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A Reforma do Estado e o papel do Estado na Educação

1. GOVERNO FHC E A NOVA RELAÇÃO ESTADO E SOCIEDADE NO BRASIL: A CONCEPÇÃO GERENCIAL DO ESTADO

1.5. A Reforma do Estado e o papel do Estado na Educação

A visão predominante da educação no governo FHC dentro desse contexto da Reforma do Estado e de economia globalizada era a de que a educação tinha importância

estratégica para a inserção do Brasil no mercado mundial. O programa de governo de

Cardoso (1994) deixava claro o seu diagnóstico sobre o que precisaria ser feito: “o país terá de avançar – e muito – na reforma da educação e nos estímulos à ciência e tecnologia para que tenha condições de forjar um novo modelo de desenvolvimento, que gere empregos de qualidade superior, impulsione inadiáveis transformações sociais e alcance presença significativa na economia mundial” (Cardoso, 1994, p.15). É fundamental, para isso, “estabelecer uma verdadeira parceria entre o setor privado e o governo, entre universidade e indústria, tanto na gestão quanto no financiamento do sistema brasileiro de desenvolvimento científico e tecnológico” (Cardoso, 1994, p.15). Assim, o “modelo de desenvolvimento fundado numa sociedade educada e movido por uma economia altamente competitiva”, visava inserir o Brasil na economia mundial e para isso reorganizar o Estado.

A nova parceria do setor privado com o governo visava, também, ampliar as possibilidades de financiamento de algumas áreas, para que não se ficasse somente na dependência de recursos do Estado. A fontes dos recursos para o governo FHC, e leia-se aí também para a educação, no novo modelo de relação do Estado com o mercado, contavam com mais contribuições, entre elas,

56 Na Reforma do Estado, diante das suas intenções iniciais o governo FHC teve algumas vitórias e derrotas. Ver,

por exemplo, Tavares (2003, p.B2): “O governo FHC enterrou as políticas desenvolvimentistas e a era Vargas mas aumentou o patrimonialismo e liquidou a eficiência operacional dos ministérios setoriais na sua “Aventura Liberal numa Ordem Patrimonialista” (Faoro, Revista da USP, 1993 (....) O núcleo duro do poder financeiro estatal não apenas se submeteu a Washington mas copiou os aparelhos de gestão norte-americanos, e seu locus operacional privilegiado passou a residir no BC e na Secretaria do Tesouro Nacional (...). Além disso, passaram a interferir em todas as demais órbitas burocráticas de poder, das políticas de desenvolvimento à infra -estrutura, das políticas sociais à política externa. (...) Os excluídos de hoje não são apenas os desempregados mas os que estão fora das estruturas de proteção social do Estado e tampouco estão incluídos nas estruturas clientelistas tradicionais” (2003). Segundo Tavares (2003, p.B2).

(...) as verbas tradicionais do orçamento público, saneado e revigorado por uma reforma fiscal; os fundos provenientes do processo de privatização; a criação de um Fundo de Financiamento do Desenvolvimento, usando parte das reservas internacionais do país; a participação nos mercados financeiros nacional e internacional, mediante a emissão de títulos de longo prazo, possibilidade concreta a partir da estabilização macroeconômica; a definição de uma nova parceria com o setor privado na realização de investimentos públicos, na forma de concessões ou de associações com empresas nacionais e estrangeiras; e, finalmente, as fontes usuais de financiamento externo”. (Cardoso, 1994; p.17).

Mas, para que isso fosse possível, afirmava-se que o governo manteria regras claras e estáveis garantindo liberdade nas decisões de investimento e mobilidade dos recursos, sendo também “ necessário estabelecer claramente o papel do governo na regulação destas atividades para assegurar a qualidade, competição e tarifas adequadas na concessão de serviços públicos”. Além do mais, era indispensável a manutenção de uma política macroeconômica consistente, justamente um dos focos desse governo, que “compreenda o controle da inflação e do déficit público, a abertura da economia, a desregulamentação e a privatização”(Cardoso, 1994, p.21). Por outro lado, para que realmente se efetivasse a “crescente parceria com o setor privado na propriedade e gestão da infra-estrutura nacional” era fundamental “a redefinição do papel do Estado como instância reguladora, com poder de evitar monopólios e abusos que tendem a ocorrer em situações de concentração do poder econômico” (1994, p.17-8). A idéia, enfim, era a de que o governo fosse capaz de regular a prestação de serviços públicos no “interesse do cidadão e dos objetivos do país”. (1994, p.18). Está aí resumida a base do projeto do governo FHC.

A área da educação constava entre as suas metas prioritárias e setores complementares57, para a qual “a prioridade fundamental da política educacional no Governo Fernando Henrique consistirá em incentivar a universalização do acesso ao primeiro grau e melhorar a qualidade do atendimento escolar, de forma a garantir que as crianças tenham efetivamente a oportunidade de, pelo menos, completar as oito séries do ensino obrigatório” (Cardoso,1994, p.111).

