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Luís Antônio Rossi

O guardião da Constituição: o Supremo Tribunal Federal como poder autônomo no julgamento da Lei da Ficha Limpa

Doutorado em Direito

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Luís Antônio Rossi

O guardião da Constituição: o Supremo Tribunal Federal como poder autônomo no julgamento da Lei da Ficha Limpa

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de DOUTOR em Filosofia do Direito, sob orientação do Professor Doutor Antônio Carlos Mendes.

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O guardião da Constituição: o Supremo Tribunal Federal como poder autônomo no julgamento da Lei da Ficha Limpa

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito, sob a orientação do Professor Doutor Antônio Carlos Mendes.

Aprovado em: _____/____/____

Banca Examinadora

Prof. Dr. Antônio Carlos Mendes (Orientador).

Instituição: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

Assinatura_____________________________________________________________ Julgamento: ___________________________________________________________

Prof. Dr.______________________________________________________________ Instituição: _______________________Assinatura____________________________ Julgamento: ___________________________________________________________

Prof. Dr.______________________________________________________________ Instituição: ______________________Assinatura_____________________________ Julgamento: ___________________________________________________________

Prof. Dr._______________________________________________________________ Instituição: _______________________Assinatura_____________________________ Julgamento: ____________________________________________________________

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A presente tese, subsumindo a decisão diante do debate entre os juristas Hans Kelsen e Carl Schmitt sobre o controle de constitucionalidade pátrio, tem o escopo de analisar o comportamento do Supremo Tribunal Federal no julgamento da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. A tese, ao analisar e refletir sobre quem deve ser o “guardião da Constituição”, pretende demonstrar que o sistema constitucional brasileiro adotou o positivismo de Hans Kelsen, mas a amplitude da Constituição de 1988, o processo de constitucionalização do Direito, a ideologia dos direitos fundamentais e a inércia dos Poderes Executivo (falta de uma gestão pública eficiente) e Legislativo (inércia legislativa) transformaram a Corte Suprema brasileira num tribunal híbrido: ora um verdadeiro Tribunal Constitucional, na concepção formalista de Hans Kelsen (julgamento da Lei de Anistia, por exemplo), ora um verdadeiro Presidente do Reich ou Poder Moderador, na concepção de Carl Schmitt. Ao abordar e analisar o julgamento da Lei da Ficha Limpa, a tese quer demonstrar que o sistema jurídico pátrio passa por uma crise ocasionada pela constitucionalização em demasia do direito e, por conseguinte, pela transformação do Supremo Tribunal Federal em Poder autônomo: o Reich jurídico.

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This thesis aims at analyzing the position of the Supreme Court when examining the constitutionality of the “Clean Record Law” subsuming the decision on the debate brought by jurists Hans Kelsen and Carl Schmitt on a country’s Judicial Review. Through analysis and reflection on who should be the "guardian of the Constitution", this investigation seeks to demonstrate that the Brazilian constitutional system has adopted Kelsen’s positivism.

However, the amplitude of the 1988 Constitution, the process of Law constitutionalization , the ideology of fundamental rights and the idleness of both the Executive (lack of an efficient public administration) and the Legislative (legislative inertia) transformed Brazilian Supreme Court into a hybrid court: sometimes as a true Constitution Court in the formalistic conception of Kelsen (judgment of the Amnesty Law, for example) or as a true Reich President or a Moderator Power in Schmitt’s conception.

By addressing and analyzing the judgement of the “Clean Record Law” this thesis claims that the Brazilian legal system has been going through a crisis caused by too much constitutionalization of law and has therefore caused the Supreme Court to change into an autonomous power: the Legal Reich.

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1 INTRODUÇÃO 8 2 DIREITO E PODER NO CONTROLE DE

CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DA FICHA LIMPA 23

2.1 O controle de constitucionalidade na Lei da Ficha Limpa:

interpretação ou invenção 27

2.2 Sistema: noções preliminares 32

2.2.1 Direito e sistema 34

2.3 Direito e sistema constitucional 36

2.4 Controle de constitucionalidade 39

2.5 Controle de constitucionalidade no Brasil: introdução 44

2.6 A Lei da Ficha Limpa 46

2.7 Histórico 49

2.8 O controle de constitucionalidade na Lei da Ficha Limpa 50 2.9 O Supremo Tribunal Federal: guardião da Constituição no

julgamento da Lei da Ficha Limpa 54

3 O GUARDIÃO DA CONSTITUIÇÃO 59

3.1 Histórico de Hans Kelsen 61

3.2 Teoria Pura do Direito para Hans Kelsen 64

3.3 Controle de constitucionalidade para Hans Kelsen 67

3.4 Sobre Carl Schmitt 71

3.5 O debate sobre “O guardião da Constituição” 74

3.6 Uma análise da dicotomia Kelsen-Schmitt 76

3.7 O controle de constitucionalidade no caso da Ficha Limpa:

o guardião da Constituição 78

4 O GUARDIÃO DA CONSTITUIÇÃO E O PRINCÍPIO DA

PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA ENQUANTO CLÁUSULA PÉTREA 87

4.1 Princípio da presunção de inocência 90

4.2 Princípio da presunção de inocência no Brasil 90 4.3 Princípio da presunção de inocência como cláusula pétrea 93 4.4 A violação da presunção de inocência na Lei da Ficha Limpa 94

5 CRÍTICA AO JULGAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL NO CASO DA LEI DA FICHA LIMPA 100

5.1 A constitucionalização do direito pátrio e o poder do

Supremo Tribunal Federal 102

5.2 O Supremo Tribunal Federal como legislador 104

5.3 O Supremo Tribunal Federal como Poder Executivo 107 5.4 O Supremo Tribunal Federal como Poder Moderador 113

5.5 O Oráculo de Delfos 114

6 CONCLUSÃO 117

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ANEXO A – Lei Complementar nº135, de 4 de junho de 2010 . Altera a Lei Complementar nº64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de acordo com o §9º do art.14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessão e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato

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1 INTRODUÇÃO

A dogmática constitucional consubstanciada na doutrina pátria atribui à Constituição Federal de 1988 o papel de democratização contemporânea do Brasil, conferindo-lhe, outrossim, a responsabilidade por instituir um processo de modernização e atualização do país, principalmente através do mandamento constitucional que acolheu a recepção dos Tratados de Direitos Humanos. O texto constitucional elenca como fundamento da República Federativa do Brasil o princípio da dignidade da pessoa humana, que impôs à agenda nacional a primazia dos direitos fundamentais.

Além de eleger os direitos fundamentais como alicerces do direito pátrio, a Constituição Federal teria instaurado também instrumentos de efetivação desses direitos basilares, através de inúmeras garantias constitucionais e de mecanismos de democracia participativa, previstos em seu artigo 14, cujo teor garantiria o exercício da soberania popular através do sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos.

Segundo Rui Figueiredo Marcos, Carlos Fernando Mathias e Ibsen Noronha (2014, p.477), a Carta de 1988 recebeu influências de novos constitucionalismos como o português, o italiano, o alemão e o espanhol, e não tão só dos tradicionais como o francês e o norte-americano.

Flávia Piovesan (2000, p.51-58) afirma que a Constituição Federal de 1988 é o documento histórico responsável pela transição ao regime democrático e que estabeleceu um novo pacto democrático para o Brasil, com cláusulas que expressam o desejo em afirmar e efetivar os direitos humanos:

Preliminarmente, cabe considerar que a Carta de 1988, como marco jurídico da transição ao regime democrático, alargou significativamente o campo dos direitos e garantais fundamentais, estando dentre as Constituições mais avançadas do mundo no que diz respeito à matéria.

