PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP
Luciano Brito Caribé
RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS SÓCIOS
E DIRIGENTES DE PESSOAS JURÍDICAS
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP
Luciano Brito Caribé
RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS SÓCIOS
E DIRIGENTES DE PESSOAS JURÍDICAS
MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito Tributário, sob a orientação da Prof.(a) Doutor(a) Elizabeth Nazar Carrazza.
Banca Examinadora
____________________________________
DEDICATÓRIA
A João Pedro, filho amado, cuja compreensão permitiu-me as horas de ausência.
A Talita, minha esposa, por sua companhia em todos os momentos.
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos Professores Heleno Taveira Tôrres e Paulo de Barros Carvalho pelos incentivos na busca do conhecimento.
Agradeço à Professora Elizabeth Nazar Carrazza, pela acolhedora orientação.
RESUMO
O presente trabalho visa a uma abordagem científica do enquadre e do alcance da prescrição normativa dos arts. 134 e 135 do Código Tributário Nacional, dispositivos estes correlatos aos limites para a atribuição de responsabilidade tributária aos sócios e aos dirigentes de pessoas jurídicas, assunto muito relevante nas relações entre o Fisco e os contribuintes.
O tema tem grande importância, na medida em que percebemos empresários mal intencionados usarem a separação patrimonial da personalidade jurídica como uma forma de evadirem-se de pagar tributos.
Por outro lado, evidenciam-se os abusos cometidos pelo Fisco que se tem insurgido diretamente em face dos sócios e dirigentes das empresas, por intermédio das ações de execução fiscal, sem ao menos obedecer aos princípios e às prescrições impostas pelo nosso sistema tributário nacional.
Nossas conclusões apontam para a necessidade de um maior rigor por parte do Fisco na atribuição de responsabilidade tributária aos sócios e aos dirigentes de pessoas jurídicas. E que essa atribuição se dê no curso dos processos administrativos de constituição dos tributos.
ABSTRACT
This work aims at a scientific approach towards the scope and framing of sections 134 and 135 of the Brazilian Tax Code, as well as the other rules related to the limits of fiscal responsibility to partners and executive officers of legal entities, a very relevant subject in the relations between the tax authority and taxpayers.
This topic is very important, as we can observe the usage of the patrimonial separation of the legal entity by malicious entrepreneurs as a way to flee from tax payments.
On the other hand, the abuses committed by the tax authority are clearly shown, as it has been directly suing partners and executive officers without any regard to the principles and prescriptions of our National Tax System.
Our conclusions point towards the need of a stronger rigorousness by the tax authority in attributing tax responsibility to partners and executive officers of corporations. And this attribution must be done in administrative proceedings, where the imposition is formed.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ... 1
1. SISTEMA JURÍDICO ... 5
1.1. A linguagem aplicável ao mundo das normas: a forma de manifestação do direito ... 5
1.2. Texto e norma ... 9
1.3. Sobre o objeto do estudo do direito ... 11
1.4. Sistemas jurídicos - sistema do direito posto e sistema da ciência do direito ... 16
1.5. O conjunto das normas válidas como objeto da ciência do direito ... 19
1.6. Sistema constitucional brasileiro ... 20
1.7. Os princípios constitucionais brasileiros ... 23
2. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA ... 30
2.1. Fundamentos preliminares ... 30
2.2. Sujeição passiva ... 37
2.3. A sujeição passiva tributária e o princípio constitucional da capacidade contributiva ... 42
2.4. Classificação dos contribuintes e responsáveis ... 46
2.5. Solidariedade ... 54
3. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS SÓCIOS E DIRIGENTES DE PESSOAS JURÍDICAS ... 61
3.2. A responsabilidade dos sócios e dirigentes de pessoas jurídicas pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei,
contrato social ou estatutos ... 68
3.3. A execução fiscal e os instrumentos de defesa dos sócios e administradores ... 76
4. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ... 89
4.1. O conceito de pessoa e personalidade jurídica ... 89
4.2. A teoria geral da desconsideração da personalidade jurídica ... 94
4.3. A desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro 100 4.4. A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário ... 105
CONCLUSÕES ... 112
INTRODUÇÃO
A Responsabilidade Tributária dos sócios e dos dirigentes de
pessoas jurídicas é tema de importância sempre ascendente no estudo do
Direito.
Dentre as preocupações que nos ocupam nesta pesquisa, estão o
enquadre e o alcance da prescrição normativa dos arts. 134 e 135 do Código
Tributário Nacional (CTN), ou seja, dos dispositivos legais que tratam da
responsabilidade tributária de terceiros.
Na prática jurídica brasileira, percebemos empresários mal
itencionados usarema separação patrimonial da pessoa jurídica como uma
forma de se evadir do pagamento de tributos.
Por outro lado, têm sido frequentes os abusos cometidos pela
Fazenda Pública que se tem insurgido diretamente em face dos sócios e
dirigentes das empresas, por intermédio das ações de execução fiscal, sem ao
menos obedecer aos princípios e às prescrições impostas pelo Sistema
Tributário Constitucional brasileiro.
Nesse contexto, afigura-se importante que os agentes públicos
disponham, não só de conceitos mais precisos, como também de
delineamentos marcados pelo rigor científico que permitam alcançar o instituto
Para contextualizarmos o leitor no tema da responsabilidade dos
sócios e dirigentes da pessoa jurídica relacionada ao agente, faz-se mister
apresentarmos, no capítulo 1, o sistema constitucional brasileiro, discorrendo
acerca dos princípios orientadores de todo o ordenamento jurídico-tributário,
inserido no modelo filosófico que escolhemos para estimular a nossa
investigação, qual seja: o direito como sistema de linguagem.
No capítulo 2, abordamos o fenômeno da responsabilidade tributária
dos sócios e dirigentes das pessoas jurídicas, momento em que detivemos
rigoroso esforço no sentido de analisar os aspectos gerais da obrigação
tributária, definindo a relação jurídica, a sujeição passiva e a responsabilidade
tributária, bem como o processo de positivação do direito com a fenomenologia
da incidência tributária.
No capítulo seguinte, adentramos no estudo propriamente dito da
Responsabilidade Tributária de terceiros, mediante a apreciação das
disposições dos arts. 134 e 135 do CTN, quando buscamos construir a correta
significação da norma que atribui responsabilidade aos sócios de sociedades
de pessoas em caso de liquidação da empresa e aos sócios e administradores
de pessoas jurídicas pelas obrigações tributárias resultantes da prática de
infração à lei, contrato social e estatuto.
Outro aspecto a ser explanado no presente trabalho, ainda no
capítulo 3, guarda pertinência com o entendimento manifestado recentemente
pela Primeira Seção do STJ, que resolveu dificultar em definitivo o exercício do
incabível a exceção de pré-executividade para arguir a ilegitimidade passiva
em sede de execução fiscal, promovida contra sócio que figura como
responsável na Certidão de Dívida Ativa – CDA, devido à presunção de
legitimidade assegurada à CDA.
Entretanto, conforme defendido no presente estudo, não
vislumbramos legitimidade alguma de CDA que retrate ato administrativo de
inscrição em dívida ativa de crédito inexistente, em face de não terem sido os
sócios, diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito
privado, no curso do processo de positivação do direito, notificados do
lançamento tributário com atribuição motivada de responsabilidade tributária,
não lhes sendo, portanto, conferido, o direito de defesa.
O Ato administrativo de inscrição em dívida ativa, da forma como
vem sendo realizado, infringe diretamente os princípios constitucionais da
ampla defesa, do contraditório e da motivação dos atos administrativos.
