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Open A rua como espaço para morar: observações sobre a apropriação dos espaços públicos pelos moradores de rua da cidade de João PessoaPB

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Academic year: 2018

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CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

MARIA DO ROSÁRIO DE LIMA OLIVEIRA

A RUA COMO ESPAÇO PARA MORAR: observações sobre

a apropriação dos espaços públicos pelos moradores de rua da

cidade de João Pessoa-PB.

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MARIA DO ROSÁRIO DE LIMA OLIVEIRA

A RUA COMO ESPAÇO PARA MORAR: observações sobre

a apropriação dos espaços públicos pelos moradores de rua da

cidade de João Pessoa-PB.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, do Centro de Ciência Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba –

UFPB, em cumprimento às exigências para obtenção do título de Mestre em Serviço Social.

ORIENTADORA: Profª Drª MARIA DE FÁTIMA MELO DO NASCIMENTO

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O48r Oliveira, Maria do Rosário de Lima.

A rua como espaço para morar: observações sobre a apropriação dos espaços públicos pelos moradores de rua da cidade de João Pessoa-PB / Maria do Rosário de Lima Oliveira.- João Pessoa, 2011.

113f.

Orientadora: Maria de Fátima Melo do Nascimento Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCHLA

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“ao Mestre...com carinho!”

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para sempre! E é dessa forma que me sinto, como alguém que foi marcada por pessoas que torceram, vibraram, sofreram e se alegraram comigo nessa trajetória.

Primeiramente, como não reconhecer e agradecer Àquele que me deu gratuitamente a vida, a capacidade de amar e a do saber. A Deus, Amigo Essencial, sem O qual não seria possível dar passo algum, nem reconhecer a presença de todos os outros que foram sinais da Tua Presença sempre Fiel!

Aos meus pais, que fizeram questão, com seu trabalho e sacrifício diários, deixar de herança a educação, que ninguém poderia me tirar. Em especial, a presença terna de minha mãe, que no seu silêncio, no seu cuidado constante não deixou de estar ao meu lado. Ao meu pai, as valiosas dicas sobre ‘como dissertar’, e a torcida até o fim foram muito importantes.

À minha querida irmã, que mesmo longe, esteve tão perto com seu carinho, seu apoio, suas palavras de incentivo constante, que me ajudavam a insistir!

Aos meus irmãos da Comunidade Católica Shalom, que me apoiaram de todas as formas, através das orações, auxílios, palavras de incentivo e conforto. Em especial, aos irmãos de João Pessoa, que me acolheram de uma maneira inesquecível. Vocês marcaram minha vida.

À Patrícia, amiga dos tempos da graduação, sempre presente, e que me animou a investir nesse caminho...muito obrigada!

À Enne...foi sua ida para Natal, vindo de Teresina para fazer o Mestrado, que me despertou para também investir na carreira/vocação de Mestre.

A Juan...muito obrigada amigo, você abriu as portas da cidade de João Pessoa para mim. Obrigada por seu cuidado, seu apoio. Obrigada por me impulsionar a ir além.

Aos amigos (e afilhados) Leandro e Priscylla, pela presença constante. Por tantos incentivos! Muitas vezes, ao lembrar do quanto vocês queriam me ver feliz é que ganhei forças para prosseguir.

À Waldete...amiga, você muitas vezes me recolocou na direção, torceu muito para que eu chegasse ao fim. Seu olhar de quem acreditou foi muito importante!

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ingressei nessa jornada, e me pôs de pé novamente.

A Flavio Júnior, que vai também enfrentar essa longa e rica caminhada...no momento em que eu já me via sem rumo, suas palavras de firmeza me devolveram a direção.

Aos demais amigos, que estão felizes comigo, que estão no coração!

À instituição filantrópica “Comunidade Filhos da Misericórdia”, que me acolheu de forma generosa, através de seus membros, e me deu a oportunidade de chegar mais perto daqueles a quem eu desejava tanto ver de perto. Desejo que continuem a se empenhar nesta jornada que é exigente, mas que se torna tão necessária diante da realidade degradante sob a qual se encontram cidadãos, se encontram pessoas!

Aos colegas do Supermestrado, turma maravilhosa, que nunca tive igual! Mesmo não estando por perto, mas pude receber muito do carinho e compreensão de vocês, povo guerreiro e feliz! Em especial à Ana Martins, que tanto me ajudou, e foi exemplo de disciplina e amor aos estudos.

Aos professores que durante o Mestrado tiveram uma atenção muito especial pela turma 2009.1, contribuindo não só com os conteúdos ministrados, mas com o incentivo constante, fazendo também de cada encontro uma verdadeira mesa de reflexão e “abertura do olhar” diante daquilo que cada um de nós pretendíamos pesquisar.

E de maneira muito especial quero agradecer, e reconhecer a presença fundamental da minha professora e orientadora Fátima Melo. Tenha a certeza de que nada disso seria possível se você não acreditasse em mim. Muito obrigada pela paciência, pelas boas risadas, pelos inúmeros momentos em que ouvi seu incentivo, seu alerta de ‘Não desista! Continue!’, por ir junto comigo até o fim. Muito mais do que me ensinar a fazer uma Pesquisa, você me ensinou o que é ser Mestre: é olhar para o aluno por inteiro; é extrair aquilo que o aluno traz de melhor dentro de si, é fazê-lo acreditar nele mesmo. Não esquecerei dessa profunda experiência que tive nesse tempo com a sua presença.

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nós.

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“O cara que catava papelão pediu

Um pingado quente, em maus lençóis, nem voz.

Nem terno, nem tampouco ternura.

À margem de toda rua, sem identificação, sei não!

Um homem de pedra, de pó, de pé no chão. De pé na cova, sem vocação, sem convicção... À margem de toda candura

(...)

Homem de pedra, de pó, de pé no chão.

Não habita, se habitua”

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João Pessoa-PB, a fim de identificar a presença dessa população nos espaços públicos da cidade. Na formação dos centros urbanos, os espaços públicos são locais de passagem da sociedade, que está em constante movimento. Porém, há uma parcela da população que busca se adaptar a um modo de viver nesse espaço, após sofrer rompimentos em de todos os seus vínculos: assim é a trajetória dos moradores de rua nas cidades brasileiras. Tal realidade é também encontrada na cidade de João Pessoa-PB, local da presente pesquisa. A necessidade de identificar o morador de rua como aquele que se apropria do espaço público para viver é o que norteia a metodologia utilizada - a da pesquisa etnográfica. Para a aplicação desta, porém, foi feito um percurso para se ter acesso ao sujeito, o qual não se distinguia facilmente em meio àqueles que se apropriam do espaço público apenas enquanto desenvolvem atividades para o sustento. O acompanhamento da rotina de uma instituição filantrópica que atua junto aos moradores de rua da cidade de João Pessoa-PB foi o ponto norteador desse acesso, o qual culminou em observações e escuta de relatos, os quais também são expostos neste trabalho. Com isso, foi possível identificar o morador de rua e conhecer o seu modo de viver, que não se trata apenas de se adaptar ao espaço público - mesmo sob rejeição do restante da sociedade - mas de uma maneira, mesmo que silenciosa, gritar pelo seu direito à dignidade, inerente a todo ser humano.

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This study deals with the results of observations of the homeless city of João Pessoa, in order to identify the presence of this population in the city's public spaces. In the formation of urban centers, public spaces are places of passage of society which is constantly moving. But there is a segment of the population seeking to adapt to a way of living in that space, after suffering disruptions in all its bonds: so is the trajectory of the homeless in cities. This reality is also found in the city of João Pessoa, place preparation of this research. Identify the homeless as one that appropriates public space to live is what guides the methodology used - the ethnographic research. For this application, however, was made a route to gain access to the subject, which is not easily distinguished among those who appropriate public space just as they develop activities for sustenance. The routine monitoring of a charity that works with the homeless in the city of João Pessoa was the guiding point of access, which culminated in observations and listening to stories, which are also presented in this paper. Thus, it was possible to identify the homeless and know your way of living, which is not just to adapt to public space - even in rejection of the rest of society - but in a way, even if silent, screaming for her right to dignity inherent in every human being.

