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Controle de constitucionalidade

No documento Luis Antonio Rossi.pdf (páginas 40-45)

CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DA FICHA LIMPA

2.4 Controle de constitucionalidade

Ao considerarmos o Direito um sistema racional de normas jurídicas, com o objetivo de impor a ordem ou regrar condutas, ou no mundo contemporâneo efetivar os direitos humanos, temos sua racionalidade estabelecida através de uma Constituição, norma suprema ou norma-matriz.

André Ramos Tavares (2014, p.204) define a Constituição como um sistema de normas “necessariamente, harmônico, ordenado, coeso, por força da supremacia constitucional, que impede o intérprete de admitir qualquer contradição interna.”

Superada a ideia de pirâmide positivista, a Constituição permanece como moldura do direito e impõe regras e limites na interpretação de todo o sistema jurídico.

A ideia, portanto, de supremacia constitucional justifica o sistema de controle de constitucionalidade, ou jurisdição constitucional, conforme aponta José Afonso da Silva (2014):

A jurisdição constitucional consiste na entrega aos órgãos do Poder Judiciário da missão de solucionar os conflitos entre os atos, procedimentos e órgãos públicos e a Constituição. Ou, em sentido mais abrangente, entrega ao Poder Judiciário da missão de solucionar conflitos constitucionais. (SILVA, 2014, p.276).

O comportamento do Poder Legislativo e do Poder Executivo é limitado pelo sistema jurídico. A moldura deste sistema jurídico é estabelecida pela ordem constitucional. É o Poder Judiciário que realiza a dilatação ou supressão desta moldura, através do controle de constitucionalidade. O jurista português Jorge Miranda (2015) explica:

I – Constitucionalidade e inconstitucionalidade designam conceitos de relação: a relação que se estabelece entre uma coisa – a Constituição – e outra coisa – um comportamento – que lhe está ou não conforme, que cabe ou não cabe no seu sentido, que tem nela ou não a sua base. Assim declaradas, são conceitos que parecem surgir por dedução imediata. De modo pré-sugerido, resultam do confronto de uma norma ou de um ato com a Constituição, correspondem a atributos que tal comportamento recebe em face de cada norma constitucional. Não se trata de relação de mero caráter lógico ou intelectivo. É essencialmente uma relação de carácter normativo e valorativo, embora implique sempre um momento de conhecimento. Não estão em causa simplesmente a adequação de uma realidade a outra realidade, de um quid ou a desarmonia entre este e aquele ato, mas o cumprimento ou não de certa norma jurídica.

II – Uma fórmula como esta oferecer-se-ia, porém, demasiada ampla, por abarcar, tanto ações e omissões dos órgãos do poder político quanto ações e omissões dos particulares e por envolver, em consequência, regimes jurídicos muito diversos. Trata-se, evidentemente, do não cumprimento de normas constitucionais pelo Estado e por outras entidades públicas, tal como só pode ser operativo um conceito próprio da ciência do direito constitucional. Importa, por isso, analisar o fenômeno com o necessário cuidado. (MIRANDA, 2015, p.445-446).

O Poder Judiciário realiza controle de constitucionalidade mediante provocação das partes interessadas, ou legitimadas pela própria Constituição (controle concentrado), ou pelo direito à ação (controle difuso). Inconstitucionalidade e controle de constitucionalidade são fenômenos diversos, conforme esclarece Geovany Cardoso Jeveaux (2015):

Inconstitucionalidade e controle de constitucionalidade são coisas diversas, porque, enquanto a primeira se traduz na simples falta de correlação do ato infraconstitucional com o texto constitucional, a segunda diz respeito ao modo pelo qual essa incompatibilidade pode ser extirpada do ordenamento. A inconstitucionalidade pode ocorrer de forma deliberada ou acidental, mas o controle somente pode ocorrer de forma deliberada, por provocação de legitimados. A primeira continuará existindo se não houver qualquer manifestação em contrário. Na inconstitucionalidade, viola-se o princípio da supremacia constitucional, que o controle visa a restabelecer. (JEVEAUX, 2015, p.211).

A distinção se faz necessária porquanto a ideia de controle de Constitucionalidade emanou em um sistema sem previsão legal. Conforme Geovany Cardoso Jeveaux (2015, p.211): “Essas notas distintivas são importantes porque o controle de constitucionalidade surgiu em um ambiente de falta de previsão expressa daquela competência, mais precisamente no famoso julgamento do caso Marbury v. Madison, de 1803”.

O controle de constitucionalidade de atos normativos não tem origem num ato único, mas resulta de um processo histórico desenvolvido ao longo de séculos.