Desde o seu preâmbulo, a Carta de 1988 projeta a construção de um Estado

Democrático de Direito, “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e

individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos [...]”. Se no entender de José Joaquim Gomes Canotilho, a juridicidade,

a constitucionalidade e os direitos fundamentais são as três dimensões fundamentais do princípio do Estado de Direito, perceber-se-á que o texto consagra amplamente essas dimensões, ao afirmar, em seus princípios que consagram os fundamentos e os objetivos do Estado Democrático de Direito brasileiro. (PIOVESAN, 2000, p.51-52).

A autora defende que a Constituição é o catalisador do sistema jurídico pátrio:

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Carta de 1988 elege o valor da dignidade humana como um valor essencial que lhe dá unidade de sentido. Isto é, o valor de dignidade humana informa a ordem constitucional de 1988, imprimindo-lhe uma feição particular.

“Adotando-se a concepção de Ronald Dworkin, acredita-se que o ordenamento jurídico é um sistema no qual, ao lado das normas legais, existem princípios que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos. Estes princípios constituem o suporte axiológico que confere coerência interna e estrutura harmônica a todo o sistema jurídico. O sistema jurídico define-se, pois, como uma ordem axiológica ou teleológica de princípios jurídicos que apresentam verdadeira função ordenadora, na medida em que salvaguardam valores fundamentais. A interpretação das normas constitucionais advém, desse modo, de critério valorativo extraído do próprio sistema constitucional (grifo nosso). (PIOVESAN, 2000, p.54).

Influenciada pelas Cartas do pós-guerra dos países europeus – que também passaram por processos correlatos de democratização –, a atual Constituição brasileira elegeu como centro do sistema constitucional e, por conseguinte, do sistema jurídico pátrio, os direitos fundamentais. A importância dos direitos fundamentais para o sistema jurídico é tamanha que estes passaram a ser parâmetro e medida para a própria interpretação do texto constitucional.

A referendar essa assertiva, vale trazer as palavras de Flávia Piovesan (2000):

Com efeito, a busca do texto em resguardar o valor da dignidade humana é redimensionada, na medida em que, enfaticamente, privilegia a temática dos direitos fundamentais. Constata-se, assim, uma nova topografia constitucional, na medida em que o texto de 1988, em seus primeiros capítulos, apresenta avançada Carta de direitos e garantias, elevando-os, inclusive, à cláusula pétrea, o que, mais uma vez, revela a vontade constitucional de priorizar os direitos e garantias fundamentais (grifos nossos)

[...] Os direitos e garantias fundamentais são assim dotados de uma especial força expansiva, projetando-se por todo universo constitucional e servindo como critério interpretativo de todas as normas do ordenamento jurídico. (grifo nosso). (PIOVESAN, 2000, p.55-56).

Sob a ótica normativa, esta é, pois, a concepção dogmática extraída do direito constitucional.

Quando examinada pela metodologia histórica, considera-se a Constituição fruto de um processo histórico global do pós-guerra; uma produção jurídica inserida no constitucionalismo contemporâneo fruto das mudanças de paradigmas na Europa.

Nessa linha estão os estudos de Lenio Luiz Streck (2014):

Já de início devemos atentar para a seguinte questão: o termo

“neoconstitucionalismo’ pode ter-nos levado a equívocos. Em linhas gerais, é possível afirmar que, na trilha desse neoconstitucionalismo, percorremos um caminho que nos leva à jurisprudência da valoração e suas derivações axiologistas, temperada por elementos provenientes da ponderação alexyana.

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como instrumento pretensamente racionalizador da decisão judicial) e do ativismo judicial norte-americano, problema que será abordado mais adiante, ainda nesta introdução.

Nesse sentido, torna-se necessário afirmar que a adoção do nomen juris neoconstitucionalismo’ certamente é motivo de ambiguidades teóricas e até de mal-entendidos. Explicando melhor: em um primeiro momento, foi de importância estratégica a importação do termo e de algumas das propostas trabalhadas pelos

autores da Europa ibérica. Isso porque o Brasil ingressou tardiamente nesse “novo mundo constitucional”, fator que, aliás é, similar à realidade europeia, que, antes da segunda metade do século XX, não conhecia o conceito de constituição normativa, já consideravelmente decantada no ambiente constitucional estadunidense. Portanto, falar de neoconstitucionalismo implicava ir além de um constitucionalismo de feições liberais – que, no Brasil, sempre foi um simulacro de anos intercalados por regimes autoritários – em direção a um constitucionalismo compromissório, de feições dirigentes, que possibilitasse, em todos os níveis, a efetivação de um regime democrático em terrae brasilis.

Destarte, passadas duas décadas da Constituição de 1988, e levando em conta as especificidades do direito brasileiro, é necessário reconhecer que as características

desse “neoconstitucionalismo” acabaram por provocar condições patológicas que,

em nosso contexto atual, acabam por contribuir para a corrupção do próprio texto da Constituição. (grifo nosso) Ora, sob a bandeira ‘neoconstitucionalista’ defendem-se, ao mesmo tempo, um direito constitucional da efetividade; um direito assombrado pela ponderação de valores; uma concretização ad hoc da Constituição e uma pretensa constitucionalização do ordenamento a partir de jargões vazios de conteúdo e que reproduzem o prefixo neo em diversas ocasiões, como: neoprocessualismo e neopositivismo. Tudo porque, ao fim e ao cabo, acreditou-se ser a jurisdição responsável pela incorporação dos “verdadeiros valores” que definem o direito justo

(vide, nesse sentido, as posturas decorrentes do instrumentalismo processual). (grifos nossos). (STRECK, 2014, p.45-47).

A primazia dos princípios acarretou a importância da jurisdição e a transformação dos tribunais em órgãos judicantes, legislativos e executivos na ordem neoconstitucional, conforme completa Lenio Luiz Streck (2014):

Nessa medida, pode-se dizer que o Constitucionalismo Contemporâneo representa um redimensionamento na práxis político-jurídica, que se dá em dois níveis: no plano da teoria do Estado e da Constituição, com o advento do Estado Democrático de Direito, e no plano da teoria do direito, no interior da qual se dá a reformulação da teoria das fontes (a supremacia da lei cede lugar à onipresença da Constituição); na teoria da norma (devido à normatividade dos princípios) [...]. (STRECK, 2014, p.47).

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é a proposta desta tese, que será demonstrada por meio da análise do julgamento da Lei da Ficha Limpa.

Sob esta ótica, o Direito Constitucional brasileiro contemporâneo passa a aplicar-se por princípios, em consonância com os posicionamentos da Corte Suprema norte-americana, olvidando-se que a Constituição brasileira segue o modelo analítico francês e regulamenta detalhadamente as competências de cada Poder.

Por meio da metodologia zetética, esta tese identifica a anomalia decorrente do crescente protagonismo do Supremo Tribunal Federal, Tribunal que tem imposto, através de suas decisões paradigmáticas, valores e comportamentos não só à sociedade civil, mas também em decorrência da fraqueza e das tergiversações do Poder Legislativo e Poder Executivo.

Relativamente ao Poder Executivo, na realização de sua atividade típica constitucional, prevalecem no Brasil interesses políticos de natureza governamental e não a atividade administrativa, a verdadeira função típica de Estado. Essa conduta do Poder Executivo pátrio nas quatro esferas territoriais provoca, por conseguinte, uma contumaz crise de credibilidade e de instabilidade social e econômica.