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MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e combate à Fome IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

CAPS- Centro de Apoio Psicossocial PIB- Produto Interno Bruto

ONGs – Organizações Não-Governamentais

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INTRODUÇÃO – A rua como espaço para morar 14 1 CAPÍTULO 1 - A FORMAÇÃO DAS CIDADES: HISTÓRICO E

ATUALIDADE

25

1.1 A cidade: definição e suas primeiras formações 25 1.1.1 A estruturação das cidades a partir do capitalismo: a industrialização acelera a urbanização

29

1.1.2 A urbanização a partir do século XX 34 1.2 A urbanização no Brasil: aspectos históricos e contemporâneos 37

2 CAPÍTULO 2 – ESPAÇO PÚBLICO, A RUA E SEUS MORADORES 41

2.1 O conceito de espaço público 41

2.2 A cidade capitalista e o espaço público 47

2.3 Concepções sobre o uso da rua 49

2.4 Sobre o morador de rua 55

2.4.1 Breve resgate histórico sobre a existência do morador de rua 55 2.4.2 Quem é o morador de rua: caracterização 61 2.4.3 Relação entre espaço público e morador de rua nas cidades brasileiras 68 2.5 A resposta à apropriação dos moradores de rua dos espaços públicos:

Governo e a sociedade civil

73

3CAPÍTULO 3 - MORADORES DE RUA DA CIDADE DE JOÃO PESSOA

77

3.1 Urbanização da cidade de João Pessoa-PB: histórico e atualidade 77 3.2 As marcas de hoje: a cidade de João Pessoa-PB e a presença dos

moradores de rua

82

4 CAPÍTULO 4 - O PERCURSO PARA A REALIZAÇÃO DE UMA PESQUISA JUNTO AOS MORADORES DE RUA DA CIDADE DE JOÃO PESSOA-PB.

86

4.1Primeiro passo: encontrar o sujeito 88

4.2O acesso ao sujeito 94

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4.5 Encontro com a realidade: relato de moradores de rua da cidade de João Pessoa-PB

98

4.5.1Pedro: o jovem que encontrou nas ruas seu “esconderijo” 99 4.5.2João: o andarilho que carrega sonhos (e pesadelos) 101 4.5.3Tiago: vida consumida pelas drogas, rua como espaço para

sobreviver

102

CONCLUSÃO 105

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INTRODUÇÃO

Expressar as consequências da inquietação por um fato: eis aí uma breve interpretação do que se denomina pesquisa. Na verdade, traduz-se esse termo a partir daquilo que nos envolve, que passa notadamente pelos sentidos, pelo olhar, pela imaginação; desenvolvem-se as experiências vividas e marcadas no tempo, o desejo de ver de perto aquilo que ainda está longe, as dores de uma indignação ou a suspeita de uma nova descoberta. Pensa-se a pesquisa também com a finalidade da constatação de um fato ou como algo necessário para comprovar enunciados, afirmações. Enfim, é tarefa importante para contemplar o que se encontra velado dos olhares superficiais, desatentos, desinteressados. Não é à toa que um dos grandes teóricos acerca da pesquisa social no Brasil afirma que esta “[...] é a atividade científica pela qual descobrimos a realidade” (DEMO, 1987, p.23).

Desse modo é que se pode entender a pesquisa: como um minucioso trabalho do desvendar. Aquele que se dedica a esse trabalho é como o simples, mas corajoso pescador, que com alguns poucos instrumentos, entra a desbravar o misterioso mar: sabe o que quer encontrar, porém também sabe com o que pode se deparar e, mesmo assim, não teme em mergulhar nesta aventura surpreendente. O homem que se destina à pesca não navega no mar de qualquer maneira, sem objetivo; se for assim, não passa de mais um que “passeia” pelas águas. O pescador deseja extrair aquilo que não está à vista e que nem sabe ao certo onde se encontra, mas está ali escondido; e assim, enfrentando as intempéries, os ventos, chuvas, fortes ondas e até mesmo a fúria de outros animais, o pescador não volta a terra enquanto não trouxer os peixes, que lhe servirão de alimento, de lucro e de ânimo para as próximas pescarias.

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torna-se, em cada pesquisa concretizada, um ousado que se apropria da realidade a qual se modifica a cada dia, lentamente e na rapidez de cada instante.

No desejo de responder a inquietações que antes pareciam um mistério, buscou-se obbuscou-servar mais de perto um dos quadros que compõe o cenário das cidades brasileiras: a presença dos moradores de rua nos espaço públicos. Verifica-se a existência desse fato desde a formação das primeiras sociedades no mundo e também no Brasil. Porém, a presença de pessoas que têm a rua como seu local de moradia se confunde com a realidade do uso desse espaço, por uma quantidade cada vez maior de pessoas – a partir do contexto de subemprego enfrentado no país – para a criação de estratégias de sobrevivência. Foi nesse sentido que surgiram os questionamentos, a partir da observação do contexto da rua e daqueles que estão diariamente nela: em meio a tantas pessoas que estão pelas ruas, quem é o morador de rua? Todas as pessoas que estão nas ruas buscando obter alguma renda são também moradoras desse local? Como identificar aquele que faz da rua o seu lugar de moradia? Assim, tornou-se ainda mais necessária a busca pela identificação do morador de rua nos espaços da sociedade, procurando nisso detectar se há aspectos que os diferenciam dos demais indivíduos que se encontram nesse espaço e quais seriam esses aspectos. E que espaços são esses ocupados pelos moradores de rua? Tal questionamento leva a procurar conhecer melhor o local onde o morador de rua está presente: os pontos que compõem os espaços públicos das cidades. E como se dá essa relação entre o morador de rua e o espaço por ele ocupado? Tal questão levanta outras acerca da adaptação do homem à rua – ou vice-versa, conforme a maneira como se dá essa relação.

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portanto, como indivíduos que retratam as desigualdades sociais existentes, através de sua vivência, de maneira precária, no espaço das ruas das cidades.

A rua, na verdade, parece ser um lugar que traz a cada instante uma novidade, uma nova impressão, um universo de sensações dentro de seu movimento de tantos vai e vens. Só em fazer um breve passeio, podem-se encontrar tantos que transitam, gente que carrega histórias, planos, preocupações, mas estão apenas passando e deixando um pouco de seu trabalho, de seu consumo, de seus problemas a serem resolvidos naqueles traçados que formam as ruas e calçadas. Muitos também passam pelas ruas para encontrar amigos ou parentes no bairro mais adiante ou correm contra o tempo antes que a loja encerre o expediente. Pedestres ou motoristas, ao circularem no espaço que é a rua, dão a sensação de que a cidade está viva, em movimento.

Portanto, pensar no espaço da rua significa associá-lo a um local construído propriamente para a circulação, para a transitoriedade das pessoas; as suas avenidas, calçadas e praças são pontos por onde todos passam, seja a passeio, seja na correria do dia a dia, a trabalho. Como pedestres ou como motoristas, diversas vidas se entrecruzam por esses contornos que vão formando o espaço urbano. A rua é assim: não há nenhuma distinção sobre quem deve ou não circular por ela. É o acesso livre para todos. Por isso mesmo considera-se que a rua seja o local de ninguém, pois ninguém é “dono” dela, ainda que haja uma tentativa de controle da ordem social por parte dos setores públicos (os quais, aliás, tornam-se responsáveis por sua administração e manutenção). Logo, não há uma necessidade de identificação de alguém que seja o proprietário desse local; não se ouve falar de alguém que diga: “essa rua é minha”, ou “essa rua foi decorada de acordo com o perfil de fulano”. A rua, assim, não pertence nem a mim e nem a outro; e também não se pretende ter posse desse local e identificá-lo como sendo seu. Mas ao mesmo tempo, é o local em que todos têm o direito de circular, de permanecer o tempo que quiser nele e usufruir de tudo o que ele oferece. Na rua encontramos tudo o que não pode ser oferecido no âmbito privado: as tarefas, as conversas, os produtos, os prazeres, mesmo que sejam temporários. Mas não é um espaço exclusivamente meu; é acessível a todos.

