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O debate sobre “O guardião da Constituição”

No documento Luis Antonio Rossi.pdf (páginas 75-77)

CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DA FICHA LIMPA

3 O GUARDIÃO DA CONSTITUIÇÃO

3.5 O debate sobre “O guardião da Constituição”

Quem deve prover a guarda e proteção da Constituição?

A discussão sobre “o guardião da Constituição” foi um dos temas que gerou grande debate entre Carl Schmitt e Hans Kelsen.

Segundo Ronaldo Porto Macedo Júnior (2011), Carl Schmitt desenvolve, em O

defensor da Constituição, a tese segundo a qual o Führer deve ser o verdadeiro guardião da Constituição:

Num texto de 1934, “O Füher protege o Direito” (Der Führer shutz das Recht), Schmitt radicaliza tal ideia ao enumerar as diversas responsabilidades que o Führer deve ter na manutenção da ordem e das instituições, em detrimento da tradicional e liberal divisão dos poderes, tal como proposta por Montesquieu. Nesse panfleto Schmitt salienta, de uma forma talvez ingênua e oportunista, as responsabilidades, o dever de moderação e o equilíbrio que deveriam recair sobre o Führer, Adolf Hitler. (MACEDO JÚNIOR, 2011, p.55).

Tal é o entendimento de Carl Schmitt, segundo Macedo Júnior (2011):

A decisão soberana nasce de uma decisão necessariamente arbitrária que instaura a ordem na qual atuam as instituições. A decisão soberana instaura uma normalidade em substituição ao caos. O pensamento do ordenamento concreto de Schmitt combina instituição à decisão de maneira sincrética, coerente e sistemática. As instituições nascem de uma decisão arbitrária, mas ganham autonomia, formando-se uma “vontade institucional”. (MACEDO JÚNIOR, 2011, p.104).

Também Felipe Daniel Amorim Machado (2013) aponta as bases que fundamentariam o pensamento de Schmitt:

Como defensor da constituição, Schmitt idealiza uma instituição que esteja no mesmo nível dos possíveis litigantes, apresentando a si mesma como um terceiro escolhido pela via plebiscitária, representando a unidade da comunidade política, além de possuir, no exercício de suas funções, independência para a intervenção nos direitos previstos na Constituição. A partir disso, percebe-se que a defesa de Schmitt acerca da legitimidade do presidente para defender a Constituição se fundamenta em três bases: o presidente era visto como um pouvoir neutre, como representante da unidade política, possuía independência para defendê-la e, por fim, era escolhido pelo método plebiscitário. (AMORIM MACHADO, 2013, p.75).

Em sua obra O Guardião da Constituição (2007, p.193-202) Carl Schmitt preconiza:

As divergências de opinião e diferenças entre os titulares de direitos políticos de decisão e influência não podem ser decididas, no geral, judicialmente, caso não seja exatamente o caso de punição por violações constitucionais abertas. Elas são

eliminadas ou por meio de um poder político mais forte situado acima das opiniões divergentes, isto é, por intermédio de um terceiro superior – mas isso não seria, então, o guardião da Constituição, e, sim, o senhor soberano do Estado, ou então são conciliadas ou resolvidas por meio de um órgão não em uma relação de subordinação, mas de coordenação, isto é, por meio de um terceiro neutro – este é o sentido de um poder neutro, de um pouvoir neutre et intermédiaire, localizado não acima, e, sim, ao lado dos outros poderes constitucionais, mas dotado de poderes e possibilidades de ação singulares. Caso não deva ocorrer um efeito secundário meramente acessório de outras atividades estatais, mas, sim, devam ser organizadas uma instituição e uma instância especiais, cuja tarefa seja assegurar o funcionamento constitucional dos diversos poderes e salvaguardar a Constituição, então é conseqüente em um Estado de direito, onde há diferenciação dos poderes, não confiar isto, suplementarmente, a nenhum dos poderes existentes, pois senão obteria apenas um sobrepeso perante os demais e poderia ele próprio se esquivar do controle. Ele tornar-se-ia, por meio disso, senhor da Constituição. (p.193). Destarte, é necessário colocar um poder especial neutro ao lado dos outros poderes, relacionando-o e equilibrando-o com eles por intermédio de poderes específicos. (grifo nosso)

[...]

Na história constitucional do século XIX surge, com Benjamin Constant, uma teoria especial do pouvoir neutre, intermédiaire e régulateur na luta da burguesia francesa por uma Constituição liberal contra bonapartismo e restauração monárquica. (p.194) [...]

