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O controle de constitucionalidade na Lei da Ficha Limpa

No documento Luis Antonio Rossi.pdf (páginas 51-55)

CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DA FICHA LIMPA

2.8 O controle de constitucionalidade na Lei da Ficha Limpa

É importante salientar que com a Lei Complementar nº135/2010 ocorreu uma alteração significativa na Lei das Inelegibilidades. O Tribunal Superior Eleitoral foi consultado (consulta 1120.26.2010.6.00.000/DF) e, em resposta, a Corte Eleitoral decidiu a aplicação da nova legislação já para o pleito de 2010. Como se tratava de matéria constitucional, a lide chegou ao Supremo Tribunal Federal em âmbito de controle de constitucionalidade.

Ao analisar o artigo 16 da Constituição Federal de 1988, Celso Bastos (2010) apontou:

[...] A preocupação fundamental consiste em que a lei eleitoral deve respeitar o mais possível a igualdade entre os diversos partidos, estabelecendo regras equânimes, que não tenham por objetivo favorecer nem prejudicar qualquer candidato ou partido. Se a lei for aprovada já dentro do contexto de um pleito, com uma configuração mais ou menos delineada, é quase inevitável que ela será atraída no sentido dos diversos interesses em jogo, nessa altura já articulados em candidaturas e coligações. A lei eleitoral deixa de ser aquele conjunto de regras isentas, a partir das quais os diversos candidatos articularão as suas campanhas, mas passa ela mesma a se transformar num elemento de batalha eleitoral. (BASTOS, 2010, p.597).

Importante destacar que o artigo 16 da Constituição Federal de 1988 foi alterado pela Emenda Constitucional nº04, de 14 de setembro de 1993, passando a incluir o princípio da anualidade: “Artigo16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.

Alexandre de Moraes (2007, p.564), ao tratar do artigo16, explica: “A legislação que alterar o processo eleitoral, por expressa disposição constitucional, não poderá ser aplicada ao pleito eleitoral que ocorrer até um ano da data de sua vigência”.

No julgamento da Medida Cautelar da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº353, cujo relator foi o ministro Celso de Mello, em 05 de setembro de 1990 – antes da Emenda Constitucional nº04, de 1993 – que tinha como objeto a Lei Complementar Federal nº64, de 1990 (Lei de Inelegibilidades), consta na ementa do acórdão do Supremo Tribunal Federal:

A norma inscrita no artigo 16 da Carta Federal, consubstanciadora do princípio da anterioridade da lei eleitoral, foi enunciada pelo constituinte com o declarado propósito de impedir a deformação do processo eleitoral mediante alterações casuisticamente nele introduzidas, aptas a romperem a igualdade de participação dos que nele atuem como protagonistas principais: as agremiações partidárias e os próprios candidatos.

No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº3.345 – cujo relator foi o ministro Celso de Mello, em 25 de agosto de 2005, e que tinha como objeto a Resolução nº21.702, de 2004, do Tribunal Superior Eleitoral (que definiu os critérios a serem observados, pelas Câmaras Municipais, na fixação do respectivo número de vereadores) – consta na ementa do acórdão do Supremo Tribunal Federal:

PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ANTERIORIDADE ELEITORAL: SIGNIFICADO DA LOCUÇÃO ‘PROCESSO ELEITORAL’ (CF, ARTIGO 16). A norma consubstanciada no artigo 16 da Constituição da República, que consagra o postulado da anterioridade eleitoral (cujo precípuo destinatário é o Poder Legislativo), vincula-se, em seu sentido teleológico, à finalidade ético-jurídica de obstar a deformação do processo eleitoral mediante modificações que, casuisticamente introduzidas pelo Parlamento, culminem por romper a necessária igualdade de participação dos que nele atuam como protagonistas relevantes (partidos políticos e candidatos), vulnerando-lhes com inovações abruptamente estabelecidas, a garantia básica de igual competitividade que deve sempre prevalecer nas disputas eleitorais. Precedentes.