Desta feita, entendemos não ser pertinente a generalização imposta
pelo STJ no sentido de mitigar o direito de defesa dos ilegítimos responsáveis
tributários, conferindo-lhes, tão-somente, o manejo dos Embargos à Execução
ou a Ação Anulatória para se discutir a questão da legitimidade passiva.
Existente a possibilidade de se demonstrar de plano, prescindindo
da realização de dilação probatória, a ilegitimidade do sujeito passivo eleito
pelo fisco, não se pode impor limites e restrições de natureza processual
quanto à discussão desta condição da ação, cuja matéria, ressalte-se, é de
No intuito de robustecer os argumentos expendidos no capítulo 3,
ressaltamos o posicionamento recente firmado pelo Superior Tribunal de
Justiça (STJ) no sentido de que o não pagamento do tributo devido, por si só,
não configura, nem em tese, a responsabilidade subsidiária do sócio, prevista
no art. 135 do CTN. Para tanto, seria indispensável que os diretores, gerentes
ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado tenham agido com
excesso de poderes ou infração à lei societária, ao contrato social ou ao
estatuto da empresa.
Para melhor compreensão da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica e suas relações com o direito tributário, defendemos, no
capítulo 4, nossa posição quanto à inaplicabilidade deste instituto nas lides
tributárias quando houver norma de responsabilidade específica para o caso
concreto.
Com um olhar lançado ao futuro, nossas conclusões apontam para a
necessidade de um maior rigor por parte do Fisco na atribuição de
responsabilidade tributária aos sócios e aos dirigentes de pessoas jurídicas, e
que essa atribuição se dê nos processos administrativos de constituição dos
tributos, garantindo-lhes o direito de se defenderem contra a atribuição de tal
responsabilidade. Dessa forma, ter-se-ão expedidas certidões de dívida ativa
que realmente gozam de presunção, certeza e liquidez, com a indicação dos
1. O SISTEMA JURÍDICO
1.1. A linguagem aplicável ao mundo das normas: a forma de manifestação do direito
Com o objetivo de analisarmos o tema proposto pelo presente
trabalho, a responsabilidade tributária dos sócios e dirigentes de pessoas
jurídicas, precisamos inseri-lo na noção de sistema jurídico, para o fim de
apreciá-lo como um plexo de normas jurídicas, construídas a partir do texto da
lei e através das relações de coordenação e subordinação com as demais
normas do Sistema Constitucional Brasileiro.
O Direito se apresenta em linguagem e dela é dependente; por essa
razão, inúmeras são as relações existentes entre o Direito e a linguagem.
Assim, a linguagem que fala sobre o direito ou por intermédio da qual ele se
expressa pode ser denominada linguagem jurídica1.
Linguagem jurídica é expressão ambígua que pode significar tanto a
linguagem prescritiva do direito positivo, quanto a linguagem descritiva da
Ciência do Direito. Contudo, elas devem ser tomadas como duas realidades
heterogêneas, pois se tratam de fenômenos de linguagem que possuem
organização lógica e função semântica e pragmática diversas. Nesse sentido:
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1
La expresión << lenguaje jurídico >> es ambigua. Podemos distinguir, al menos, dos sentidos de ella: a) puede referirse al
lenguaje en el que se expresan las normas, al lenguaje del
Derecho (al lenguaje legal, principalmente); b) también se
refiere al lenguaje en el que se expresan los juristas, al
lenguaje de los juristas acerca del Derecho (al lenguaje de la
ciencia jurídica, principalmente).2
A linguagem jurídica prescritiva verte-se em normas, o que significa
dizer que o Direito positivo pode ser estudado como um fenômeno de
linguagem prescritiva de condutas intersubjetivas, o qual se apresenta segundo
os valores previamente estabelecidos pela sociedade em que se insere.
A linguagem da Dogmática jurídica ou Ciência do Direito se
materializa em uma linguagem que toma por foco a própria linguagem
prescritiva. Paulo de Barros Carvalho preceitua que:
"Tomada com relação ao direito positivo, a Ciência do Direito é uma sobrelinguagem ou linguagem de sobrenível. Está acima da linguagem do direito positivo, pois discorre sobre ela, transmitindo notícias de sua compostura como sistema empírico”3
.
A linguagem do Direito positivo é, por correlação, havida como
linguagem-objeto, de cunho prescritivo de condutas intersubjetivas. Prescrever
condutas intersubjetivas, nada mais é do que regular condutas entre pessoas.
Por outro lado, a linguagem da Dogmática Jurídica, nos dizeres de Lorival
Vilanova:
não se encontra dentro do sistema, não pertence à linguagem em que se expressam as regras de direito positivo. Relativamente a essa linguagem, pertence à meta-linguagem que é a da Ciência-do-Direito: à linguagem que fala sobre a linguagem das normas.4
Em face da distinção entre os níveis de linguagem, há a
necessidade de grande rigor e precisão na transmissão das mensagens
descritas cientificamente, para que se tenha melhor compreensão do objeto de
estudo. No caso do Direito positivo, que foi tomado como objeto de estudo da
Ciência do Direito, para uma melhor visualização e compreensão de sua
estrutura, é imprescindível que lancemos mão tanto da abstração lógica, ou
formalização, como da generalização.
Explicitando, o que há é o seguinte: o Direito positivo forma um
plano de linguagem de índole prescritiva, ao tempo em que a Ciência do direito,
que o relata, compõe-se de uma camada de linguagem fundamentalmente
descritiva.
Estabelecidos estes níveis de linguagem, relacionados por uma
função metalinguística, cumpre ainda ao intérprete que tomar a linguagem de
sobrenível como estudo, segundo uma concepção empirista contemporânea,
distingui-la através da construção de um outro nível de linguagem, a partir do
qual se possa fazer uma investigação problematizadora dos componentes e
estruturas da linguagem que se está analisando.
Para se chegar a esta "metalinguagem", é preciso a utilização dos
expedientes da generalização e da formalização, adquirindo-se o necessário
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4
rigor e precisão, eliminando as ambiguidades da linguagem cotidiana, expondo
o seu significado, pelo primeiro, e as suas relações sintáticas, pelo segundo.
A linguagem, então, adquire extrema importância, revelando-se a
Teoria Geral dos Signos (Semiótica) como instrumento à disposição do
estudioso do Direito, ampliando em muito sua cognicividade, por tornar seu
discurso capaz de descrever com maior riqueza e precisão o fenômeno
linguístico do seu objeto (Direito Positivo).
É também com as categorias semióticas que se pode captar,
metodologicamente, o ato de compreensão do destinatário do comando
normativo, ato o qual norteará a sua conduta. Pratica-se, pois, consciente ou
inconscientemente, duas operações lógicas. A primeira, denominada de
inclusão de classes, corresponde à percepção de que determinado fato do
mundo social se subsume à classe dos fatos previstos na hipótese normativa.
A segunda, chamada de implicação, corresponde à verificação da relação
jurídica prevista no consequente, deonticamente modalizada.