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a visão de que essa não se constitui apenas como um local de passagem, mas de obsessão dos automóveis; também é o lugar do encontro e o acesso para que as pessoas se encontrem em outros lugares, os quais também animam o próprio espaço da rua. Enfim, esse é o lugar onde “efetua-se o movimento, a mistura, sem os quais não há vida urbana (...)” (LEFEBVRE, 1999, p.27). Em outro momento, o autor revela os discursos “contra a rua”, os quais afirmam que os encontros existentes entre as pessoas nesse espaço são considerados como superficiais, onde apenas “se caminha lado a lado”, não se conhece ninguém; trata-se de um lugar onde não se formam círculos sociais, mas apenas se concentra um amontoado de gente. A rua também é o lugar onde se desenvolve “o mundo da mercadoria” (LEFEBVRE, 1999, p.30).

Em outra concepção acerca do tema da rua, esse é visto como o local onde se percebem as diferenças sociais, na medida em que, na transitoriedade das pessoas por esse local, concretiza-se a espacialidade social existente (CARLOS, 2007, p.51). A rua também é vista, de acordo com outra análise, como um espaço que está em contraste dinâmico com o espaço “da casa”: é a zona de individualização, da luta, onde cada um deve zelar por si; é, em suma, “um local perigoso” (DAMATTA, 1997, p.57). É visto também, conforme o autor, como um espaço que pode ser ocupado por pessoas que passam a viver “como se estivessem em casa” (idem, p.55).

Percebe-se, em meio às discussões acima mencionadas, que a rua não deve ser considerada de imediato como um lugar exclusivo, onde se possa dar as formas e cores que deseja; onde seja possível se esconder de todos, ter o seu descanso e também guardar seus planos e anseios. Cada um tem a necessidade de ter uma referência, uma segurança, que se expressam através na necessidade de se ter um lugar. Embora não seja esse o único aspecto de determinação sobre uma pessoa, ter posse sobre algo parece dar autoridade àquele que o possui. E ter uma família, laços afetivos, ter um trabalho e ter o seu local, por pior estado em que se encontre, confere um grau de propriedade sobre essas determinadas realidades. E dar feições específicas ao espaço onde se vive, sofre e se alegra, o faz traçar a sua história, é aquilo que a rua não pode oferecer, ou pelo menos não existe fundamentalmente para isso.

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organização e vivências compartilhadas naquele espaço. Até mesmo quando se pensa em atender a necessidades imediatas (comer, dormir, tomar banho, etc.), é exatamente o refúgio seguro, o local de referência para satisfazer a tudo isso, onde se permitirá ser visto, ser revelado, porém, de uma forma privada, sem a necessidade de que todos sejam conhecedores de tais necessidades.

E o que dizer, pois, daqueles que não estão mais em locais permanentes ou mesmo nunca viveram dessa forma – perderam suas residências, família, trabalho, etc. – e passam a morar nos espaços ditos públicos? Sim, a rua, nos seus mistérios, traz essa interação entre referência e não-referência vivida por milhares de pessoas no mundo e também nas capitais brasileiras. Essa necessidade de apropriação faz com que o homem, mesmo sofrendo as ausências daquilo que se obtém somente no âmbito privado, procure se adaptar de tal modo àquele local que o tornará, mesmo que precariamente, um espaço para viver. Seja embaixo de árvores ou nas esquinas de ruas, nos bancos das praças, um olhar atencioso pode conferir tais adaptações. Por vezes, não há a construção de um local cercado de paredes, mas uma sacola com alguns objetos, um colchonete ou papelão, peças de roupa, garrafas, panelas, os quais vão demarcando aquele espaço, onde só “habita” o proprietário desses objetos: o morador de rua. Pode ser a mesma praça todos os dias ou uma praça da cidade a cada momento – não importa; o espaço da rua “oferece diferentes possibilidades que são exploradas criativamente por seus moradores” (VIEIRA, BEZERRA e ROSA, 1992, p.96).

Diante de tal problemática, pretende-se conferir de maneira mais detalhada a apropriação da rua feita por aqueles que se encontram na condição de morador nesse espaço, que não buscam apenas garantir dinheiro e comida, como tantos outros indivíduos que se encontram diariamente nesse local com tal objetivo. O morador de rua parece, dessa forma, desenvolver também outros hábitos nos diversos espaços existentes na cidade, utilizando-os para responder às suas principais necessidades.

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instante por toda a sociedade; por isso mesmo são chamados de vagabundos1, ordinários, pois suas vidas acenam ainda o atraso em que se encontram por sua precariedade. Porém, à medida que o tempo passa, aumenta para o morador de rua a incerteza de que conseguirá sair dessa situação e, por isso mesmo, sai em busca, diariamente, daquilo ou daqueles que podem ajudar a fazer menos indigna a sua permanência em um local que, a princípio, não foi projetado para tal.

Ao iniciar a pesquisa sobre os moradores de rua na cidade de João Pessoa-PB, o objetivo era o de investigar as formas de sobrevivência buscadas diariamente pelos moradores de rua na cidade. As primeiras observações, a busca de informações e dados gerais começaram a descortinar uma série de atividades existentes no espaço das ruas, quais sejam: a catação de papel, venda de comidas, jornais, materiais para carro, prostituição e a atividade de camelô, até oferecimento de serviços, como limpeza de pára-brisa, vigilância de carro, atividades circenses, além, é claro, da atividade da mendicância nos sinais, esquinas e calçadas, entre diversas outras. Porém, tais descobertas também revelaram que grande parte dessa população está nas ruas apenas enquanto realiza tais atividades – tidas como informais – para a sua sobrevivência, visto que o mercado formal de trabalho não amplia as oportunidades de emprego. Mas isso não quer dizer que os moradores de rua não estejam incluídos em pelo menos algumas dessas atividades. Por isso é que se tornou necessário inferir quem seria o morador de rua, tendo como referência não apenas o fato de exercerem atividades nas ruas para a sobrevivência, mas buscar outros aspectos que caracterizem esse público e os distingam dos demais personagens que circulam nesse espaço.

O próprio termo “morador de rua”, utilizado por diversos estudiosos, indica a condição do grupo o qual vive a realidade da presença nas ruas. Também são aplicados os termos “população de rua”ou “população em situação de rua” como forma de buscar ampliar o conceito e estudos acerca dessa população, no sentido de frisar o caráter transitório com o qual deveria ser vivenciada tal situação. Define-se como população em situação de rua um determinado segmento populacional heterogêneo, mas que possui em comum a condição de pobreza extrema, a busca pela sobrevivência nas ruas, a fragilização ou rompimento dos vínculos sociais e a ausência de uma residência

1 Uma alusão ao conceito marxiano sobre o lumpenproletariado, utilizado no período de industrialização

no século XVIII, o qual atribuía a definição de “homem-trapo” àqueles que não trabalhavam na produção

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regular, de modo que passa a ocupar os logradouros públicos das cidades, de forma permanente ou provisória (SILVA, 2009, p.29; BRASIL, 2006, p.24).

