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O Estado gestor: o seu novo papel e as práticas gerenciais modernas

1. GOVERNO FHC E A NOVA RELAÇÃO ESTADO E SOCIEDADE NO BRASIL: A CONCEPÇÃO GERENCIAL DO ESTADO

1.4. O Estado gestor: o seu novo papel e as práticas gerenciais modernas

Neste contexto, o objetivo era a reconstrução do Estado e a Reforma do seu serviço civil, aparelhando este último com práticas gerenciais modernas, sem, no entanto, perder-se de vista sua função eminentemente pública53. Esse empréstimo da abordagem gerencial, que para Abrúcio (1998, p.173) representa um “contexto revolucionário”, marcando o surgimento de um novo paradigma administrativo global, faria com que se tivesse “uma administração pública moderna e eficiente, compatível com o capitalismo competitivo em que vivemos” e no qual “seria necessário flexibilizar o estatuto de estabilidade dos servidores públicos de modo a aproximar os mercados de trabalho público e privado” (Bresser Pereira, 1998 b, p.21). Assim, administração pública assume um novo marco teórico e uma nova

53 Segundo Bresser Pereira, a perspectiva “desenvolvida na administração de empresas é também válida para as

organizações públicas. Não se trata, porém, da simples importação de modelos idealizados do mundo empresarial, e sim do reconhecimento de que as novas funções do Estado em um mundo globalizado exigem

prática (Bresser Pereira e Spink, 1998, p.7) e toma de empréstimo uma perspectiva da administração de empresas e algumas das suas práticas gerenciais modernas.

Defende-se que a abordagem empresarial passa a ser válida para as organizações públicas devido ao reconhecimento de que “as novas funções do Estado, em um mundo globalizado, exigem novas competências, novas estratégias administrativas e novas instituições” (Bresser Pereira e Spink, 1998, p.7), contexto no qual somente uma prática da administração pública gerencial, em substituição à perspectiva burocrática anterior, poderia revigorar o Estado.

O novo paradigma da administração pública traz consigo “novos conceitos (...) para combater os antigos – administração por objetivos, downsizing, serviços públicos voltados para o consumidor, empowerment, pagamento por desempenho, qualidade total, diversas formas de descentralização” (Abrúcio, 1998, p.173-4), propostas que, ao lado de outras, na análise de Abrúcio, “fazem parte de um conjunto de medidas cuja finalidade é modificar, no nível mais abrangente possível, os parâmetros da organização burocrática (...) representando uma verdadeira revolução nos alicerces da burocracia moderna”(1998, p.174).

Em suma, o governo FHC apóia-se na necessidade de reorganização / reorientação do Estado e na redefinição do seu papel, para os quais é fundamental que se adotem “critérios de gestão capazes de reduzir custos, buscar maior articulação com a sociedade, definir prioridades democraticamente e cobrar resultados” (Cardoso, 1998, p.16). Nesse contexto, era necessário preparar a administração pública para “a superação dos modelos burocráticos do passado, de forma a incorporar técnicas gerenciais que introduzam na cultura do trabalho público, noções indispensáveis de qualidade, produtividade, resultados, responsabilidade dos funcionários, entre outras” (1998, p.17).

A emergência da abordagem gerencialista na administração pública, de um paradigma pós-burocrático, tendo uma visão negativa dos processos burocráticos, envolveu freqüentemente controlar resultados, que seriam o mais importante. Neste sentido, os meios são tidos como tecnicamente neutros, como se fossem livres de carregar uma visão política, uma concepção de atuação do Estado e da sua relação com a sociedade. Conforme identifica Abrúcio (1998) como característica geral dos modelos pós-burocráticos, nota-se “acima de tudo, a ênfase nos meios, pensados como instrumentos técnicos neutros, [como] a regra, ao passo que não se discute a fundo o que deveria ser a administração pública; em suma, qual o seu sentido político” (1998, p.174).

novas competências, novas estratégias administrativas e novas instituições”. (Bresser Pereira e Spink, 1998, p.7).