Segundo o mesmo autor (2015, p.211), “as raízes históricas do controle retroagem à época anterior, no século XVII (1608 a 1610), ainda na Inglaterra, quando sir Edward Coke almejou limitar os poderes do Rei e a supremacia do parlamento em favor do common law.”

A ideia de supremacia de uma determinada lei sobre um dado corpo de leis existia em sistemas jurídicos antigos. Conforme ressalta André Ramos Tavares (2014, p.49), “há muito se atribuem às leis alguns valores (‘pesos’) diferenciados, no sentido de que parte delas sobressaia e tenha primazia sobre as demais”.

No entanto, é majoritário na doutrina que a ideia de controle de constitucionalidade está ligada à supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico e, outrossim, à rigidez constitucional e principalmente à proteção de direitos fundamentais.

A premissa justificante do poder de controle de constitucionalidade tem seus alicerces sólidos:

a) Na existência de escalonamento normativo, ou na ideia de uma norma-origem, pressupostos necessários para o princípio da supremacia constitucional, pois, ocupando a Constituição a hierarquia do sistema normativo, é nela que o legislador

encontrará a forma de elaboração legislativa e o seu conteúdo. (MORAES, 2011, p.524-525).

b) Em Constituições classificadas pela doutrina de rígidas, pois se verifica a superioridade da norma constitucional em relação àquelas produzidas pelo Poder Legislativo, no exercício da função de produção de normas ordinárias.

c) E, por derradeiro, no presente século, o controle está atrelado ao princípio da dignidade da pessoa humana, revelado na proteção dos direitos humanos e na manutenção das cláusulas pétreas.

d) O controle é exercido a partir do texto constitucional (sistema constitucional) e nos limites do texto constitucional (hermenêutica constitucional).

Para André Ramos Tavares (2014, p.294), “a inconstitucionalidade das leis é expressão, em seu sentido mais lato, designativa da incompatibilidade entre atos ou fatos jurídicos e a Constituição”. Segundo o jurista, “a inconstitucionalidade é um fenômeno atrelado à estrutura hierárquica do sistema jurídico, verificada na relação entre a Lei Maior e as demais leis existentes dentro de um sistema, na medida em que estas não se curvem aos padrões previamente estabelecidos.” (TAVARES, 2014, p.297).

O autor observa ainda (2014, p.298) que na inconstitucionalidade formal são analisados os procedimentos de elaboração das normas e assim, a comparação não será entre duas normas (espécie normativas e Constituição) e sim entre fatos e a Constituição. “É que a obediência às formalidades constitucionalmente impostas só se poderá revelar a partir da análise das condições concretas a partir das quais surgiu a lei inquinada de invalidade”.

Por fim, destaca que “a inconstitucionalidade não pode ser definida, única e exclusivamente, com uma relação que se estabelece entre normas, como, aliás, pretendia Carl Schmitt, em seu La Defesa da la Constitución. A questão fática no sistema de controle deverá ser apreciada”. (TAVARES, 2014, p.298).

Segundo José Joaquim Gomes Canotilho, os modelos de justiça constitucional estão classificados em dois grandes tipos: modelo unitário e modelo de separação. Para o modelo unitário (caso brasileiro), a justiça constitucional permite que todos os tribunais tenham o dever-direito de verificar a constitucionalidade das normas submetidas à decisão. (controle difuso de constitucionalidade). (CANOTILHO, 2003).

Já no modelo de separação, a justiça constitucional é de competência de um Tribunal específico para as denominadas lides constitucionais. Esse modelo está relacionado à ideia de

que as decisões de demandas jurídico-constitucionais representariam a função jurisdicional em sentido material. (CANOTILHO, 2003).

Além dessa classificação, o controle poderá ser exercido politicamente ou juridicamente. No controle político, denominado sistema francês, o controle de constitucionalidade de atos normativos é feito por órgãos políticos (por exemplo, assembleias). A existência de um sistema político é efeito direto da Revolução Francesa e da desconfiança gerada em relação à magistratura que estava atrelada ao Antigo Regime. Importante destacar que o político impede o controle do Poder Judiciário sobre o Poder Executivo.

Lembra Clèmerson Merlin Clève:

A França sempre experimentou uma concepção peculiar do princípio da separação dos poderes. Após a revolução de 1789, tratou-se, para os franceses, de praticar uma concepção radical do referido princípio. Daí não poderia o Judiciário interferir nos negócios do Executivo. Os abusos e ilegalidades da Administração seriam coibidos por um órgão extrajudiciário, o Conselho de Estado, assim como os abusos e ilegalidades do Judiciário seriam censurados pela Corte de Cassação. Não desenvolveu o modelo constitucional francês uma concepção menos rígida da separação dos poderes como a praticada pelos americanos, que admitiam interferências recíprocas entre Poderes do Estado para o fim de assegurar a mecânica dos checks and balances. (CLÉVE, 2000, p.59).

