.

Essa reflexão de Bourdieu sobre a intervenção do Estado no campo econômico é útil, no nosso caso, para se pensar o campo da educação superior no Brasil, justamente porque se imbricam, ali, comercialismo e regulação estatal. Ou seja, o campo da educação superior no Brasil11, prenhe da lógica comercial, é também diretamente regulado pelo Estado12 que tem o poder legal de criar normas e sujeitar a regras, de encaminhar conforme a lei, bem como de fiscalizar o cumprimento das leis e impor penalidades aos infratores dentro do sistema, através do ministério competente, no caso o Ministério da Educação e do Desporto - e seus demais órgãos assessores integrantes do ministério, que “regulam e fiscalizam relações de mercado, relações entre consumidor e produtor e/ou prestador de serviço” (Nunes, 2002, p. 21)13.

A partir do que se veio tentando destacar, é importante entender, no escopo desta dissertação, o papel assumido pelo Estado como agente concentrador de poderes vinculado ao comercialismo. Relacionando estes dois fenômenos, a mudança do papel do Estado no Brasil – materializada com a Reforma do Aparelho de Estado – e o comercialismo presente no período em questão, pretende-se analisar ao longo deste trabalho as principais transformações

11 Utiliza-se aqui o conceito de campo desenvolvido por Pierre Bourdieu (ver Bourdieu 2002, especialmente

capítulo 3). Segundo Bourdieu, dentro da sociedade, há campossociais menores, ou seja, espaços sociais específicos, cuja lógica interna, o modo como as estruturas funcionam e se impõem aos agentes deste campo contém o princípio das interações que se exprimem neste espaço. Todo campo é um lugar de luta, que funciona como um mercado no qual cada agente busca defender seus interesses e faz parte de um jogo de poder onde se produz e se negocia um capital específico. Neste sentido, o sucesso das disputas depende do capital acumulado por cada agente. Para Nunes, que também se apóia no conceito de campo de Bourdieu para analisar o ensino superior no país, “o ensino do terceiro grau no Brasil preenche requisitos para sua constituição como campo analítico [grifo nosso] de estudo autônomo. Em primeiro lugar, em virtude da própria complexidade que caracteriza sua existência histórica. Em segundo lugar, em decorrência da percepção dos atores sociais relevantes que dele participam, e que acabaram por transformá-lo em palco de confrontos ideológicos. Em terceiro lugar, porque existe, nas ciências sociais, substancial produção acadêmica sobre profissões, cientistas, colégios invisíveis, o que já constitui uma especialização profissional. Quarto, porque são poucos os país es no mundo nos quais a presença do setor privado seja tão forte quando no Brasil. Quinto, et pour cause, pela relevância estratégica que o tema assume em tal contexto. Sexto, porque, desde a perspectiva da economia política, este é um setor econômico ativo, com agendas, interesses e conflitos, internos e externos ao setor, com necessidade de se relacionar com outros atores públicos e privados, obedecer, influenciar ou capturar aparatos regulatórios, interagir com o Judiciário, na falha ou na oposição ao aparato do colegiado pertinente, exercer representação e pressão via legislativo, engajar-se em política burocrática com o setor público, fazer política interna e externa ao setor, atuar nas eleições para o legislativo e executivos”. (Nunes, 2002, p.17).

12 De acordo com Sampaio (2000, p. 115), “o controle centralizado do ensino superior no País não é nem recente

e nem peculiaridade nacional: reporta-se a uma herança que atravessou diferentes regimes políticos que se sucederam e também é um traço comum, às vezes com tradição de séculos, a vários países. (...) Embora detenha o controle do sistema, o Estado brasileiro não tem seu monopólio, podendo o ensino superior ser oferecido pela iniciativa privada”.

13 É importante salientar que Nunes só inclui no conceito de agência regulatória aquelas que “regulam para fora”,

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ocorridas durante o governo FHC no setor da educação superior que tem na regulação estatal uma fonte importante de controle.

Além de se explorar as alterações na relação entre o Estado e o mercado educacional a partir da implantação de uma série de medidas que regulama educação superior no país, tendo como foco a implantação do Exame Nacional de Cursos, o Provão, aplicado entre 1996 e 2003, analisam-se, igualmente, as respostas imediatas dos agentes do campo educacional a essas medidas, tentando inseri-las em estratégias por eles mobilizadas para se adaptar ao novo contexto.

