• Nenhum resultado encontrado

A Mesquita da Luz: o Islã sunita no Rio de Janeiro

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "A Mesquita da Luz: o Islã sunita no Rio de Janeiro"

Copied!
117
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

JANOÍ JOAQUIM MAMEDES

A MESQUITA DA LUZ: O ISLÃ SUNITA NO RIO DE JANEIRO

SÃO PAULO

(2)

JANOÍ JOAQUIM MAMEDES

A MESQUITA DA LUZ: O ISLÃ SUNITA NO RIO DE JANEIRO

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião.

Orientadora: Profª. Dra. Lídice Meyer Pinto Ribeiro

SÃO PAULO

(3)

M264m Mamedes, Janoí Joaquim

A Mesquita da Luz: o Islã sunita no Rio de Janeiro / Janoí

Joaquim Mamedes – 2014.

116 f. : il. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2014.

Orientador: Profa. Dra. Lídice Meyer Pinto Ribeiro

Bibliografia: f. 111-116

1.Islamismo sunita 2. Mesquita da Luz 3. Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro I. Título

(4)

Banca examinadora

______________________________________

Professora orientadora: Dra. Lídice Meyer Pinto Ribeiro

Universidade Presbiteriana Mackenzie

______________________________________

Professora: Dra. Margarida Maria Moura

Universidade de São Paulo - USP

____________________________________

Professor: Dr. João Baptista Borges Pereira

Universidade Presbiteriana Mackenzie

____________________________________

Professor: Dr. Ricardo Bitum (suplente)

Universidade Presbiteriana Mackenzie

__________________________________

Professor: Dr. Dario Paulo Barrera (suplente)

(5)

AGRADECIMENTOS

Sou grato, pois sozinho jamais poderia concluir este trabalho. Agradeço a todos que colaboraram e me apoiaram em diversos momentos do curso.

Em primeiro lugar, agradeço a Deus que me deu vida e oportunidades. Agradeço à minha família que abriu mão da minha presença em diversos momentos: esposa Adriana, meus filhos Levi e Carol e minha mãe Nancy. Agradeço à minha orientadora, professora Lídice Meyer Pinto Ribeiro pelo apoio e paciência; agradeço, também, aos professores João Baptista Borges Pereira e Margarida Maria Moura por aceitarem fazer parte da banca examinadora e contribuírem muito para a versão final.

(6)

MAMEDES, JJ. A Mesquita da Luz: O Islã Sunita no Rio de Janeiro.

Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2013.

RESUMO

A presente pesquisa aborda a Mesquita da Luz, o espaço físico onde se reúne a Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro (SBMRJ) movimento do Islã Sunita. O trabalho tem como objetivo identificar o nascedouro da SBMRJ e o que contribuiu para formação de sua identidade. Parte do histórico sobre o nascimento do Islamismo, os principais cismas, a mística, o livro sagrado, os cinco pilares: O testemunho, as orações diárias, as esmolas, o jejum durante o mês de Ramadan e a peregrinação à Meca. O Islã e os seis pilares da fé: fé em um Deus único, fé nos anjos, fé nos livros sagrados, fé nos profetas e mensageiros de Deus, fé na predestinação e a fé na ressurreição e no Juízo Final. A chegada do Islã ao Brasil, destacando o Islã afro que chegou com os escravos trazidos da África e o Islã dos imigrantes originários do Oriente Médio. A presente pesquisa aborda também a história da Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro, a Mesquita abandonada de Jacarepaguá e a mudança para o atual endereço. Aborda também a construção da identidade a partir de grupos identificados como árabes e descendentes, os africanos e os brasileiros revertidos. A dinâmica da mesquita é apresentada destacando as principais atividades como as orações de sexta-feira, o departamento educacional, o departamento feminino e o departamento social da instituição. Chegando a conclusão de que a SBMRJ contribui para a criação de um Islã nacional, com uma ortodoxia corânica e uma ortopraxia brasileira e carioca.

(7)

MAMEDES, JJ. A Mesquita da Luz: O Islã Sunita no Rio de Janeiro.

Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2013.

ABSTRACT

The research approaches the Mosque of light, the physical space were gathers the beneficent society Muslim of Rio de Janeiro (SBMRJ), movement of Sunni Islam. The Work aims to identify the hatcher of SBMRJ and what contributed to the formation of their identity. Part of the historical about renaissance of Islam, the main schisms, mystique, holy book, five pillars: The testimony, daily prayers, alms, fasting during the Ramadan’s month and pilgrimage to Mecca. Islam and the six faith’s pillars: Faith in just one God, faith in angels, faith in holy books, faith in predestination, faith in resurrection and in dooms day. The arrival of Islam to Brazil, highlighting the African Islam that arrived with slaves brought from Africa and the Islam of immigrants originating from the Middle East. This research also approaches the Rio de Janeiro’s Muslim Beneficent Society history, the Mosque abandoned of Jacarepaguá and its change to current address. Also approaches the construction of identify from groups identified like Arabs and its descendants, African, and Brazilian reversed. The dynamic of Mosque is show highlighting the main activities like prayers on Friday, department education, female department and the institution’s social department. The work conducts to the following conclusion: The SBMRJ contributes to the creation of a National Islam, with a Koranic Orthodoxy and a Brazilian Orthopraxis.

Keywords: Islam; Sunni; Mosque of Light; Muslim Beneficent Society of Rio de Janeiro.

(8)

8

ÍNDICE DE IMAGENS

Figura 1 - Fachada da Escola Muçulmana em 1977...57

Figura 2 - Desfile de 7 de setembro, 1977, Escola Muçulmana... 57

Figura 3 - Mesquita de Jacarepaguá em 1984...59

Figura 4 - Mesquita de Jacarepaguá em 2009...59

Figura 5 - Obras da Mesquita da Luz em 2009...62

Figura 6 - Fachada da Mesquita da Luz em 2013... 63

Figura 7 - Placa de inauguração da Mesquita da Luz...63

Figura 8 - Sala de Oração (fundos) da Mesquita da Luz...64

Figura 9 - Sala de Oração (frente) da Mesquita da Luz...64

Figura 10 - Croqui da Sala de Oração da Mesquita da Luz...65

Figura 11 - Banheiro masculino da Mesquita da Luz (espaço para ablução).. 66

Figura 12 - Banheiro masculino da Mesquita da Luz...67

Figura 13 - Curso de árabe na Mesquita da Luz...97

Figura 14 - Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa (Copacabana).... 101

Figura 15 - Fim do Ramadã (2013)...102

Figura 16 - Visita de jovens católicos na SBMJ 2013...103

(9)

SUMÁRIO

O Tema ... 17

A Metodologia ... 19

Capítulo 1: Uma breve história do Islã e sua chegada ao Brasil. ... 26

O Nascimento do Islã ... 26

Os quatro califas ... 28

Os principais Cismas ... 30

Os Xiitas ... 30

OsSunitas ... 32

A Mística Islâmica: Os Sufis ... 32

O Alcorão ... 34

Os 5 pilares do Islã ... 35

O Testemunho (Shahaadah) ... 35

As orações diárias (Aslat) ... 36

As esmolas (Zakat) ... 37

O jejum durante o Ramadan (Sawm) ... 38

A peregrinação a Meca (Hajj) ... 39

Os Seis Pilares Da Fé ... 40

1º - Fé em Deus Único (a unicidade de Deus) ... 40

2º - Fé nos Anjos ... 41

3º - Fé nos Livros Sagrados ... 41

4º - Fé nos Profetas e Mensageiros de Deus ... 42

5º - Fé na Predestinação ... 43

6º - Fé na Ressurreição e no Juízo Final ... 44

A chegada do Islã ao Brasil ... 47

O Islamismo de Escravidão ... 47

(10)

Capítulo 2 – A SBMRJ: História e construção da identidade ... 56

História da SBMRJ ... 56

A Escola Muçulmana ... 58

A Mesquita Abandonada ... 60

Uma nova liderança ... 62

A Mesquita da Luz (Masjid Al Nur): A volta às origens. ... 64

A Construção da Identidade ... 72

Árabes e Descendentes ... 73

Os Africanos ... 76

Os Brasileiros Revertidos ... 78

As Mulheres ... 81

Capítulo 3 - A Dinâmica da Mesquita da Luz ... 89

Orações de sexta-feira ... 93

Departamento Educacional ... 99

Curso de Introdução ao Islã ... 99

Departamento Feminino ... 102

Departamento Social ... 102

Considerações Finais ... 109

(11)

Introdução ao Tema da Pesquisa

A presente pesquisa traça uma breve introdução histórica sobre o nascimento do islamismo, seu desenvolvimento e crescimento, principais cismas, suas práticas e a chegada ao Brasil, especialmente no Rio de Janeiro com os escravos africanos e posteriormente com imigrantes do Oriente Médio. Apresenta um estudo de caso da SBMRJ (Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro), descrevendo um histórico e mostrando as principais mudanças estratégicas a partir do início da construção da Mesquita da Luz no bairro da Tijuca, Zona Norte da cidade, com o objetivo de demonstrar como são construídas, comunicadas e vivenciadas as diversas identidades existentes no espaço da SBMRJ. Busca identificar o processo que resultou em uma mudança de pensamento e direção da entidade a partir da visão empregada na instituição na década de 90, com a segunda geração de imigrantes, fazendo da SBMRJ um espaço divulgador e atraindo brasileiros ao Islã.

