• Nenhum resultado encontrado

Pedro 14 : o jovem que encontrou nas ruas seu “esconderijo” A visita à instituição que atua com moradores de rua na cidade de João Pessoa-

4 CAPÍTULO O PERCURSO PARA A REALIZAÇÃO DE UMA PESQUISA JUNTO AOS MORADORES DE RUA DA CIDADE DE

4.5 Encontro com a realidade: relato de moradores de rua da cidade de João Pessoa-PB

4.5.1 Pedro 14 : o jovem que encontrou nas ruas seu “esconderijo” A visita à instituição que atua com moradores de rua na cidade de João Pessoa-

PB, no dia da realização das atividades de higienização, tornou-se um momento oportuno para conhecer a história de Pedro, 22 anos. No momento da chegada da equipe, ele e os companheiros estavam dormindo nas proximidades da Praça da Independência, embaixo de um quiosque, enrolados em lençóis e dormindo por cima de colchões. Logo que começou a ser organizado o espaço para fazer o trabalho, os jovens se aproximaram e começaram a conversar bastante à vontade com alguns membros da instituição que já os conheciam. Em seguida, chegou mais um rapaz que deveria fazer parte desse grupo, o qual apresentava sinais visíveis de embriaguez, mas que começou também a conversar com o grupo e logo se ofereceu para seu cabelo ser cortado; o jovem Pedro observava atentamente esse trabalho.

A busca por dar início a uma conversa com esse jovem significou o início de uma aproximação aos moradores de rua que até então eram vistos somente de longe. À pergunta respondida sobre o que estava acontecendo naquele momento sucederam-se conversas sobre diversos outros assuntos.

O jovem, que afirmou ser natural da cidade de Natal-RN foi interpelado sobre o motivo de estar atualmente na cidade de João Pessoa, o que foi explicado pelo seguinte fato: ele morava em Natal com a mãe e, após uma discussão entre ela e um homem, que seria seu vizinho, este teria agredido sua mãe; e então ele, como filho, quis “tomar as

providências” – conforme afirmou – e que, após isso, “deu problema”, “deu confusão”, e ele teve que sair de lá, a ponto de não poder mais voltar para a cidade de origem. Em uma tentativa de saber com mais detalhes do motivo pelo qual não poderia voltar, Pedro afirmou que não poderia falar sobre isso, para “não se comprometer” - a situação deve ter chegado a se tornar uma ocorrência policial. Apesar do medo sentido naquele momento, deu-se continuidade à conversa.

O jovem afirmou estar morando em João Pessoa há dois anos e que dormia frequentemente com o grupo o qual foi abordado nesse dia, sendo “todos parceiros”, segundo ele, e que preferia ficar naquele local a ter que se instalar nas imediações da Lagoa – Parque Solon de Lucena –, pois, segundo ele, lá as pessoas usavam entorpecentes (cola de sapateiro e tirna), e ele afirma não ser dependente químico, mas admitiu que bebia e fumava. Ao ser perguntado sobre como fazia para sobreviver nas ruas, afirmou que tinha um ponto fixo onde exercia a atividade de flanelinha, em frente a um restaurante próximo ao local onde o evento estava acontecendo naquela noite. Sobre a rotina para tomar banho (nesse momento já não havia mais o medo, mas a curiosidade, pela abertura dada à conversa), Pedro respondeu que pede uma mangueira às pessoas do posto de gasolina para tomar banho. Ainda acrescentou que o dono de um restaurante próximo dá almoço uma vez por semana.

O jovem ainda contou histórias sobre a sua vida: de que já foi casado e tem uma filha, com 5 anos de idade; estava separado recentemente quando veio para João Pessoa- PB, e relatou inclusive que antes de vir, cedeu para a ex-esposa a loja tipo lan house que tinha, como forma de garantir a pensão alimentícia para a filha, já que não sabia se teria algum tipo de renda fixa. Disse que há alguns meses não faz ligações para a filha (ele afirma que comprava algumas vezes um cartão telefônico), e reconheceu, com pesar, não ter certeza de quando a verá novamente.

Após um momento de silêncio, Pedro mudou de assunto, lembrando sobre o seu gosto pelo esporte de jiu-jitsu – o qual disse já ter praticado quando morava em Natal- RN –, e que conheceu pessoas na sua “vida na rua” que o levaram para ver vídeos sobre o esporte. Questionado se ele já sofreu alguma abordagem policial, ele informou que o local onde fica é tranquilo, que não havia presença frequente de policiais. Porém, disse já ter havido um episódio no qual a polícia estava à procura de pessoas que estariam furtando naquela área, e quando ele estava dormindo, foi abordado por policiais que o

chutaram, e ele “chutou de volta” como reação imediata, mas não houve maiores problemas, e a polícia não o espancou.

Falou também que tem os seus “parceiros” da rua, mas não pode confiar em todos, pois sabe que alguns, pelo fato de usarem drogas, até roubam os outros moradores de rua. Ele falava sobre isso de forma indignada, pois dizia não admitir que isso fosse feito com alguém na mesma situação precária dele. Esse comentário pode ser lido à luz das discussões teóricas sobre a temática da moradia de rua, em que se forma uma rede de solidariedade entre seus moradores, mas que, ao mesmo tempo, essa rede é permeada por aquilo que é característico do espaço público: a individualidade, a desconfiança, pois afinal, são todos estranhos um ao outro.

Questionado ainda sobre o contato com a família, Pedro informou que liga para a mãe algumas vezes, e que ela sabe que ele está em João Pessoa, mas não sabe que ele se encontra em situação de rua. Sobre o fato dele acreditar que um dia sairia da situação da rua, Pedro respondeu que sim, mas demonstrava muito mais ter “se acostumado” com a vida nas ruas, já que de alguma forma tinha sua rotina fixa, tanto para conseguir dinheiro quanto para o uso de seus hábitos privados (dormir, comer, tomar banho, etc.), fato que pode ser derivado da circunstância que o levou às ruas e que o faz não ver outra alternativa a não ser fazer dela o seu esconderijo; ao que parece, sem previsão ou perspectiva de sair dela.