O objeto de pesquisa: justificativa e aspectos metodológicos

Escolheu-se o Provão como objeto de pesquisa porque, além de ser um dos instrumentos de regulação mais enfatizados, divulgados e conhecidos do governo FHC, ele tanto sintetiza a visão e as intenções deste governo com relação à educação superior quanto, como se verá ao longo deste trabalho, mantém vínculos estreitos com a lógica comercial.

Segundo os seus idealizadores, o Provão foi criado como um indicador supostamente simples e objetivo – e portanto não burocrático – da qualidade de cursos de graduação em um momento de grande expansão do sistema de ensino superior14. Pensava-se que ele iria possibilitar o conhecimento do sistema, pois geraria informações tidas como transparentes, orientando tanto o mercado quanto a sociedade. Da mesma forma, por ser entendido pelos seus idealizadores como imune a influências políticas, o Provão auxiliaria no combate ao clientelismo e ao corporativismo fortemente presentes no Brasil, no mínimo, desde a Era Vargas os quais, no diagnóstico do governo, prejudicavam a qualidade e a eficiência do sistema de ensino superior no país.

Por suas características - objetividade e transparência no medir a qualidade das instituições de ensino e induzir a competição entre elas - a sua análise, no nosso entender, auxilia também na compreensão das características do novo modelo de Estado gerencial que passa a vigorar no Brasil, trazendo à tona importantes questões que devem ser consideradas para a compreensão do cenário atual da educação superior no país e que envolvem:

14 De acordo com Enguita (in Gentili e Silva (Org.), 1994).“se existe hoje uma palavra que em moda no mundo

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a) a mudança do papel do Estado que, ao modificar a legislação para desregulamentar e desburocratizar, passa a atuar como um orientador e busca delegar atividades e reduzir como gestore mantenedor sua atuação direta;

b) a apropriação pelo Estado da lógica e de instrumentos gerenciais como forma de avaliar resultados, buscar eficiência e produtividade em suas ações, superando a burocracia considerada ineficiente e

c) a tentativa de superação de manifestações de privilégios herdados do período varguista arraigados na sociedade brasileira.

É também nosso intuito identificar o impacto e as reações que o Provão15 provocou no campo da educação superior brasileira, entendendo este espaço, também, como um espaço de luta no qual os agentes ocupam diferentes posições (ou sub-espaços) e defendem uma multiplicidade de interesses distintos, estabelecendo entre si um acirrado jogo de poder. O sistema federal de ensino superior no Brasil, composto de instituições públicas16 e instituições privadas (particulares em sentido estrito, comunitárias, confessionais e filantrópicas)17, que hoje podem ser classificadas como universidades, centros universitários, faculdades integradas, faculdades, institutos superiores ou escolas superiores18, cada qual com suas características e atribuições específicas, congrega uma multiplicidade de interesses (econômicos, políticos e ideológicos) em disputa. Entretanto, tais interesses não se limitam apenas aos manifestados por agentes das instituições educacionais. Na verdade, há um complexo jogo de interesses que transcende os muros destas instituições e pode ser melhor observado a partir da descrição das diferentes posições que as instituições educacionais ocupam. Ou seja, as instituições não funcionam como entes homogêneos e, portanto, devem ser consideradas em sua própria heterogeneidade interna; as instituições formadoras do sistema de ensino superior no Brasil são extremamente dive rsas entre si e demonstram a

15 Complementado, quando necessário, pela análise de outras medidas de regulação a ele relacionadas.

16 Instituições criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público. Podem ser, no que se refere

à dependência administrativa, federais, estaduais ou municipais (sendo as duas primeiras gratuitas e a última não obrigatoriamente). São chamadas por alguns de “públicas-estatais”, no sentido de sugerir que pode haver (inclusive no Brasil) instituições “públicas não-estatais”, isto é, com orientação pública mesmo não sendo mantidas pelo Estado (ver Bresser Pereira, 2000), apesar desta última diferenciação de categoria não existir para a regulação do setor.