Ainda que o foco central do trabalho seja o Islã Sunita da SBMRJ, é importante ressaltar o valor acadêmico e o contexto do islamismo na esfera mundial.

Segundo Pinto (2010 a, p. 21), “Em março de 2008, o Vaticano anunciou que o número de muçulmanos ultrapassara o número de católicos. O número estimado de 1,3 bilhão de adeptos faria do Islã a denominação mais numerosa da Terra”. Esta informação torna o Islã mais que digno de atenção acadêmica. Da mesma forma destaca Azevedo:

Sem dúvida a religião mais vigorosa, e mais controvertida, deste final de século e de milênio, o Islã forjou uma civilização de abrangência mundial que tem já quatorze séculos de realizações impressionantes em espiritualidade, intelectualidade, arte e sociedade (Azevedo, 2001, p. 25).

(12)

Este livro é o resultado de conferências feitas ante um auditório heterogêneo na Primavera de 1967 [...] O Islã é modo de vida. E como tal, ele tem três aspectos principais: religiosos, políticos e culturais. Os três se sobrepõem e se influenciam mutuamente; Algumas vezes a influência passa de forma imperceptível de um para o Outro [...] O Islã começou como uma religião simples e humilde de algumas tribos da Arábia [...] Hoje é de cerca de quatrocentos milhões de fiéis [...] De cada sete homens no mundo, um é muçulmano1(Hitti,1973, p.19)

Esta declaração de Hitti alerta a comunidade científica para a importância do estudo do Islã. O autor era professor da Universidade de Minnesota, EUA, no departamento de línguas do Oriente Próximo e sua palestra foi transformada em livro.

Da mesma forma destaca Ribeiro2.

O Islã está presente em todo o mundo, em parte devido a migração, e em parte devido ao trabalho missionário, realizado sem muito alarde, através de ações sociais, divulgação de literatura e pela Internet através de diversas páginas da internet. Apesar da divulgação conflitante a seu respeito na mídia secular, onde figuram conversões como a do músico Cat Stevens, hoje Yusuf Islam, e do boxeador Cassius Clay, renomeado como Muhamad Ali, juntamente com alusões ao terrorismo e ao fundamentalismo3, o Islã cresce e espanta, pois mesmo contando com 1,57 bilhões de adeptos espalhados pelo mundo, ou cerca de 25% da população mundial, pouco se sabe realmente sobre ele. Apesar da origem do islamismo remontar à Ásia, a religião cresceu muito mais fora do mundo árabe, através de movimentos de conquista e de migração. Hoje o Islã já é considerado a segunda maior comunidade religiosa em países de formação protestante como Estados Unidos, (cerca de 6 milhões de muçulmanos), França, (5 milhões), Alemanha (2,5 milhões) e Holanda (500.000) (Ribeiro, 2012, p.107).

Usarski, no prefácio ao livro que traduziu de Peter Antes, em 2002, fala sobre a importância do estudo do Islã no Brasil:

1

Este libro es resultado de las conferencias pronunciadas ante ún auditório heterogêneo em La primavera de 1967 [...] El islam es ún modo de vida. Como tal tiene tres aspectos principales: el religioso, el político y el cultural. Lós tres se superponen e influyen mutuamente; algunas veces se passa imperceptiblemente de uno a outro.[...] el Islam, que comenzó como religión simple y humilde de unas pocas sencillas tribus de Arabia[...] Hoy tiene aproximadamente cuatrocientos millones de fieles[...] De cada siete hombres uno es musulmán. Importante ressaltar que esta declaração foi em 1967. Hoje de cada 5 habitantes, um é muçulmano.

2 Ribeiro, Lídice Meyer. Doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo

(USP). Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Escola Superior de Teologia desta Universidade.

3 Todas as religiões têm ciclos fundamentalistas ou estão sujeitas ao fundamentalismo. O

(13)

A tradução justifica-se por três motivos inter-relacionados. [...] com a intensidade dos atentados de 11 de setembro, transmitidos ao vivo e, desde então [...] foram despertados sentimentos latentes profundamente enraizados na memória coletiva do Ocidente cristão. [...] há indícios suficientes de que o Islã corre o risco de tornar-se o objeto preferido de preconceitos religiosos, seja na forma de cenas sutilmente caricaturais da novela “O clone”4, seja pela insistência na acusação de que “existia vínculo entre habitantes de Foz do Iguaçu e a Al Qaeda”5.[...] A segunda razão tem relação com a falta de programas [...] essa situação desfavorável continua nas universidades brasileiras [...] há atualmente poucas dissertações e ainda menos teses sobre o Islã em 2002 [...] O terceiro motivo é tornar acessível uma versão em português do livro de Peter Antes.

Tanto Usarski como Peter Antes demonstram preocupação com a repercussão dos episódios de setembro de 2001 e para isso incentivam a produção de artigos, dissertações e teses sobre o Islã na comunidade acadêmica.

Segundo dados do censo demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Islã ainda é pouco praticado no Brasil, contando com 35.167 seguidores. Entretanto, algumas instituições islâmicas brasileiras consideram que o número de seguidores é muito superior a isso. A Federação Islâmica Brasileira defende que há cerca de 1,5 milhão de fiéis do Islã no país6 e estima que existem 50 mesquitas e mais de 80 centros islâmicos espalhados pelo Brasil. A questão sobre o número de muçulmanos no Brasil é bastante controvertida. Segundo Pinto, “O Brasil possui uma grande comunidade muçulmana, com cerca de um milhão de membros, que foi formada desde o século XIX por diversas levas migratórias” (2005, p. 229). Segundo Vitória Peres de Oliveira, o número seria de 200 mil (2006, p. 3).

Segundo Pinto (2005, p. 230), a comunidade muçulmana brasileira é quase totalmente urbana, tendo uma concentração maior nas cidades de São Paulo, Foz do Iguaçu e Rio de Janeiro, com maioria formada por imigrantes árabes e seus descendentes. No entanto, é possível verificar um crescente

4 O fato de que representações inadequadas incomodam a comunidade islâmica foi mostrado,

por exemplo, no artigo: Muçulmanos querem desculpas do “Casseta” por piadas com o islamismo. Folha de São Paulo, 19 out. 2001.

5 Foto de Iguaçu aparece em sede da Al Qaeda. Folha de São Paulo, 17 nov. 2001.

6

(14)

número de revertidos7 tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo. No Rio de Janeiro, que é o nosso campo de pesquisa, dirigentes da SBMRJ presumem que haja cerca de 500 pessoas cadastradas. Gisele Chagas, em seu trabalho de campo em 2005, afirma que havia 190 muçulmanos cadastrados (Chagas, 2006, p. 4). Pinto (2005, p. 231) e Montenegro (2000, p. 30) declaram que a comunidade muçulmana sunita no Rio de Janeiro possui cerca de 5 mil pessoas.

O Sheik Muhammad Ragip al-Jerrahi, líder muçulmano, assim declara sobre a chegada do Islã ao Brasil:

Pedro Álvares Cabral foi acompanhado em sua expedição do ano de 1.500 pelos muçulmanos Chuhabidin Bin Májid e o navegador Mussa Bin Sáte. Com o início da colonização, muçulmanos portugueses e espanhóis, embora em número reduzido, também vieram ao Brasil, mantendo suas práticas e tradições. Sua presença é denunciada já no final do século XVI, com a chegada da Inquisição. Processos e relatos do Santo Ofício referem-se à presença destes muçulmanos, descrevendo suas práticas e costumes. Como referência tem-se: Primeiras Visitações do Santo Officio às Partes do Brasil - Denunciações de Pernambuco, 1593 - 1595, do Visitador Heitor Furtado de Mendonça, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Cartório da Inquisição, Códice nº 130, com edição especial do editor Paulo Prado, série Eduardo Prado, São Paulo, 1929. A Inquisição atuou forçando a conversão dos muçulmanos ao cristianismo bem como a mudança de nomes. Os tribunais inquisitores puniam com a pena de morte os praticantes de cultos considerados heréticos e os que se recusavam a aceitar a nova ordem. Como resultado poucos registros restaram da presença destes muçulmanos na fase inicial da colonização. (http://www.masnavi.org/jerrahi)8

A informação acima faz parte de palestras de diversos Sheiks, porém, não consegui identificar a confirmação dos dados em livros acadêmicos.

