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Governo FHC e a superação do varguismo no Brasil: do Estado-providência ao Estado gestor

1. GOVERNO FHC E A NOVA RELAÇÃO ESTADO E SOCIEDADE NO BRASIL: A CONCEPÇÃO GERENCIAL DO ESTADO

1.3. Governo FHC e a superação do varguismo no Brasil: do Estado-providência ao Estado gestor

Segundo a análise de Sallum Jr (1999), o governo FHC coloca como objetivo central justamente a transição para além da Era Vargas. A suposta necessidade de transição aparece no programa de governo através dos objetivos de romper, dentro de um regime democrático consolidado, com certas articulações entre poder político, sociedade e economia remanescentes daquele período e, assim, conseguir-se a mudança do padrão de desenvolvimento do país. Em outras palavras, o modelo de Estado-providência, que “cresceu” para prover diretamente serviços públicos e garantias sociais, que funciona como núcleo centralizador da organização da sociedade e que construiu todo um aparelho burocrático dentro dessa perspectiva, vira o pivô de toda a crise que se busca superar na década de 90. Conforme o argumento de Bresser Pereira (1998 d)40, ex-titular do Ministério da Administração Federal e Reforma de Estado (MARE), do governo FHC:

entre os anos 30 e os anos 60 deste século, o Estado foi um fator de desenvolvimento econômico e social. (...) [Entretanto] a partir dos anos 70, porém, em face ao seu crescimento distorcido e ao processo de globalização, o Estado entrou em crise e se transformou na

principal causa da redução das taxas de crescimento econômico, da elevação das taxas de desemprego e do aumento da taxa de inflação

que, desde então, ocorreram em todo o mundo (Bresser Pereira, 1998 d, grifo nosso).

No que diz respeito ao ensino superior, houve um incremento de 60% do número total de alunos entre 1929 e 1939, passando de 13.200 para 21.200”.

40 Luiz Carlos Bresser Pereira Que foi o único ministro do então criado Ministério da Administração Federal e

Como se vê, para Bresser Pereira, que é também voz do governo, não só o Estado

entrou em crise, como também o seu modo de funcionamento e suas atribuições se transformaram na principal causa dela. A crise do Estado e o questionamento do seu papel,

conforme mencionado anteriormente, não foram restritos ao Brasil, mas estão inseridos dentro de um movimento que envolveu vários países no mundo ocidental. Contudo, suas especificidades e conseqüências no país podem ser observadas e compreendidas41.

Deste modo, de acordo com Sallum Jr., surge, no Brasil, no início da década de 80, associada à crise fiscal, uma crise de hegemonia política na qual “os representantes, os que seguravam o leme do Estado, dissociaram-se dos representados, que se fracionaram e polarizaram em torno de interesses e idéias distintos”. Conforme explica Sallum Jr., as forças que estavam historicamente ligadas ao Estado brasileiro começam a se movimentar em direção a outros aliados: “fraturaram-se, por uma parte, as articulações típicas entre o Estado (e suas empresas), os capitais privados locais e o capital internacional, entre o setor público e o privado. Por outra parte, foi posta em xeque a estrutura existente de agregação e intermediação de interesses econômico-sociais em face do poder estatal” (Sallum Jr., 1999, p.25). É justamente o começo do desmantelamento do Estado centralizador.

Neste momento de “fratura”, Sallum Jr. percebe que os segmentos sociais que compunham a velha aliança desenvolvimentista dividiram-se em fórmulas diferentes para solucionar os problemas e essas “oscilaram ideologicamente entre o nacionalismo desenvolvimentista e o neoliberalismo” (Sallum Jr,1999, p.25). Ele explica que à crise de hegemonia somou-se a crise econômica, que seguiram juntas pela década de 80 e início de 90. Isto é, o Estado desenvolvimentista estava em crise e precisava de soluções diferentes das encontradas no paradigma anterior. As primeiras tentativas de solucionar os problemas, porém, não conseguiam se afastar do antigo quadro de referência. Somente por volta de 1986/1988, segundo ele, em meio à desagregação do legado varguista, os participantes do antigo pacto nacional desenvolvimentista iniciam uma reorientação política e as classes proprietárias e empresariais começam a organizar-se de forma autônoma visando “conformar a ação e as estruturas estatais” (Sallum Jr., 1999, p.26). A partir de então, avalia o autor, com o fim da ditadura militar, ocorre uma mudança representativa:

41 Conforme saliente Sallum Jr. (1999, p.25) “a partir daí [últimos anos da década de 70] a capacidade de

comando do velho Estado sobre a sociedade e a economia passa a ser severamente restringida, tanto pelas transformações econômicas internacionais, que marcam a transição do capitalismo mundial para sua forma transnacional, como pela emergência de movimentos e formas de organização autônoma dos segmentos sociais, principalmente subalternos. Numa palavra: transnacionalização do capitalismo e democratização da sociedade foram (e vêm sendo), sob várias modalidades de manifestação, os processos mais abrangentes de superação do Estado desenvolvimentista”.

pareceu que o corporativismo, os ‘anéis burocráticos’ e os ‘cartórios’ deixaram de ser suficientes como garantias de controle exercido pelo empresariado sobre o Estado. Não apenas o empresariado renova e multiplica suas organizações e expande sua atuação na esfera pública mas também a sua perspectiva passa a predominar largamente nos meios de comunicação de massa, difundindo-se, com isso, na massa empresarial e nas classes médias”42 (Sallum Jr, 1999, p.26).

Para Sallum Jr. (1999), é importante perceber que todo o movimento de questionamento das relações entre poder político, sociedade e mercado vinha no sentido de clamar por uma nova ordem, e não para o restabelecimento da anterior, a partir do entendimento do empresariado de que o Estado já não lhe poderia dar o apoio anterior, principalmente com a sua presença no sistema produtivo. Além do mais, era necessário à burguesia local associar-se com o capital internacional, o que, ao fim, envolveria concessões liberalizantes.

Portanto, depois de décadas andando de mãos dadas com o Estado, a elite empresarial muda seus métodos e “combate o intervencionismo estatal, clama por desregulamentação, por uma melhor acolhida ao capital estrangeiro, por privatizações, etc. Em suma, passa a ter uma orientação cada vez mais desestatizante e internacionalizante” (Sallum Jr, 1999, p.26), orientação esta que, vale dizer, acaba se materializando totalmente no programa de governo do FHC.

Voltando à trajetória de mudança, o resultado da conversão da elite empresarial no curto prazo foi modesto diante das resistências dos assalariados organizados e no pessoal do Estado – que se movimentou em defesa do “nacional” e do “estatal” (Sallum Jr, 1999, p.26-7) – e diante da aprovação de uma Constituição que não legitima os interesses dessa elite, a Constituição de 1988. Esta, ao contrário, limitava o capital estrangeiro, aumentava o controle estatal sobre o mercado e a proteção de funcionários, trabalhadores, entre outras afirmações de garantias de direito, o que deu uma sobrevida à Era Vargas e ao modelo nacional- desenvolvimentista.

De maneira que a grande reviravolta veio, na verdade, com a eleição de Fernando Collor para a presidência da República. No seu governo (1990-199243), apesar de breve e tumultuado, já se conseguiu danificar expressivamente o arcabouço institucional-

42 Nesse trecho o autor, em nota de rodapé, lembra que a reorientação ideológica faz parte da expansão das idéias

econômicas liberais pelo mundo, expansão esta que ocorre com maior vigor a partir do final dos anos 70, com a contribuição dos governos Ronald Reagan nos EUA e Margareth Thatcher na Inglaterra.

desenvolvimentista e foi o primeiro passo para a reorientação da sociedade brasileira em um sentido anti-estatal e internacionalizante. A partir do governo Collor, de acordo com Sallum Jr (1999, p.28), de maneira geral “desistia-se de constituir no país uma estrutura industrial completa e integrada, em que o Estado cumpria um papel de redoma protetora em relação à competição externa e de alavanca do desenvolvimento industrial e da empresa privada nacional”, incorporando-se ao Estado as mudanças político-ideológicas que já vinham ocorrendo no seio do empresariado nacional. Assim, apesar da crise gerada pelo impeachment de Collor em 1992, este presidente deixaria como legado a estratégia liberal que começara a se implementar em 1990, inviabilizando qualquer volta ao nacional desenvolvimentismo (Sallum Jr, 1999).

Apesar das alterações e adaptações de procedimentos dos governos seguintes, Sallum Jr. (1999, p.29) explica que:

essas condições e alavancas deram especificidade à fortuna encontrada por algumas lideranças políticas que, bem situadas no seio do Estado, tiveram virtu suficiente para negociar a associação entre partidos de centro e direita em torno da continuidade das reformas liberais, da estabilização econômica e da tomada de poder político central.

É importante ressaltar que quando se refere à virtu de algumas lideranças políticas, Sallum Jr. está se remetendo diretamente ao novo bloco hegemônico que surge no cenário político nacional junto a FHC44. O Plano Real seria o maior exemplo dessa capacidade de articulação. O sucesso desse plano, articulado pelo então Ministro da Fazenda do governo Itamar Franco (1992-199445), Fernando Henrique Cardoso, e da estabilidade econômica por ele proporcionada, foi ponto central para a eleição deste ex-ministro, na seqüência, como Presidente da República, com um programa de governo que objetivava reconstruir o poder do Estado segundo uma ótica predominantemente liberal46 (Sallum Jr, 1999).