Distante de seu pacto com a sociedade, o Poder Executivo está relacionado, segundo a mídia, diretamente aos episódios de corrupção, que têm sido regra nos governos federais, estaduais, distrital e municipais. Eventos esportivos como a Copa do Mundo de 2014, grandes obras de infraestrutura (como o metrô) e contratos de limpeza pública, todos estão supostamente envolvidos com negociações políticas que comprometem o processo eleitoral, um projeto de gestão estatal e os preceitos constitucionais aplicados à administração pública.

O Poder Executivo estabeleceu, para sua governabilidade, pactos com grupos sociais e econômicos, deixando de lado o mandamento constitucional de superação das desigualdades sociais. Conforme o artigo 3º da Constituição Federal de 1988, é fundamento da República Federativa do Brasil a superação da desigualdade social, função típica a ser cumprida pelo Poder Executivo:

Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

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Já o Poder Legislativo, responsável pela estrutura legislativa infraconstitucional do país, permanece inerte e não promove a efetivação da Constituição ou a mudança legislativa demandada. As reformas são tímidas e movidas por interesses de algumas categorias ou o de lobby econômico. A inércia legislativa decorre, outrossim, de um sistema político pátrio arcaico, distante dos debates de ideias, ancorado no poder local, nos interesses pessoais e na negociação política com o Poder Executivo. O Poder Legislativo sofre um desgaste ainda maior, pois a população não se sente representada por maiorias ocasionais, que em muitos casos aprovam leis em contrariedade aos direitos humanos ou ao direito constitucional internacional.

Essa inércia dos Poderes Executivo e Legislativo potencializou a constitucionalização do direito, robustecendo a primazia do Poder Judiciário, principalmente do Supremo Tribunal Federal, pois a denominada Corte Constitucional, em nome da concretização da Constituição, passou a atuar como guardiã dos direitos fundamentais, da democracia e dos valores da Declaração Universal dos Direitos Humanos, signos abertos e imprecisos em nome dos quais a amplitude de caminhos se torna praticamente sem limites.

Para Carlos Ayres Britto (2012), o Poder Judiciário é o garantidor da Constituição denominada dirigente:

Acontece que a Constituição, por mais humanista que seja, por mais que ela prestigie a Democracia de três vértices, não pode fazer o milagre de atuar sem os seus humanos aplicadores. São eles – e somente eles – que particularizam por modo progressivo os comandos dela constantes. Particularização que obedece à seguinte e natural ordem cronológica: principia com os atos do Poder Legislativo, passa em imediata sequência pela atuação do Poder Executivo (ou dos particulares que atuam, ou deixam de atuar, após a edição do Direito-lei), para terminar nas decisões do Poder Judiciário. Donde a lógica enumeração que faz o artigo 2º da Constituição de 1988, a saber: são três os Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Se o Judiciário vem nominado por último, é por se constituir, não-propriamente num aplicador do Direito-lei em sentido material, mas numa instância que vai dizer se aquele que elaborou o Direito-lei e o outro que o aplicou empiricamente (ou deixou de aplicar) agiram ou não de modo válido. O que já pressupõe um terceiro momento lógico na vida do Estado e do Próprio Direito, que é o julgamento. Afinal, jurisdição em processos de índole subjetiva é exatamente isso: um aguardar a protagonização dos dois primeiros momentos lógicos da legislação e da execução para, e só então, aferir da sua englobada juridicidade.

É nessa formatação institucional que o Poder Judiciário se revela como instância especificamente garantidora da efetividade dos comandos constitucionais [...] (grifos nossos). (BRITTO, 2012, p.107).

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face da desídia ou irresponsabilidade constitucional dos demais Poderes, suas decisões modificaram a postura do Poder Judiciário, implementando e efetivando os direitos humanos.

Em relação ao Poder Executivo, o Supremo Tribunal Federal assumiu com o ativismo judicial a aceitação de adentrar no mérito do ato administrativo discricionário e determinar a efetivação dos direitos à saúde, à educação e à dignidade da pessoa humana. No que tange ao Poder Legislativo, o Supremo Tribunal Federal, para efetivar a Constituição e concretizar direitos fundamentais, passou a decidir diante da omissão legislativa.

Nesta tese, o que se discute são os limites do Supremo Tribunal Federal diante desse novo papel: em que medida o discurso jurídico (Alexy, 2015, p.318), no controle de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal, autoriza a Suprema Corte brasileira a invadir esferas de Poder afetas ao Executivo e ao Legislativo – é mote desta pesquisa.

Sendo o Direito, nas palavras de Alexy (2015), “um meio necessário para a realização

da razão prática”, deve ele amoldar-se aos limites da racionalidade jurídica discursiva, isto é:

O modelo esboçado de um sistema jurídico racional demonstra que as fronteiras do discurso jurídico não são algo externo ou alheio à racionalidade prática. Do ponto de vista da racionalidade discursiva, ditas fronteiras não são admissíveis, mas são uma exigência dela mesma. É uma questão de alcance geral. O Direito é na realidade um meio necessário para a realização da razão prática. Para a tese do caso especial, isso significa que o discurso jurídico não se mostra apenas como uma variante especial do discurso prático que é necessário para preencher racionalmente as lacunas do sistema jurídico. Mais do que isso, é, na sua estrutura global, um elemento necessário da racionalidade discursiva realizada. (ALEXY, 2015, p.319).

As decisões do Supremo Tribunal, levando-se em consideração a aplicação da teoria da argumentação jurídica, têm ultrapassado os limites constitucionais? Afinal, a decisão que supera a dogmática esboça a prática da decisão ou revela o exercício de um poder autônomo?

Pelo exame aos últimos julgados do Supremo Tribunal Federal, como o da Lei da Ficha Limpa – motivo de investigação neste trabalho –, observa-se que a Suprema Corte brasileira tem ultrapassado o modelo constitucional proposto para o Judiciário, criando normas primárias e administrando o Estado.

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Metas para o biênio 2015-2016 incluem prioridade para repercussão geral e novas súmulas vinculantes

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, fixou um conjunto de nove diretrizes para orientar a atuação da Corte no biênio 2015-2016. O ministro elencou como prioridades medidas que favorecem a celeridade e eficácia na promoção da Justiça, como ênfase no julgamento de recursos com repercussão geral e a aprovação de súmulas vinculantes.

Também foi estabelecida pelo presidente do STF a visão estratégica adotada pela

Corte. Ela consistirá em “Assegurar a concretização dos direitos fundamentais,

consideradas as suas várias dimensões, e garantir a estabilidade das instituições

republicanas”. As diretrizes e a visão estratégica da Corte constam no Diário da

Justiça Eletrônico divulgado nesta segunda-feira (12) e com publicação amanhã.

Celeridade e eficácia

Entre as diretrizes fixadas pela Presidência consta a prioridade ao julgamento de processos com maior impacto social, como os recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida e ações de efeito erga omnes – por exemplo, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs). Também é assegurada a ênfase à edição de novas súmulas vinculantes, por representarem orientações objetivas aos operadores do direito.

Foi destacada a necessidade da realização de diagnósticos de problemas e a identificação dos entraves à prestação jurisdicional célere e eficaz, bem como a realização de estudos empíricos de base estatística a respeito da produção jurisdicional da Corte. As ações do biênio 2015-2016 envolverão ainda a melhora da comunicação entre o Supremo e outros órgãos do Poder Judiciário, e a intensificação das relações entre a Corte e os demais Poderes, visando à convergência de esforços para a solução de problemas comuns.