Líderes muçulmanos apresentam ainda outras informações, como registrou Cavalcante Júnior, em sua tese de doutorado:

Durante o meu trabalho de campo, o então imam Abdu disse durante o sermão de sexta-feira, em 2006, ter participado de um Congresso sobre Islã na América Latina realizado em Buenos Aires, organizado por instituições islâmicas como a Liga Islâmica e o CDIAL (Centro de

7

Para os muçulmanos, o termo “revertido” significa “aquele que retorna a Deus.” O muçulmano considera que todos nascem muçulmanos, mas muitos se afastam de Deus. O retorno a Deus é chamado, por eles, de reversão. É revertido todo aquele que professa a Shahada: “Não há Deus, se não Deus, e o profeta Muhammad é seu mensageiro.”

8

(15)

Divulgação do Islã para a América Latina). Neste evento, os palestrantes falaram da contribuição dos muçulmanos na região e de sua presença aqui. Segundo o imam Abdu, a presença mais antiga do Islã na América Latina teria sido no Brasil, anterior ao Descobrimento. Teriam sido quatro as etapas da presença do Islã na região: (1) século VII um pouco depois da Conquista da Península Ibéria, o que teria sido comprovado em grutas no sul da Bahia em que foram encontradas inscrições em árabe; (2) com a chegada dos europeus, com a vinda de muçulmanos como guias de navegação ou marinheiros; (3) com os escravos negros da África a partir do descobrimento e (4) com a vinda de imigrantes do Líbano, Síria e Palestina. (Cavalcante, 2008, p. 14).

Assim, torna-se possível inferir que o tráfico de escravos africanos tem relação direta com a presença islâmica no Brasil. Contudo, o Islã somente se solidifica em solo brasileiro a partir da chegada dos imigrantes de origem árabe: libaneses, sírios, egípcios etc. que constituem hoje o grande contingente de muçulmanos no Brasil. Assim relacionou Pinto Hilu, no livro Árabes no Brasil

(p. 15):

A chegada no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX de milhares de imigrantes de fala e cultura árabe proveniente de diversas regiões do Oriente Médio – em particular Líbano, Síria e Palestina – e sua bem-sucedida instalação e adaptação constituem um importante capítulo da história da imigração no Brasil.

Torna-se importante destacar que deste grupo de imigrantes que vieram fugidos do Império Otomano9, a maioria era de cristãos.

Porém, há registros da presença de líderes muçulmanos em 1866, como nos apresenta Pinto citando al-Baghdadi al-Dimachqi (2007).

Em 1866, um navio da marinha otomana aportou no Rio de Janeiro trazendo, além dos marinheiros, um religioso muçulmano (‘alim, pl.

‘ulama) chamado ‘Abd al-Rahman al-Baghdadi al-Dimachqi, que sabemos ter nascido em Damasco de uma família originária de

9 Começou a nascer no século XI, quando tribos turcas nômades se fixaram na Anatólia, região

(16)

Bagdá. Após desembarcar para conhecer a cidade, ‘Abd al- Rahman foi saudado por negros muçulmanos, provavelmente ex-escravos ou seus descendentes, que depois foram ao seu navio para fazerem as orações com os demais membros da tripulação. Ao saberem que era uma autoridade religiosa os muçulmanos o convidaram para ficar no Rio de Janeiro e liderar sua comunidade. Ele aceitou e permaneceu no Brasil até 1869, primeiro liderando a comunidade muçulmana composta por ex-escravos no Rio de Janeiro, depois como iman (líder religioso) das comunidades muçulmanas semelhantes as que existiam em Salvador e Recife (Pinto, 2010, p. 46).

Sobre esta importante informação comenta também Ribeiro:

Abdurrahman al’Baghdadi, nascido em Bagdá, era súdito do Império Otomano, que controlava o Oriente Médio. Embarcou como imã, responsável pelo cuidado espiritual da tripulação, em uma viagem de Istambul a Barsa, mas uma tempestade fez com que a embarcação viesse à costa brasileira, aportando no cais do Rio de Janeiro em setembro de 1866, apenas 30 anos após o último levante male na Bahia (Ribeiro, 2012, p. 113).

Ribeiro ressalta a possibilidade de que os escravos que foram recebidos por al’Baghdadi eram remanescentes das revoltas malês, confirmando, assim, que naquele tempo já existia uma comunidade muçulmana organizada no Rio de Janeiro.

Portanto, estas são as principais datas documentadas da presença islâmica no Brasil.

Não é possível comentar sobre a origem do Islã desassociado do povo árabe. Deste modo, para um melhor entendimento do trabalho, tornou-se necessário um estudo sobre imigração árabe no Rio de Janeiro, com a finalidade de identificar o início das atividades da SBMRJ. Pinto destaca que a produção acadêmica nesta área é bem escassa:

(17)

O Tema

Como nosso assunto principal é a SMBRJ10, outros movimentos

migratórios árabes desligados do Islã não são comentados nesta dissertação. A SBMRJ, o foco de nosso estudo, surgiu em 1951, reunindo muçulmanos sunitas do Rio de Janeiro; nesta época, já existia a sociedade Alauíta, que foi a única instituição muçulmana no Rio de Janeiro até os anos 50, porém sua visão sectária impediu a unidade dos muçulmanos no RJ11. Sociedade Beneficente muçulmana Alauíta do Rio de Janeiro, foi organizada em 1931. Os Alauítas constituem uma seita esotérica xiita existente na Síria, Líbano e sul da Turquia. Os Alauítas não seguem os pilares rituais do Islã, como as orações diárias nas mesquitas, sendo considerados por muitos muçulmanos sunitas como heréticos. Porém, na ocasião, havia uma utilização do espaço comum em muitas celebrações.

A sede da SBMRJ era uma sala comercial na Rua Gomes Freire onde, inicialmente, dividia o espaço com a Sociedade Beneficente Palestina. Posteriormente, a Sociedade Palestina mudou de lugar e a sala foi comprada ampliando, assim, o espaço da SBMRJ, que passou a ser referência para os muçulmanos sunitas do Rio de Janeiro.

Em 1984, foi construída uma Mesquita em Jacarepaguá e, a princípio, as atividades religiosas foram transferidas para a nova Mesquita. Com o tempo, a baixa frequência fez a liderança discutir o assunto, pois a nova Mesquita estava distante dos locais de trabalho e da residência dos membros que na maioria moravam no Centro, Tijuca e Copacabana12.

Assim, a Mesquita de Jacarepaguá foi desativada nos meados da década de 90; retornando às atividades a mussala13. A partir de 2007, as atividades foram transferidas para a Mesquita em construção na Rua Gonzaga Bastos no bairro da Tijuca.

10

Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro

11Segundo Pinto, 2010 b, p.115 os próprios estatutos da sociedade refletem o caráter

suprassectário que possuía neste período. 12

Sobre este assunto trataremos no capítulo primeiro.

13 Sala de oração. Quando não existe uma mesquita próxima, um grupo de muçulmanos

(18)

O projeto de construção está dividido da seguinte forma: no primeiro pavimento há uma sala principal de oração e banheiros, masculino e feminino. No segundo pavimento estão: as salas administrativas, salas de aula, biblioteca e dois banheiros (um masculino e um feminino). No terceiro pavimento se encontram: um salão de festas, uma cozinha industrial, um pequeno estúdio audiovisual e um auditório reversível. No quarto pavimento se localizam: a residência do Iman, uma área de lazer com parque para as crianças, salão de jogos e de ginástica.

Segundo o secretário da Instituição, tanto a escolha do bairro como o nome da mesquita foram decididos por votação dos membros, incluindo as mulheres. Mesmo antes da mudança da sede para o bairro da Tijuca, a SBMRJ já apontava para um caminho diferente das demais instituições islâmicas do Brasil. Como foi documentado por pesquisadores14, a comunidade do Rio de Janeiro apresenta uma particularidade: a maioria de seus membros não é árabe e/ou descendente de árabes.