Sendo a educação fundamental prioritária, a diretriz para a educação superior era claramente diferenciada:

(...) o ensino superior federal precisa ser efetivamente revisto. Consome hoje de 70 a 80 % de todas as verbas do Ministério da Educação, atendendo

57 Que compreendem agricultura, educação, emprego, saúde, segurança, habitação, saneamento e turismo

apenas a 22% dos jovens matriculados no ensino superior. Dos demais, 13% estão em escolas estaduais e o restante, cerca de 66%, paga pelos seus estudos em instituições privadas. (Cardoso, 1994, p.115).

Assim, a intenção da política do governo FHC com relação à educação superior no Brasil era a de

(...) promover uma revolução administrativa, que dê efetiva autonomia às universidade, mas que condicione o montante das verbas que recebem a uma avaliação de desempenho e, especialmente, ao número de alunos que efetivamente formam, às pesquisas que realizam e aos serviços que prestam. (Cardoso, 1994, p.115).

Nesta política para a educação superior estava prevista, ainda, uma “administração mais racional dos recursos e a utilização da capacidade ociosa hoje existente para generalizar os cursos noturnos e aumentar as matrículas, sem despesas adicionais” (Cardoso, 1994, p.115). Ou seja, estava prevista uma racionalização dos gastos, sendo que o aumento da produtividade deveria se refletir em aumentos salariais. (Cardoso,1994, p.115).

Para o setor privado, pensou-se uma nova política que deveria incluir a “reformulação do sistema de autorização para a criação de estabelecimentos e cursos; a fixação de critérios transparentes e objetivos para a distribuição de auxílio federal às instituições comunitárias, condicionando-a a um sistema de avaliação de qualidade; a reformulação do crédito educativo, condicionando-o a um sistema de avaliação da qualidade do ensino, incluindo as escolas particulares que queiram aderir a esse sistema, e avaliação da relação custo-benefício”. (Cardoso, 1994, p. 115). Defendia-se que tais medidas promoveriam a “maior democratização do acesso ao ensino superior, um sistema como este contribuiria decisivamente para a melhoria da qualidade do ensino e estabeleceria um controle indireto, mas eficaz do custo das mensalidades escolares” (Cardoso, 1994, p. 116).

A responsabilidade pela educação seria, por fim, dividida em um item chamado “distribuição das competências”, que consistiria em uma reforma do Ministério da Educação no sentido de “reduzir suas atuais responsabilidade como instância executora, concentrando a sua função na coordenação e na articulação com os estados e destes com os municípios” (Cardoso, 1994, p.116-7). Junto com a descentralização, se previa, complementarmente, a desregulamentação que viria a “atuar junto ao Congresso Nacional para que a legislação educacional possa prever mecanismos flexíveis, que permitam diferentes formas de cooperação entre a União, estados e municípios, bem como a criação de canais de

participação e formação de parcerias e alianças em torno de compromissos efetivos da sociedade civil com a gestão de um ensino de qualidade” (Cardoso, 1994, p.117).

Ainda, nisso tudo, estava previsto o estabelecimento de novos padrões de gestão, que incluiria, entre outras coisas, a eliminação da burocracia desnecessária, aumento de autonomia, informatização de sistema de dados estatísticos educacionais para racionalizar a utilização dos recursos físicos e humanos, entre outras. (Cardoso, 1994, p.118).

Em todos os níveis da educação se queria a implementação de um sistema nacional de avaliação, mas, especificamente na educação superior. Assim, o governo federal atuaria na melhoria da qualidade da educação superior pública e privada, em cooperação com estados e comunidades locais, buscando

(...) implantar um sistema de avaliação das universidades brasileiras de forma a estimular a produção acadêmica coletiva e individual dos professores; eliminar os entraves burocráticos ao desenvolvimento da universidade, estabelecendo critérios claros de autonomia acadêmica e gestão dos recursos; modernizar os laboratórios de pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico, estimulando o estabelecimento de vínculos claros com a comunidade; implementar atividades de extensão universitária e prestação de serviços à comunidade; eliminar desperdíc io e capacidade ociosa; estimular a criação de cursos noturnos; reformular o sistema de autorização e criação de estabelecimentos e cursos, fixando critérios objetivos para a distribuição de auxílios às instituições comunitárias, condicionados à avaliação da qualidade; implementar e reformular o crédito educativo, relacionando-o a uma relação de custo-benefício e estabelecendo critérios de ressarcimento de acordo com os princípios de eqüidade; apoiar a pesquisa e o desenvolvimento científico e tecnológico nas universidades e nos institutos de pesquisa, estimulando seu potencial de contribuição para o conhecimento da realidade brasileira e o avanço do país; estimular e racionalizar o sistema de aperfeiçoamento do pessoal de nível superior no Brasil e no exterior de acordo com as necessidades do desenvolvimento do país, assegurando o seu aproveitamento (Cardoso, 1994, 122).

Enfim, a visão era de que a “população mais educada, novas tecnologias e um setor produtivo dinâmico e inovador são as receitas básicas para uma vantajosa inserção do Brasil na economia internacional”(Cardoso, 1994, p. 271) e o Provão seria um dos instrumentos para que se impulsionassem as mudanças desejadas no período. Mas, antes de analisá-lo, faz-se, no próximo capítulo, uma síntese das transformações no ensino superior brasileiro desde o período varguista, justamente para se ter claro um dos intentos centrais de Fernando Henrique Cardoso e do seu ministro Paulo Renato de Souza: o combate à burocracia e ao clientelismo através da competição induzida.