43 Para se mais exata, de 15 de março de 1990 à 02 de outubro de 1992.

44 O autor explica que a “coligação eleitoral que articulou a candidatura de Cardoso deu o acabamento final a um

longo processo de construção social de um novo bloco hegemônico saído das entranhas da Era Vargas, mas em oposição a ela”. (Sallum Jr, 1999, p.24-5).

45 Pontualmente de 02 de outubro de 1992 a 01 de janeiro de 1995.

46 Apesar da não concordância de Cardoso (1994) com esse rótulo – “(...) para resolver as questões não só

econômicas como sociais, existe uma via social-democrática para o desenvolvimento sustentado e para a melhoria do povo que se distinga, por um lado, da crença no automatismo do mercado e na força da empresa e, por outro, do intervencionismo burocrático-estatal? É isso que está em questão nas eleições de 3 de outubro. E

Para o autor, “o objetivo central do programa de governo de Fernando Henrique era preservar a estabilidade monetária e mudar o padrão de desenvolvimento brasileiro, superando a Era Vargas, que – nas palavras do Presidente [FHC] – ‘ainda atravanca o presente e retarda o avanço da sociedade’ ” (Sallum Jr., 1999, p.41), o que seria conseguido através de um conjunto de projetos destinados a reformar parte da Constituição de 1988 e outras leis infra-estruturais que mantinham o varguismo47. Deste modo, Sallum Jr. comenta que, durante o primeiro mandato, o governo de FHC “buscou com perseverança cumprir o propósito de liquidar os remanescentes da Era Vargas, pautando-se por um ideário multifacetado, mas que tinha no liberalismo econômico sua característica mais forte” (1999, p.31), com ações que mudaram institucional e patrimonialmente a relação entre o Estado e o mercado. Assim ele resume as proposições deste governo:

O Estado não cumpriria funções empresariais, que seriam transferidas para a iniciativa privada; suas finanças deveriam ser equilibradas e os estímulos diretos dados às empresas privadas seriam parcimoniosos; não poderia mais sustentar privilégios para categorias de funcionários; em lugar das funções empresariais, deveria desenvolver mais intensamente políticas sociais; e o país teria que ampliar sua integração com o exterior, mas com prioridade para o aprofundamento e expansão do Mercosul. (Sallum Jr, 1999, p.31).

Como se pode confirmar, já no programa de governo de FHC, publicado em 1994, fica clara a visão deste presidente da República da crise do Estado e o seu diagnóstico da “falência” deste, ou seja, do seu fracasso:

a crise brasileira é também a crise do Estado. (...) O Estado perdeu a capacidade de investimento e, por isso, deixou de promover o desenvolvimento, a justiça e o bem-estar. A deterioração dos serviços as respostas são várias. (...) Ao invés dos ideólogos de esquerda comemorarem a inexistência de propostas neo- liberais em nossa política – graças à sua inviabilidade prática – fazem o contrário: pintam a cara do PSDB e de seu candidato, como se fossem a encarnação do ‘neo-liberalismo’ (...) [o PFL apóia o PSBD] porque os líderes mais lúcidos do partido reconhecem que é preciso (até mesmo para ganhar as eleições) reformular o ideário liberal, e mesmo liberal-social, e estabelecer uma ponte com as realidades do país. É este o desafio e a resposta a ele nada tem de neo-liberal, mas sim de social-democrata”(Cardoso, 1994, p.292-5) – Sallum Jr. (1999, p.45) analisa que “embora não haja como negar ao governo Fernando Henrique a qualificação de democrático e representativo, ele afastou-se de qualquer veleidade social-democrata. (...) sua prática foi de estilo delegativo”. Para Sallum Jr. após janeiro de 1999, mudou radicalmente, contra a vontade de FHC, as bases macroeconômicas que delimitaram seu primeiro mandato. Com a instituição do cambio flutuante, lança-se as bases econômicas para uma possível transformação econômica para o pólo liberal-desenvolvimentista (1999).

47 Como a Constituição de 1988 tinha emoldurado a Era Vargas, o caminho a ser seguido pelos governos

seguintes de orientação liberal envolveria reformar parte da Constituição e alterar leis infra-estruturais que materializavam institucionalmente o remanescente deste período de desenvolvimentismo.

públicos de segurança, educação e saúde é a face mais evidente da falência do Estado, que se manifesta mais profundamente na ausência de políticas coerentes em áreas básicas como a agricultura, a ciência e a tecnologia, o desenvolvimento industrial. (Cardoso, 1994, p.185).