Porém, para termos deste estudo, pareceu mais conveniente utilizar o termo “morador de rua” como forma de enfatizar a atual condição desse segmento, qual seja: a de estar morando na rua e de que essa é uma realidade presente não apenas a partir de um determinado período da história, mas durante toda a história da sociedade, independente do sistema econômico ou político vigente. Uma ideia central sobre o termo “morador de rua” retrata-o como “um segmento social que, sem trabalho e sem casa, utiliza a rua como espaço de sobrevivência e moradia” (VIEIRA, BEZERRA e ROSA, 1992, p.47), onde “ocorre um reorganizar, um reinventar do espaço público e comum, tornando-o sala/quarto/oficina” (idem, p.103). Tal definição traz a caracterização do morador de rua já mencionada acerca da população em situação de rua, mas que enfatiza a forma de apropriação do espaço público como moradia, estabelecendo algum tipo de ligação entre o indivíduo e o espaço, sobre o qual ele procura se adaptar para sobreviver. Contudo, não se pretende trazer nesse termo uma ideia naturalizada da presença de pessoas que têm o espaço das ruas como o seu local de moradia, nem mesmo determinar que essa seja uma condição da qual não se deve buscar meios de sair dela. É um termo utilizado apenas como forma de distinguir determinado público, o qual perdeu ou se fragilizou em suas referências, destacando a utilização da rua como seu principal ou único local para viver.

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economicamente ativa (entre 26 e 35 anos, segundo a média utilizada pela pesquisa) é a que se constitui como maioria dentre a população de rua (BRASIL, 2009, p.85).

A partir dos conceitos referidos, tornou-se ainda maior a necessidade de aproximação da realidade da moradia de rua em João Pessoa-PB, com fins de chegar a tais constatações no âmbito local. Além do mais, as pesquisas sobre o tema incitavam a precisão em detalhes sobre tal fato, aparentemente “invisível”, mas existente também na capital da Paraíba.

Para tanto, seria necessário observar mais de perto essa dinâmica e trazê-la para a pauta das discussões, em seu teor concreto. Não seria necessário, com isso, modificar ou parar o dia a dia daqueles que moram nas ruas nem mesmo invadi-lo; mas entrar silenciosamente em sua rotina, como o pescador silencioso trabalha em busca de um cardume. Era preciso sair agora do olhar superficial para enxergar mais de perto os moradores de rua em seus hábitos, os objetos utilizados, a forma de conseguir comida, de dormir, da formação de seus vínculos sociais, enfim, o modo como conhecem o espaço do qual fazem parte e perceber a forma como, através dessas atitudes, tomam posse do espaço da rua, no espaço urbano permeado de conflitos.

A ideia de participar de alguma forma dessa dinâmica da vida do morador de rua de João Pessoa-PB encontrou na pesquisa etnográfica o embasamento necessário para ser efetivada. Esse método de pesquisa propõe a descrição do modo de viver – a partir de aproximações sucessivas – de um povo, de uma cultura, em suas atividades diárias, em suas ações imperceptíveis até mesmo para eles, mas que os identificam, pois que não se encontram em nenhum outro povo. Trazer esse método de pesquisa para perceber o modo de viver do homem da rua abre as portas para conhecer um modo de viver na rua o qual nenhuma outra pessoa vive, porque apenas passa por esse local. Além disso, na pesquisa de cunho etnográfico, o centro é o sujeito – é ele quem terá o papel principal na pesquisa, que dá significado ao que se é pesquisado. No estudo em questão, pretende-se revelar o morador de rua, o qual, atingido por contingências em sua vida, não a perde por inteiro no espaço em que se encontra agora (embora não tivesse outras possibilidades de escolha de locais para sua permanência) e age nesse espaço, de modo a criar suas estratégias próprias para permanecer.

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constante no meio a ser pesquisado, encontrar os caminhos necessários para observar melhor o sujeito, aproximar-se com mais precisão daquilo que deseja observar. Isso se dá pelo fato de que “[...] a maior preocupação da etnografia é obter uma descrição densa, a mais completa possível, sobre o que um grupo particular de pessoas faz e o significado das perspectivas imediatas que eles têm do que eles fazem” (MATTOS, 2001, p.03).

Como parte do relato da pesquisa, considerou-se necessário antes retratar o caminho percorrido para haver as primeiras aproximações aos moradores de rua, pois o que se julgava ser uma porta simples e acessível, visto que as pessoas que moram na rua aparentemente estão mais expostas, era na verdade um obstáculo a ser superado – o acesso aos moradores de rua. Acreditava-se inicialmente na possibilidade de uma aproximação imediata, sem a necessidade de algo para intermediar esse processo. Porém, a partir do momento em que começaram as observações e a ideia de aproximação, havia um temor em sofrer algum tipo de violência, como assalto ou agressão física, e um cuidado em lidar com a desconfiança deles, pois poderiam pensar que a pesquisa se tratava de busca de informações com o objetivo de prejudicá-los. Foi possível, dessa forma, a constatação de dois fatos: primeiro, a necessidade de eliminar conceitos que impedissem a aproximação aos moradores de rua; e, segundo, que mesmo com a abolição desses conceitos, parecia inviável fazer as abordagens sem o auxílio de algo, como uma instituição, por exemplo, pelo fato de que essa já poderia facilitar a detecção dos sujeitos da pesquisa, sem o risco de abordar pessoas que não se tratam de moradores de rua, e assim, demandar tempo e correr o risco de não encontrar aqueles que de fato interessariam às presentes discussões. Além do mais, o acesso ao morador de rua a partir de uma instituição pode servir como alternativa viável para os demais pesquisadores que desejem aprofundar outros aspectos referentes à temática estudada.

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acompanhamento das atividades de uma instituição filantrópica que atua todas as noites com esse segmento populacional. Todo esse percurso e observações se deram em um período de 10 (dez) meses.

Acerca da duração desse período, é importante enfatizar aquilo que é uma das características das pesquisas etnográficas, que é a extensão de seu período de observação, com vistas a retratar a realidade a qual se propôs a observar, “[...] de forma que este seja o mais representativo possível do significado que as próprias pessoas pesquisadas dariam a mesma ação, evento ou situação interpretada” (MATTOS, 2001, p.2). Porém, ao se esgotarem as possibilidades observadas, no sentido se verificarem agora fenômenos repetitivos no meio observado, ou mesmo ao se chegar ao limite de aprofundamento das observações e aproximações, o pesquisador pode então deixar aquele ambiente agora livre de suas interferências presenciais, ainda que silenciosas, do meio dos sujeitos observados. Tal aspecto vivenciado durante a pesquisa considerou suficiente esse período de tempo para os fins a serem atingidos com a mesma.

No primeiro capítulo, busca-se caracterizar o contexto sobre o qual os moradores de rua se encontram – a cidade –, narrando o histórico de sua formação e de estruturação de seus espaços, além de descrever a vida urbana na atualidade, na realidade mundial e nacional.

No segundo capítulo, aborda-se de maneira mais específica o espaço público, a partir da acepção do que seja visto como espaço, baseada nos estudos da Geografia e no que seja considerado como público, com as reflexões sobre seu aspecto histórico e sua dinâmica na contemporaneidade. Também se busca caracterizar o espaço da rua, num debate sobre os usos desse espaço, a partir dos estudos da Geografia, Sociologia e Antropologia. Nessa parte também se encontram alguns estudos que trazem a definição e perfil do morador de rua e sua relação com o espaço público das cidades brasileiras.

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da trajetória de vida dessas pessoas e na descrição do modo como vivem pelas ruas da capital paraibana.

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1 CAPÍTULO 1 - A FORMAÇÃO DAS CIDADES: HISTÓRICO E ATUALIDADE

Como palco privilegiado da ocupação da sociedade no espaço, a cidade é vista e vivida como o local do progresso, do desenvolvimento, da reprodução material e social. É onde se estabelecem as relações entre os indivíduos. Na cidade se traça a história, constroem-se modos de viver. O homem, assim, é quem faz a cidade acontecer; é ele quem a torna dinâmica; e na arquitetura com a qual desenha o corpo desse espaço, estabelece os lugares das relações com o ambiente, com o outro desconhecido e com o outro íntimo. Assim, o próprio homem determina a forma de ocupação que deve ser feita pelo homem, nos diversos espaços que vão compor e caracterizar a cidade.