De fato, em um ato de cognição, é possível se depreender que a
linguagem prescritiva legislada é redutível a regras jurídicas, caracterizadas
pela uniformidade sintática e a heterogeneidade semântica. Partindo do
conceito de norma jurídica como a unidade mínima de significação deôntica,
tem-se sua compostura estrutural, sendo uma proposição
hipotética-condicional (se ocorrer o fato "x", então deve ser a prestação "y") formada por
várias noções, as quais podem estar esparsas por mais de um veículo
Os chamados enunciados prescritivos recebem um tratamento
formal ao serem acolhidos em nossa mente, que os agrupa e dispõe na
conformidade lógica da implicação, que é a forma dos enunciados normativos,
após a leitura dos enunciados prescritivos. Tais enunciados ingressam na
estrutura sintática das normas na condição de proposição-hipótese ou de
proposição-consequente. E tudo isso porque a norma jurídica deve ser acolhida
como a unidade mínima e irredutível de significação do deôntico5. Assim, se
reconhece força prescritiva às frases isoladas dos textos positivados. Nada
obstante, esse teor prescritivo está na dependência de integrações em
unidades normativas, como mínimos deônticos completos.
1.2. Texto e norma
A linguagem comporta uma estrutura triádica: o (i) suporte físico se
refere a algum objeto do mundo (ii) significado, do qual extraímos um conceito
ou juízo (ii) significação.
O suporte físico refere-se a algo, que é o seu significado, que insere
em nossa mente uma noção, uma ideia ou conceito, a significação.
O suporte físico da linguagem prescritiva do Direito Positivo é o
repertório de enunciados dotados de significados, do qual o sujeito
cognoscente extrai os juízos nele estabelecidos (significação), isto é, a palavra
falada ou escrita, de natureza física ou material. São, portanto, os símbolos
linguísticos marcados no papel ou a mensagem sonora que é dirigida pelo
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5
emissor da ordem, utilizados para comunicarem as prescrições sistemicamente
estabelecidas.
O significado, que está contido no suporte físico supra descrito, se
reporta ao comportamento humano no quadro de suas relações intersubjetivas.
É a representação do comportamento regulado.
A significação é algo que se reproduz em nossas mentes como
resultado de percepção do mundo exterior, captado pelos sentidos. In casu, é a
norma jurídica, na forma como recebemos das leituras dos textos de Direito
Positivo.
No plano da significação têm-se as proposições, que são dotadas do
conteúdo significativo que o enunciado exprime. É para estas que se volta o
interesse da lógica, porque os seus elementos e formas não são palavras nem
expressões linguísticas, mas aquilo que significam.
Como visto, o Direito Positivo é o suporte físico, o repertório de
significados de onde o sujeito cognoscente extrai os juízos nele estabelecidos
(significação).
A norma jurídica é a significação percebida nos textos de Direito
Positivo (grupo de vocábulos) face à respectiva realidade empírica, aparecendo
como uma proposição que representa um enunciado de juízos.
A correta significação dos juízos advirá, contudo, através do exame
dos princípios que emergem da totalidade do sistema, para uma adequada
formulação interpretativa por parte do utente, porque são os princípios gerais
1.3. Sobre o objeto do estudo do direito
O problema fundamental de toda ciência é a demarcação do seu
objeto-formal. E a cada ciência corresponde um e somente um objeto-formal,
para efeito de constituição de um sistema de proposições descritivas, com fim
cognoscitivo sobre ele.
Objeto-formal é o produto de um corte abstrato sobre o
objeto-material, cuja constituição é complexa. Objeto-objeto-material, matéria reconstituída
gnosiologicamente sobre a qual se opera essa demarcação, que, por isso
mesmo, dá margem à constituição de “n” objetos e respectivos feixes
homogêneos de proposições: teorias.
A ciência do direito é uma das ciências sobre a realidade chamada
“direito”, cujo objeto não é dado, mas construído mediante critérios seletivos -
redutores de complexidade.
O direito é instrumento, uma técnica social específica baseada na
experiência humana para fins de regular as condutas intersubjetivas no tempo
histórico e no espaço social. É por meio do direito que o Estado age para
manter e realizar o bem comum e os valores da comunidade.
O objeto-formal da ciência do direito é o direito positivo, que
apresenta uma multiplicidade quantitativamente indeterminada e
qualitativamente heterogênea de regras. Assim, o conhecimento científico visa
pôr ordem na multiplicidade heterogênea do objeto-material, delineando
O conhecimento gnosiológico busca reconstituir o dado-material e
constituir o objeto-material, na medida em que busca não reconstituir aquele,
mas apenas a experiência (acesso ao objeto) do ser cognoscente, para
possibilitar, num segundo momento, que o conhecimento científico, pelo corte
epistemológico sobre o objeto-material, possa constituir o objeto-formal.
Assim, a ciência não faz o direito, fala sobre ele, separando
conceitualmente as normas para, na linguagem descritiva, emitir enunciados
sobre ele. Então, temos que o objeto-formal da ciência do direito é o direito
positivo (conjunto de normas jurídicas válidas).
Segundo Eurico Diniz de Santi6, o direito é realidade (fato) e
idealidade (norma) – o que se denomina de bidimensionalidade. Como
idealidade, toma dois níveis: a norma e o valor, tornando-se tridimensional por
essa divisão. Entretando, somente as normas, unidades básicas que
conformam o direito positivo, interessam à investigação da ciência formal.
Direito positivo e ciência do direito são fixados, ambos, em sistemas
linguísticos, dado que a semiótica ou teoria dos signos potencializa o discurso
do cientista dogmático, ampliando a capacidade do discurso científico, que
implica, portanto, o estudo do plano sintático, semântico ou pragmático da
linguagem prescritiva do direito posto. Consoante assevera Tércio Sampaio
Ferraz Júnior:7
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6
Apenas com objetivos didáticos, oferecemos um critério que pode, se não sistematizar todos, pelo menos fornecer uma visão abrangente e compreensiva dos diferentes critérios tópicos. Servimo-nos, pois, de um ponto de vista semiótico, das noções de relação sintática, semântica e pragmática. A semiótica é a teoria dos signos (por exemplo dos signos lingüísticos, das palavras), em sua tríplice relação: signos entre si (sintaxe), em relação ao objeto (semântica) e aos seus usuários (pragmática). Isto só nos basta para dizer que as normas se classificam conforme critérios sintáticos, semânticos e pragmáticos, ou seja, normas em relação a normas, normas em relação ao objeto normado e normas em relação à sua função.
O gênero norma, do qual “normas jurídicas” são espécie,
apresenta-se necessariamente em linguagem, apresenta-sem a qual inexiste proposição de
dever-ser. A norma jurídica corresponde à significação que se colhe da leitura dos
textos do direito positivo. Os textos legais (suportes físicos - os enunciados)
são os veículos normativos que se constituem de enunciados prescritivos, aos
quais correspondem proposições (significações).
No presente segmento, interessa o enfoque da estrutura lógica da
norma jurídica, tomando como base a semiótica - estudo dos signos - nos seus
planos: sintático (relação dos signos entre si), semântico (signos com o que
designam) e pragmático (relações do signo com os utentes da linguagem).
Todas as normas apresentam a mesma estrutura sintática. Daí
dizer-se que o direito é um sistema que apresenta em suas unidades - as
normas jurídicas válidas - homogeneidade sintática (mesma estrutura lógica) e
heterogeneidade semântica (diversidade de conteúdos dirigidos à região
situação fática, e uma tese, prescritor da relação em que um sujeito fica em
face de um outro.
A norma jurídica prescreve condutas intersubjetivas e juridiciza
situações, é proposição jurídica que advém de um enunciado prescritivo. A
homogeneidade sintática dos elementos assim se põe: associa, num nexo de
causalidade jurídica (imputação), a descrição de um fato de possível ocorrência
no mundo objetivo (hipótese) a uma relação deôntica (consequência).
Os limites para a criação de normas jurídicas: um sintático (cinge-se
à estrutura lógica); outro semântico (material), que se cinge aos conteúdos
normativos do “factualmente possível” e do “não-necessário”.