Essa teoria faz parte, essencialmente, da teoria constitucional do Estado civil de direito e não influi apenas sobre as duas constituições, nas quais foi adotada de forma bastante literal. A ela remonta, muito mais, o catálogo, típico para todas as constituições do século XIX, de prerrogativas e poderes do chefe de Estado (monarca ou presidente), todos imaginados como meio e possibilidade de atuação de tal pouvoir neutre, como, por exemplo, inviolabilidade ou, pelo menos, posição privilegiada do chefe de Estado, assinatura e promulgação de leis, direito de indulto, nomeação de ministros e funcionários públicos, dissolução da câmara eleita. Em quase todas as constituições de Estados maiores, desde que correspondam ao tipo do Estado civil de direito, tanto em monarquias quanto em repúblicas, pode-se reconhecer essa construção de alguma forma, não interessando se a situação política possibilita ou não sua aplicação. (SCHMITT, 2007, p.195).

Sobre o “poder neutro” (pouvoir neutre), Carl Schmitt explica:

Conforme o direito positivo da Constituição de Weimar, a posição do presidente do Reich, eleito pela totalidade do povo, só pode ser construída com a ajuda de uma teoria mais desenvolvida de um poder neutro, intermediário, regulado e preservador. O presidente do Reich está munido de poderes que o tornam independente dos órgãos legislativos, embora esteja vinculado, simultaneamente, à referenda dos ministros dependentes da confiança do parlamento. Os poderes constitucionais a ele destinados (nomeação de funcionários públicos conforme artigo 46, direito de indulto conforme artigo 49, promulgação de leis conforme artigo 70) correspondem tipicamente ao catálogo de poderes do chefe de Estado, já apresentado por Benjamin Constant. O peculiar equilíbrio, frequentemente discutido, do elemento constitucional plebiscitário com o parlamentar, a relação de uma independência do parlamento do Reich devido aos poderes autônomos com uma dependência devido à exigência geral da referenda ministerial (artigo 50 da Constituição do Reich), a execução pelo Reich, i.e., proteção da Constituição do Reich perante os Estados e, por fim, a proteção da Constituição (diferentemente da norma constitucional em particular) conforme o artigo 48 da Constituição do Reich, tudo isso seria uma mistura contraditória e absurda de determinações incompatíveis, não se tornasse compreensível por intermédio dessa teoria. Os autores da Constituição de Weimar, na medida em que empreenderam sua obra com consciência sistemática, eram provavelmente conscientes disso. A tese de Schmitt afirma, portanto, que a elaboração da Constituição de Weimar levou em

consideração a formação de uma Autoridade Neutra e condutora da Sociedade Alemã, o Reich Legislativo e Jurídico que possibilitaria a superação dos impasses entre o Parlamento e o Poder Judiciário. (SCHMITT, 2007, p.201).

Segundo a análise de Felipe Daniel Amorim Machado (2013, p.75), “deve-se esclarecer que o poder neutro, consubstanciado no Poder do Reich, deve atuar somente nos momentos de emergência, pois sua função é de defesa e preservação da Constituição”.

Já para Oswaldo Luiz Palu (2001), Carl Schmitt desenvolveu uma crítica à justiça constitucional:

Para ele uma decisão sobre o conteúdo de uma lei (Constituição) é uma manifestação completamente distinta da decisão de uma pretensão conflitiva com fundamento na lei. A decisão judicial pressupõe uma decisão geral tomada pelo legislador. Sobre isso descansa a posição singular do juiz no Estado burguês de Direito, sua independência em relação a instruções e ordens de serviço, sua objetividade, sua posição sobre as partes, seu caráter apolítico, pois a decisão política está na decisão do legislador e não na do juiz. (PALU, 2001, p.89).

Segundo Carl Schmitt, a decisão sobre o conflito entre lei e Constituição não demanda a análise do conteúdo. Assim, o conflito sobre o conteúdo da decisão normativo- constitucional a respeito do fundamento dela mesma não é matéria de decisão judicial, mas decisão política do legislador. (PALU, 2001, p.89).

Já Hans Kelsen argumentava favoravelmente à jurisdição constitucional afirmando que se deve impor um sistema de controle dos atos estatais, e que tal controle não pode ficar a cargo do mesmo órgão emissor dos atos a serem controlados. Para ele, a função política da Constituição é limitar o exercício de poder, de tal maneira que uma das mais sólidas instituições para a defesa da Constituição é a justiça constitucional.

Segundo Oswaldo Luiz Palu (2001, p.89), “no século XIX houve tentativa de fixar princípio contrário (no fundo uma ideologia que procurava mascarar a crescente perda do poder do monarca absoluto para a monarquia constitucional), que foi a criação do poder neutro”.

Por fim, temos Hans Kelsen rebatendo Carl Schmitt e argumentando que a diferença entre o caráter político da atividade legislativa e da atividade jurisdicional é quantitativa e não qualitativa. Dessa maneira, tanto legislador como tribunal criam normas, e a jurisdição também tem o poder de escolha diante das normas. (PALU, p.89, 2001).

No documento Luis Antonio Rossi.pdf (páginas 75-77)