O processo eleitoral, que constitui sucessão ordenada de atos e estágios causalmente vinculados entre si, supõe, em função dos objetivos que lhe são inerentes, a sua integral submissão a uma disciplina jurídica que, ao discriminar os momentos que o compõem, indica as fases em que ele se desenvolve: (a) fase pré-eleitoral, que, iniciando-se com a realização das convenções partidárias e a escolha de candidaturas, estende-se até a propaganda eleitoral respectiva (sic); (b) fase eleitoral propriamente dita, que compreende o início, a realização e o encerramento da votação e (c)fase (sic) pós-eleitoral, que principia com a apuração e contagem de

votos e termina com a diplomação dos candidatos eleitos, bem assim dos seus respectivos suplentes. Magistério da doutrina. (SILVA; COSTA)13. (grifos nossos). No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº3.685, relatora ministra Ellen Gracie, em 22 de março de 2006, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu a observância do artigo 16, inclusive pelas Emendas Constitucionais (EC nº52, de 2006):

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 2º DA EC 52, DE 08.03.06. APLICAÇÃO IMEDIATA DA NOVA REGRA SOBRE COLIGAÇÕES PARTIDÁRIAS ELEITORAIS, INTRODUZIDA NO TEXTO DO ARTIGO 17, §1º, DA CF. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DA LEI ELEITORAL (CF, ARTIGO 16) E ÀS GARANTIAS INDIVIDUAIS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (CF, ARTIGO 5º, CAPUT, E LIV). LIMITES MATERIAIS À ATIVIDADE DO LEGISLADOR CONSTITUINTE REFORMADOR. ARTS.60, §4º, IV, E 5º, §2º, DA CF.

1. Preliminar quanto à deficiência na fundamentação do pedido formulado afastada, tendo em vista a sucinta porém suficiente demonstração da tese de violação constitucional na inicial deduzida em juízo.

2. A inovação trazida pela EC 52/06 conferiu status constitucional à matéria até então integralmente regulamentada por legislação ordinária federal, provocando, assim, a perda da validade de qualquer restrição à plena autonomia das coligações partidárias no plano federal, estadual, distrital e municipal.

3. Todavia, a utilização da nova regra às eleições gerais que se realizarão a menos de sete meses colide com o princípio da anterioridade eleitoral, disposto no artigo 16 da CF, que busca evitar a utilização abusiva ou casuística do processo legislativo como instrumento de manipulação e de deformação do processo eleitoral (ADI nº354, rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 12.02.93).

4. Enquanto o artigo 150, III, b, da CF encerra garantia individual do contribuinte (ADI nº939, rel. Min. Sydney Sanches, DJ 18.03.94), o artigo 16 representa garantia individual do cidadão-eleitor, detentor originário do poder exercido pelos representantes eleitos e ‘a quem assiste o direito de receber, do Estado, o necessário grau de segurança e de certeza jurídicas contra alterações abruptas das regras inerentes à disputa eleitoral’. (ADI nº3.345, rel. Min. Celso de Mello).

5. Além de o referido princípio conter, em si mesmo, elementos que o caracterizam como uma garantia fundamental oponível até mesmo à atividade do legislador constituinte derivado, nos termos dos arts.5º, §2º, e 60, §4º, IV, a burla ao que contido no artigo 16 ainda afronta os direitos individuais da segurança jurídica (CF, artigo 5º, caput) e do devido processo legal (CF, artigo 5º, LIV).

6. A modificação no texto do artigo 16 pela EC 4/93 em nada alterou seu conteúdo principiológico fundamental. Tratou-se de mero aperfeiçoamento técnico levado a efeito para facilitar a regulamentação do processo eleitoral.

7. Pedido que se julga procedente para dar interpretação conforme no sentido de que a inovação trazida no artigo 1º da EC 52/06 somente seja aplicada após decorrido um ano da data de sua vigência. (grifos nossos).