O “ser” norma jurídica pressupõe bimembridade constitutiva: norma
primária e norma secundária, ambas com mesma estrutura sintática, mas com
composição semântica distinta. A primária vincula deonticamente a ocorrência
de dado fato a uma prescrição (relação jurídica); a secundária conecta-se
sintaticamente à primária, prescrevendo: caso não se cumpra o prescrito na
primária, então deve haver uma relação jurídica que assegure o cumprimento
daquela primeira (sanção). E a norma é jurídica, justo porque se sujeita à
sanção, que confere juridicidade à norma primária.
O que caracteriza a norma secundária é a figuração no prescritor da
sanção da possibilidade do uso da coação organizada, mediante órgão
jurisdicional, para fazer valer a efetivação do dever constituído pela eficácia
Não é outra a constatação que colhemos do texto de Lourival
Vilanova8:
Se urna norma foi posta, para ser norma jurídica, constituir-se-á de duas proposições: a primeira fixa as relações jurídicas ou situações jurídicas decorrentes da verificação ou não-verificação (fato não-ocorrente, omissivo) de fatos que são fatos jurídicos justamente porque provocam tais “efeitos jurídicos”; a segunda, fixa as conseqüências para os sujeitos no caso de não seguirem o que está preceituado na norma antecedente. A conduta dos sujeitos se alojará numa ou noutra norma, não em ambas. Mesclar-se-iam o lícito e o ilícito, o devido e o não-devido se a conduta se inserisse simultanearnente na primeira e na segunda norma-parte da norma total. Se se descumpre a norma primária, ingressa-se na órbita de incidência da norma secundária sancionadora. Se há observância da norma primária, carece de sentido prescritivo subsurnir a conduta na norma secundária. Do âmbito de possibilidades de conduta para os sujeitos, são selecionadas duas, colocadas em sucessividade temporal. Cumprir/descumprir, ou observar/inobservar, ou adimplir/inadimplir, é a dualidade que o ordenarnento jurídico deixa aos sujeitos ante as normas positivas. São possibilidades mutuamente excludentes, contraditórias ou contrárias, conforme logicamente sejam ou não exaustivas (ontologicamente, as possibilidades de fazer ou não-fazer são inesgotáveis).
Delimitada a nossa posição quanto à forma como se apresentam as
normas jurídicas, como produto construído pela análise sintática, semântica e
pragmática da linguagem legislada e sendo ela a única que importa para a
Ciência do Direito, e visualizando que tanto o direito positivo quanto a Ciência
do Direito podem ser sistematizados, passaremos a tratar no tópico seguinte
das diferenças substanciais entre o sistema do direito positivo e o sistema da
ciência do direito.
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8
1.4. Sistemas jurídicos - sistema do direito posto e sistema da ciência do direito
As normas jurídicas são unidades que, inter-relacionadas mediante
vínculos horizontais (relações de coordenação) e verticais (relações de
subordinação-hierarquia), compõem um sistema, o qual tem como suporte
físico os textos de Direito Positivo e encontra-se vertido numa linguagem de
natureza prescritiva.
Em face desse sistema prescritivo, o cientista do direito desenvolve
intenso trabalho de sua descrição. É o sistema da Ciência do Direito, de
enunciados apofânticos que dizem respeito às normas e princípios que
compõem o sistema prescritivo (deôntico).
A distinção entre ambos os sistemas está na impossibilidade de
pertinência de contradições no interior do sistema da Ciência do Direito, o que
não acontece com o sistema de direito posto, que pode conviver com
contradições intrassistêmicas - antinomias -, as quais apenas deixarão de
existir com a escolha de aplicação da norma legítima e adequada para reger
um dado caso concreto (por hierarquia formal, temporal etc)9.
No Direito Positivo, segundo Lourival Vilanova10, é possível haver
contradições entre as proposições normativas: entre normas de um mesmo
nível hierárquico, ou não, somente elimináveis pelos princípios extralógicos:
entre leis ordinárias, entre regulamentos e entre outros atos normativos. Contradições só elimináveis pelo principio extralógico da norma de nível mais elevado sobre a norma de nível inferior, ou pelo critério, também extralógico, da sucessão temporal (norma de mesmo nível revoga norma anteriormente ditada); da norma geral que admite a contraposição contraditória de uma norma especial, estatuindo para todos os casos compreendidos num conjunto, menos para alguns que se excetuam, mas que pertencem ao conjunto.
Dessa forma, a inexistência de contradições intra-sistêmicas não é
condição sine qua non para a estrutura sistêmica do jurídico.
Quando a uma dada norma N corresponde uma outra contraditória,
não-N, sendo ambas válidas, uma, ao menos, pertence ao sistema, porque é
também pertinente ao sistema um mecanismo decisional que possibilita a
aplicação de uma ou outra norma a um dado caso concreto (mas nunca
ambas), sem alterar em nada a validade da proposição normativa contraditória
que não for aplicada.
Assim, o Sistema de Direito Positivo pode conter proposições
normativas contraditórias, simultaneamente válidas, ainda que não
simultaneamente aplicáveis e, por isso, o órgão aplicador que deixou de aplicar
não-N, por contradizer N, incidível no caso subjudice, posteriormente pode
aplicar não-N, que continuou como norma válida em relação de
pertinencialidade com o sistema.
Uma norma é válida ou não-válida, de acordo com os critérios de
validade que o sistema jurídico estabelece (lei lógica). O ser-válido e o
proposições descritivas. O comportamento sintático de ambas as formas
valorativas é análogo, na medida em que a diferença que se põe entre os
mesmos reside no lado semântico: é o modo de referência ao objeto que difere.
Uma vez que o Sistema de Direito Positivo não é um sistema
científico, não lhe é peculiar seguir a lei lógica da não-contradição. Na Ciência
do Direito, contudo, a consistência formal é de suma importância para alcançar
(1) o objeto do conhecimento e (2) sua adequação (verdade material ou
gnosiológica) à experiência em que se dá o Sistema de Direito Positivo,
devendo ser, portanto, um todo isento de contradições. E isso porque o sistema
de Ciência do Direito exprime-se em linguagem apofântica, que é
necessariamente susceptível do valor verdade, positivo ou negativo, consoante
a confirmação ou falseabilidade pelo objeto da experiência11.
Pela diferenciação de valores acima descrita, a possibilidade de
convivência de proposições contraditórias no interior do sistema de Direito
Positivo não transita para a linguagem da Ciência do Direito, comprometendo
os valores apofânticos próprios desta linguagem.
Cumpre observar, todavia, que, mesmo assim, ao jurista
apresentam-se dificuldades técnicas, como as ambiguidades, a vagueza e
multissignificações, que são de difícil resolução semântica. E, para esses
casos, que persistirem, ainda no plano da teoria geral do direito, somente as
generalizações lógicas são capazes de ofertar um esquema seguro para captar
o arcabouço da mensagem normativa; isso porque os termos lógicos têm
1.5. O conjunto das normas válidas como objeto da ciência do direito
O conhecimento jurídico pressupõe como imperativo epistemológico
que se estabeleça um corte metodológico, para que se torne possível um
trabalho coerente e rigoroso.
Por ser o sistema jurídico dotado de um natural empirismo, pode ser
estudado e apreendido cognoscitivamente segundo vários prismas: dogmática
jurídica, sociologia jurídica, ética, política, história do direito etc, de acordo com
o método que corresponda a cada um deles. Por esse motivo, não há que se
falar em privilégios de um em detrimento dos demais, sendo todos eles dotados
de dignidade científica similar.