Participação social e valorização de servidores e magistrados Foi mencionado no documento o estímulo ao uso de instrumentos de participação social na solução de controvérsias submetidas ao Tribunal, tais como a realização de audiências públicas e a admissão do amicus curiae nos processos, como forma de reforçar a legitimidade das decisões proferidas. É destacada ainda a necessidade de valorização de magistrados e servidores da Corte e do Judiciário como um todo. A interlocução entre o STF, organismos internacionais e cortes de outros países é enfatizada, colocando em destaque o objetivo de fortalecer a proteção aos direitos fundamentais, dado tratarem-se de valores que integram o patrimônio comum da humanidade.

Ênfase na repercussão geral e súmulas vinculantes

Desde que assumiu a presidência da Corte, em agosto de 2014, o ministro Ricardo Lewandowski priorizou na pauta Plenário o julgamento dos recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida. No semestre, foram julgados 50 casos com repercussão, que significaram a liberação de pelo menos 50 mil processos até então sobrestados na origem à espera de um desfecho do precedente no STF. No mesmo período, foram aprovadas quatro novas súmulas vinculantes, e há outras 57 propostas de súmulas vinculantes prontas para apreciação do plenário.

Direitos fundamentais na prática

Já no início de 2015, durante o período de recesso, quando o presidente permanece de plantão e analisa as demandas urgentes que chegam à Corte, o ministro Lewandowski colocou em prática a nova visão estratégica de concretização dos direitos fundamentais. Primeiro, assegurou a uma mulher presa, grávida de nove meses, o direito de cumprir sua prisão provisória em casa, tendo em vista eventual deficiência no atendimento médico necessário ao parto e ao seu filho, devido à superlotação do presídio em que se encontrava, bem como o fundamento em normas constitucionais e internacionais que garantem condições mínimas às mulheres presas.

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jornalista e da empresa jornalística para a qual trabalhava. A intenção do magistrado era descobrir a fonte que teria repassado ao jornalista informações de uma investigação sigilosa. Neste caso, Lewandowski citou a prevalência ao direito à informação e à garantia do sigilo da fonte, que são constitucionalmente reconhecidos1.

A Corte Suprema no Brasil teria espaço de legitimidade para um discurso de convencimento político e a propositura de metas institucionais, em face inclusive do princípio constitucional da inércia do Poder Judiciário? O presidente da Corte, ao apontar metas ou impor políticas públicas ao Poder Executivo, estaria interpretando ou instaurando uma nova forma de atuação do Poder Judiciário? A Corte teria legitimidade para o exercício de funções de governo, em face de nossa enfraquecida democracia representativa? A interpretação aberta da Constituição (Häberle, 2002, p.19) permitiria decisões amplas do Poder Judiciário no Brasil?

Para Peter Häberle (2002), a tentativa de se fazer uma apresentação sistemática dos participantes da interpretação sugere o seguinte catálogo provisório:

(1) as funções estatais:

a) na decisão vinculante (da Corte Constitucional): decisão vinculante que é relativizada mediante o instituto do voto vencido;

b) nos órgãos estatais com poder de decisão vinculante, submetidos, todavia, a um processo de revisão: jurisdição, órgão legislativo (submetido a controle em consonância com o objeto de atividade): órgão do Executivo, especialmente na (pré) formulação do interesse público;

c) os participantes do processo de decisão nos casos que não são, necessariamente, órgãos do Estado, isto é:

d) o requerente ou recorrente e o requerido ou recorrido, no recurso constitucional (Verfassungsbeschewerd), autor e réu, em suma, aqueles que justificam a sua pretensão e obrigam o Tribunal a tomar uma posição ou a assumir

um “diálogo jurídico” (Rechtsgerpräch);

e) outros participantes do processo, ou seja, aqueles que têm direito de manifestação ou integração à lide, nos termos da Lei Orgânica da Corte Constitucional (v.g., §77, 85, nº2, 94, n 1 a 4, §§ 65, 82, n 2, 83, nº2, 94, nº5), ou que são, eventualmente, convocados pela própria Corte Constitucional (v.g. §82, nº4, da Lei do Bundesverfassungsgerichet);

f) pareceristas ou experts, tal como se verifica nas Comissões Especiais de Estudos ou de Investigação (§73, do Regimento Interno do Parlamento Federal); g) peritos e representantes de interesses nas audiências públicas do Parlamento (§73, nº3, do Regimento Interno do Parlamento Federal alemão), peritos nos Tribunais, associações, partidos políticos (frações parlamentares), que atuam,

sobretudo, mediante a “longa manus” da eleição de juízes (NT 2);

h) os grupos de pressão organizados (§10, do Regimento Interno do Governo Federal);

i) os requerentes ou partes nos procedimentos administrativos de caráter participativo; [...]

(3) a opinião pública democrática e pluralista e o processo político como grandes estimuladores: media (imprensa, rádio, televisão, que, em sentido, estrito, não são

1 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Notícias. Disponível em:

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participantes do processo, o jornalismo profissional, de um lado, a expectativa de leitores, as cartas de leitores, as iniciativas dos cidadãos, as associações, os partidos políticos fora do seu âmbito de atuação organizada, igrejas, teatros, editoras, as escolas da comunidade, os pedagogos, as associações de pais;

(4) cumpre esclarecer, ainda, o papel da doutrina constitucional nos nºs1, 2 e 3; ela tem um papel especial por tematizar a participação de outras forças e, ao mesmo tempo, participar nos diversos níveis. (HÄBERLE, 2002, p.20).

A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, segundo Peter Häberle, exige uma República consolidada, ou seja, a responsabilidade dos poderes com a função pública, a democracia participativa e a sociedade civil plural e organizada.

Mas as premissas que permitiriam uma interpretação aberta não estão consolidadas no Brasil. As discussões com a sociedade civil são fomentadas principalmente pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Portanto, a opinião pública raramente é instada a se manifestar através de referendo e/ou plebiscitos. Ademais, as faculdades de Direito, através de seus programas de pesquisas, não são chamadas a apontar artigos ou pareceres sobre temas de interpretação constitucional. As audiências públicas realizadas pela Corte são concentradas no Distrito Federal e não permitem uma participação plural da sociedade.

Ademais, os Poderes Executivo e Legislativo estão inertes em realizar programas e reformas para consolidar os mandamentos constitucionais e efetivar a democracia participativa.

A interpretação aberta da Constituição deveria ser limitada pelo sistema constitucional pátrio atualizado constantemente pela participação de uma sociedade plural, representada por inúmeras entidades de classes e não apenas por setores organizados da sociedade.

Destarte, o Supremo Tribunal Federal, diante da fragilidade republicana e democrática, ao interpretar a Constituição de forma aberta, superando a dogmática de forma ampla e subestimando o sistema jurídico, não realiza uma construção hermenêutica e democrática da decisão, mas sim, assume um papel de Poder Moderador, mediador e autônomo dos conflitos sociais, econômicos e entre os poderes constitucionais, a sociedade civil e o Estado.

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O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Ricardo Lewandowski, inaugurou na sexta-feira (4), o primeiro polo de conciliação indígena de um Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) no país, localizado na Comunidade Maturuca, dentro da reserva

indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. “É um avanço muito importante para o

Judiciário brasileiro”, disse o ministro, ressaltando o caráter inédito dessa iniciativa. Segundo Lewandowski, o Poder Judiciário “está convencido de que deve assegurar os direitos indígenas sem quaisquer restrições”.