Tão certo quanto o diagnóstico de que o Estado está impotente diante das necessidades da sociedade é a solução apresentada, a saber, a Reforma do Estado: “é necessário transformar o Estado de tal maneira que ele se adapte às novas demandas do mundo contemporâneo”(Cardoso, 1998, p.15). FHC, em um seminário organizado pelo MARE em 199648 para debater as questões sobre a Reforma do Estado, explicita a necessidade da superação do legado varguista e burocrático:

Reformar o Estado não significa desmantelá-lo. Pelo contrário, a reforma jamais poderia significar uma desorganização do sistema administrativo e do sistema político de decisões e, muito menos, é claro, levar à diminuição da capacidade regulatória do Estado, ou ainda, à diminuição do seu poder de liderar o processo de mudanças, definindo o seu rumo. Mudar o Estado significa, antes de tudo, abandonar visões do passado de um Estado assistencialista e paternalista; de um Estado que, por força das circunstâncias, concentrou-se em larga medida na ação direta para a produção de bens e serviços. Hoje, todos sabemos que a produção de bens e serviços pode e deve ser transferida à sociedade, à iniciativa privada, com grande eficiência e com menor custo para o consumidor. Insisto, assim, em um ponto: esta visão de um Estado que se adapta, para poder enfrentar os desafios de um mundo contemporâneo, não pode ser confundida com a inexistência de um Estado competente, eficaz, capaz de dar rumo à sociedade ou, pelo menos, de acolher aqueles rumos que a sociedade propõe e que requerem uma ação administrativa e política mais conseqüente, nem tampouco significar a inércia diante de um aparelho estatal construído em outro momento da história de cada um dos nossos países, que se concentrou seja no corporativismo e no assistencialismo, seja na produção direta de bens e serviços (Cardoso, 1998, p.16).

A partir desse diagnóstico, a solução dos problemas envolve, necessariamente, “uma corajosa reforma administrativa e a redefinição do papel constitucional do Estado na sociedade, do campo de atuação do setor público em seus 3 níveis – federal, estadual e municipal – e das formas de financiamento do governo” (Cardoso, 1994, p.185) que incluía a reforma administrativa, a reforma fiscal, a reforma da previdênc ia social e a privatização

(Cardoso, 1994). Um dos termos que surgem com força neste período, como relatou Abrúcio (1998), é o da defesa da governabilidade. Para Cardoso torna-se necessário:

criar as condições para a reconstrução da administração pública em bases modernas e racionais. Isso significa assegurar a governabilidade e, sobretudo, tornar mais eficaz e responsável a prestação dos serviços que a população requer nos campos da saúde, previdência, educação e segurança. É preciso, além disso, redefinir áreas de atuação do Estado, para melhor alocação de recursos orçamentários e maior aproveitamento da capacidade de investimento (Cardoso, 1994, p.185- 6).

Nessa linha de pensamento, a necessidade de reavaliação das funções do Estado e a redistribuição de responsabilidades entre os três níveis de governo apontava para a descentralização que permitiria “maior eficácia e controle social das ações governamentais”(Cardoso, 1994, p.186). Defendiam-se, pois, as reformas tidas como necessárias: a redefinição das competências federativas, do estabelecimento de novas formas de parceria com o setor privado e de um programa reformulado de privatizações. (Cardoso, 1994, p.186). Para Cardoso, era necessário superar as deficiências de um Estado “esclerosado e clientelista, [que] precisa se tornar ágil e eficiente” (1994, p.188). Para tanto, era também necessária “uma burocracia profissionalizada, tendo o concurso público como forma de acesso e o mérito e a produtividade como critérios de promoção, (...) [como] condição para que possam ser instituídos salários justos para todas as funções” (1994, p.188). Além disso, defendia-se que:

a reforma do Estado é indispensável para a estabilidade econômica, o desenvolvimento sustentado, a correção das desigualdades sociais e regionais. Ela irá torná-lo mais competente e voltado à inovação social. Irá também fortalecê-lo contra as pressões do clientelismo político e dos interesses particulares de grupos e corporações. Sem a reconstrução do Estado, tampouco será possível criar os instrumentos pelos quais a inevitável rearticulação entre o país e o exterior se dará efetivamente conforme os interesses nacionais. (1994, p. 185).