Atualmente, a maioria dos membros é de revertidos, como foi informado em uma entrevista15 feita pelo pesquisador com o secretário da instituição. Segundo o secretário, é possível que este fato se deva a uma mudança na visão da liderança a partir da década de 90, mais precisamente a partir de 1993, quando ocorreu uma renovação no quadro de líderes, filhos de imigrantes, que criaram o curso de introdução ao Islã e à língua árabe16 e facilitaram o atendimento à imprensa, aos estudantes e aos pesquisadores, com a finalidade de divulgar o Islã à sociedade brasileira e carioca. Com o tempo, a mussala não comportava mais o número de pessoas que apareciam para as atividades, obrigando à divisão em turnos diferentes.

14 MONTENEGRO, Silvia, M. Dilemas identitários do Islam no Brasil a comunidade muçulmana sunita do Rio de Janeiro. 2000. 334 f. Tese (doutorado em Sociologia), IFCS/UFRJ, Rio de Janeiro, 2000.; PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. “Ritual, etnicidade e identidade religiosa nas comunidades muçulmanas no Brasil” in: revista USP, nº 67, set/nov, São Paulo; USP, 2005, p.231; CAVALCANTE JUNIOR, Claudio. Processos de construção e comunicação das Identidades Negras e Africanas na Comunidade Muçulmana Sunita do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado em Antropologia, PPGA. UFF, Niterói, 2008; CHAGAS, Gisele Fonseca. Identidade religiosa e fronteiras étnicas In: Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, 29(2): 152-176, 2009.

15 Entrevista concedida no dia 03 de Agosto de 2012 após a oração das 12 horas, na sede da

SBMRJ.

16 A primeira turma teve somente 3 alunos e apenas um foi até o final do curso. Fui informado

(19)

Outra medida seguindo o mesmo viés foi a ampliação da literatura de divulgação do Islã. Foram publicados cerca de 10 livros sobre o Islã pela editora Qualitymark17 com o selo azam. Procedeu-se à criação do jornal informativo Nurul Islam18 (Luz do Islam), publicado trimestralmente com tiragem

de 4 mil exemplares. A SBMRJ também esteve presente na Bienal do Livro de 2011, no Riocentro, e na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, realizada de 13 a 22 de junho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro, no espaço denominado Cúpula dos Povos. Foram criadas atividades no espaço físico da Mesquita como gincanas e um projeto inovador de ginástica voltada para as mulheres. Destes modos, a SBMRJ tem divulgado o Islã e se tornado conhecida da sociedade carioca.

Segundo o secretário da Instituição, com a conclusão da obra da Mesquita – incluindo a casa do Sheik – o local será um centro islâmico, um espaço para agregar muçulmanos de todo o estado, vindo a ser um local de base para coordenação de atividades sociais e estratégicas, que incluem abertura de mussalas em diversas regiões do estado. Outros planos incluem a participação em encontros ecumênicos, palestras em escolas, universidades e associações de moradores. Paralelamente, haverá o incremento de atividades sociais voltadas à distribuição de roupas e alimentos para pessoas carentes. A SBMRJ pretende continuar com o curso de Árabe e Introdução ao Islã e criar espaços para estudo nas cidades mais importantes do estado, como já existe em Niterói19. Além disso, ter o seu próprio Sheik também faz parte do projeto

futuro da instituição.

A Metodologia

A metodologia é importante no sentido de nortear o trabalho. Para tal tarefa, utilizei o livro: O Trabalho do Antropólogo, de Roberto Cardoso de Oliveira, como teórico principal, especificamente o capítulo primeiro: olhar, ouvir e escrever:

17 Editora de um membro da SBMRJ.

18 Destaca-se no exemplar de nº 07 uma declaração do Professor Paulo Gabriel Hilu da Rocha

Pinto de como conheceu a SBMRJ e escreveu artigos e passou a enviar alunos de mestrado e doutorado das instituições nas quais leciona.

(20)

Talvez a primeira experiência do pesquisador de campo – ou no campo – esteja na domesticação teórica de seu olhar. Isso porque, a partir do momento em que nos sentimos preparados para investigação empírica, o objeto, sobre o qual dirigimos o nosso olhar, já foi previamente alterado pelo próprio modo de visualizá-lo. Seja qual for esse objeto ele não escapa de ser apreendido pelo esquema conceitual da disciplina formadora de nossa maneira de ver a realidade (Oliveira, Roberto Cardoso, 1996 p.19).

Percebi esta experiência na primeira visita que fiz a SBMRJ, pois fazia uma ideia completamente diferente do que seria o espaço da Mesquita da Luz. Entrei com vários planos em mente e a partir da terceira visita comecei a refazê-los. Precisei me concentrar, pois meu olhar sempre se desviava dos objetivos traçados. Quando comecei a doutrinar o meu olhar, saía sempre com muitas informações oriundas somente da observação.

Roberto Cardoso de Oliveira também nos ensina a ouvir, pois o olhar por si só não seria suficiente.

Se o olhar possui uma significação específica para um cientista social, o ouvir também goza dessa propriedade […] tanto o ouvir como o olhar não podem ser tomados como faculdades totalmente independentes no exercício da investigação. Ambas complementam-se […] O ouvir ganha em qualidade e altera uma relação, qual estrada de mão única, em uma outra de mão dupla, portanto, uma verdadeira interação. (Oliveira, Roberto Cardoso, 1996 p.22-24).

Um atento ato de ouvir é primordial na Mesquita da Luz. Foi através deste sentido que pude perceber que estava em um ambiente familiar. Achei que não poderia dar continuidade à pesquisa sem conhecer a língua árabe quando a iniciei. Entretanto, percebi meu engano ao participar de algumas orações na mesquita e constatar que 90% das cerimônias, comunicações e até conversas de corredores são em português e, além disso, um “português carioca”20. O ouvir me deu esperança para continuar o trabalho. Pude caminhar

um pouco mais seguro aliando visão e audição.

20

(21)

Se o olhar e o ouvir podem ser considerados como os atos cognitivos mais preliminares no trabalho de campo – atividade que os antropólogos designam pela expressão inglesa fieldwork –, é, seguramente, no ato de escrever, portanto na configuração final do produto desse trabalho, que a questão do conhecimento torna-se tanto ou mais crítica […] o olhar e o ouvir seriam parte da primeira etapa enquanto o escrever seria parte da segunda […] Se o olhar e o ouvir constituem a nossa percepção da realidade focalizada na pesquisa empírica, o escrever passa a ser parte quase indissociável do nosso pensamento, uma vez que o ato de escrever é simultâneo ao ato de pensar. Quero chamar a atenção sobre isso, de modo a tornar mais claro que – pelo menos no meu modo de ver – é no processo de redação de um texto que nosso pensamento caminha, encontrando soluções que dificilmente aparecerão antes da textualização dos dados provenientes da observação sistemática. […] o ato de escrever e o de pensar são de tal forma solidários entre si que, juntos, formam praticamente um mesmo ato cognitivo. Isso significa que, nesse caso, o texto não espera que seu autor tenha primeiro todas as respostas para, só então, poder ser iniciado. Entendendo que na elaboração de uma boa narrativa o pesquisador, de posse de suas observações devidamente organizadas, inicia o processo de textualização. (Oliveira, Roberto Cardoso, 1996 p. 22-24)

O olhar e o ouvir são descritos por Roberto Cardoso de Oliveira como atos cognitivos mais preliminares, porém, para que o trabalho fique “completo”21, torna-se necessário escrever. Olhar, ouvir, “pensar” e escrever,

pois é na escrita que o autor põe sua parcela. O que vi e ouvi, trouxe para o “meu mundo” para escrever. Precisei doutrinar meu olhar para não perder o essencial, precisei doutrinar meu ouvir para compreender melhor aquilo que via, mas na hora de escrever precisei parar, pensar, incluir, retirar, cortar, acrescentar a fim de completar aquilo que tinha para produzir.

Utilizei também Sérgio Vasconcelos Luna22, que apresenta o papel do pesquisador como intérprete da realidade pesquisada. Explanando ainda sobre a figura do pesquisador, ele destaca:

Não se espera, hoje, que ele estabeleça a veracidade das suas constatações. Espera-se, sim, que ele seja capaz de demonstrar – segundo critérios públicos e convincentes – que o conhecimento que ele produz é fidedigno e relevante teórica e/ou socialmente (LUNA, p. 14)

21

Não tenho a pretensão de fazer um trabalho completo, mas falo no sentido de completar minha tarefa como pesquisador, escrevendo a dissertação.

22 O autor é professor titular do departamento de Métodos e Técnicas da PUC- SP. O livro:

(22)

Assim sendo, a pesquisa foi realizada da seguinte forma: para o trabalho de campo utilizei o método qualitativo, um estudo de caso na SBMRJ. Porém, a escolha do método qualitativo não implica no abandono da abordagem quantitativa, visto que a utilizei quando avaliei algumas pesquisas estatísticas. Apenas é importante deixar claro aqui que considero o método qualitativo mais adequado aos objetivos do presente trabalho já que o mesmo teve um foco antropológico.