Para o lançamento desse polo, 16 índios foram treinados e poderão atuar nas mediações de conflitos que surjam dentro da própria reserva, com o intuito de resolver os casos antes que cheguem aos tribunais.

O polo indígena do Cejusc é subordinado à comarca de Pacaraima, município próximo à Comunidade Maturuca2.

Em recente julgamento, a Corte impôs ao Poder Executivo, como obrigação de fazer, a construção de presídios como efetivação dos direitos fundamentais.

Ao assim proceder, ao impor a adoção de posturas governamentais para essa finalidade, a fidelidade do texto constitucional estaria sendo ultrapassada, conforme ensina Karl Engisch (1996):

Em certo sentido a interpretação extensiva e a interpretação restritiva podem já ser consideradas como uma espécie de complementação da lei. Mais um passo e encontramo-nos com a chamada heurística jurídica (descoberta do Direito) “praeter legem”, cujo principal exemplo é a analogia, e com heurística jurídica “contra legem”, que em sentido estrito significa uma “correção” da lei, ao passo que a verdadeira interpretação se apresenta como via de uma descoberta (heurística) do Direito “secundum legem”, de acordo com o princípio da fidelidade do texto legal. (grifo nosso). (ENGISCH, 1996, p.197).

Essa tensão entre o político e o jurídico é recorrente no Supremo Tribunal Federal, inclusive com a possibilidade da Corte, em face de suas decisões, incorporar as atribuições do Poder Executivo, assumindo tarefas governamentais, conforme o debate exposto na decisão que determinou a construção dos presídios anteriormente mencionada:

Assim, contrariamente ao sustentado pelo acórdão recorrido, penso que não se está diante de normas meramente programáticas. Tampouco é possível cogitar de hipótese na qual o Judiciário estaria ingressando indevidamente em seara reservada à Administração Pública.

Nesse contexto, não há que se falar em indevida implementação, por parte do Judiciário, de políticas públicasna seara carcerária, circunstância que sempre enseja discussão complexa e casuística acerca dos limites de sua atuação, à luz da teoria da separação dos poderes.

Assim, mostra-se no mínimo paradoxal a assertiva que consta do acórdão proferido pelo TJRS abaixo reproduzida:

[...] fundado no princípio da discricionariedade, o Estado tem liberdade de dispor das verbas orçamentárias, de escolher onde devem ser aplicadas e quais obras deve realizar. E ao Poder Judiciário, pergunto, cabe intrometer-se nas questões de governo, de programa de governo, de gestão, e impor ao Poder Executivo obrigação de fazer que importe gastos sem previsão orçamentária?

Respondo pela negativa.

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Ora, salta aos olhos que, ao contrário do que conclui o mencionado aresto, existe todo um complexo normativo de índole interna e internacional, que exige a pronta ação do Judiciário para recompor a ordem jurídica violada, em especial para fazer valer os direitos fundamentais – de eficácia plena e aplicabilidade imediata –

daqueles que se encontram, temporariamente, repita-se, sob a custódia do Estado. A hipótese aqui examinada não cuida, insisto, de implementação direta, pelo Judiciário, de políticas públicas, amparadas em normas programáticas, supostamente abrigadas na Carta Magna, em alegada ofensa ao princípio da reserva do possível. Ao revés, trata-se do cumprimento da obrigação mais elementar deste Poder que é justamente a de dar concreção aos direitos fundamentais, abrigados em normas constitucionais, ordinárias, regulamentares e internacionais.

A reiterada omissão do Estado brasileiro em oferecer condições de vida minimamente digna aos detentos exige uma intervenção enérgica do Judiciário para que, pelo menos, o núcleo essencial da dignidade da pessoa humana lhes seja assegurado, não havendo margem para qualquer discricionariedade por parte das autoridades prisionais no tocante a esse tema.

Sim, porque, como já assentou o Ministro Celso de Mello, não pode o Judiciário omitir-se “se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional”. (ADPF nº45-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello. Confira-se, a propósito, a ementa dessa decisão monocrática:

ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR.

CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA ‘RESERVA DO

POSSÍVEL’. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS

INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO

CONSUBSTANCIADOR DO ‘MÍNIMO EXISTENCIAL’. VIABILIDADE

INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS

CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO)’.

Ante o exposto e o mais que consta dos autos, sobretudo tendo em conta o princípio da inafastabilidade da jurisdição, dou provimento ao recurso extraordinário para cassar o acórdão recorrido, a fim de que se mantenha a decisão proferida pelo juízo de primeiro grau.

A tese de repercussão geral que proponho seja afirmada por esta Suprema Corte é a seguinte:

É lícito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o artigo 5º, XLIX, da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes”. (grifo nosso)3.

No exercício deste novo papel de onipotência sem quaisquer amarras limitadoras, potencializado pela inércia dos Poderes Executivos e Legislativo, o Supremo Tribunal Federal

3 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 592.581. Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário. Publicado em: 13

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deixou-se plastificar pela mídia; passou a importar-se com sua maquiagem e a imagem a ser transmitida à população. E por ter conquistado um grande espaço na mídia é que as críticas científicas à Corte aumentaram, assim como as tensões e as disputas envolvendo os outros dois poderes da República, além da preocupação com a opinião pública. Os julgamentos têm ultrapassado os limites do sistema jurídico e do próprio discurso jurídico. O relatório dos votos se transformou em cenário teatral; os dispositivos das decisões ultrapassaram o texto constitucional e se embasaram em tragédias de Ésquilo.

Ao assumir a Presidência da República, o então ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello, inaugurou uma nova fase das decisões constitucionais da Corte: a fase das decisões e das argumentações midiáticas.

Com sede no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, a TV Justiça iniciou suas atividades em 11 de agosto de 2002. Como emissora pública, transmitida pelo sistema a cabo, satélite (DHT), antenas parabólicas e internet, foi a primeira a transmitir ao vivo os julgamentos do Plenário da Suprema Corte brasileira.

A TV Justiça tem como foco preencher lacunas deixadas por emissoras comerciais em relação a notícias sobre questões judiciárias, a fim de possibilitar que o público acompanhe o dia a dia do Poder Judiciário e suas principais decisões, favorecendo o conhecimento do cidadão sobre seus direitos e deveres.

Trabalha na perspectiva de informar, esclarecer e ampliar o acesso à Justiça, buscando tornar transparentes suas ações e decisões. Este é o maior propósito da emissora do Judiciário.

Com programação que emprega linguagem clara, ágil, confiável, contextualizada e caráter didático, a TV Justiça notabilizou-se pela transmissão de julgamentos, programas de debates, seminários e conferências ao longo dos seus 10 anos de história, realizando uma cobertura jornalística prolongada, profunda e variada. A administração da TV Justiça está sob a responsabilidade da Secretaria de Comunicação Social do Supremo Tribunal Federal com o auxílio de um Conselho Consultivo.

A Lei 10.461/2002, que prevê sua criação, foi sancionada por um integrante do STF, o ministro Marco Aurélio, quando exerceu interinamente a Presidência da República durante o governo Fernando Henrique Cardoso, em maio de 20024.

Foi o que ocorreu com o julgamento da constitucionalidade da Lei Complementar nº35, conhecida como Lei da Ficha Limpa. O impacto da iniciativa popular do projeto e a cobertura da mídia sobre o assunto transformaram a Corte Suprema brasileira numa instância executora de um papel político, pois passou a ser o centro das atenções: um poder autônomo ou o Poder Judiciário?