O conjunto do que se pretendia realizar no governo FHC está contido, de forma resumida, em um fragmento dos discursos feitos pelo ex-presidente:

Nossa proposta (minha, do PSDB e dos que nos apóiam) é de

reformar o Estado, enfrentando os interesses corporativos, para criar

os instrumentos de uma nova articulação entre o país e a ordem mundial, sem que esta se dê, como hoje, à matroca, respondendo automaticamente às propostas internacionais ou refugiando-se no

protecionismo de um ‘estatismo envergonhado’ manipulado pelos interesses corporativos de funcionários, às expensas dos interesses da

imensa maioria do povo. Em outros termos, dado o colapso, que vem de longe, da “burguesia nacional” e dada a ineficiência do Estado, estaremos condenados, com ou sem “consenso de Washington”, à

ausência de um projeto nacional viável, se continuarmos na indefinição política quanto à forma e à eficiência do Estado. É para a reforma do Estado, tornando-o mais competente, com carreira e

treinamento adequado dos funcionários, mais voltado para a inovação social e menos preso aos interesses corporativos das empresas

estatais e dos segmentos “cutizados” da burocracia, que se requer na

nova fórmula política. (Cardoso, 1994, p.298, grifo nosso)

No trecho supracitado, pode-se perceber algumas das principais intenções e os principais inimigos do governo FHC na Reforma do Estado: enfrentar os interesses corporativos, o protecionismo, o “estatismo envergonhado”, inserir o Brasil na economia mundial, buscar a eficiência do Estado e torná-lo mais competente. Pretende-se, então, não só superar o modelo burocrático, corporativista, patrimonialista, centrado na proteção do Estado, mas também, como defendeu FHC, “deixar de lado os resquícios do patrimonialismo, da troca de favores, das vantagens corporativas, do servilismo clientelista ao poder político” (Cardoso, 1998, p.18).

A visão geral que direcionava os investimentos do governo FHC entretanto, segundo Sallum Jr., manifestava-se de maneiras diferenciadas dentro do jogo de disputa política que havia entre as duas versões distintas de liberalismo no seio do próprio governo: “uma mais dout rinária e fundamentalista, o neoliberalismo e outra, que absorve parte da tradição anterior, o liberal-desenvolvimentismo” (Sallum Jr, 1999, p.32)49, que demonstrava uma certa preocupação com as conseqüências sociais e econômicas supostamente negativas da ortodoxia liberal50. A primeira maneira, neoliberal, por ter sido interpretada pela

49 Na ala neoliberal o autor cita como representantes no governo Gustavo Franco (Banco Central), Pedro Malan

(Ministro da Fazenda), Winston Fritsch (Secretário de Política Econômica) e na ala liberal- desenvolvimentismo cita José Serra (Ministro da Saúde), Luiz Carlos Bresser Pereira (MARE) e Luiz Carlos Mendonça de Barros (Sallum Jr, 1999).

50 Para o autor, a orientação do bloco político que dá sustentação ao governo FHC, além de ser liberal e

internacionalizante, polariza -se entre duas versões contrapostas de liberalismo: o fundamentalismo neoliberal e o liberal desenvolvimentismo, alternativas dentro do mesmo espectro político-ideológico, embora aí se localizassem em pólos opostos e tivessem implicações socioeconômicas muito diferentes. A predominância foi do neoliberalismo como política econômica (Sallum Jr, 1999).

“Presidência da República como um meio decisivo para assegurar o necessário controle sobre o sistema político, tendo em vista realizar a pesadíssima agenda de reformas institucionais que constituía o núcleo duro do programa do governo” (Sallum Jr, 1999, p.41), fora dominante no primeiro governo, que tinha como maior preocupação a estabilização dos preços através de diversas medidas. Essa política teve, por sua vez, conseqüênc ias negativas que fizeram com que o governo tomasse medidas compensatórias que tinham como fonte, majoritariamente, a inspiração da ala liberal-desenvolvimentista, e que faz renascer parcialmente o “velho desenvolvimentismo dos anos 50 a 70 (...) sob o predomínio liberal” (Sallum Jr., 1999, p.34).

Quanto ao desenvolvimentismo, que Sallum Jr. caracteriza, igualmente ao anterior, de industrializante, amplia o seu foco incluindo aí as atividades produtivas em geral, da agricultura até os serviços, aspirando que a produção local tenha uma participação significativa no sistema econômico mundial, vendo com bons olhos somente algumas formas bem delimitadas de intervenção do Estado no sistema produtivo51, incentivadas através de políticas setoriais que aumentassem a competitividade no setor e o “adensamento das cadeias produtivas”. (Sallum Jr, 1999, p.35).

Há, no entanto, um ponto comum que, contudo, predominou naqueles dois blocos