Em termos de ciência que fala do Direito Positivo, a dogmática
jurídica, por preocupar-se com o caráter ontológico do jurídico, firma-se como a
parte do conhecimento jurídico que trata do direito posto e se preocupa em
“conhecer de que maneira se articulam e de que modo funcionam as
prescrições normativas”.12 É a dogmática jurídica o que se poderia chamar de
Ciência do Direito stricto sensu, porque se ocupa em descrever o Direito
Positivo posto, tal como ele se apresenta, considerado hic et nunc,. Por esse
motivo, para a dogmática, no dizer de Paulo de Barros13:
(...) é necessário observá-lo (o Direito Positivo) na sua feição estática e no seu aspecto dinâmico, que se perfaz no seu processo de positivação, em que a norma editada hoje será o fundamento de validade de outras regras, até o ponto terminal da cadeia de elaboração, que se consubstancia no último ato de aplicação, norma individual de máxima concretude.
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CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 12.
13
Foi a partir dessa visão do direito posivito como um sistema de
normas jurídicas válidas, e que possui na norma fundamental o seu ápice, que
desenvolvemos o presente trabalho no intuito de identificarmos quais as
normas que mantêm relação com as normas que dispõem sobre a
responsabilidade dos sócios e dirigentes de pessoas jurídicas de direito
privado.
Trataremos no tópico seguinte do Sistema Constitucional Brasileiro,
o qual contém princípios norteadores de todas as normas que lhe são
subordinadas, e dentre estas as que disciplinam a responsabilidade dos sócios
e dirigentes de pessoas jurídicas de direito privado.
1.6. Sistema constitucional brasileiro
Sistema jurídico, nos ensinamentos do professor Paulo de Barros
Carvalho, é uma expressão ambígua que tanto pode designar o sistema da
Ciência do Direito, quanto o direito positivo, o que acaba instaurando certa
instabilidade semântica. Todavia, os enunciados prescritivos que projetam
sobre a região material das condutas interpessoais acabam tendo um mínimo
de racionalidade, o que lhes garante a condição de sistema.
Há que se notar que, onde houver um conjunto de elementos
relacionados entre si, em face de uma determinada referência, pode-se
encontrar a noção de sistema, lembrando que o uso reiterado da comunidade
procurar no sistema as possibilidades de uso de idioma que nos ofereça a
possibilidade de conjugar tais elementos centrados por uma ideia comum.
O sistema de direito está estruturado de maneira hierarquizada,
convergindo sempre para a norma fundamental e é regido pela fundamentação
ou derivação operacionalizada, tanto sobre o aspecto material quanto sobre o
formal ou processual, o que possibilita sua dinâmica, regulando sua própria
criação e transformação.
Tanto a Ciência do Direito (fenômeno linguístico) quanto o direito
positivo (plexo de enunciados prescritivos) apresenta-se como sistema; o
primeiro mostra-se num sistema nomoempírico descritivo, teorético ou
declarativo, vertido numa linguagem que se propõe ser científica; já o segundo,
nomoempírico prescritivo, apresentando a racionalidade do homem que é
utilizada como objetivo diretivo e vazado em linguagem técnica.
A partir da norma fundamental, cuja função é legitimar a Lei
Constitucional, as demais normas do sistema distribuem-se em várias escalas
hierárquicas, restando, à base da pirâmide, as regras individuais máximas de
concretude, onde uma concepção dessa ordem propicia a análise estática do
ordenamento (nomoestática), ou seja, as unidades normativas são
surpreendidas num instante, e uma análise dinâmica do funcionamento do
sistema positivo (nomodinâmica), onde se indagam as possíveis mutações,
tanto de ordem à criação de novas regras, como às transformações internas
que o complexo de normas tem idoneidade para produzir.
Temos, então, no complexo de normas acima referido, as regras de
suas relações intersubjetivas, e as regras de estrutura ou de organização,
destinadas igualmente às condutas interpessoais, tendo por objeto os
comportamentos relacionados à produção de novas unidades deônticas,
dispondo sobre órgãos, procedimentos e forma de criação das regras
transformadas ou expulsas do sistema.
As normas em geral e as proposições expressam-se pelo conectivo
dever-ser (deôntico do sistema do direito positivo) modalizado em permitido
(P), obrigatório (O) e proibido (V). Assim, as regulações de condutas dependem
de edição de outra norma, e são determinadas por órgãos do sistema em que
irão editar normas jurídicas válidas e o modo como serão alteradas ou
desconstituídas. Seu conteúdo é disciplinar as competências, fazendo surgir a
norma de conduta derivada da regra de estrutura, para reger diretamente os
comportamentos interpessoais.
Temos de considerar o texto constitucional como lugar que trata
das linhas gerais que informam a organização do Estado, traçando as
características das instituições que a legislação comum desenvolve,
conferindo-lhes compostura final.
Ressalte-se que nossa Carta Maior é rígida, de modo a permitir
somente a sua alteração através de um procedimento muito mais solene e
rígido do que aquele exigido ora com as leis ordinárias, nada obstante os
valores jurídico-politicos intangíveis consagrados no artigo 60, § 4º, I a IV.
Esse subsistema – legitimado pela norma fundamental e
dá conteúdo – é constituído por um quadro orgânico das normas atinentes à
matéria tributária em nível constitucional, cujaa homogeneidade das regras é
determinada pela natureza lógica das entidades normativas horizontalmente
coordenadas.
Ainda que as regras de estrutura sejam as de maior aparência,
existem aquelas que se dirigem à disciplina das condutas.
O subsistema constitucional tributário realiza várias funções; enuncia
normas que são verdadeiros princípios, os quais irão influenciar várias outras
normas que lhes são subordinadas. Note-se que, diferentemente de outros
países, no Brasil, por exemplo, foram dispensados fartos preceitos em matéria
tributária, mobilizando, de certa forma, o legislador ordinário, fazendo-se
entender que nossas imposições tributárias encontram-se sob os cuidados de
muitos princípios constitucionais que se irradiam por toda a ordem jurídica.
As normas tratadas no presente trabalho regulam a responsabilidade
dos sócios e administradores das pessoas jurídicas de direito privado, em
relação aos tributos cobrados destas. São, portanto, subordinados à hierarquia
dos princípios constitucionais.
1.7. Os princípios constitucionais brasileiros
Deparamos-nos agora com uma questão de vital importância no ato
de apreensão da correta significação que se deve dar às normas jurídicas,
subordinação e coordenação, todas confluindo para a norma fundamental da
qual a Constituição obtém o seu fundamento de validade. É justamente na
Constituição Federal, norma de hierarquia superior e orientadora de todas as
demais normas do sistema que lhe são inferiores, que vamos encontrar os
princípios jurídicos.
Discorrendo acerca dos princípios jurídicos, Roque Carrazza assim
define:
princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.14
Com efeito, os princípios são encontráveis em todos os escalões da
“pirâmide jurídica”. Assim, podemos identificar princípios constitucionais, legais
e até mesmo infralegais; contudo, os constitucionais, sem dúvida alguma, são
os de maior relevância, na medida em que sobrepairam aos outros princípios e
regras, inclusive às contidas na Constituição Federal.15
O princípio dentro de nosso ordenamento possui uma função
especificadora para a exegese e perfeita aplicação dos atos normativos.