A partir da concepção de que “[...] a paisagem urbana e a cidade nos abrem a perspectiva de entendermos o urbano, a sociedade e a dimensão social e histórica do espaço urbano” (CARLOS, 2005, p.23), cabe buscar compreender os aspectos que envolveram a formação das cidades e o modo de sua organização, desde sua origem até a atualidade. A cidade, tal qual se encontra hoje, é definida a partir de condições que serão brevemente expostas neste capítulo.

1.1 A cidade: definição e suas primeiras formações

Para se examinar o processo de formação das primeiras cidades, é importante tecer algumas considerações acerca das primeiras aglomerações sociais, essas como primeira forma de organização do homem no espaço.

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como o local da extração direta de recursos para a subsistência da sociedade; é o espaço próprio da produção autossuficiente, isto é, sua produção pode manter aqueles que o habitam com os recursos que extraem.

O aglomerado social passa a crescer nessas áreas, tornando-se também necessária uma organização maior em relação à atuação dos seus membros nesse espaço. É no campo que se começa a denominar as autoridades religiosas e/ou políticas como responsáveis também pela organização administrativa (sobretudo pelo ordenamento da distribuição dos recursos produzidos) e social. Inicialmente, tais autoridades estarão instaladas nas partes centrais das aglomerações.

Mais tarde, porém, a necessidade da existência de centros autônomos é o que assinalaria o surgimento das primeiras urbes, ou cidades. A cidade, enquanto abriga “[...] uma população relativamente grande, habitando compactamente num pequeno território” (SINGER, 1990, p.137), é o espaço de apropriação e distribuição daquilo que é produzido no espaço campesinal. O início de seu funcionamento se dá quando existe a possibilidade de as autoridades se dedicarem exclusivamente às suas tarefas, concentrando-se em áreas distantes do campo, mas sendo subsidiadas constantemente pelo que for produzido por este. Nisso se verifica também o início da dinâmica da divisão de classes, na medida em que há aqueles dedicados à produção e aqueles que exercem a dominação. Por isso se afirma que as primeiras cidades são “[...] via de regra, a sede do poder e, portanto da classe dominante” (SINGER, 1990, p.12). Isso significa que seu desenvolvimento se dá numa perspectiva política, como local próprio do exercício das relações de poder.

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“[...] a cidade é o modo de organização espacial que permite à classe dominante maximizar a transformação do excedente alimentar, não diretamente consumido por ele, em poder militar, e este em dominação política” (SINGER, 1990, p.15). A existência de um poder centralizado é, dessa forma, condição importante para a sua formação.

As sociedades desse período de formações das urbes se constituíam basicamente entre as classes altas, como as autoridades políticas e eclesiásticas, os militares e a população em geral, dominada pelas primeiras. Nos impérios formados através do sistema de dominações, era comum o regime escravocrata ser utilizado como a maneira de expressar tal domínio, no sentido de que uma cidade, ao conquistar um território, também tinha domínio sobre a população e, portanto, o poder total sobre tudo aquilo que era produzido.

Tais características enquadram-se naquilo que se define como urbanização, a qual é composta por:

1) um sistema de classes sociais; 2) um sistema político que assegure o funcionamento do conjunto social e a dominação de uma classe; 3) um sistema institucional de inversão com particular referência à cultura e à técnica; 4) um sistema de intercâmbio com o exterior (CASTELLS, 1985, p.19).

Diante do exposto, é possível discorrer acerca do surgimento das primeiras cidades na história da humanidade. De acordo com estudos que tratam desse tema, verifica-se o início dessa formação no período da Antiguidade, por volta do ano de 3.500 a.C., pela região da Mesopotâmia; as cidades tinham em comum, além da localização estratégica, uma organização dominante, de caráter teocrático (o líder como rei e chefe espiritual), que se localizava no centro da cidade. Tal disposição na estruturação “[...] servia tanto para facilitar o intercâmbio das ideias (que permitiam o exercício da dominação sobre as outras classes sociais), como para elas ficarem menos expostas aos ataques externos [...]” (SPOSITO, 2005, p.21). As urbes da Antiguidade, dessa forma, já se configuravam como tais, pois contavam com a organização político-administrativa e técnica, conforme já explicitado.

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mercadorias pela região e ainda recolhia tributos como forma de manter o poder político central, proporcionando o “[...] desenvolvimento de um aparato burocrático-administrativo” (SPOSITO, 2005, p.22-23). A formação desse império “[...] talvez tenha sido a mais ampla economia urbana pré-industrial que jamais existiu” (SINGER, 1990, p.20), devido à amplitude de sua dominação e organização político-administrativa, além da capacidade de manter uma divisão técnica do trabalho de forma tão eficaz para aquele período. Ao especializar as atividades produtivas das regiões conquistadas, tornava-as interdependentes, o que intensificava a unificação política dos demais territórios a Roma. Verifica-se na dinâmica social o funcionamento do modo de produção baseado na fabricação de mercadorias por artesãos, ao mesmo tempo em que funcionava a economia escravagista. Na organização social de Roma havia também aqueles que não eram considerados como cidadãos e, portanto, não tinham direitos políticos na região. Os chamados estrangeiros são identificados como aqueles que perambulavam pelas ruas da cidade.

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A estruturação das aldeias medievais se dava, fisicamente, pela forma arredondada e cercada por muralhas; em seu centro havia um núcleo onde se concentravam as atividades comerciais e religiosas, as chamadas praças abertas (idem, p.29). Tal formato, na verdade, era um reflexo do fato de que, no período da Idade Média, não havia o caráter urbano, pois que o meio rural voltava a ser base das relações sociais e de produção.

Porém, um novo movimento se verifica no campo, a partir do século XIII, ainda no período Medieval: durante os séculos seguintes, mudanças no contexto social e econômico na Europa, como “[...] a libertação de certas cidades do domínio feudal, a fuga dos servos para estas cidades, o estabelecimento das ligas de cidades comerciais e o surgimento de uma nova classe de comerciantes e banqueiros [...]” (SPOSITO, 2005, p.23), tornaram evidente o início da recomposição da economia urbana e a emersão de um novo modo de produção, o capitalismo. A legitimação desse novo sistema é que irá configurar com maior intensidade a divisão do trabalho nos centros urbanos; também irá prescrever as demais modificações nas relações sociais e no desenvolvimento econômico, conforme se verá a seguir.

1.1.1 A estruturação das cidades a partir do capitalismo: a industrialização acelera a urbanização

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de suas condições objetivas de exercer as atividades. De acordo com essa lógica, os meios de produção deveriam ser adquiridos essencialmente pela burguesia, a qual teria o controle sobre todo o processo de produção, enquanto os outros segmentos da sociedade participariam desse processo, realizando a própria produção.

Assim, a burguesia comercial, de acordo com o autor, começa a se desenvolver a partir do excedente da produção artesanal. Porém, há um conflito de interesses, pois os manufatureiros tendiam a monopolizar o ensinamento de suas técnicas de produção, e isso gerava um entrave para a expansão dos capitais que os burgueses esperavam. Entretanto, com a liberalização da mão de obra do campo, através da comercialização dos produtos nesse setor, aumentava o número de pessoas disponíveis para as manufaturas; essas vão se especializar na fabricação de produtos em larga escala. Não era necessário qualificação nem dispor de instrumentos para trabalho, pois esses eram fornecidos pelos investidores ou “fabricantes”. Tem-se aí o pontapé para a especialização do que seria conhecida mais tarde como a indústria.

Reconhece-se, a partir desse contexto, a formação daquilo que é concebido como luta de classes, no que diz respeito à redefinição dos papéis de seus integrantes e suas relações dentro da dinâmica da cidade. Essa redefinição se dá, segundo Singer, a partir da utilização da produção como algo instituído de valor de troca: aqueles que atuavam como produtores do campo são trazidos para a cidade e dão novo vigor à produção nesse local; porém, não são proprietários de suas condições de produção e vendem sua força de trabalho para aqueles que são dominantes dos meios produtivos. Dessa forma é que aqueles que possuem os meios de produção são capazes de transformar o produto das atividades em riqueza, pois comercializam a mão de obra com pagamentos mínimos pelas suas atividades, exigem a produção constante de produtos e, consequentemente, começam a ter ganhos em larga escala.