17 Instituições mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado que podem ser

comunitárias (instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas de professores e alunos que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comu nidade);

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heterogeneidade do sistema no país e dos interesses nele representados; há também outros agentes que influenciam o funcionamento deste sistema. Conforme coloca Sampaio (2000, p. 113) “o sistema de ensino superior é mais do que um agregado de estabelecimentos sob o aparato legal do Estado nacional, constituindo-se em um campo político em que afloram interesses que raramente convergem”.

Dentro da perspectiva de que os acontecimentos e decisões acerca da educação superior no país envolvem agentes que ocupam diferentes posições nesse espaço social, estão sendo considerandos como parte do campo da educação superior no Brasil a cúpula dirigente do Estado (o programa de governo para além das políticas na área de educação, ultimamente setor marginal diante da importância do “núcleo duro”, ou seja, da área econômica nos últimos governos19); a cúpula dirigente do Ministério da Educação e do Desporto

(representada pelo ministro e seus assessores – cargos de indicação, ou, os policy makers); o Conselho Nacional de Educação; a burocracia pública da educação (dirigentes técnicos da área de educação); os acadêmicos especialistas em educação superior; a elite científica acadêmica (normalmente representada por docentes das universidades públicas); dirigentes das universidades públicas (representados primordialmente pela ANDIFES e parcialmente pelo CRUB); a elite sindical universitária pública (docentes e servidores técnico-administrativos, representados nacionalmente pelo ANDES); o empresariado da educação

(donos ou famílias proprietárias de IES, mantenedores e dirigentes de instituições particulares mas também de cursinhos e escolas de educação básica) e as associações que os representam

(i.e. ABMES, ANUP, SEMESP); os dirigentes das instituições comunitárias (ABRUC); as

ordens profissionais (i.e. OAB, CFM, CFA); fundações que prestam serviços de aplicação técnica de provas (i.e. Fundação Cesgranrio / Fundação Carlos Chagas); o empresariado internacional da educação (investidores externos); os organismos internacionais (i.e. BM, BID, OMC, UNESCO); as consultorias educacionais; as agências de fomento à pesquisa

(hoje predominantemente governamentais, sendo as mais importantes a CAPES e o CNPq); outras sociedades e associações acadêmicas (i.e. Fórum de Pró-reitores das universidades brasileiras); a representação estudantil (i.e. UNE, FENEAD, DCEs) e, ainda, o alunado em geral (estudantes de instituições públicas, privadas e potenciais alunos, ou seja, secundaristas

18 Sendo que ainda existem as federações de escolas como legado da regulação de período anterior.

19 De acordo com Loureiro e Abrúcio (1999), “na formação do Estado liberal moderno, o Ministério da Fazenda

ou das Finanças constitui-se, junto com as Forcas Armadas e a Justiça, no núcleo central das burocracias governamentais. Depois de toda a expansão das áreas sociais ao longo da construção dos vários modelos de

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e vestibulandos). Essa diversidade de posições demonstra bem a fragmentação de interesses no setor e pode ilustrar a dificuldade de obter-se consenso a respeito das ações políticas ali implantadas. Este enunciado detalhado não implica que todas essas posições tenham sido consultadas no trabalho de campo até aqui efetuado. Ao longo do texto, o leitor verá as que não o foram suficientemente, podendo ajudar a traçar conjecturas sobre os interesses e orientações que cada uma delas provavelmente sigam.

Em termos metodológicos, e no intuito de enriquecer o nosso contato inicial com esse objeto de estudo, isto é, a educação superior brasileira, juntam-se à análise bibliográfica e documental (estatísticas educacionais, legislação, entre outros) as informações obtidas através de entrevistas semi-estruturadas20, pensadas, sobretudo, como aproximação empírica21. Tais entrevistas, que foram essenciais para formar o olhar da autora sobre seu objeto de estudo, serão utilizadas na medida do possível e do desejável ao longo deste trabalho, complementando – e sendo complementadas por – outras fontes. Entende-se que elas