Fiz visitas à Mesquita da Luz na Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro, nas orações de sexta-feira e nos estudos da língua Árabe e Introdução ao Islamismo. Realizei, também, entrevistas com a liderança, com membros antigos e recém-revertidos. Li os jornais da entidade e todo tipo de escrito que informava sobre as atividades da SBMRJ. Consultei o site da instituição, assim como livros e teses que tratam diretamente do assunto.

O projeto de pesquisa foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos da Universidade Presbiteriana Mackenzie para apreciação e a cada entrevistado foi entregue uma carta de consentimento.

Na tentativa de apresentar um trabalho qualitativo, busquei no primeiro capítulo do livro O trabalho do antropólogo de Roberto Cardoso de Oliveira, informações para obter uma base metodológica, especialmente para desenvolver o trabalho de campo.

Segundo o autor, o olhar é domesticado pelas disciplinas acadêmicas e isso faz com que o mesmo altere o objeto de estudo desde a sua primeira percepção. O autor também destaca que é importante que o antropólogo tenha o olhar disciplinado. Acrescenta, ainda, que o olhar não pode ser usado de forma independente no exercício da investigação, mas que seria complementado pelo ouvir. Os dois – olhar e ouvir – devem estar sempre juntos e servem como apoio ao pesquisador para que este passe pelo difícil caminho até a chegada ao conhecimento. Dessa forma, o ouvir também deve ser disciplinado para superar as dificuldades do caminho, saber separar o que é ruído, o que não é necessário e que pode atrapalhar a chegada ao conhecimento, ao que é realmente relevante.

(23)

autor de “idiomas culturais”. O bom antropólogo tem que saber se afastar de sua cultura no momento da entrevista para não fazer uma análise de forma incorreta. Entretanto, diz Roberto, como sempre haverá uma interferência do pesquisador no resultado da entrevista, é impossível haver uma total neutralidade. Uma solução para o problema da entrevista seria criar algum tipo de relação entre o entrevistador e o entrevistado para que se estabeleça um diálogo. Assim, haverá um encontro etnográfico, podendo haver uma fusão de horizontes, se ambas as partes se ouvirem. Dessa forma, não haverá receios de contaminação do discurso do nativo. A partir do momento em que o antropólogo assumir uma posição de observador participante, se inserir na sociedade observada de alguma forma aceita pelos nativos, poderá conhecer a realidade.

O escrever seria a configuração final do produto de todo o trabalho de campo realizado pelo antropólogo ou estudioso de ciências sociais e seria também o ponto mais crítico. O ato de escrever fora do campo de pesquisa é o que gera o verdadeiro conhecimento. O processo de textualização é essencial para a comunicação de divulgação do conhecimento. No momento de transcrição de suas análises para o idioma da disciplina, o pesquisador tem autonomia e acaba interpretando as análises com base nos conceitos que conhece. Para Roberto Cardoso de Oliveira, o escrever está altamente associado ao pensamento, e é no escrever que o pesquisador tem seu momento de reflexão sobre os problemas encontrados na observação e tenta encontrar soluções para eles. É no ato de escrever que as informações são organizadas e as ideias surgem e se aperfeiçoam na reescrita.

Sobre a teoria específica para entendimento do Islamismo utilizei a obra

(24)

forma diferente dependendo da cultura na qual está inserido. Neste ponto vemos claramente esta modificação nos diferentes “islãs” do Brasil. Hoje em dia no Brasil, das cidades que possuem comunidades muçulmanas, o Rio de Janeiro é o que possui um menor fluxo migratório, o que segundo Pinto (2005, p. 230), torna o processo de reformulação e criação de identidades muçulmanas muito mais dependente dos elementos culturais locais ou nacionais, enquanto que em outras comunidades como a de São Paulo, o contato constante com o Islã praticado no Oriente Médio faz com que se aproxime mais de sua origem.

Com respeito à teoria geral sobre o Islamismo utilizei a obra Islamismo, História e Doutrina de Jomier (1992), da editora Vozes. A partir desta obra identifico o Islã como um movimento político-religioso. Neste livro, Jomier ressalta os principais acontecimentos da história deste “movimento” e sua influência na história política, cultural e religiosa do mundo. O livro trata do nascimento do Islã, suas leis e dogmas, das relações islamo-cristãs e da apologética muçulmana. É importante salientar que Jacques Jomier é um padre dominicano que passou a maior parte de sua vida no Cairo.

A obra O Islã e a Política de Antes (2003), situa o Islã no panorama mundial e procura mostrar a “multiplicidade” da realidade do Islã, compreendendo o fator político desde a “auto-imagem islâmica”. Nessa perspectiva, de alguma forma, Antes privilegia uma “ciência da religião”, tentando resgatar elementos fundamentais da fé islâmica. Daí sublinhar a permanência de certo preconceito reducionista, o que chama de “preconceito islamófobo” agindo na avaliação dos mulçumanos como “ameaça”. Em que pese o esforço de indicar onde está, de fato, o perigo ameaçador, como o ódio racial e suas consequências nacionais e internacionais.

Peter Berger (2001), não descarta a afirmação de que a relação entre religião e a modernidade é muito complicada. Por isso ele reconhece a necessidade de análises mais detalhadas sobre o papel da religião nos assuntos mundiais ao invés de extremas generalizações.

(25)

“O ressurgimento islâmico não se limita aos setores menos modernizados ou “atrasados” da sociedade, como os intelectuais progressistas ainda gostam de pensar. Pelo contrário, é muito forte em cidades com um alto grau de modernização, e em alguns países é particularmente visível em pessoas com educação superior de modelo ocidental. No Egito e na Turquia, por exemplo, muitos filhos de profissionais secularizados usam o véu e outros parâmetros para o relato islâmico (Berger, 2001, p. 14)”.

No primeiro capítulo, que tem como título: Uma breve história do Islã e sua chegada ao Brasil, escrevo sobre o surgimento do profeta Muhammad, as primeiras revelações, o Alcorão, a hégira, a implantação da religião islâmica e os primeiros califas. A grande divisão do mundo muçulmano (Os Sunitas e os Xiitas). Os cinco pilares: Shahâdah (a fórmula de confissão), salat (a oração),

zakat (imposto de esmola), sawn (jejum) e hajj (peregrinação à Meca). Segue a explanação sobre os seis Pilares da Fé, que são: Fé em Deus Único, Fé nos Anjos, Fé nos Livros Sagrados, Fé nos Profetas, Fé na Predestinação, Fé na Ressurreição e no Juízo Final. Apresento em linhas gerais a história do Islã no Brasil desde a chegada dos escravos islamizados do século XVIII passando pelo islamismo de imigração, oriundo de povos árabes após a Primeira Guerra Mundial, dando assim início à construção da primeira mesquita no Estado de São Paulo.

No segundo capítulo descrevo a fundação da SBMRJ, suas características e principais atividades desde 1951, sua mais significativa mudança por meio de uma nova diretoria eleita na década de 1990, com abertura maior, que incluía: sermões em português, curso de árabe e divulgação fora da mussala; até o início da construção da Mesquita da Luz no bairro da Tijuca.

No terceiro capítulo, que tem por título: A dinâmica da Mesquita da Luz, apresento o desenvolvimento das principais atividades, os departamentos, os objetivos e estratégias para a divulgação do Islã, fortalecimento da SBMRJ e o desenvolvimento das atividades internas e externas.

(26)

Capítulo 1: Uma breve história do Islã e sua chegada ao Brasil.

O Nascimento do Islã

Não existem informações históricas sobre o profeta Muhammad fora do islamismo23. Muhammad, o profeta do Islã, nasceu em Meca em 570 (Jomier, 1992, p. 18)24 e pertencia à poderosa tribo dos Coraixitas. Não conheceu o pai e perdeu a mãe quando tinha 6 anos de idade. Foi criado pelo avô até completar oito anos, quando este também veio a falecer. Foi educado então pelo tio Abu Taled e na idade adulta passou a exercer a função de comerciante. Foi então que conheceu uma viúva chamada Khadija (quinze anos mais velha que ele) e aos 25 anos de idade casou-se com ela. Muhammad casou-se por volta de 595 e em 610 recebeu as primeiras revelações.

Pelo ano de 610, Mohammad fez um retiro de longa duração em uma gruta do monte Hira, a alguns quilômetros de Meca, em pleno deserto, quando teve um sonho. Outras tradições falam de uma visão em estado de vigília. Viu um ser sobre-humano que lhe deu a ordem de recitar um texto e o chamou de “Enviado de Deus” (rasulAllah). Esse texto consistia naquilo que se constitui atualmente os cinco primeiros versículos do capítulo 96 do Corão. Transcrevemo-los a seguir: Em nome de Deus, Muito Bom e Misericordioso: Recita em nome de teu Senhor que te criou: que criou o homem de um grumo de sangue coagulado.