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a partir do uso capital vivo (força de trabalho – produtor) e do capital constante (máquinas). Assim, afirma-se que “[...] o resultado desse processo – a moderna unidade de produção, a fábrica – é necessariamente um fenômeno urbano” (idem, p.24), já que esse se dá também com a aglomeração da população nas cidades e aumenta essa aglomeração com a constante saída das pessoas das atividades de extração direta que se dão no campo.

Até mesmo o campo sofreu os impactos da industrialização, pois passou a ser um local de atividades especializadas, perdendo sua força no que diz respeito à autonomia para subsistência. O camponês passou a ser também um consumidor dos produtos industriais, enquanto os donos das indústrias ganhavam novas demandas de seus produtos. O autor Singer ainda afirma que “[...] a cidade ficou sendo o lugar no qual se concentra não apenas o excedente alimentar produzido no campo, mas toda produção agrícola a qual é comercializada, transformada industrialmente e, em parte, redistribuída ao campo a partir da cidade”. (SINGER, 1990, p.27). Isto é, do aspecto complementar, o qual se encontrava nas suas primeiras formações, a cidade passou a ser o ponto essencial de toda a reprodução social. A reprodução agrícola, nesse sentido, não ficou relegada à extinção, mas foi reorientada em sua função, com o uso de recursos que aumentavam cada vez mais sua produção (apesar de essa reorientação ter causado também o desemprego da massa ainda existente nesses locais). A cidade também se transforma no local de produção de produtos, mas não a partir da extração, como no campo, e sim da transformação de bens primários, vindos deste. A criação ou transformação de bens primários em objetos, seja para uso ou para troca, é fundamental para a constituição da economia que faz parte da dinâmica das cidades.

Em relação ao aspecto político nesse novo modo de produção, afirma-se que

Em contraste com a cidade comercial, que impunha ao campo o seu domínio político, para explorá-lo mediante uma intricada rede de monopólios, a cidade industrial se impõe graças a sua superioridade produtiva. A burguesia industrial toma o poder na cidade em nome do liberalismo e varre para fora do cenário a competição das formas arcaicas de exploração. O capital comercial perde seus privilégios monopolísticos e acaba se subordinando ao capital industrial, reduzido ao papel de mero intermediário. (SINGER, 1990, p.25)

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centralizado na figura do Rei), e a supremacia do parlamento à monarquia. Esse novo sistema político favorecia o ideal liberal, o qual preconizava a expansão das ações que fortaleciam o mercado capitalista industrial. Dessa maneira, a cidade tem papel fundamental no que diz respeito a ser vista como um espaço apropriado para a expansão do capitalismo moderno, abarcando também todas as consequências desse modo de produção nas relações econômicas, políticas e sociais. Os avanços e crises da dinâmica da cidade podem ser analisados como produtos dos ciclos de expansão e crise do capitalismo. O processo de acumulação de capital, portanto, é que será o eixo de estruturação das cidades.

A sociedade também se reorganizava mediante as transformações ocorridas com a chamada Revolução Industrial – fenômeno que caracterizou a indústria como símbolo da consolidação das relações baseadas no capitalismo de cunho industrial, a partir do século XVIII. O próprio espaço da cidade também se adaptava a essa nova dinâmica, já que a concentração da população em larga escala nas cidades acelerava o fenômeno da urbanização, atraía a instalação da indústria, e esta concentrava um maior número de pessoas nos centros urbanos. A organização social nas cidades, portanto, tem como reflexo a organização espacial.

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dessa população (sistema de transporte). A centralização do capital, de acordo com Karl Marx (MARX, 1996, p.286), trazia tal realidade, em que o progresso da riqueza, provinda da circulação do capital, promovia uma modernização dos centros urbanos, com a criação de bancos, lojas, demolição de prédios antigos e alargamento de ruas para a passagem dos meios de transporte luxuosos. Os pobres, por sua vez, eram desalojados e expulsos para locais piores e concentrados com a população miserável que aumentava cada vez mais, devido à expansão do fluxo de capital e da especulação imobiliária. Somava-se a essa situação o agravamento de doenças que se espalhavam nos aglomerados pobres e que eram temidas até pela burguesia – e, em relação a isso, a criação de leis e o controle sanitário passaram a ser correntes no processo de expansão das cidades.

Verifica-se que tais condições de moradia se complementavam pelas precárias condições de trabalho impostas à chamada classe operária, as quais ultrapassavam os limites humanos, com jornadas exaustivas de até 16 horas; o trabalho envolvia, inclusive, a participação de mulheres e crianças, em vista da produção em larga escala. Ao mesmo tempo, a população se via obrigada a aceitar tal situação de exploração, visto que o trabalho assalariado tornou-se condição de sobrevivência nas cidades, no modo de produção capitalista. Dessa maneira, o espaço urbano tornava-se também o espaço de conflito entre classes, as quais objetivavam, no caso dos trabalhadores, a concessão de benefícios mínimos para sobrevivência ou obtenção de privilégios para aumentar seus lucros, no caso dos proprietários dos meios de produção. As ações governamentais, nesse sentido, davam-se em caráter de intermediação desses conflitos, muito embora agissem conforme os interesses da burguesia, subsidiando-a economicamente.

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novos contornos em suas demarcações (como a expansão das ruas, ampliação do número e formato dos prédios e construção de locais públicos – as praças – e do redesenho das grandes residências). A chegada da energia elétrica para uso doméstico, já no final do século XIX, deu novo brilho e vivacidade aos contornos da cidade que, cada vez mais, tornava-se um local atrativo, por conter nela tudo aquilo que significava o progresso da humanidade. Fazer parte desse progresso, ter condições de acessar tais benefícios era a forma de se fazer parte da cidade.

1.1.2 A urbanizaçãoa partir do século XX

Durante o século XX, de maneira particular, tais avanços ocorreram de forma acelerada, com o aprimoramento e consumo mais expressivo de produtos (como os veículos automotores, por exemplo) e do avanço na produção, agora realizada em série, a partir do sistema conhecido como fordismo. Esse sistema visava difundir uma produção em massa para que o consumo também assim o fosse, e de fato chegou a sê-lo, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, nos chamados “anos de ouro” no capitalismo. O fordismo não somente modificou a estratégia de produção de automóveis, mas de todas as grandes produções industriais; enfatizou a necessidade de o operário não precisar ter qualificação para exercer as atividades. Trouxe também para o âmbito das relações sociais a cultura de massificação do consumo, de modo que as pessoas que pouco ganhavam com o trabalho operário, ao adquirirem os diversos produtos expostos para consumo, colocavam novamente o dinheiro nas mãos dos investidores do capital.

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limites e especificam seus acessos dentro delas; fragmentam-se em diversos espaços, com a presença de vários segmentos sociais, culturais. As indústrias vão sendo acrescidas dos sistemas financeiros que funcionam para movimentar a economia; ao mesmo tempo, porém, continuam crescendo as disparidades sociais, as revoltas populares e contestações até mesmo por parte de segmentos jovens, que ganham destaque em várias partes do mundo, os quais delatam os malefícios sociais, fruto do avanço de interesses privados.