A questão faz ressurgir o debate entre Hans Kelsen e Carl Schmitt sobre o papel e os limites do guardião da Constituição.

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Para Carl Schmitt, o conceito de decisionismo está essencialmente ligado ao conceito de soberania. O primeiro grande precursor do decisionismo jurídico foi Jean Bodin: “Bodin

não apenas tem o mérito de ter fundamentado o conceito de soberania do direito político moderno, como também revelou a sua conexão com a ditadura e deu uma definição que ainda hoje deve-se reconhecer como fundamental”. (MACEDO JÚNIOR, 2011, p.35).

Para Macedo Júnior, ao analisar o decisionismo jurídico, Carl Schmitt observa que, juridicamente, pode-se encontrar o último fundamento jurídico de todas e quaisquer validades e valores de direito em um processo volitivo, uma decisão que enquanto tal cria o direito e cuja força jurídica (Rechtskraft) não deve ser derivada da força jurídica de regras de decisão, pois mesmo uma decisão que não corresponde à regra cria direito. Essa forma jurídica de decisões contrária às normas pertence a todo e qualquer “ordenamento jurídico”.

Thomas Hobbes, de acordo com Macedo Júnior, teria sido o primeiro a apresentar um exemplo puro de pensamento decisionista no século XVII:

A decisão soberana não é, portanto, explicada a partir de uma norma nem a partir de um ordenamento concreto, porque, muito pelo contrário, somente a decisão fundamentada é para o decisionista tanto a norma quanto o ordenamento. A decisão soberana é o início absoluto (também no sentido de arché), não é outra coisa senão decisão soberana. Ela nasce de um Nada, a estrutura lógica do decisionismo puro

pressupõe uma “desordem” que vem mudada em “ordem” somente pelo fato de que

é tomada uma decisão. Para Hobbes, o representante do tipo decisionista de

pensamento jurídico é o “ditador”, que acaba com a desordem da bellum omnium contra omnes (guerra de todos contra todos) do Estado de Natureza e funda as leis e o ordenamento. (MACEDO JÚNIOR, 2011, p.36).

Já Hans Kelsen defenderá que a Constituição é a base, o fundamento primário de validade das normas jurídicas reguladoras não só da conduta dos membros da sociedade, mas também dos órgãos encarregados de editar, interpretar, aplicar e impor essas normas. Nessa perspectiva, para ele a essência da democracia residiria não na onipotência da maioria, mas sim no compromisso permanente do parlamento – legítimo representante das maiorias e das minorias – com a justiça constitucional.

Destarte, ao confrontar o debate entre Hans Kelsen e Carl Schmitt acerca do controle da Constituição, serão elucidados os motivos para a elaboração da presente tese: o embate político e jurídico em torno da Lei da Ficha Limpa e o atual papel do Supremo Tribunal Federal no cenário republicano brasileiro.

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do Poder Constituinte Originário que teceu limites à atuação dos poderes e às possibilidades de decisão dentro do sistema constitucional.

O presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, Ricardo Lewandowski, em artigo publicado recentemente pela imprensa, assumindo uma postura que agora se aproxima da jurídica, argumentou:

O protagonismo extramuros, criticável em qualquer circunstância, torna-se ainda mais de fato quando tem o potencial de cercear direitos fundamentais, favorecer correntes políticas, provocar abalos na economia ou desestabilizar as instituições, ainda que inspirado na melhor das intenções. Por isso, posturas extravagantes ou ideologicamente matizadas são repudiadas pela comunidade jurídica, bem assim pela opinião pública esclarecida, que enxerga nelas um grave risco à democracia5.

A tese proposta demonstra que há uma invasão da política no exercício da jurisdição constitucional, aproximando o Supremo Tribunal Federal de um poder autônomo com funções de direção e configuração política. As premissas que sustentam tal pensamento estão amparadas no debate entre Hans Kelsen e Carl Schmitt, assim como na concepção do Direito como sistema, desenvolvida por Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Sua demonstração está fundamentada na análise do julgamento da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa.

Após a Introdução, no capítulo 2 desta pesquisa serão identificadas a metodologia (zetética) e a delimitação do tema (o poder de controle de constitucionalidade no caso da Lei da Ficha Limpa foi deliberado a partir de uma perspectiva normativa ou política? Há intervenção externa no sistema? Sob o ponto de vista normativo, viola cláusula pétrea da Constituição? Sob o ponto de vista zetético, tolhe o direito de liberdade de escolha? Sob o ponto de vista sociológico, detém eficácia plena ou meramente ideológica?)

No terceiro capítulo discute-se o poder de controle de constitucionalidade (o guardião da Constituição – Carl Schmitt versus Hans Kelsen); no quarto, o debate é dedicado ao princípio da presunção de inocência como cláusula pétrea.

No quinto capítulo apresenta-se a crítica ao julgamento: a violação ao princípio da presunção de inocência, a violação à liberdade de escolha e a intervenção do poder político do Supremo Tribunal Federal no sistema.

Ao final, na conclusão deste estudo, a pesquisa comprovará que o poder de controle de constitucionalidade exercitado pelo Supremo Tribunal Federal no caso da Lei da Ficha Limpa pautou-se principalmente pela opinião pública e não pelas previsões normativas constitucionais. E ademais, o Supremo Tribunal Federal, neste caso paradigmático para o

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2 DIREITO E PODER NO CONTROLE DE

CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DA FICHA LIMPA

No positivismo, o Direito (conhecimento ou ciência) é conjugado como força coercitiva e impositiva da ordem social. É um poder legitimado pela lei emanada do parlamento. A sanção determina a obediência social e delimita os direitos subjetivos dos indivíduos. E o Poder Judiciário, destinatário constitucional do direito subjetivo à ação, resolve a lide, esclarecendo o mandamento geral, a lei, ao criar na decisão uma norma individual.

A relação entre o direito e o poder é estabelecida pelo Poder Judiciário, que garante, de forma democrática e legítima, a aplicação das normas gerais e abstratas criadas pelo Poder Legislativo (Parlamento) e pelo Poder Executivo (Administração Pública), com a edição de normas concretas e individuais (sentenças). Essas normas concretas atendem ao requisito do Estado Democrático de Direito na medida em que asseguram aos litigantes atingidos pela decisão o direito constitucional de petição (acesso ao Poder Judiciário), o direito à ampla defesa (conforme os ditames constitucionais e processuais) e o direito ao contraditório.

A sentença de mérito, no sistema constitucional democrático, somente será válida se permitir a participação das partes envolvidas no seu processo de produção e de fundamentação. Se, por um lado, autoriza-se a produção de leis gerais e abstratas que criam obrigações para toda a sociedade com a eleição de representantes ao Poder Legislativo (deputados e senadores), por outro, permite-se ao Poder Judiciário a aplicação das leis ao caso concreto com a condição de vasta participação no processo de elaboração das sentenças através da ampla defesa e do contraditório. Dessa forma, garante-se a democracia não só na produção de normas gerais e abstratas (leis em sentido amplo) como também na elaboração de normas individuais, aplicadas ao caso concreto.

O Poder Judiciário é o pêndulo que regula a dosimetria entre o Direito (libertação) e o Poder (autoridade), ora revelando e efetivando direitos fundamentais (direitos coletivos) ou direitos subjetivos (direitos individuais), ora impondo e aplicando a sanção impositiva de uma ordem.