20 Ao todo foram entrevistados os seguintes agentes: o ex-Ministro da Educação e do Desporto Paulo Renato

Souza; o ex-Ministro do MARE (Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado do Brasil) Luiz Carlos Bresser Pereira; o ex-Coordenador da Implantação do Provão Jocimar Archangelo; três coordenadores de cursos de graduação que participaram das comissões de especialistas de seus respectivos cursos elaborando as diretrizes para as provas do Curso de Letras, Engenharia Elétrica e Direito; dois presidentes da UNE no durante o governo FHC, Wadson Ribeiro e Felipe Maia e um advogado de assuntos estudantis da UNE; dois representantes da comunidade acadêmica envolvidos com o PAIUB (Programa de Avaliação Institucional das Universitárias Brasileiras), José Dias Sobrinho e Dilvo Ristoff (especialistas em educação e editores da revista Avaliação - este último é Diretor de Estatísticas e Avaliação da Educação Superior do INEP no governo Lula); um reitor de universidade pública durante todo o período de oito anos do governo FHC e ex-presidente da ANDIFES (Associação Nacional das Instituições Federais de Ensino Superior) Rodolfo Pinto da Luz (UFSC); um docente da Universidade de São Paulo associado e representante da ANDES-SN (Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior – Sindicato Nacional ) Rubens Camargo; alguns professores de instituições de ensino superior privadas em São Paulo; um coordenador de curso de uma universidade privada em São Paulo; dois dirigentes de uma universidade privada em São Paulo; um ex-presidente da FENEAD (Federação Nacional dos Estudantes de Administração); alguns alunos (onze ao total) de universidades e centros universitários em São Paulo que obtiveram em seus cursos conceitos predominantemente em torno de C, D e E no Provão (sendo que um dos alunos também freqüentava a Universidade de São Paulo - pública); quatro alunos de um centro universitário com conceitos A e B no Provão.

21 As entrevistas, todas realizadas por esta autora (gravadas e transcritas), foram conduzidas com base em um

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compõem mais uma forma de discurso e como tal devem ser entendidas e analisadas22, auxiliando na compreensão de determinadas posições no campo da educação superior e, principalmente, das divergências existentes entre as diferentes posições dentro do campo educacional23.

O intuito desse contato pessoal através das entrevistas foi, sobretudo, o de “sentir” melhor algumas posições distintas no campo da educação superior acerca da aplicação do Provão. Em nenhum momento houve a mais leve pretensão com representatividade estatística (Ver Loureiro e Durand, 1995).

A decisão de se abordar diferentes posições foi tomada não apenas a partir da compreensão de que se teria, em um primeiro momento, níveis diferenc iais de profundidade entre elas – de acordo com os dados conseguidos nesta primeira etapa - mas também porque se pretende dar continuidade a este estudo em um segundo momento (possivelmente, numa pesquisa de doutorado), de maneira que se buscou, aqui, fazer um primeiro mapa dos principais interesses e tomadas de posição dos diversos agentes deste campo com relação às medidas de regulação do governo FHC referentes à educação superior, focalizando-se o caso do Provão.

Este estudo, que busca analisar a implementação do Provão a partir de um olhar por assim dizer sociológico, situa-se também na fronteira da Administração Pública e da Administração de Empresas, justificado pela própria composição do campo da educação superior no Brasil que tem, no seu complicado jogo de interesses, agentes e lógicas de um e outro lado em luta pela maximização dos seus diferentes tipos de capital. Análogos à fronteira peculiar do objeto de estudo, estão os interesses da autora e do seu orientador nesta pesquisa – ela administradora de empresas, hoje mestranda no Departamento de Administração de Empresas e ele sociólogo, professor titular do Departamento de Fundamentos Sócio-Jurídicos da Administração, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo / Fundação Getúlio Vargas – em estudar temas que estão na fronteira entre a administração de empresas e a quando esse está expondo suas opiniões a um pesquisador) soma-se ao desconforto que o gravador causa em algumas pessoas.

22 Pinto (2000), ao comentar sobre a abordagem de Bourdieu, ressalta que o olhar sociológico deve considerar as

formas de experiência indígena dos agentes e evitar o equívoco de atribuir-lhes uma espécie de lucidez sapiente a respeito de si próprios.

23 Para Bourdieu, é necessário entender qual é a posição que o grupo ou indivíduo ocupa no espaço social, este

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pública, tais como o comercialismo e a intervenção estatal. Além disso, este estudo resulta da percepção da necessidade em se incentivar análises de políticas setoriais específicas de modo a complementar as questões “transversais”, que dizem respeito a todos os setores.