Também não passa de ser uma norma jurídica qualificadora, posto que possui
um âmbito de validade maior e orienta a atuação de outras normas, ainda que
sejam de níveis constitucionais.16
_________________
14
Leciona Paulo de Barros Carvalho17 que os princípios são linhas
diretivas que auxiliam na compreensão dos setores normativos, imprimindo
caráter de unidade relativa que serve de fator de agregação num dado feixe de
normas, e podem ser encontrados de maneira expressa ou implícita sem
considerar algum tipo de supremacia entre eles. Para o objeto do nosso
trabalho, cabe-nos analisar o princípio da igualdade e da capacidade
contributiva, no intuito de avaliarmos se as normas atributivas de
responsabilidade tributária dos sócios e dirigentes de pessoas jurídicas estão
em consonância cosigo mesmos.
É essencial para o desenvolvimento do presente trabalho, definirmos
alguns princípios constitucionais e outros direcionados à orientação das
normas tributárias e, especificamente, das normas relativas à sujeição passiva
tributária. São eles:
Princípio da justiça: É tido como uma diretriz suprema, utilizado para
implementar outros princípios, motivo pelo qual é considerado como
sobreprincípio na medida em que as unidades normativas o proclamam.
Princípio da certeza do direito: Também considerado como
sobreprincípio, é algo que está na própria raiz do dever-ser, sendo incompatível
imaginá-lo sem determinação específica. Elege a certeza como postulado
indispensável para uma harmoniosa convivência social.
Princípio da segurança jurídica: Coordena o fluxo das interações
inter-humanas visando a propagar, no seio da comunidade social, a
previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos da regulação da conduta humana.
_________________
17
Princípio da irretroatividade das leis: Princípio que garante a certeza
do direito, alcançando o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada, sendo, portanto, considerado como norma superior que estabelece
limites, objetivos – artigo 5º, XXXVI da CF/88.
Princípio da universalização da jurisdição: Estampado no artigo 5º,
XXXV, tal princípio garante a todos, a tutela jurisdicional do Estado com o
propósito de assegurar a aptidão da coisa julgada.
Princípio que consagra o direito de ampla defesa e o devido
processo legal: Instrumento básico para garantir a preservação dos direitos e
garantias; esse princípio está previsto no artigo 5º, LV, onde aos litigantes, em
geral, está garantido o devido processo legal.
Princípio que afirma o direito de propriedade: Insculpido no artigo 5º,
XXII e XXIV da CF/88, o princípio da propriedade aloja situações materiais que
sofrem impacto tributário, motivo pelo qual deve ser guarnecido de proteção
constitucional.
Já considerando os princípios constitucionais tributários, temos:
Princípio da estrita legalidade: Trata-se de princípio que determina a
introdução de regras tributárias sempre por meio de lei no seu sentido lato. No
que concerne ao princípio da estrita legalidade, sua abrangência acaba sendo
maior, na medida em que estabelece a necessidade de que a lei traga no seu
bojo elementos descritores do fato jurídico e os dados prescritivos da relação
Princípio da anterioridade: Tal princípio determina que a lei que instituir
ou majorar um tributo só poderá ser aplicada no ano seguinte, para tanto, o
respectivo diploma legislativo deve ser publicado no período que antecede o início
do exercício financeiro em que se pretenda efetuar a cobrança.
Princípio da irretroatividade da lei tributária: Esse princípio existe
para proteger situações já ocorridas e, visando a, de toda sorte, proteger o
direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Assim, seu
reconhecimento impede que o ente tributante venha tomar iniciativas tributárias
no sentido de atingir fatos passados.
Princípio da tipologia tributária: Através desse princípio, será
possível verificar a definição do tipo tributário pela sua integração
lógico-semântica, por meio de dois fatores: hipótese de incidência e base de cálculo.
Diante desses fatores, na medida em que foram adequadamente isolados, será
possível credenciar determinado tributo em imposto, taxa ou contribuição de
melhoria, bem como anunciar seu tipo tributário.
Princípio da proibição de tributo com efeito de confisco: Nada
obstante tratar-se de um princípio que carece de linhas demarcatórias no que
concerne ao conceito do limite o qual incide o inciso IV, do artigo 150 da CF/88,
a nota principal repousa no sentido de que a carga tributária tem limite.
Princípio da vinculabilidade da tributação: Ainda que exista uma
série de atos discricionários da atividade administrativa, a relevância desse
princípio se dá àqueles acontecimentos de maior importância, ou seja, os que
dizem respeito aos fins últimos da pretensão tributária, sendo pautados por
Princípio da uniformidade geográfica: Aqui se trata de um princípio
cuja tradução é o sentido de determinar que os tributos instituídos pela União
sejam uniformes em todo o território nacional, de modo que tal postulado deve
ser aplicado aos demais entes para que não haja prejuízo entre eles.
Princípio da não-discriminação tributária, em razão da procedência
ou do destino dos bens: Tal princípio determina que as pessoas tributantes
estão impedidas de graduar seus tributos, levando-se em conta a região de
origem dos bens ou do local para onde se destinem.
Princípio da territorialidade da tributação: A observância desse
princípio é condição determinante para o bom funcionamento do Estado de
direito, na medida em que o poder vinculante de uma lei ensejará que seus
efeitos jurídicos deverão respeitar os limites geográficos da pessoa política que
a editou.
Princípio da indelegabilidade da competência tributária: Lembrando
sempre que transferir capacidade ativa não é transferir competência tributária,
o legislador, ao definir a incidência do imposto, já terá esgotado sua
competência, pelo que somente poderá passar adiante a sua capacidade para
ser sujeito ativo. Assim, a transferência de competência para instituir
determinado tributo é vedada.
Princípio da igualdade: Contido no artigo 5º, caput, da Constituição
Federal, tem como destinatários os órgãos da atividade legislativa, não sendo
Princípio da capacidade contributiva: Fonte principal de critérios
discriminatórios, conforme o qual os impostos serão graduados e
personalizados segundo as possibilidades econômicas do contribuinte.
Passaremos à analise da responsabilidade tributária no âmbito da
teoria geral do direito tributário, momento em que retornaremos à análise do
princípio da capacidade contributiva e de sua relação com a responsabilidade
2. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
2.1. Fundamentos preliminares
O objeto de nossa investigação é a responsabilidade tributária dos
sócios e dirigentes das pessoas jurídicas. Entretanto, para adentrarmos ao
tema proposto, faz-se necessário, inicialmente, abordarmos alguns conceitos
relacionados ao fenômeno da incidência da norma tributária.
O responsável tributário, assim como o contribuinte, é pessoa física
ou jurídica que ocupa na relação jurídico-tributária o lugar de sujeito passivo. A
sujeição passiva - tema da mais alta relevância para o presente estudo - será
detidamente analisada mais adiante. Por ora, ocupar-nos-emos da relação
jurídico-tributária formal.
Tratamos no capítulo anterior da forma como se apresenta o sistema
do direito positivo. Verificamos que o direito se apresenta em uma linguagem
de índole prescritiva contida de forma esparsa nos diversos veículos
normativos (textos de lei) e que essa linguagem permite a construção pelo
intérprete de normas jurídicas.
Partindo do conceito de norma jurídica como a unidade mínima de
significação deôntica, tem-se sua compostura estrutural como sendo uma
prestação "y"). Ou seja, se ocorrer o fato “x”, deverá haver uma relação jurídica
entre sujeitos de direito. Assim como nos diz Lourival Vilanova18: “Ao jurista
nenhuma idéia é mais familiar: a norma ao incidir num fato (no fato jurídico)
vincula a esse fato um relacionamento entre sujeitos-de-direito”.