Em divergência, o Min. Dias Toffoli proveu os recursos, exclusivamente no que se refere à afronta ao artigo 16 da CF. De início, assinalou que embaraços ao direito à

elegibilidade deveriam ser compreendidos sob perspectiva histórica, especialmente quando razões de natureza moral poderiam ser invocadas para fins de exclusão política de segmentos incômodos ao regime. Em seguida, afirmou que o princípio da anterioridade das leis eleitorais não distinguiria as espécies de leis nem o conteúdo dos seus dispositivos, sendo, pois, genérico, direto e explícito. Asseverou que a jurisprudência da Corte inclui o artigo 16 da CF no rol de garantias individuais da segurança jurídica e do devido processo legal, e que tal postulado seria dirigido ao cidadão-eleitor. Consignou, ademais, que o dispositivo constitucional visaria evitar a quebra da previsibilidade das condições subjetivo-políticas dos candidatos e que, relativamente ao desrespeito aos limites temporais desse preceito, o que importaria seria a quebra da anterioridade e não o período no ano em que ela ocorrera, dado que a diferença estaria apenas no grau de intensidade do prejuízo.

No Informativo do STF nº60114, o trecho abaixo integrou o texto “Lei da ‘Ficha Limpa’: inelegibilidade e renúncia”, item 11:

Os Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso seguiram a divergência, mas proveram os recursos extraordinários em maior extensão por também considerarem que a situação advinda com a renúncia do primeiro recorrente ao cargo de parlamentar – devidamente constituída segundo a legislação da época – não poderia ser alcançada pela LC 135/2010. Em seguida, ante o empate na votação, deliberou-se sobre a solução a ser dada para a proclamação do resultado do julgamento. Afastou-se proposta segundo a qual se deveria aguardar a indicação de novo Ministro para compor a Corte, bem como a de se convocar Ministro do STJ. Citaram-se, também, dispositivos do Regimento Interno do Supremo, o artigo 97 da CF e a Súmula Vinculante 10. Tendo em conta não se ter chegado, no caso, a um consenso quanto ao dispositivo que se aplicaria em face da vacância, o julgamento foi suspenso [RISTF: ‘Artigo 13. São atribuições do Presidente: [...] IX – proferir voto de qualidade nas decisões do Plenário, para as quais o Regimento Interno não preveja solução diversa, quando o empate na votação decorra de ausência de Ministro em virtude de: a) impedimento ou suspeição; b) vaga ou licença médica superior a 30 (trinta) dias, quando seja urgente a matéria e não se possa convocar o Ministro licenciado. Artigo 146. Havendo, por ausência ou falta de um Ministro, nos termos do artigo 13, IX, empate na votação de matéria cuja solução dependa de maioria absoluta, considerar-se-á julgada a questão proclamando-se a solução contrária à pretendida ou à proposta. Parágrafo único. No julgamento de ‘habeas corpus’ e de recursos de ‘habeas corpus’ proclamar-se-á, na hipótese de empate, a decisão mais favorável ao paciente. [...] Artigo 173. Efetuado o julgamento, com o quorum do artigo 143, parágrafo único, proclamar-se-á a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade do preceito ou do ato impugnados, se num ou noutro sentido se tiverem manifestado seis Ministros. Parágrafo único. Se não for alcançada a maioria necessária à declaração de inconstitucionalidade, estando licenciados ou ausentes Ministros em número que possa influir no julgamento, este será suspenso a fim de aguardar-se o comparecimento dos Ministros ausentes, até que se atinja o quorum’].

Diante disso, o poder de controle de constitucionalidade no caso da Lei da Ficha Limpa foi deliberado a partir de uma perspectiva normativa ou política? Houve intervenção externa no sistema? Sob o ponto de vista normativo, violou cláusula pétrea da Constituição? Sob o ponto de vista zetético, tolheu o direito de liberdade de escolha? Sob o ponto de vista

14BRASILIA. Informativo do STF. Publicação de 20 a 24 set.2010, n.601. Disponível em:

sociológico, deteve eficácia plena ou meramente ideológica? São essas algumas questões fundamentais relacionadas ao objeto de investigação desta tese, as quais pretendemos discorrer ao longo deste texto.

2.9 O Supremo Tribunal Federal: guardião da Constituição no julgamento da Lei da

No documento Luis Antonio Rossi.pdf (páginas 51-55)