Tal investimento também resulta da percepção da necessidade de se ter, a longo prazo, uma intenção propositiva com relação a problemas nacionais que o país enfrenta. A escolha de temas que tangenciam a área de educação e cultura e suas fronteiras com o comercialismo e o consumo – temas também analisados pelo Centro de Estudos da Cultura e do Consumo (CECC), centro de estudos do qual a autora e seu orientador são integrantes – vão ao encontro desse objetivo.

Estrutura do trabalho

Este trabalho está dividido em seis capítulos.

O primeiro discorre sobre o governo FHC e o surgimento de uma nova relação Estado-sociedade a partir da reforma do aparelho do Estado no Brasil. Analisa-se o investimento feito para a superação dos resquícios da Era Vargas, a mudança no papel e nas atribuições do Estado com o desmantelamento do Estado-providência após a década de 70 e o surgimento de um novo paradigma para a administração pública - a administração pública gerencial - e os efeitos de todas essas mudanças na relação do Estado com a educação superior.

O capítulo dois inicia-se contextualizando sinteticamente o desenvolvimento do sistema de ensino superior no Brasil desde os seus primórdios até a década de 90, descrevendo-se o legado que o governo FHC recebeu no início do seu governo na área da educação superior e o diagnóstico feito pelo próprio governo FHC sobre as necessidades de políticas do setor, que, segundo ele, precisa superar o clientelismo e o corporativismo, e aumentar a eficiência, produtividade e qualidade em um contexto de expansão do sistema. Transpõem-se, neste momento, as características do novo Estado gerencial e do novo papel do Estado para o campo da educação superior no Brasil (freamento da atuação direta do Estado como mantenedor e reforço de sua posição como orientador do sistema). Por fim, expõem-se as tentativas de combate ao clientelismo e seu histórico recente.

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No quarto capítulo, analisam-se o Exame Nacional de Cursos – Provão - suas origens e metodologia de implantação e áreas avaliadas no período de 1995 a 2002; explicita-se também a nova política educacional implementada pelo governo FHC, baexplicita-seada no tripé informação, avaliação e comunicação.

Na seqüência, o Capítulo 5 busca analisar os efeitos da avaliação ao fim dos oito anos do governo FHC. Inicia-se pela “versão oficial” dos efeitos da implementação do Provão e do sistema de avaliação, passando-se, posteriormente, pela percepção do que outros agentes do campo da educação superior expressaram sobre esta avaliação. Ainda, enunciam-se algumas das estratégias básicas utilizadas pelas instituições de ensino superior para se adaptar à nova forma de intervenção do Estado neste mercado a partir do Provão e de outras medidas complementares de regulação. A idéia geral deste capítulo é analisar esta forma de ava liação induzida pelo Estado, seus avanços e suas limitações.

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1. GOVERNO FHC E A NOVA RELAÇÃO ESTADO E SOCIEDADE NO BRASIL: A CONCEPÇÃO GERENCIAL DO ESTADO

De acordo com um argumento desenvolvido na Introdução, baseado nos estudos de Pierre Bourdieu, o Estado é o grande concentrador de poder nas sociedades modernas. Através da sua atuação, de suas políticas, de suas decisões de investimento, da sua intervenção ou decisão de não intervenção no mercado e de suas definições de prioridade entre as diferentes áreas econômicas e sociais, vão-se traçando os rumos e se conformando a realidade social de cada país.

As transformações que movimentam o campo educacional e seus agentes são, também, acompanhadas, produzidas e/ou induzidas majoritariamente pelo Estado24. No caso do Brasil, a interferência do Estado na educação se dá de maneira bastante direta e centralizada, visto que, aqui, além da definição das políticas educacionais governamentais, o Estado e seus representantes diretos – no caso da educação, o Ministério da Educação e do Desporto e seus órgãos de assessoramento25, centralizam toda a regulação de todas as instituições do sistema, sejam elas públicas ou privadas, e fazem ainda a avaliação da sua atuação. Assim, o Estado, através das mudanças na legislação – ou seja, no conjunto de leis, decretos, portarias e resoluções – modela, regulamenta, financia, fiscaliza, avalia e instaura políticas de premiação ou punição influenciando diretamente no funcionamento da educação superior no país.