Essa é a norma geral e abstrata, considerada como a norma que
disciplina condutas. No campo em que se insere o nosso objeto de estudo, qual
seja, no direito tributário, temos que a norma geral e abstrata disciplinadora de
condutas se apresentará na forma lógica da regra matriz de incidência
tributária, conforme critérios que identificamos nesse fenômeno.
A regra-matriz de incidência tributária apresenta-se com a mesma
estrutura lógica de qualquer norma jurídica, vista como unidade mínima de
significação deôntica, isto é, hipótese que implica uma consequência. Difere
das demais normas apenas em face do seu conteúdo, pois descreve um fato
tributário e prescreve a relação jurídica obrigacional a ser estabelecida entre
sujeito ativo e passivo, tendo como objeto a prestação pecuniária, em moeda
ou em cujo valor nela se possa exprimir, não decorrente de ato ilícito.
A hipótese da regra-matriz de incidência tributária pode ser definida
como: “descrição normativa de um evento, que concretizado no nível das
realidades materiais e relatado no antecedente de norma individual e concreta,
fará irromper o vínculo abstrato que o legislador estipulou na conseqüência.”19
Como explica Paulo de Barros Carvalho evento jurídico tributário é o
acontecimento real e fato jurídico tributário é o “relato lingüístico desse
_________________
18
VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Editora Max Limonad, 1997, p. 75.
19
acontecimento. Fato jurídico, porque tem o condão de irradiar efeitos de direito;
tributário, pela simples razão de sua eficácia estar diretamente ligada à
instituição do tributo.”20
Ainda conforme o autor21, a subsunção não se verifica simplesmente
entre iguais, mas entre linguagens de níveis diferentes. Toda vez que ocorre a
subsunção do fato à norma, com a consequente efusão de efeitos jurídicos
típicos, estar-se-á diante da própria essência da fenomenologia do direito.
No tocante à fenomenologia da incidência da norma tributária ou
regra-matriz de incidência tributária, diremos que houve a subsunção quando o
fato (fato jurídico tributário) guardar identidade com o desenho normativo da
hipótese (hipótese tributária). Quando o fato ganha concretude , instala-se,
automática e infalivelmente, o laço abstrato pelo qual o sujeito ativo torna-se
titular do direito subjetivo público de exigir a prestação, ao passo que o sujeito
passivo ficará na contingência de cumpri-la.22
Convém ressaltar que, para que ocorra a subsunção, o
enquadramento do fato à hipótese normativa tem de ser completo. É preciso
que sejam satisfeitos todos os critérios identificadores tipificados na hipótese
da norma geral e abstrata.
Inexiste cronologia entre a verificação empírica do fato e o
surgimento da relação jurídica. Instaura-se o vínculo abstrato, que une as
pessoas, exatamente no instante em que aparece a linguagem competente que
_________________
20
relata o evento descrito pelo legislador. São entidades simultâneas,
concomitantes.23
A norma em sentido estrito é a que vai definir a incidência fiscal.
Para obter a regra-matriz, faz-se necessário isolar as proposições em si, como
formas de estrutura sintática, e suspender o vetor semântico da norma para as
situações objetivas, ao mesmo tempo em que se desconsideram os atos
psicológicos de querer e de pensar a norma.
Assim, a hipótese trará a previsão de um fato (antecedente
normativo), enquanto o consequente prescreverá a relação jurídica – obrigação
tributária (consequente). Na hipótese, encontraremos um critério material
condicionado no tempo e no espaço. Já na consequência, nos depararemos
com o critério pessoal e quantitativo.
Lourival Vilanova já dizia que “O dado social juridiciza-se,
inserindo-se em hipóteinserindo-se ou provocando (mediante o legislador, em inserindo-sentido abrangente)
novas hipóteses e novas conseqüências.”24
Por sua vez, Paulo de Barros Carvalho, no mesmo sentido de
Lourival Vilanova, concluiu que:
A hipótese (...) é construída pela vontade do legislador, que recolhe os dados de fato da realidade que deseja disciplinar (realidade social), qualificando-os, normativamente, como fatos jurídicos.
(...)
_________________
23
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 247.
24
Ao escolher os fatos que lhe interessam como pretexto para desencadear efeitos jurídicos, o legislador expede conceitos que selecionam propriedades do evento.
(...)
Ao conceituar o fato que dará ensejo ao nascimento da relação jurídica do tributo, o legislador também seleciona as propriedades que julgou importantes para caracterizá-lo. E, desse conceito, podemos extrair critérios de identificação que nos permitam reconhecê-lo toda vez que, efetivamente, aconteça.25
Logo, afigurar-se-ia impossível cogitar uma descrição que pudesse
captar o evento na infinita riqueza de seus predicados. “No enunciado
hipotético, vamos encontrar três critérios identificadores do fato: a) critério
material; b) critério espacial e c) critério temporal.”26
O critério material é um dos componentes da hipótese normativa,
nada obstante, muitos confundi-lo, tratando-o como a própria hipótese.
Conceitua-se, erroneamente, o critério material como “descrição objetiva do
fato”, olvidando-se que a descrição objetiva do fato é a própria hipótese e não
seu critério material.
Com efeito, será critério material a identificação de um
comportamento, seja ele um estado, isto é, “ser proprietário”, ou uma ação, isto
é, “vender mercadorias”. O critério material será formado por um verbo
acompanhado de seu complemento.
Por sua vez, o critério espacial é componente da hipótese normativa.
No que se refere a tal critério, sua relevância é marcada pela estreita ligação
com o campo impositivo do ente político instituidor da exação, pela conduta
hipotética a ser realizada fora do território impositivo do ente político instituidor
da exação, que só será constitucional se lhe for reconhecida a
extraterritorialidade.
Tais coordenadas de espaço podem ser determinadas, específicas e
genéricas. Podem se tratar de hipóteses cujo critério espacial faz menção a
determinado local para a ocorrência do fato típico; podem fazer alusão a áreas
específicas, de tal sorte que o acontecimento apenas ocorrerá se dentro delas
estiver geograficamente contido; bem como podem ser genéricas, de forma
que todo e qualquer fato que suceda sob o manto da vigência territorial da lei
instituidora, estará apto a desencadear seus efeitos peculiares.
Por fim, o critério temporal é componente da hipótese normativa, sua
relevância é marcada pelo tempo em que se reportam os efeitos da relação
jurídica instaurada em decorrência do fato jurídico. É pelo tempo no fato27 que
se poderá prever a oneração da propriedade do sujeito passivo e o direito à
receita por parte do sujeito ativo.
O consequente da norma é a parte “que estipula a regulação da
conduta, prescrevendo direitos e obrigações para as pessoas físicas ou
jurídicas envolvidas, de alguma forma, no acontecimento do fato jurídico
tributário”.28
_________________
27
O termo “tempo no fato” foi utilizado pela primeira vez por Paulo de Barros Carvalho para denominar o tempo da ocorrência do evento tributário. Por outro lado, o termo “tempo do fato” denomina o tempo em que o fato jurídico é constituído. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva 1999, p. 123.
28
Destarte, o consequente da norma jurídica, exercendo papel de
prescritor, é instituto hábil a fornecer os critérios de identificação do vínculo
jurídico que nasce.
Preceituando uma conduta, o consequente normativo faz irromper
direitos subjetivos e deveres jurídicos – desenha a previsão de uma relação
jurídica que se instala, automática e infalivelmente, assim que se concretize
o fato.29
Nesse diapasão, são dois os critérios utilizados para identificarmos o
aparecimento de uma relação jurídica tributária: a) quantitativo e b) pessoal.