Somente com a Constituição de 1958 o país adotou um sistema semelhante ao das Cortes Constitucionais, a denominada Conseil Constitutionnel, embora o Conselho Constitucional seja dotado de caráter marcadamente político, não exercendo uma função constitucional. (CLÈVE, 2000).

As decisões do Conselho Constitucional francês não estão sujeitas a recursos e são impositivas ao Poder Legislativo, Poder Executivo e aos juízes. E a função do Conselho não é anular a lei, mas declarar sua não conformidade com a Constituição (PALU, 2001). Trata-se de uma atuação jurisdicional ou política do controle de constitucionalidade? Conforme argumenta Oswaldo Luiz Palu (2001):

A discussão na França parece ser se o Conselho é uma jurisdição ou controle institucional. Jurisdição seria, para Philippe Ardant, a atividade de um órgão que julga de modo contraditório, com independência e imparcialidade e cujas decisões são revestidas de coisa julgada. Há opiniões em contrário, pois as primeiras nomeações para o Conselho causaram estupefação por serem mera recompensa de fidelidades políticas, e o procedimento é largamente secreto e em sua origem, na Constituição, pareceu ser mais um órgão de proteção do Executivo frente ao Legislativo. (PALU, 2001, p.111).

Mauro Capellettti (apud PALU, 2001) entende o sistema francês limitado e rudimentar. Já os Estados Unidos adotaram a doutrina que atribui a todos os juízes a

possibilidade de controlar a legitimidade das leis, negando, inclusive, no caso concreto, a aplicação àquelas que ferissem a common law (CLÈVE, 2000):

O núcleo do modelo americano de fiscalização de constitucionalidade reside, pois, no fato de que qualquer juiz chamado a “decidir” em caso em que seja relevante uma norma legislativa ordinária contrastante com a norma constitucional, deve não aplicar a primeira, ao invés, a segunda. A funcionalidade do modelo, todavia repousa no princípio do stare decisis, na força vinculante das decisões judiciais. Por força desse princípio, no momento em que a Suprema Court decide a respeito de qualquer questão constitucional, sua decisão é vinculante para todos os demais órgãos judiciais. Basta isso para que a decisão, envolvendo um caso concreto, acabe por adquirir eficácia erga omnes. Não é por outra razão que, uma vez desaplicada pela Corte Suprema por inconstitucional, “uma lei americana, embora permanecendo

on the books, é tornada a dead law, uma lei morta”. (CLÈVE, 2000, p.66).

Em relação, ainda, ao sistema francês, importante elencar que a partir da reforma constitucional de julho de 2008, a França passou a adotar um sistema repressivo de controle de constitucionalidade.

No modelo austríaco predomina o controle de constitucionalidade concentrado, sistema, este, influenciado pela teoria de Hans Kelsen. Inclusive o próprio sistema de constitucionalidade concentrado é também conhecido como sistema austríaco, previsto na Constituição da Áustria de 1920.

Hans Kelsen defendeu a ideia da criação de um órgão específico para verificar a compatibilidade da confecção das normas com a Constituição. E a Constituição da Áustria criou, em 1920, a Corte Constitucional. (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2012).

No esquema proposto por Hans Kelsen, a decisão de inconstitucionalidade não teria efeitos retroativos, ou seja, a Corte Constitucional, ao decidir, retiraria a norma ou espécie normativa do sistema jurídico com eficácia ex nunc. (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2012).

Com a reforma austríaca de 1929 foi conferida à Corte Suprema e à Corte Administrativa o poder de requerer à Corte Constitucional o exame da constitucionalidade. Relevante frisar que a reforma manteve os demais juízes afastados do controle da constitucionalidade e submetidos ao princípio da supremacia da lei.

Já o modelo alemão desenvolveu-se entre embates e debates ao longo da história. Em 1926 a Alemanha tentou, sem êxito, aprovar um projeto de lei para estabelecer o controle concreto de constitucionalidade. Diante da falta de unidade e imperando a incerteza jurídica em relação ao controle concreto de constitucionalidade, o controle abstrato ganhou relevância jurídica e política e iniciou-se um debate, na década de 1930, sobre quem deveria ser o guardião da Constituição. Esse debate é a base da construção para a presente tese: o

pensamento de Carl Schmitt e a argumentação de Hans Kelsen, ambos em análise neste trabalho.

No documento Luis Antonio Rossi.pdf (páginas 40-45)