Entretanto, as definições da atuação do Estado, bem como as funções que ele assume – com maior ou menor ênfase – em cada setor (mantenedor, modelador, financiador, fiscalizador, avaliador, interventor ou uma combinação delas, por exemplo26), são o resultado da sua capacidade de negociar e acomodar os interesses de outros agentes do campo (Nunes, 2002) e estão relacionadas a algo mais amplo, isto é, ao papel que este Estado assume diante da sociedade e do mercado. Desse modo, uma análise do campo da educação superior no governo FHC deve considerar, necessariamente, a orientação geral do Estado no período. No Brasil, ela corresponde, durante o período FHC, a um esforço de reorganização conhecido

24 Conforme ressalta Trindade (1999, p.19) “seria ingênuo pensar que na sociedade moderna o sistema científico

se organiza e se desenvolve de forma autônoma. O ideal da auto-organização da ciência confronta-se cotidianamente com as injunções da política científica governamental, sob pena de inviabilizar-se em função do alto custo da sua realização”.

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como Reforma do Aparelho do Estado27, que oficializou uma expressiva mudança no papel e na atuação do Estado no país e marcou o novo paradigma na administração pública, a administração gerencial28, atingindo diretamente o campo da educação superior.

1.1. A Reforma do Estado e o desmantelamento do Estado-providência

A Reforma do Estado e as transformações que atingem a administração pública no Brasil e em outros países estão situadas dentro de um contexto maior de reformas destinadas a redefinir a atuação dos Estados-Nacionais (Abrúcio, 1998). Na concepção de Abrúcio, foi em meados da década de 70, principalmente após a crise do petróleo de 1973, que entrou em xeque o antigo modelo de intervenção estatal quando uma grande crise econômica mundial pôs fim à era de prosperidade que se iniciara após a II guerra Mundial29. Esse período, explica Abrúcio (1998, p.175), marca de maneira generalizada o “fim a ‘era dourada’ – na precisa definição de Eric Hobsbawn (1995) – período em que não só os países capitalistas desenvolvidos, mas o bloco socialista e parte do Terceiro Mundo atingiram altíssimas taxas de crescimento”. Porém, começou a se desmantelar o consenso a respeito do papel do Estado que, naquele período, proporciona va as condições para a prosperidade econômica e o bem-estar social.(Abrúcio, 1998).

Para o autor em questão, o tipo de Estado que começa a se esfacelar possui três dimensões interligadas, a econômica, a social e a administrativa:

A primeira dimensão era a keynesiana, caracterizada pela ativa intervenção estatal na economia, procurando garantir o pleno emprego e atuar em setores considerados estratégicos para o desenvolvimento nacional – telecomunicações e petróleo, por exemplo. O Welfare State correspondia à dimensão social do modelo. Adotado em maior

26 Ver, para análise das funções assumidas pelo Estado, Sampaio (2000, capítulo 3) e Sobrinho (2003, capítulo

2).

27 Ver Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília : Presidência da República / Câmara da

Reforma do Estado, nov. 1995.

28 Ver Bresser Pereira e Spink (1998); Bresser Pereira (1998 a, 1998 b, 1998c, 1998 d, 2000, 2001).

29 Afirma Almeida Jr (2002, p.170) que “até à Primeira Guerra Mundial, o gasto público nos países

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ou menor grau nos países desenvolvidos, o Estado do Bem-Estar tinha como objetivo primordial a produção de políticas públicas na área social (educação, saúde, previdência social, habitação etc.), para garantir o atendimento das necessidades básicas da população. Por fim, havia a dimensão relativa ao funcionamento interno do Estado, o chamado modelo burocrático weberiano, ao qual cabia o papel de manter a impessoalidade, a neutralidade e a racionalidade do aparato governamental (Abrúcio, 1998, p.175).

Para o desmantelamento desse modelo de Estado, quatro fatores contribuíram: a crise econômica mundial, a crise fiscal, a ingovernabilidade (os governos estavam inaptos para resolver os seus problemas) e, ainda, a intensificação da globalização e todas as inovações tecnológicas que transformaram a lógica do setor produtivo e também afetaram o Estado (Abrúcio, 1998).