O mundo foi palco, no cenário do século passado, em meio à busca por uma sociedade dita igualitária – com a tentativa frustrada da difusão do comunismo nos países – da definição dos centros de poder. Nesses locais, através de suas metrópoles, foi se constituindo uma soberania financeira, política, social que atualizou o esquema de dominação, sob o capitalismo, de umas nações sobre outras. Nas últimas décadas é possível contemplar uma realidade mundial ausente de fronteiras – no acesso a todos os países de toda a novidade tecnológica, informacional, de acesso a serviços – na chamada globalização. O mundo é denominado, dessa forma, como “aldeia global”, onde todos, de certa forma, compartilham dos mesmos avanços, onde as sociedades se diferenciam apenas pela localização geográfica, mas se tornam iguais em termos de necessidades de bens e serviços. Há uma “socialização da sociedade” (LEFEBVRE, 2001, p.91), ressaltando, conforme o autor, o aspecto “reformista” dessa socialização, no sentido de que tais avanços se dão em vista da manutenção do sistema vigente e à custa de uma maior exploração e segregação da sociedade, a partir do que se pode consumir.

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o número de pessoas que não dispõem de recursos até mesmo para sobreviver nas cidades. Não há alternativas concretas, e, assim,

O resultado desse processo tem sido o agravamento da exploração e das desigualdades sociais dela indissociáveis, o crescimento de enormes segmentos populacionais excluídos do ‘círculo de

civilização’, isto é, dos mercados, uma vez que não conseguem

transformar suas necessidades sociais em demandas monetárias. As

alternativas que se lhes restam, na ótica oficial, são a ‘violência e a solidariedade’. (IAMAMOTO, 2010, p.123)

Dessa forma, presencia-se um verdadeiro caos nas relações sociais na urbanidade, as quais são baseadas de maneira evidente, conforme a autora, na “banalização do humano” (idem p.125), em meio à denominação que a autora resgata de Marx como “era do capital fetiche” – o sistema capitalista que favorece a circulação do capital através do mercado financeiro, dos grandes negócios realizados por parte das instituições e empresas multinacionais, a partir dos créditos, empréstimos e juros na “relação do dinheiro consigo mesmo” (IAMAMOTO, 2010, p.125). Nesse contexto de circulação do capital, a “descartabilidade e indiferença perante o outro” são as bases das relações sociais que, de acordo com a autora, “[...] se materializa na naturalização das desigualdades sociais e na submissão das necessidades humanas ao poder das coisas sociais – do capital dinheiro e de seu fetiche” (idem, p.125). E ainda, a indiferença quanto à situação socioeconômica de um número crescente de homens e mulheres tem levado ao aumento da situação de pauperização desses nas cidades do mundo; é certo, portanto, que esse quadro expõe o movimento de degradação do ser humano que está por trás do que se considera como avanço ou amadurecimento das relações no chamado capitalismo maduro.

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privação e pobreza, onde “[...] o desenvolvimento econômico é descaracterizado e bloqueado nos problemas sociais graves que gera, mais do que legitimado nos benefícios socialmente exíguos que cria e distribui” (MARTINS, 2002, p.13). A fragmentação do homem na contemporaneidade revela, portanto, além da dificuldade mais evidente da inserção dele no mercado de trabalho, o fato de que, para grande parte da população, permanecer na cidade não se dá por uma necessidade apenas de usufruir ou apropriar-se daquilo que ela contém, mas daquilo que ela pode oferecer para garantir palmo a palmo a sobrevivência.

1.2 A urbanização no Brasil: aspectos históricos e contemporâneos

Tomando-se o conceito abordado até aqui acerca da formação das cidades, pode-se considerar que o Brasil foi, desde sua formação inicial e durante séculos, um país considerado originário do campo. Isso tanto por sua economia se dar a partir da extração direta e cultivo de produtos da natureza, quanto por sua população, que se encontrava nos espaços agrários, desenvolvendo atividades nesse meio. Infere-se que durante o período colonial (que vai até o século XVIII), “[...] toda a nossa história é a história de um povo agrícola, é a história de uma sociedade de lavradores e pastores. É no campo que se forma a nossa raça e se elaboram as forças íntimas de nossa civilização”. (SANTOS, 2005, p.19). Nesse sentido, as relações sociais também são fundamentadas a partir da vida no campo, com aqueles que dependem das atividades desse meio para sua sobrevivência e, por isso, submetem-se a trabalhos para aqueles que detêm as terras, as propriedades rurais.

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É no período de passagem política do Império para a República, no século XIX, que o Brasil começava a desenvolver seu processo de industrialização, trazendo recursos para implantação das primeiras fábricas nas cidades e, assim, demandava um maior contingente de mão de obra. A concentração populacional começava a se intensificar, com a substituição do regime escravo pelo trabalho livre, no qual era necessária a presença do trabalhador nas cidades. Os escravos que eram libertos, mas não eram aproveitados nas atividades do campo, acabavam migrando para a cidade; porém, muitas vezes não eram incluídos em atividades nesse local e acabavam aglomerando o espaço urbano que se formava. Assim, a presença de pessoas perambulando pelas ruas, em precárias condições de vida, que se encontravam fazendo bicos, mendigando ou mesmo à espera de alguma chance de emprego, já crescia em meio ao desenvolvimento dos centros urbanos no país.

Contudo, mesmo aqueles que eram assalariados não escapavam às limitadas condições de vida. Na verdade, a substituição do trabalho escravo pelo assalariado trouxe relativa mudança nas relações sociais: os trabalhadores não eram mais “posse” dos senhores de engenho – poderiam ter sua casa, sua individualidade, podiam “vender” sua força de trabalho para quem quisessem, por exemplo. Porém, estavam sujeitos às relações de mando daqueles que eram os proprietários dos meios de produção, os quais determinavam também a concentração de bens, de decisões políticas e administrativas, baseadas em interesses pessoais. Dessa maneira, pode-se dizer que, “[...] esta passagem [da economia agrária para a industrial] ocorre sem uma ruptura de modelos, ou seja, o modelo urbano-industrial se constitui como modelo hegemônico sem alterar as estruturas originárias do modelo anterior, mantendo uma estrutura agrária baseada no latifúndio e na concentração de renda [...]” (BOTEGA, 2007, p.65-66).

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consumo do mínimo necessário, além da falta de outros serviços necessários à saúde e bem-estar do trabalhador, faziam parte do cenário urbano brasileiro já nas primeiras décadas do século XX.

A partir dos anos 1940, a industrialização, enquanto “processo social complexo”, (SANTOS, 2005, p.30) assume no país, de fato, o caráter de propulsor do processo de urbanização, na medida em que era necessário o crescimento demográfico, tornando-o integrado ao processo de consumo e de relações. Afirma-se, dessa forma, que “[...] uma urbanização cada vez mais envolvente e mais presente no território dá-se com o crescimento demográfico sustentado das cidades médias e maiores [...]” (idem, p.30). Nessa dinâmica, é cada vez maior e mais rápido o crescimento populacional nas décadas seguintes. Todavia, a ocupação acelerada e desordenada do espaço urbano faz do processo de urbanização no Brasil uma ampliação dos problemas já vivenciados desde o início de seu processo. Não há, portanto, um controle ou busca suficiente de melhoria para todos os habitantes, para organizar a ocupação nos espaços existentes nas cidades. Dessa forma, “[...] a lógica de subordinar a política urbana e habitacional aos interesses da reprodução das relações capitalistas de produção tem orientado a ação do Estado” (BOTEGA, 2007, p.72). Ainda que, nos anos 1970-1980, os planos habitacionais oferecidos pelo Estado tenham sido criados em vista de, entre outras razões, organizar o espaço de moradia da classe trabalhadora, as condições de pagamento das residências oferecidas ainda estavam fora da realidade financeira da grande parte da população que estava à margem da participação na economia brasileira.

Na contemporaneidade, a ocupação do espaço urbano brasileiro pode ser verificada na assertiva de que:

O espaço de uma grande cidade capitalista constitui-se, em um primeiro momento de sua apreensão, no conjunto de diferentes usos da terra justapostos entre si. Tais usos definem áreas, como o centro da cidade, local de concentração de atividades comerciais, de serviços e de gestão; áreas industriais; áreas residenciais distintas em termos de forma e conteúdo social, de lazer e, entre outras, aquelas de reserva para futura expansão. Este complexo conjunto de usos da terra é, em realidade, a organização espacial da cidade ou, simplesmente, o espaço urbano, que aparece assim como espaço fragmentado. (CORRÊA, apud SANTOS, 2008, p.180).