O critério quantitativo trata do objeto da prestação; no caso da
regra-matriz de incidência tributária consubstancia-se na base de cálculo e na
alíquota. É nesse critério que encontramos referências às grandezas, mediante
as quais o legislador pretendeu dimensionar o fato jurídico tributário, para efeito
de definir a quantia a ser paga pelo sujeito passivo, a título de tributo.
Por sua vez, o critério pessoal é o conjunto de elementos, colhido
como prescritor da norma, que nos indica quem são os sujeitos da relação
jurídica.
É justamente esse critério contido no consequente da regra-matriz
de incidência tributária que nos interessa no presente estudo. Assim, passamos
2.2. Sujeição passiva
Delimitados os contornos da relação jurídico-tributária, passamos a
tratar, no presente tópico, do sujeito passivo.
O art. 121 do CTN define o sujeito passivo da obrigação tributária
principal como sendo “a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou
penalidade pecuniária” e o art. 122 do mesmo diploma legal define o sujeito
passivo da obrigação acessória como sendo “a pessoa obrigada às prestações
que constituam o seu objeto”.
Renato Lopes Becho traz a seguinte definição para o sujeito passivo
tributário:
“Extraímos do critério pessoal os sujeitos passivos da obrigação tributária que, nos tributos discriminados na Constituição, serão necessariamente aquelas pessoas que realizarem, inquestionavelmente, a materialidade prevista na norma constitucional tributária. Nos tributos não discriminados, serão aquelas pessoas que realizarem as condutas descritas em dita materialidade. Os sujeitos passivos tributários estão, portanto, umbilicalmente relacionados com a materialidade descrita na norma.”30
Ainda, conforme preceitua o art. 121 do CTN, precisamente nos
incisos I e II do seu parágrafo único, há a divisão do sujeito passivo da
obrigação tributária em duas espécies, quais sejam: “I – contribuinte, quando
tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato
gerador;” e “II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte,
sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.”
_________________
30
Com base nesses dispositivos, grande parte da doutrina nacional31,
acompanhando o magistério de Rubens Gomes de Sousa, classificou aquelas
duas espécies em sujeito passivo direto e em sujeito passivo indireto.
O autor acima referido lecionava que o direito tributário pertencia à
categoria dos direitos obrigacionais, definindo a obrigação tributária como “o
poder jurídico por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir de um
particular (sujeito passivo) uma prestação positiva ou negativa (objeto da
obrigação) nas condições definidas pela lei tributária (causa da obrigação).”32
Na doutrina internacional, encontramos definições para a obrigação
tributária, as quais ressaltam a existência dos mesmos elementos identificados
por Rubens Gomes de Sousa. Assim, obrigação tributária é definida na
doutrina alienígena como:
[...] uma relação jurídica ex lege, em virtude da qual uma pessoa (sujeito passivo principal, contribuinte ou responsável), está obrigada perante o Estado ou outra entidade pública, ao pagamento de uma soma de dinheiro, desde que se verifique o fato gerador determinado pela lei.33
[...] o vínculo jurídico em virtude do qual um sujeito (devedor), deve dar a outro sujeito, que exercita o poder fiscal (credor), somas do dinheiro ou quantidades de coisas determinadas por lei.34
_________________
31
MACHADO, Hugo de Brito. “Responsabilidade tributária”. In: Responsabilidade tributária. Caderno de Pesquisas Tributárias n. 5. São Paulo: Resenha Tributária, 1980, pp. 43-73; CAMPOS, Dejalma de. “A responsabilidade no direito tributário brasileiro”. In: Responsabilidade tributária. Caderno de Pesquisas Tributárias n. 5. São Paulo: Resenha Tributária, 1980, pp. 93-114; FALCÃO, Amilcar de Araújo, 1928-1967. Fato gerador da obrigação tributária / Amilcar de Araújo Falcão. 6. ed. Revista e atualizada pelo Prof. Flávio Bauer Noveili; anteriores anotações de atualização, pelo Prof. Geraldo Ataliba; prefácio de Aliomar Baleeiro; apresentação de Rubens Gomes de Sousa. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
32
[...] o vínculo jurídico ex lege, em virtude do qual uma pessoa está obrigada perante o Estado, ou outra entidade pública, ao pagamento de uma soma de dinheiro, quando se verifique o pressuposto de fato previsto na lei.35
o vínculo jurídico que a lei cria entre o fisco (sujeito ativo) e o contribuinte (sujeito passivo), em razão do qual este deve entregar àquele uma soma de dinheiro.36
o direito do Estado de pretender de uma pessoa prestação denominada imposto.37
Ao constatar a existência dos quatro elementos da obrigação
tributária, Rubens Gomes de Sousa definiu cada um deles e, para o sujeito
passivo, o qual nos interessa no presente trabalho, deu a seguinte definição: “é
o sujeito passivo ou devedor, isto é, a pessoa obrigada a cumprir a prestação
que constitui o objeto da obrigação que o sujeito ativo tem o direito de exigir.”38
Dessa forma, ao discorrer sobre o sujeito passivo da obrigação
principal, esse autor lançou a distinção entre a sujeição passiva direta e a
indireta. Assim concluiu:
(...) o tributo deve ser cobrado da pessoa que esteja em relação econômica com o ato, fato ou negócio que dá origem à tributação; por outras palavras, o tributo deve ser cobrado da pessoa que tira uma vantagem econômica do ato, fato ou negócio tributado. Quando o tributo seja cobrado nessas condições, dá-se a sujeição passiva direta, que é a hipótese mais comum na prática.
_________________
35
Hector B. VILLEGAS. Curso de finanzas, derecho financiero g tributario. 1. ed. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1972, p. 148.
36
Rafael BIELSA. Estudios de derecho publico. 1. ed. Buenos Aires: Editorial Depalma, vol. II, “Derecho Fiscal”, 1951, p. 127.
37
Albert HENSEL. Diritto Tributario. 1 ed. Milano: Giuffrè, 1956, p. 73.
38
Entretanto pode acontecer que em certos casos o Estado tenha interesse ou necessidade de cobrar o tributo de pessoa diferente: dá-se então a sujeição passiva indireta.39
Como se pode perceber, para Rubens Gomes de Sousa, a diferença
entre contribuinte e responsável cingi-se ao fato de que o primeiro paga por
dívida própria, enquanto o segundo paga por dívida de outrem.
Por sua vez, Amilcar de Araújo Falcão, ao distinguir o sujeito passivo
principal ou direto, do sujeito passivo indireto, faz alusão à idêntica separação:
Assim é que a definição do sujeito passivo principal da obrigação tributária, que deve resultar de lei, nela pode estar implícita sob a simples menção do fato gerador e, pois, somente através deste ser identificável.
Em tal hipótese, a sujeição passiva direta ou principal se determinará pela natural e necessária atribuição do fato gerador, ou da relação econômica subjacente nele, a certo sujeito ou a certos sujeitos.
Enquanto os sujeitos passivos indiretos quer por transferência (sucessor e responsável tributário), ou por substituição (substituto legal tributário) só podem resultar de disposição legal expressa, a configuração do sujeito passivo principal ou direto (contribuinte), como dito, pode encontrar-se implícita na lei: o exame do fato gerador será decisivo para sua concreta definição.40
Alfredo Augusto Becker41, em contraposição à divisão do sujeito
passivo em direto e indireto, ou seja, de que o primeiro paga por dívida própria
_________________
39
SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. Financeiras, 1954, p. 92.
40