Recita: Teu Senhor é Muito Generoso que ensinou graças ao junco para escrever, que ensinou ao homem o que este não sabia.

(JOMIER, 1992, p. 19)

Muhammad voltou assustado e procurou Khadija, que logo o conduziu ao seu primo Waraqa25, que afirmou que a visão de Muhammad era de um anjo

enviado por Deus. O profeta recebeu as primeiras revelações e dois meses depois começou a pregar (Armistrong, 2001, p. 11). Logo ocorrem as primeiras conversões. Algumas pessoas do círculo mais chegado a Muhammad converteram-se rapidamente à nova fé: sua mulher Khadija, seu primo Ali e Abu Bakr, o futuro primeiro califa (Jomier, 1992, p. 21), depois seu filho adotivo

23 As fontes são o próprio Alcorão e as coleções sobre a vida do profeta, chamadas hadith. 24 ELIADE, no livro História das crenças e das ideias religiosas, destaca que o nascimento foi entre 567 e 572.

25Waraqa bin Naufal, que era um cristão convertido e usado para ler o Evangelho em árabe,

(27)

Zaid e também o futuro califa Othman. Em 612, Muhammad teve uma visão que o ordenava tornar públicas todas as revelações.

A partir daí a mensagem de Muhammad lhe trouxe grandes problemas, pois pregava o monoteísmo e antes do Islã, Meca26 era uma cidade politeísta.

Nela já estava a Caaba (cubo, literalmente), um edifício retangular que abrigava a pedra negra, que segundo religiosos islâmicos é de origem celeste, bem como diversas imagens. Neste centro religioso o serviço do santuário estava confiado aos membros das famílias influentes, e os cargos – possivelmente bem remunerados – passavam de pai para filho (Eliade, 1978, p. 85). Hoje em dia a Caaba é uma construção semicúbica que possui cerca de 15 metros de altura e 10 a 12 metros de largura. É uma estrutura antiga e simples, feita de granito. No canto SE, um meteorito negro (a "Pedra Negra") é incorporado a uma moldura de prata. Escadas no lado norte levam a uma porta, que permite a entrada para o interior, que é oco e vazio. A Caaba é coberta com uma kiswah , um pano de seda preto, que é bordado em ouro com versos do Alcorão. O kiswah é substituído uma vez por ano.

Mesmo sendo Allah um Deus reconhecido pelo povo de Meca como o criador, a mensagem de que “não há senão um Deus”, não foi bem aceita pelos moradores e principalmente pelos líderes de Meca, especialmente da própria tribo de Muhammad, os Coraixitas, que não queriam perder o privilégio que o paganismo trazia. Em 616 começou a perseguição a Muhammad e em 620 os árabes de Yathrib (mais tarde chamada Medina) estabeleceram contato com Muhammad e o convidaram para liderar a comunidade (Armistrong, 2001, p.11).

Em 622 ocorre a Hégira. O profeta, acompanhado de dezenas de famílias, segue para Yathrib. Os anos seguintes retratam guerras e acordos até 630, quando ocorre a derrota voluntária dos moradores de Meca. Segundo Armistrong (2011), Eliade (1978) e Jomier (1992), não ocorreu derramamento de sangue nem conversão forçada ao Islã:

Muitas fontes erroneamente indicam que a Hégira - a data em que Maomé e seus seguidores deixaram Meca, e depois de cerca de duas

(28)

semanas de caminhada chegaram a Yathrib, depois conhecida como Madinatal-Nabī (Cidade do Profeta), a atual Medina - ocorreu em 1 Muharram, 1 aH. Entretanto, a data da Hégira não é mencionada no Corão ou em outros antigos textos islâmicos. Antigas tradições, como as mencionadas no Hadith (reunião de ditos e ações do profeta e seus seguidores), antigas biografias de Maomé e tabelas cronológicas/astronômicas islâmicas sugerem que a Hégira ocorreu na última semana do mês Safar (provavelmente no 24º dia) e que Maomé e seus seguidores chegaram às cercanias de Yathrib no oitavo dia do mês Rabī‘ al-Awwal, num dia em que os judeus de Yathrib estavam observando um dia de jejum, e depois de uns poucos dias, entraram em Yathrib no 12º dia do mês Rabī‘ al-Awwal. Convertendo-se essas datas ao antigo calendário Juliano, e tendo em conta os meses de intercalação (possivelmente três), que foram inseridos entre a Hégira e a última peregrinação de Maomé (10 aH), a Hégira provavelmente ocorreu na quinta-feira, 10 de junho do ano cristão 622, e Maomé chegou às cercanias de Yathrib provavelmente na quinta-feira 24 de junho de 622 da era cristã, ali entrando provavelmente na segunda-feira 28 de junho de 622 da era cristã. Fonte: www.novomilenio.inf.br/porto/mapas/nmcalens.htm, acessado em 15 de outubro de 2012.

A conquista de Meca foi um marco importantíssimo para o desenvolvimento e afirmação do Islamismo como a esperança dos Árabes.

Os quatro califas

Sobre a definição e importância dos primeiros quatro califas, escreve Jomier:

[...] constituem um grupo à parte entre todos os que ocuparam este cargo. Os turcos otomanos escrevem os nomes deles sobre grandes estandartes caligrafados em muitas das suas mesquitas. Quanto aos muçulmanos modernos de tendência reformista, tem-nos em grande consideração em bloco, e alguns até acrescentam que, depois deles, o Islã perdeu até hoje a sua pureza original. Segundo esta tendência reformista, portanto, o ideal seria voltar à fonte, ao Islã do Corão e dos primeiros companheiros (Jomier, 1992, p. 40)

Estes homens mudaram a história do Islã. Transformaram um movimento religioso em um quase império.

(29)

Muhammad morre em 632 e é eleito o novo califa Abu Bakr, pai de Aisha, uma das esposas do profeta. Abu Bakr consegue dominar a revolta e unir todas as tribos da Arábia.

Quando Abu Bakr morreu, em 634 todas as tribos da península arábica tinham sido trazidas para a órbita política islâmica. Sob a liderança dos sucessores de Abu Bakr, Omar e Osman, o exército islâmico partiu para libertar a Síria e a Mesopotâmia (Iraque) dos odiados Impérios Bizantino e Sassânida. (SONN, 2011, p. 52)

Foi nesta campanha que morreram muitos companheiros que sabiam de cor passagens inteiras do Alcorão. Foi então que a conselho de Omar, Abu Bakr mandou que se colocasse por escrito, pela primeira vez, a totalidade do Alcorão, com a finalidade de preservar-lhe o texto (Jomier, 1992, p. 37).

Após a morte de Abu Bakr, assume como califa Omar Ibnal-Khattab, que morreu assassinado após um reinado de dez anos. Dentre as conquistas de Omar, estão: Síria e Jerusalém. O papel de Omar pode ser comparado ao do apóstolo Paulo no cristianismo (Jomier, 1992, p. 37), haja vista que ele deu partida ao movimento que tornou o Islã um Império Árabe.

(30)

Os principais Cismas

Moawiya se proclamou o quinto califa, com o apoio da maioria do Islã. O núcleo do poder islâmico se transferiu de Medina para Damasco, capital da Síria, iniciando uma nova fase de expansão do Islã. Hassan, o filho mais velho de Ali, adotou uma posição conciliadora. Com a morte de Moawiya em 680, Hussein, o filho mais novo de Ali, reclamou direito à sucessão e foi morto por Yazid, filho de Moawiya.

A questão da sucessão sempre foi conturbada no Islã. Com a ausência de um herdeiro masculino do profeta, o que seria natural seguindo costumes da tradição pré-islâmica, a comunidade teve que seguir um caminho e logo se formaram dois campos de opinião: aqueles que consideravam os membros da família do Profeta como seus únicos sucessores e aqueles que enfatizavam a igualdade entre os fiéis, afirmando que qualquer muçulmano poderia suceder o Profeta, desde que se mostrasse apto (Pinto, 2010, p. 73).

Segundo Pinto (2010 a, p. 73), as principais divisões do Islã foram frutos de um processo que teve início logo após a morte de Muhammad e que se consolidou por volta do século IX. Percebe-se, também, que tais divisões têm pouco a ver com questões de dogma; são principalmente de origem política e dizem respeito à questão do califado, ou melhor, quais condições eram exigidas para que alguém fosse um califa.