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desenvolvimento do comércio a partir de sua concentração no centro para circulação e consumo mais favoráveis; as áreas residenciais e de lazer são mais afastadas do centro, porém estruturadas de acordo com o nível econômico da população que habita nelas. E ainda, os espaços considerados de circulação e uso público (ruas, calçadas, praças, etc.) facilitam seu usufruto e o acesso de um lugar a outro. O espaço urbano – considerado como espaço fragmentado – possui em sua organização a finalidade econômica, restringindo o acesso de determinados espaços apenas àqueles que possuem condições para “circular” nele. Dessa forma, a condição econômica é o que possibilitará a presença das pessoas nos espaços mais favoráveis existentes nas cidades, produzindo aí também uma segregação socioespacial.

Nesse movimento, faz-se menção à formação das chamadas favelas, não se tratando de um fenômeno recente e se agravando na atualidade. Afirma-se que “[...] é na produção da favela, em terrenos públicos ou privados invadidos, que os grupos sociais excluídos tornam-se, efetivamente, agentes modeladores, produzindo seu próprio espaço [...]” (CORREIA, 1989, p.30). Essa ocupação, que inúmeras vezes se dá em locais considerados inadequados para qualquer construção, como nas encostas, por exemplo, é mais uma forma de buscar sobrevivência no meio urbano. Denota-se, dessa forma, que “[...] a exclusão e uma sociedade concentradora de renda serão as marcas de um processo de urbanização brasileiro, onde os olhos dos investimentos estão voltados somente para o capital imobiliário” (BOTEGA, 2007, p.66).

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2 CAPÍTULO 2 - ESPAÇO PÚBLICO, A RUA E SEUS MORADORES

2.1 O conceito de espaço público

Neste ponto, pretende-se abordar o espaço público, visto como parte integrante da vida urbana, desde sua formação na história e sentidos na atualidade, para, em seguida, destacar o espaço da rua, em seus significados, usos e apropriações por parte da população. Convém, antes de tudo, para uma melhor compreensão da abordagem, desmembrar o termo e estudar aquilo que se entende nas noções de espaço e de público. Para um exame atento sobre aquilo que se define como espaço, é necessário, antes de tudo, considerar a importância de se compreender esse complexo, pois “[...] o espaço é uma produção social. É categoria representável. É categoria de análise científica” (RODRIGUES, 1998, p.75). É uma categoria a ser vista basicamente sob dois aspectos: do ponto de vista do ambiente, em que se define pela “articulação da sociedade com a natureza em todas as esferas e escalas” (idem, p.75); e do ponto de vista da atual divisão territorial do trabalho, visto em escala local, regional e internacional, pois “[...] a organização local da sociedade e do espaço reproduz a ordem internacional” (SANTOS apud RODRIGUES, 1998, p.75 – grifos da autora). A discussão acerca daquilo que é tido como espaço é comum na Geografia, uma vez que essa é uma de suas principais categorias de análise; mas também filósofos buscavam apreender, desde a Antiguidade, tal conceito, como forma de relacioná-lo à compreensão das ações dos indivíduos. A sociologia também faz referência à noção de espaço, na busca de captar a relação existente entre ele e as transformações sociais correntes.

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CUNHA, 2008, p.183). Tais reflexões trazem a ideia de que o homem em movimento é quem contribui para a concepção do espaço. É possível afirmar, inicialmente, que é chamado de espaço o local onde o homem está presente e só é assim percebido a partir dessa presença. Mas também, é preciso considerar a existência de demais objetos com os quais o homem deverá se relacionar, que irão complementar essa noção. Por isso, também é que “[...] o espaço é resultado da ação dos homens sobre o próprio espaço, intermediados pelos objetos naturais e artificiais” (SANTOS, 1988, p.25), sendo os objetos naturais a própria natureza já presente, independente da ação humana, e os objetos artificiais existentes a partir da ação primeira do homem que transforma a natureza. Tal definição amplia o conceito de espaço a partir da ação do homem sobre aquilo que se encontra existente (objetos naturais e artificiais).

Ainda acerca da noção de espaço, considera-se que há uma transformação social dele quando há o relacionamento de vários indivíduos com aquilo que está disposto para tal – daí a inferência a espaço social. E ainda, verifica-se uma constituição das relações sociais que são vivenciadas nesse local transformado. Para complementar essa reflexão, afirma-se ainda que:

Como qualquer realidade social, o espaço não é uma entidade apenas objetiva; sua objetividade é lida (inter) subjetivamente, sua materialidade é dotada de significações específicas para cada indivíduo (subjetividade) mas que são, também, em certa medida, compartilhadas por vários indivíduos (intersubjetividade). Palco material e objetivo das relações sociais, o espaço, contexto da experiência de sujeitos cognoscentes organizados em sociedade, é, em

certa medida, “construído” intersubjetivamente (...) (SOUZA, 2007,

p.22-23).

Por essa razão é que as discussões atuais partem também da noção de espaço como “[...] um conjunto de formas contendo cada qual frações da sociedade em movimento. As formas, pois, têm um papel na realização social” (SANTOS, 1988, p.10). E ainda: “[...] o espaço inclui, pois, essa ‘conexão materialística de um homem com o outro’[...]" (SANTOS, 2006, p.218). Dessa maneira, o espaço se define como o local da relação entre os homens, nessa natureza transformada e para a transformação dela.

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juntamente na relação com a natureza formaria o segundo. Assim, “[...] o espaço social é uma dimensão do espaço geográfico e contém a qualidade da completividade. Por causa dessa qualidade, o espaço social complementa o espaço geográfico” (FERNANDES, 2006, p.4). Dessa forma, é possível atribuir a maneira pela qual são concebidas as relações sociais à classificação do espaço como sendo unitário ou fragmentado, harmonioso ou cercado de conflitos. Essas relações vão, assim, caracterizar o espaço em que elas ocorrem.

Concebe-se, por isso, que o espaço expressa até a própria subjetividade do homem. Ele passa a tomar o espaço como sendo “seu”, dando-lhe uma identidade particular, caracterizando-o. Usa-se agora o nome lugar como forma de denominar tal movimento. Assim, o lugar “[...] se constitui quando atribuímos sentido aos espaços, ou seja, reconhecemos a sua legitimidade para localizar ações, expectativas, esperanças e possibilidades” (CUNHA, 2008, p.184). Também se afirma que a referência a lugar se dá em um conceito “[...] mais elevado: materialidade dotada de significado, parte da experiência humana” (SOUZA, 1997, p.23). Portanto, falar sobre o lugar de alguém é falar das marcas, daquilo que identifica uma pessoa, uma vez que o lugar passa a ser dotado de valores individuais. Argumenta-se, além disso, que

No lugar – um cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas, firmas e instituições – cooperação e conflito são a base da vida em comum. Porque cada qual exerce uma ação própria, a vida social se individualiza; e porque a contiguidade é criadora de comunhão, a política se territorializa, com o confronto entre organização e espontaneidade. O lugar é o quadro de uma referência pragmática ao mundo, do qual lhe vêm solicitações e ordens precisas de ações condicionadas, mas é também o teatro insubstituível das paixões humanas, responsáveis, através da ação comunicativa, pelas mais diversas manifestações da espontaneidade e da criatividade. (SANTOS, 2006, p.218)

Imagem

Tabela 1- Escolaridade dos moradores de rua – Geral (pesquisa entre 2007 e 2008)
Gráfico 1:  Local onde os moradores de rua dormem (%) – Pesquisa entre 2007 e 2008.
Gráfico 2: Locais onde os moradores de rua fazem suas necessidades  (%)  - dados entre 2007 e 2008

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