Essa relação entre o direito e o poder é amplamente discutida por Norberto Bobbio (2008):

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políticos, interessados de modo particular no problema do Direito, se colocam perante o problema do poder. Para os primeiros, o direito, sempre entendido como direito positivo, não pode deixar de lado o poder; para os segundos, o poder, sempre entendido como domínio ou senhorio (Herrschaft, segundo Max Weber), não pode deixar de lado o Direito. As duas perspectivas dependem do fato de que uns e outros tratam de responder a duas questões (essencialmente práticas) diferentes: os primeiros, à pergunta sobre a efetividade de um sistema normativo; os segundos, à pergunta acerca da legitimidade ou legalidade do poder supremo. A resposta à primeira pergunta serve para distinguir o direito positivo do direito natural e, enquanto tal, está na base de uma doutrina do direito, como é a doutrina do positivismo jurídico; a resposta à segunda permite distinguir o poder legítimo do poder de fato, e, como tal, fundamenta uma doutrina do poder político, como é a do Estado de direito.

Os dois conceitos-limite, respectivamente do positivismo jurídico e da doutrina do Estado de direito, são a potestas suprema, ou soberania, e a norma fundamental. (BOBBIO, 2008, p.209-212).

Para concretizar o princípio do Estado Democrático de Direito e corresponder ao sistema constitucional, a edição de normas individuais e concretas deve respeitar os parâmetros e os limites impostos pelas normas gerais e abstratas. Os Tribunais são os aplicadores do Direito e não a própria potestas suprema.

Essa visão clássica imposta ao Poder Judiciário como aplicador do Direito nos limites extremos da legalidade foi transformada no Pós-Guerra, em face de demandas que transcenderam o direito individual. A visão liberal primaz no século XIX foi substituída pela visão social do Pós-Guerra, na metade do século XX. As lides centradas no direito de propriedade foram substituídas por lides centradas no direito difuso, porquanto o próprio conceito de propriedade transcendeu do direito civil (particular) para o direito público (social). A coletividade passou a exigir do Judiciário, através do direito à ação, agora coletivo, decisões que implicariam também mudanças sociais e do próprio sistema jurídico.

Atrelado aos direitos humanos, o direito social transformou o clássico direito positivo centrado no direito individual subjetivo e na propriedade material privada. Essa transformação transcendeu o sistema jurídico e acometeu ao Poder Judiciário um novo comportamento. E, no Brasil, pela Constituição Federal de 1998, essa transformação ganhou proporção tamanha que o Poder Judiciário acabou por se tornar um superpoder, especialmente ao exercitar o controle de constitucionalidade.

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autoridade ou a própria autoridade. A interpretação limita-se ao próprio texto, ou seja, parte-se do texto para definir os limites do próprio texto.

O argumento de autoridade utilizado e popularizado na Idade Média não se coaduna com a democracia contemporânea e nem com o Estado Constitucional Moderno. O Supremo Tribunal Federal, ao ampliar o texto constitucional, transforma-se em poder e autoridade suprema sobre o sistema jurídico, ora substituindo a competência do Poder Legislativo, ora assumindo a postura do Poder Executivo: uma Corte Constitucional que passa a recriar o próprio texto constitucional, um verdadeiro poder autônomo.

O pêndulo transforma-se em guilhotina, a competência em poder, os limites constitucionais em argumentos de autoridade. O Supremo Tribunal Federal no controle de constitucionalidade exerce-o ora como uma decisão política (Carl Schmitt), ora como uma decisão jurídica (Hans Kelsen).

Importante, a esse respeito, a reflexão de José Rodrigo Rodriguez (2013):

Na concepção ocidental do termo, estado de direito significa a imposição de limites ao poder soberano e ao poder privado. Ninguém pode agir licitamente sem fundamento em uma norma jurídica ou em uma norma social que autorize diretamente uma determinada conduta ou crie um espaço de autonomia dentro de limites impostos pelo direito de determinado ente soberano. Pode-se dizer que haja um estado de direito quando toda a ação possa ser justificada a partir de uma norma criada ou não pelo Estado e, neste último caso, reconhecida por ele. (RODRIGUEZ, 2013, p.69).

Para o autor, a expressão “zona de autarquia” significa espaço em que as decisões não estão fundadas em um padrão de racionalidade:

Denomino zona de autarquia o espaço institucional em que as decisões não estão fundadas em um padrão de racionalidade qualquer, ou seja, em que as decisões são tomadas sem fundamentação. Uma observação importante: será rara a ocasião em

que os organismos de poder afirmem simplesmente “Decido assim porque eu quero” ou ‘Decido desta forma porque é a melhor coisa a fazer”. É de se esperar esteja presente alguma forma de falsa fundamentação cujo objetivo seja conferir aparência racional a decisões puramente arbitrárias. (RODRIGUEZ, 2013, p.69).

[...]

Uma zona de autarquia, portanto, existe na ausência de fundamentação, ou seja, de uma justificação em que a autoridade levanta pretensões de validade fundada em normas jurídicas, as quais, quando necessário, podem ser sustentadas sem contradição. Não se pode sustentar racionalmente A e não A ao mesmo tempo; não se pode recusar, racionalmente, a justificar uma asserção proferida quando alguém se põe a questioná-la; também não se pode, racionalmente, desqualificar o interlocutor que demanda por minhas razões ou impedir que outro faça o mesmo, desde que cumpra os requisitos dos procedimentos que preveem oportunidades em que é possível falar diante de autoridade.

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arbitrárias, ou seja, que não se pode reconstruir racionalmente. Cabe à pesquisa vigiar as autoridades para que isto não ocorra. (RODRIGUEZ, 2013, p.69 – grifo nosso).

Na proposta desta pesquisa, o Supremo Tribunal Federal agiu como poder autárquico (autônomo), realizando e concretizando uma zona de autarquia, postura, aliás, que lhe tem sido recorrente, notadamente pelas inúmeras decisões autônomas por si adotadas, em destaque, para este trabalho, a atuação do Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição no julgamento da Lei da Ficha Limpa.

Analisando, à luz da obra de Carla Faralli (2005), a atuação do Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição no caso da Lei da Ficha Limpa, percebe-se que a interpretação da Corte, face à crise do positivismo jurídico, estabeleceu-se na perspectiva ético-política, conforme afirma a autora:

[...] a crise do positivismo jurídico levou à superação da rígida distinção entre direito e moral e à consequente abertura do debate filosófico-jurídico contemporâneo aos valores ético-políticos. Essa abertura teve vários resultados, dentre os quais os mais significativos parecem ser as chamadas teorias constitucionais ou neoconstitucionalistas e a nova teoria do direito natural. (FARALLI, 2005, p.11).

Em outras palavras, no caso da Lei de Ficha Limpa, o Supremo Tribunal Federal julgou através de valores concebidos pela teoria de Carl Schmitt, ou seja, a entidade estabilizadora do Estado, dos valores éticos, e responsável pela segurança política. Essa conclusão analítica ganha reforço especial quando contrastada com o teor dos votos vencidos proferidos naquele julgamento, todos alinhados à teoria de Hans Kelsen e centrados na lógica jurídica, aprimorada, segundo Carla Faralli, no direito contemporâneo:

a crise do positivismo jurídico formalista das últimas décadas não envolveu a abordagem analítica. Ao contrário, esta aprimorou seus próprios instrumentos lógicos e metodológicos e assim continuou a orientar numerosos estudiosos, que preservaram o interesse pelos estudos de lógica jurídica. (FARALLI, 2005, p.11).