Os Xiitas

Este ramo despertou a atenção do mundo ocidental, principalmente devido à chamada “revolução islâmica” ocorrida no Irã em 1978/7927. Como já

descrito, este ramo teve início com os partidários de Ali, tio do profeta.

27Segundo Demant (p. 230), a revolução iraniana de 1978/1979 é a única revolução islâmica

(31)

O termo xiita vem de Shi’a (partidários). Para eles, o Califa deveria ter sido escolhido automaticamente entre os descendentes diretos de Ali e Fátima, ou seja, deveria ter sido da família do profeta. Conservam a lista oficial dos que deveriam ter governado o mundo muçulmano. Segundo Demant, 2011, p. 51, o xiismo se mostra mais suscetível a fragmentação sectária e mística. Isso também demonstra Jomier (1992, p. 42) quando descreve sobre os imanes28

que determinado grupo declara serem doze e outro grupo declara que foram somente sete.

Os que reconhecem doze imanes são mais numerosos. De uma forma geral, os xiitas se subdividem da seguinte maneira: Xiitas Duocedimanos (que reconhecem doze imanes) e os Ismaelitas (que reconhecem sete imanes). Dentre os Ismaelitas, existem os Musta’li e os Nizari. Os xiitas se caracterizam por uma grande devoção à família do Profeta, Fátima, Ali e os diversos imanes cujos túmulos são lugares de peregrinação. Além destas informações, destaca Jomier:

Ficaram profundamente marcados pelas perseguições de que foi vítima a família de Ali, particularmente o assassinato do filho dele, Hosayn, em Karbala (no Iraque, na chegada ao vale cultivado da estrada procedente de Medina) em 680. Particularmente a paixão de Hosayn, morto por ter se oposto a Yasid, filho de Moawiya que se tornou califa, revalorizou entre eles uma certa sensibilidade pelo sofrimento, desconhecido ao Islã sunita; a cada ano a recordação deste evento é comemorada no dia 10 do primeiro mês do ano através de procissões nas quais figuram com frequência flagelantes (JOMIER,1992, p. 44).

Segundo, Jomier (1992, p. 42) os xiitas perfazem 10% do total de muçulmanos, para Demant (2011, p. 220) este número chega a 15%. Estes números se referem ao total mundial, sendo que no Brasil este percentual é bem próximo deste número.

“Primavera Árabe”. A expressão Primavera Árabe faz referência a uma série de protestos que ainda ocorrem no chamado “mundo árabe”, compreendendo basicamente os países que compartilham a língua árabe e a religião islâmica, apesar de etnicamente diversos. As causas já estavam de certo modo presentes e o descontentamento em vários países era já patente, pela comum falta de emprego e oportunidades para as gerações mais jovens, além da repressão política e a concentração de poder e riqueza na mão de poucos. Assim, já ocorria mobilização por parte de vários grupos, mostrando que este não era um fenômeno novo na região.

(32)

OsSunitas

Este é o maior grupo das divisões do Islã. Para eles o califa deveria ser escolhido dentre os árabes coraixitas, ou seja, da tribo de Muhammad, assim escreve Jomier (1992, p. 42). Já segundo Pinto, (2010 a p. 74), eles são os que evocam a tradição (Sunna), que não incluía regras de sucessão, sendo então seus líderes escolhidos através de eleições.

Os dois grupos (sunitas e xiitas) também seguem diferentes coleções de Hadith, as narrativas sobre atos e palavras do Profeta. Isso porque cada lado confia em narradores diferentes. Sunitas preferem aqueles que eram próximos de Abu Bakr, enquanto os xiitas confiam nos que pertenciam ao grupo de Ali. Aisha, por exemplo, é considerada uma fonte importante pelos sunitas e desprezada pelos xiitas por ter lutado contra Ali. Atualmente no Brasil, assim como a média mundial, o maior número de muçulmanos é de sunitas.

Além do Sunismo e Xiismo, existem em número bem menos expressivo os chamados Caregitas, que – segundo Jomier (1992, p. 42) – entendem que o chefe da comunidade muçulmana deve ser o muçulmano mais digno, sejam quais forem as suas origens. Já os Alauítas, citados no próximo capítulo, são compreendidos como uma seita xiita que tem uma crença diversificada e rejeitada pelos demais muçulmanos.

Assim como na apresentação mundial, o Islã sunita é o mais praticado no Brasil. A SBMRJ é uma instituição que vive o islamismo sunita.

A Mística Islâmica: Os Sufis

A mística, de uma forma geral, é o que impulsiona a religiosidade humana. Muhammad teve um encontro místico quando estava em oração, dando início ao Islã.

Ao movimento místico do Islã chamamos de Sufismo. Segundo Azevedo:

(33)

Maomé instituiu duas correntes tradicionais relativamente diferentes, simultaneamente solidárias e divergentes: uma legal, comum e obrigatória [o Islã] e a outra ascética, particular e vocacional [o Sufismo]”. Isto, contudo, não significa que o Sufismo não possa ser fonte de sabedoria e esclarecimento para aqueles que não seguem a religião fundada por Maomé ou Mohammed (como preferem os muçulmanos) no ano 622 depois do advento de Jesus Cristo, mas apenas que, em termos operativos ou práticos, a participação concreta no Sufismo é exclusiva aos que foram batizados em nome do Deus uno do Islã. Colocando as coisas de forma algo simplista, poder-se-ia dizer que o “sufi” do judaísmo é o cabalista e o “sufi” do cristianismo é o místico (Azevedo, 2002, p. 8).

O sufismo possui diversos ramos chamados de confrarias, nas quais são utilizados textos do Alcorão, crendo que existem práticas diversas para se alcançar a verdadeira espiritualidade.

Um dos elementos sobre os quais se assenta o Sufismo é o sentido da presença de Deus: não de uma presença tão íntima quanto a de Deus no Cristianismo, mas a de um Senhor amado cujas exigências se aliam a uma bondade muito grande para quem lhe obedece […] Os inícios do Islã terão sido marcados na história do Sufismo especialmente por dois fatores. Por um lado, a austeridade de vida, as orações em Meca e as vigílias noturnas, a pobreza da comunidade nascente em Medina deixaram lembranças que mais tarde os sufis gostavam de recordar (Jomier, 2002, p. 168-170)

Apesar da identificação da mística islâmica estar presente desde Muhammad, assim destaca Shah sobre o início de métodos sufis:

Data da última metade do século XI a adaptação dos preceitos dos sufismo para a constituição de uma escola islâmica organizada; sua extensão na forma de grupo esotérico foi inaugurada por um ramo da comunidade ismaelita liderada por Hassan Sabah, que tendo saído do Cairo por causa da perseguição dos ortodoxos difundiu uma forma modificada da doutrina ismaelita por toda a Síria e Pérsia.

(34)

O Alcorão29

O Alcorão é resultado textual da recitação da palavra divina por Muhammad entre 610 e 632 a.d. (Pinto, 2010a, p. 45) Foi recitado oralmente antes de ser escrito. Os textos proclamados por Muhammad são considerados pelos muçulmanos como mensagens vindas de Deus por intermédio do anjo Gabriel. O Alcorão é composto de 114 suras (capítulos), cada uma dividida em

ayas (versos). Possui 6.432 versículos e 77.930 palavras. A maior parte do Alcorão é escrita na primeira pessoa do singular ou do plural (Challita, 197? p. 27)30, e contém algumas histórias da Bíblia que citam várias personagens como: Adão, Eva, Noé, Abraão, Ló, Ismael, Isaque, Jacó, Moisés, Elias, Eliseu, Jonas, João Batista, Maria e Jesus. Observa também Jomier:

A figura de Moisés é destacada desde as páginas mais antigas do Corão, no seu duplo aspecto de depositário da revelação e de líder de seu povo. Sob certos aspectos Muhammad apresenta-se então como um novo Moisés, o Moisés dos árabes. Nessa época o Corão não sublinha nenhuma oposição entre a nova religião e a dos contemporâneos que seguiam a Moisés ou a Jesus. Pelo contrário, em determinado momento cita estes últimos para confirmar a sua própria autoridade: “Se tiveres dúvida acerca daquilo que Nós te revelamos, pergunta aos que recitam a Escritura (sagrada) antes de ti” Corão 10,94 (Jomier, 1992, p. 22).

O Alcorão é a base de fé do Islamismo e oferece normas e valores religiosos, morais e legais. De uma forma geral, os muçulmanos não aceitam o

Alcorão traduzido como a Palavra de Alah, e sim como um comentário ao texto árabe.