A crise econômica mundial, de acordo com o autor, iniciou-se em meados da década de 70 e se agravou ao longo dos anos 80, representando um período de recessão na economia mundial contrastante com a bonança dos anos 50 e 60: “nesse momento de escassez, o Estado foi o principal afetado, entrando numa grave crise fiscal” (Abrúcio, 1998, p.176), pois, após décadas de crescimento, os Estados não tinham mais como financiar seus déficits e não havia margem para se cobrar mais impostos dos contribuintes, uma vez que estes não viam o retorno do seu dinheiro em termos de benefícios públicos: “entrava em xeque o consenso social que sustentara o Welfare State” (Abrúcio, 1998, p.176). Os contribuintes, além de não estarem dispostos a pagar mais tributos, também não abriam mão das suas conquistas – vistas como benefícios pelos neoliberais30 –, o que reduzia ainda mais a margem de governabilidade dos Estados, isto é, os governos se viam inaptos para resolver os seus problemas.

Por fim, completa o autor, ao lado do enfraquecimento dos governos, há o aumento não só do poder das grandes empresas multinacionais e do capital internacional com

30 O neoliberalismo, segundo Sandroni, pode ser entendido em dois sentidos. Atualmente, o conceito mais

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a intensificação da globalização, como também de todas as inovações tecnológicas que transformaram a lógica do setor produtivo e também afetaram o Estado. Em um período de acirramento da competitividade internacional, no qual se leva cada vez mais em conta os custos trabalhistas, previdenciários e da carga tributária pagas sobre o capital, o Estado, que é o grande receptor dos tributos, é apontado como o principal responsável por esses custos empresariais e é assim pressionado pelas empresas a diminuir tanto os impostos quanto a sua participação no mercado (Abrúcio, 1998). Nesse contexto de muitos gastos, parcos recursos e de grande pressão, o corte de custos dos Estados virou prioridade em vários países, atingindo diretamente a própria administração pública31.

Ainda, para corroborar esse panorama, para “além das condições materiais, havia também um contexto intelectual extremamente favorável às mudanças da administração pública” (Abrúcio, 1998, p.177) e que se manifestava por meio da ascensão de teorias extremamente críticas não só às burocracias estatais como também às relações clientelistas e corporativistas mantidas pelo corpo burocrático. De modo que “o modelo antiburocrático aliava-se à crença, presente em boa parte da opinião púb lica, de que o setor privado possuía o modelo ideal de gestão” (Abrúcio, 1998, p.177).

O entendimento desse contexto de crise do Estado é essencial para, mais tarde, compreender-se as transformações no mercado da educação superior no Brasil no período aqui estudado, pois, como se sabe, o governo FHC está diretamente alinhado a essa visão de necessidade de mudança e reformulação do Estado e, ao propor sua reforma, materializa, no contexto brasileiro, parte dessa crítica ao modelo anterior. Nas palavras de Nunes:

dada a prévia natureza intervencionista do Estado brasileiro, em virtude do programa dos dois governos eleitos FHC, opostos ao Estado varguista, e tendo em vista o programa de reformas enunciado pelo governo, faz-se necessário iniciar o esboço analítico do setor por meio das propostas de intervenção vigentes. Parte-se do suposto de que estas constituiriam o marco regulatório – demarcariam, portanto, a lógica das coalizões e da ação racional dos agentes – no qual o setor vai constituir-se, fazer política e operar. (Nunes, 2002, p.18, grifo nosso).

excessos da livre-concorrência, e pela criação dos mercados concorrenciais” (Sandroni, 2002, p.421). Sobre os governos neoliberais serem fortemente intervencionistas, ver Mészáros (2002).

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Assim, “para entender o contexto em que opera o setor educacional, no conjunto dos setores econômicos brasileiros, será necessário, de início, ‘deseducacionalizar’ a análise, colocando-a na perspectiva própria ao entendimento de sua inserção na economia política do poder” (Nunes, 2002, 18-9, grifo nosso). É importante, antes de tudo, tratar das alterações ocorridas na relação entre poder político, sociedade e mercado ao longo do governo FHC.

1.2. O legado da Era Vargas

Os dois governos de FHC, como ressaltou Nunes (2002), contexto da Reforma do Estado no Brasil, foram marcados pelo objetivo de superação do varguismo, o qual representava, no contexto brasileiro, o modelo de Estado que estava se esfacelando em várias economias. Sallum Jr. (1999, p.25) esclarece que, por varguismo, entende-se o “sistema de dominação enraizado na sociedade e na economia que se perpetuou por mais de meio século na vida brasileira”. Ele “começou a ser construído nos anos 30, atingiu o ápice na década de 1970 e desagregou-se paulatinamente a partir dos anos 80”. Trata-se, em suma, do legado do governo de Getúlio Vargas.