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2.1 O controle de constitucionalidade na Lei da Ficha Limpa: interpretação ou invenção

De onde as coisas têm seu nascimento, para lá também devem afundar-se na perdição, segundo a necessidade; pois elas devem expiar e ser julgadas pela sua injustiça, segundo a ordem do tempo. (Anaximandro de Mileto 546 a. C.).

Para Celso Campilongo (2011):

quando se diz que o sistema jurídico, como todos os demais, é cognitivamente aberto e estruturalmente acoplado a outros sistemas parciais, evidentemente não se exclui o sistema político desse circuito.

[...]

se a politização do Poder Judiciário for descrita como o resultado dessas aberturas e acoplamentos, os tribunais são, inegavelmente, políticos.

[...]

A lei é ferramenta do sistema jurídico, mas também, simultaneamente, instrumento para estratégias políticas, dado para o cálculo econômico e medida para a aferição da escolaridade. Entretanto, para o sistema jurídico, a lei é operacionalizada, descrita e aplicada de modo diverso daqueles dos demais sistemas. Para a democracia, identificar essas barreiras e estruturar a manutenção das diferenças entre os sistemas parciais – particularmente o direito e a política – é fundamental. (CAMPILONGO, 2011, p.182).

Esta tese, ao analisar o silogismo dos votos e o dispositivo da decisão, quer revelar o entulho que encobre a vontade política ou a afirmação de um poder, provar e demonstrar que a dogmática positivista e o sistema escalonado-formal de Hans Kelsen foram substituídos no sistema de controle de constitucionalidade pátrio por um sistema amórfico que tem como ápice valores éticos e políticos de caráter aberto, cristalizados em princípios igualmente esgarçados, que no caso brasileiro referendam-se, essencialmente, no princípio da dignidade da pessoa humana, transformado em premissa dispositiva ou pretexto de várias decisões judiciais.

As interpretações recentes da Corte Suprema embasadas em premissas sociais, políticas e sentimentais comprometem o alicerce do sistema jurídico e da própria democracia, pois acarretam imprecisão jurídica e insegurança nas decisões. Os ministros transformaram-se em Oráculos de Delfos e passaram a decidir segundo a vontade dos deuses (direitos da dignidade da pessoa humana, imprensa, sociedade).

A par da insegurança e imprecisão que disso decorrem, esse novo agir, essa forma inusitada de interpretação das normas jurídicas, representa também a desconstrução dos sólidos avanços conquistados pela ciência do direito.

(29)

ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental. (KELSEN, 2010, p.291).

Hans Kelsen (2010) esclarece:

A teoria pura do Direito limita-se a uma análise estrutural do Direito positivo, baseado em um estudo comparativo das ordens sociais que efetivamente existem e existiram historicamente sob o nome de Direito. Portanto, o problema da origem do Direito – o Direito em geral ou uma ordem jurídica particular – isto é, das causas da existência do Direito em geral ou de uma ordem jurídica particular, com seu conteúdo específico, ultrapassa o escopo desta teoria. São problemas da sociologia e da história e, como tais, exigem métodos totalmente diferentes dos de uma análise estrutural de ordens jurídicas dadas. (KELSEN, 2010, p.291).

E completa:

A “pureza” de uma teoria do Direito que se propõe uma análise estrutural de ordens

jurídicas positivas consiste em nada mais que eliminar de sua esfera problemas que exijam métodos diferentes do que é adequado ao seu problema específico. O postulado da pureza é a exigência indispensável de evitar o sincretismo de métodos, um postulado que a jurisprudência tradicional não respeita ou não respeita suficientemente. (KELSEN, 2010, p.291).

Em face dessa premissa, a atividade de interpretar está limitada ao texto ou à vontade do legislador. Para Norberto Bobbio (1999),

O positivismo jurídico põe um limite intransponível à atividade interpretativa: a interpretação é geralmente textual e, em certas circunstâncias (quando ocorre integrar a lei), pode ser extratextual; mas nunca será antitextual, isto é, nunca se colocará contra a vontade que o legislador expressou na lei. (BOBBIO, 1999, p.214).

Segundo Luís Sérgio Soares Mamari Filho (2005),

é inquestionável que, sendo uma espécie do gênero “Lei”, merece a Constituição ser

interpretada. Contudo, é igualmente indiscutível que a Constituição é dotada de algumas peculiaridades que devem ser consideradas quando da sua interpretação. (MAMARI FILHO, 2005, p.31).

De acordo com o autor, “a interpretação da Constituição é orientada por um conjunto de métodos, ora desenvolvidos pela doutrina, ora pela jurisprudência, que embora baseados em premissas distintas, em sua maioria, são complementares.” (MAMARI FILHO, 2005, p.53). E, por fim, destaca:

[...] o objetivo da interpretação é achar o resultado constitucionalmente correto através de um processo racional e controlável, e fundamentar esse resultado de modo igualmente racional e controlável, possibilitando a instauração de um clima de certeza e de previsibilidade jurídica, evitando a perpetuação de sistemas que

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Importante, nesta mesma linha, a observação do jurista Karl Engisch (1996):

Para impedir que esta ideia de “justiça pessoal” se não desvirtue bastará, num Estado de Direito, que exista uma ciência jurídica evoluída e existam funcionários e magistrados educados na imparcialidade, na objetividade e na incorruptabilidade. E não podem naturalmente esquecer-se todas as garantias contra o arbítrio assegurados pela obrigação de fundamentar objectivamente a decisão tomada, pela discussão nos órgãos colegiais e pela possibilidade de revisão da decisão na instância superior. (ENGISCH, 1996, p.255).

Destarte, esta pesquisa parte da seguinte premissa: a decisão do Tribunal é uma compreensão e resulta da percepção imediata, que permitiu aos julgadores decidirem diante das possibilidades a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. Como protagonistas da interpretação, os ministros conduziram a decisão para a prática política e teceram fundamentações distantes do sistema formal jurídico, lançando o direito pátrio para uma nebulosa possibilidade e certa insegurança: o controle na decisão da Corte estabeleceu novos parâmetros não previstos no texto constitucional.

O comportamento dos ministros do Supremo Tribunal Federal ao fundamentarem suas decisões no sistema constitucional, mas superando as barreiras do sistema jurídico, provocou a ruptura da competência do pacto entre os poderes e, como esta tese pretende comprovar, a acessão de um poder autônomo, moderador ou promotor de regras assistemáticas e inovadoras à norma fundamental, ou a escolha de uma nova norma-origem6.

Tércio Sampaio Ferraz Júnior, em sua obra Introdução ao Estudo do Direito, adverte:

[...] a opinião na doutrina dogmática é de que a norma jurídica é uma espécie de imperativo despsicologizado, isto é, um comando no qual não se identifica nem o comandante nem o comandado. A ideia, portanto, é que a figura do legislador ou do aplicador da norma desaparecem depois da norma posta, e ademais, os destinatários da norma também não são identificados, pois os comandos das normas são genéricos e universais. (FERRAZ JÚNIOR, 2013, p.91).

Na decisão proferida no caso da Lei de Ficha Limpa, o Supremo Tribunal Federal, ao se distanciar da lógica para assumir o papel de poder moderador, relegando o julgamento a valores éticos e políticos subjetivamente cooptados pelo tribunal junto à opinião pública, distanciou-se dos elementares ensinamentos de Heidegger (2009):

6Segundo Tércio Sampaio Ferraz Júior (2013, p.98) “Quanto à subordinação, podemos distinguir entre normas

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