Essa percepção da necessidade de se controlar o resultado do processo pode ser observada em Bresser Pereira54:

a Reforma da Gestão Pública [tem como] uma das suas características propor três formas novas de controle ou responsabilização (quer dizer, responsabilização perante a sociedade, accountability). E quais são essas três formas? Elas se somam e em parte substituem as clássicas burocráticas - na forma burocrática tem-se o controle por supervisão e hierarquia e, portanto, o controle por auditoria de procedimentos, fundamentalmente, supervisão e auditoria de procedimentos. Não é que se acabe com isso, mas se diminui a importância disso e se aumentam três outras, que são: o controle / a administração por resultados, geralmente adotados através de um contrato de gestão; o controle social, que é a instituição que se chama formal e informalmente entidade da sociedade civil (ONGs, conselhos e etc), para participarem do controle da organização; e terceiro a competição administrada.

A abordagem gerencial traz, por outro lado, uma visão negativa e crítica do Estado-providência a que busca superar. Nesta perspectiva se defende que os “Estados democráticos contemporâneos não são simples instrumentos para garantir a propriedade e os contratos, mas formulam e implementam políticas públicas estratégicas para suas respectivas sociedades tanto na área social quanto na científica e tecnológica” (Bresser Pereira e Spink, 1998, p.7). E, para se alcançar isso, “é necessário que o Estado utilize práticas gerenciais modernas, sem perder de vista sua função eminentemente pública” (apresentação, Bresser Pereira e Spink, 1998, p.7), fortalecendo-o contra as pressões do clientelismo político e dos interesses particulares de grupos ou corporações (Bresser Pereira e Spink, 1998).

Portanto, se, de um lado, o novo papel do Estado o retirara da provisão direta de alguns serviços, por outro, ele continua como interventor no sistema, ou seja, fazendo o seu controle, dentro de uma proposta socialdemocrata:

a intervenção do Estado, além de continuar sendo necessária nas áreas de saúde, educação, cultura e desenvolvimento tecnológico, assume um novo papel de apoio às economias nacionais, para que estas se tornem competitivas internacionalmente. Enquanto as reformas neoliberais retiraram o Estado da economia, a abordagem socialdemocrata busca aumentar e aprofundar a governança do Estado, ou seja, sua capacidade financeira e administrativa de transformar em realidade as decisões do gove rno. A necessidade de aumentar a

eficiência do Estado é uma imposição do processo de globalização, que acirrou a competição entre os países. Em conseqüência, a administração pública democrática tornou-se obsoleta e as burocracias públicas estão sendo levadas cada vez mais a adotar uma abordagem gerencial, baseada na descentralização, no controle dos resultados e

não no controle de procedimentos, na competição administrada, e no controle social direto. (Bresser Pereira e Spink, 1998, p.11).

A reestruturação do Estado, nesta perspectiva, incluía a distinção de atividades

exclusivas do Estado das atividades não exclusivas (como os serviços sociais – onde entra a

educação - e competitivos e a produção de bens e serviços para o mercado). O governo FHC defendia a criação de novas instituições – as “agências executivas” e as “organizações sociais” –, para realizarem as tarefas necessárias sob contrato de gestão e com ampla autonomia. (Bresser Pereira e Spink, 1998, p.11).

De sua parte, as atividades exclusivas constituem o núcleo estratégico do Estado, onde as políticas públicas são definidas e os serviços de fiscalização e controle são executados, enfim, onde o poder do Estado é exercido. A idéia era a de que esses serviços deveriam ser realizados por agências executivas, segundo o modelo britânico55. (Bresser Pereira e Spink, 1998, p.11).

Por sua vez, os serviços sociais e os científicos, dentre eles a educação, que são e devem continuar a ser custeados pelo Estado, precisarão ser gradualmente “publicizados”, ou seja, transformados em entidades sem fins lucrativos, públicas não estatais, que, na medida em que tenham autorização do Poder Legislativo para participar do orçamento público, serão chamadas de “organizações sociais”, ao contrário das empresas que produzem bens e serviços para o mercado e que deverão continuar sendo privatizadas.

Enfim, o direcionamento era o de que seria necessário reconstruir o Estado e reavaliar o seu papel e as suas atribuições, sem reduzi-lo ao mínimo. Ou, conforme Bresser Pereira e Spink (1998, p.13):

Se o Estado do século XX procurou proteger os direitos sociais provendo diretamente os serviços sociais através da contratação de burocratas estatais, o Estado do século XXI deverá garantir esses direitos principalmente através da contratação de entidades públicas não estatais, mais competitivas, mais eficientes, e mais bem controladas pela sociedade.

Essas diretrizes, independente da sua aplicabilidade factual56, orientaram toda a atuação do Estado durante o governo FHC em todos os setores e colaboram, deste modo, para a compreensão das decisões tomadas no setor educacional.