Em sua análise dos ideais positivistas constituintes da arqueologia da modernização brasileira promovida por um Estado centralizador, Bosi (1992) interpreta a Era Vargas como o contexto de legitimação, em nível nacional, da idéia de Estado-proivdência, decorrente, para ele, do sucesso da importação de um ideário que pôde nutrir uma ideologia de longa duração capaz de legitimar a ação intervencionista do poder de público. O processo tem início, de acordo com o autor, com a formalização das idéias positivistas comtianas32 na Constituição do Rio Grande do Sul (redigida pelo conterrâneo de Vargas, Júlio de Castilho)33 – político que manifestou nesta lei maior a sua visão de “atribuir ao poder público a função de

32 Bosi diz que “quando pensamos hoje em modelos de pensamento intervencionista, temos presentes as duas

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promover e, no limite, controlar os rumos do desenvolvimento econômico”, Bosi, 1992, p.282), mas amplia-se a nível nacional por Getúlio Vargas.

Com o fortalecimento do Estado, o governo varguista deixa como herança para os governos seguintes uma combinação de valores que permaneceram arraigados na sociedade brasileira: Estado intervencionista, centralizador, paternalista (protetor), reformista mas autoritário, moderno e conservador. Trata-se, enfim, de um dirigismo estatal que pode ser resumido como ideologia estatizante (Bosi, 1992). Conforme relata Sallum Jr. (1999, p.25), a Era Vargas é o momento em que “o Estado passou a constituir-se em núcleo organizador da sociedade brasileira e alavanca de construção do capitalismo industrial no país”, também chamado de Estado desenvolvimentista.

Vargas, segundo ressalta Sandroni (2002), foi o mais influente estadista brasileiro do século XX e foi figura dominante da política nacional durante 24 anos34. Como é sabido, a sua gestão foi marcada pelo autoritarismo, populismo e por uma política econômica orientada pelo nacionalismo, também chamado de desenvolvimentismo nacionalista, que buscava a modernização, o desenvolvimento econômico e a industrialização. Por exemplo, seu governo criou o Conselho Nacional de Petróleo, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), com a usina de Volta Redonda, a Fábrica Nacional de Motores e a Companhia Vale do Rio Doce; implantou o monopólio estatal de petróleo, com a criação da Petrobrás e a nacionalização da produção de energia elétrica pela Eletrobrás (Sandroni, 2002). Como se vê, implementações que demonstram o papel central do Estado na produção nacional.

Vargas foi também, para Sandroni (2002), chefe máximo do movimento trabalhista no país, revelando excepcional capacidade de liderar o novo proletariado urbano, fazendo-lhe concessões, como o salário mínimo e a ampliação da assistência social, em troca de subordinação a uma legislação sindical inspirada no corporativismo. Desta maneira, conseguiu também reprimir os esforços organizatórios da classe trabalhadora fora do controle do Estado e atraí-la para o apoio difuso ao governo (Fausto, 2001).

33 Bosi (1992, p.306) afirma que no Brasil “a primeira experiência de centralização estatal foi inaugurada e

parcialmente cumprida a partir da Constituição rio-grandense de 1891, [foi modelo] vivo no Brasil de 1930 a 1964, e sobrevivente entre 64 e nossos dias”.

34 Getúlio Vargas governou o país entre 1930-1945 e, posteriormente, entre 1950-1954. No primeiro período,

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Tabela 1: Evolução da Matrícula - Ensino Superior - Brasil 1962 – 1979.  Ano Matrícula 1962 107.509 1963 124.214 1964 142.386 1965 155.781 1966 180.109 1967 212.882 1968 278.295 1969 342.886 1970 425.478 1971 561.397 1972 688.382 1973 772.800 1974 937.593
Tabela 4: Evolução do Número de Instituições por Dependência Administrativa - Brasil 1980-1994
Tabela 6:- Lista com o número de áreas, cursos e inscritos no Exame Nacional de Cursos nos anos de 1996  a 2003
Tabela 7: Número de Instituições de Educação Superior, Número de Cursos de Graduação e Matrícula  (em 30/06) por Organização Acadêmica e Categoria Administrativa, segundo a Unidade da Federação  -  1995-2002
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Referências

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