Ao citar a crença nos livros, que é um dos pilares da fé islâmica, Isbelle faz a seguinte declaração:

As mensagens divinas, reveladas por Allah aos seus mensageiros, estão contidas em livros. À medida que estas mensagens iam sendo

29 Preferi utilizar o termo Alcorão, por verificar que as principais fontes de minha pesquisa

assim o utilizam. Importante destacar que Luiz João Baraúna, tradutor do livro: Islamismo História e doutrina, de Jacques Jomier, prefere utilizar Corão. Etimologicamente os adeptos do termo Corão estão certos; porém, a maioria das palavras árabes ao passarem para o português, o artigo já vem incorporado, como nos seguintes exemplos: alfândega, açúcar, álgebra, algodão, alquimia, dentre outras. Importante destacar que existem edições do Alcorão que são chamadas: O significado do Glorioso Corão.

30 O comentário de Mansour Challita na tradução que fez do Alcorão pela editora ACIGI,

(35)

esquecidas ou deturpadas, Allah enviava novas mensagens. Dentre estas encontramos o Torá de Moisés, os Salmos de Davi e o Evangelho de Jesus. O último desses livros é o Alcorão. (Isbelle, 2011, p. 8).

Para o muçulmano, o Alcorão é a Revelação que deve ser seguida por ser a última das revelações.

Apesar de considerar o Alcorão como única e indispensável palavra divina, o Islã aceita também outros livros revelados como a Torá (formada pelos cinco primeiros livros da Bíblia), os Salmos e os Evangelhos. Entretanto, à medida em que a comunidade muçulmana cresceu e evoluiu, surgiu a necessidade de se referir não só ao Alcorão, mas “às palavras e atitudes do profeta”. As palavras, hadithe; suas atitudes, a sunna.

Para o muçulmano ainda se torna imprescindível a prática do que chamamos de cinco pilares do Islã.

Os 5 pilares do Islã

O Islã possui cinco pilares. São obrigações que o muçulmano deve cumprir no decorrer de sua estada na terra, para que assim possa ter êxito na outra vida (Isbelle, 2011, p. 14)31. São práticas básicas; estruturavam a vida islâmica em Medina, no início, e continuam a fazer sentido até hoje. Segundo Sonn (2011, p. 49), em torno dessas práticas e valores essenciais a primeira comunidade muçulmana foi criada e prosperou.

O Testemunho (Shahaadah)

“Não existe outra divindade exceto Deus e Muhammad é o Seu mensageiro”. A Shahada é uma profissão de fé. Na cerimônia para recepção de novos seguidores, o indivíduo deve recitar a frase em Árabe32, sendo aceito como membro pela comunidade após a declaração.

31 Livro: Descobrindo o Islam. O autor é membro da liderança da SBMRJ e filho de imigrantes árabes.

(36)

Segundo Seda (2004, p. 25), os conceitos contidos no testemunho de fé podem ser explicados pela análise de cada uma das três partes que a constituem:

A primeira parte é “outra divindade”[...], é uma negação do politeísmo.33 É uma negação da existência de qualquer entidade que partilhe de algum dos atributos de Deus. A segunda parte “[...] exceto Deus” é uma afirmação do monoteísmo. É o único a quem deve ser prestado culto. “Muhammad é o mensageiro de Deus” constitui a terceira parte da declaração de fé. Trata-se de uma afirmação da profecia de Muhammad, como o último dos profetas e mensageiros de Deus. Isso exige a aceitação incondicional do Alcorão e do que verdadeiramente foi dito por Muhammad, assim como as suas tradições. (Seda, 2004, p. 25-26)

As orações diárias (Aslat)

Os muçulmanos oram cinco vezes ao dia: na madrugada (fajr), ao meio-dia (zuhud), no meio da tarde (‘asr), ao pôr do sol (maghrig) e à noite (‘isha). Como as orações são marcadas pela posição do sol ou da lua no céu, elas não possuem hora fixa, variando de acordo com a época do ano (Pinto, 2010a, p. 56). Para a organização do trabalho no Brasil, entidades como a UNI34, sediada em São Paulo, elaboram calendários com os horários nas cidades onde se encontram as instituições associadas.

Segundo Jomier (1992, p. 97), todo muçulmano a partir da puberdade e sob algumas condições especiais (especialmente de pureza legal) é obrigado a efetuar individualmente cinco orações cotidianas. Torna-se importante destacar que embora não seja obrigatória a ida a uma mesquita, tal fato é recomendado (Pinto, 2010a, p. 56) especialmente na oração de meio-dia da sexta-feira, que vem acompanhada de um sermão. Outro aspecto muito importante para o muçulmano é que as orações devem ser feitas com o orante voltado para Meca, como destaca Seda:

É exigido ao muçulmano que realize cinco orações diárias obrigatórias. Um muçulmano dirige-se a Makkah (Meca), enquanto realiza essas orações, direcionando-se à primeira Casa construída para adorar ao Deus Único. [...]Um muçulmano pode, voluntariamente, orar mais vezes. As orações, no sentido geral de súplicas, podem, praticamente, ser oferecidas em qualquer momento e lugar. (Seda, 2004, p. 27)

33Uma expressão muito utilizada pelos muçulmanos é que Allah não possui sócios. Para eles

(37)

De uma forma geral, as orações consistem em recitações de versículos do Alcorão assumindo algumas posturas, incluindo ficar de joelhos, de forma que a testa toque o solo; também, em muitos casos, são utilizados tapetes. A oração é feita em estado de pureza (Jomier, 1992, p. 98), daí as chamadas abluções35, com finalidade de purificação.

As esmolas (zakat)

Jomier (1992, p. 109) chama as esmolas de imposto social, enquanto Sonn (2011, p. 48), as classifica como dádiva; Pinto, (2010 a, p. 109) chama de esmola ou caridade; Isbelle (2011, p. 27) denomina pagamento de esmolas anuais.

O texto do Alcorão destaca em 2:43, 273-277, que todo muçulmano deve ajudar os pobres, os órfãos e as viúvas. Assim destaca Seda sobre o

zakat:

É dever de todo religioso muçulmano, suficientemente próspero para acumular a reter lucros, dar parte dos seus ganhos anuais aos mais necessitados. [...] zakat em árabe significa “purificação” [...] o pagamento dessas esmolas é uma forma que as pessoas, financeiramente estáveis, tem de purificarem os lucros honestos que Deus lhes concedeu. [...] valor médio dessas esmolas é de dois e meio por cento das poupanças acumuladas durante um ano. Essas caridades são deduzidas das poupanças, não dos rendimentos e salários. (Seda, 2004, p. 28)

Destaca Jomier (1992, p. 109) que no início do Islã, as tribos que se “haviam submetido mas que em seguida se recusaram a continuar a pagar o

Zakat foram atacadas militarmente e forçadas a se submeterem.” O beneficiário

35 Lavagem ritual. Ato de lavar-se com água antes de uma prece, simbolizando a purificação.

Imagem

Figura 2: Desfile de 7 de Setembro, 1977 Fonte (Pinto, 2005 a, p.161).
Figura 3: Mesquita de Jacarepaguá, em 1984  Fonte: http://filhadaalvorada.blogspot.com.br
Figura 5: Mesquita da Luz vista de frente; obras em 2009   Fonte: (Mauro Júnior 2011, p
Figura 6: Mesquita da Luz, vista de frente
+5

Referências

Documentos relacionados

Perplexos, mas não desesperados, pois tinham Deus, tinham o Senhor Jesus Cristo e também tinham uns aos outros.. Abatidos, mas

145 A Epístola aos Hebreus, no grande elogio que faz da fé dos antepassados, insiste particularmente na fé de Abraão: «Pela fé, Abraão obedeceu ao chamamento de Deus, e partiu

Você e eu não podemos ser imparciais porque nós, sendo gentios, estamos naturalmente satisfeitos com um argumento que nos inclui na bênção, mas se estivéssemos

A um visitante que nunca tenha ouvido falar de São Luiz do Paraitinga, e viesse aqui pela primeira vez, a cidade vai reve- lar algo mais do que a ausência de duas igrejas,

Bem que eu não temo a Deus, nem respeito a homem algum; todavia, como esta viúva me importuna, julgarei a sua causa, para não suceder que, por fim, venha a molestar-me.. Então,

Fé histórica, temporal, milagrosa e salvadora Primeiro, a fé histórica é chamada assim, pois pertence ao conhecimento da história da Palavra de Deus (isto é, ao

(Nota do Tradutor: A experiência prática da vida cristã não consiste meramente em ter noções, pensamentos acerca de Cristo ou da religião, mas, efetivamente receber

O endurecimento que veio aos israelitas foi visto até mesmo em leprosos que foram curados por Jesus, e enquanto isto, um samaritano entrava no reino de Deus pois viu em