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A REVISTA ATITUDE - Construindo Oportunidades tem por fi nalidade a produção e a divulga-ção do conhecimento nas áreas das ciências aplicadas produzido particularmente pelo seu corpo docente e colaboradores de outras instituições, com vistas a abrir espaço para o intercâmbio de ideias, fomentar a produção científi ca e ampliar a participação acadêmica na comunidade. O Conselho Editorial reserva-se o direito de não aceitar a publicação de matérias que não estejam de acordo com esses objetivos. Os autores são responsáveis pelas matérias assinadas.

É permitida a cópia (transcrição) desde que devidamente mencionada a fonte.

Endereço para permuta: Rua Mal. José Inácio da Silva, 355

Passo D’Areia - Porto Alegre - RS Tel: (51) 3361.6700 www.faculdade.dombosco.net

Porto Alegre, 2010

REVISTA ATITUDE – Construindo Oportunidades

Periódico da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre - Ano IV - Nº 7 - Janeiro a Junho de 2010

Porto Alegre - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre.

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Diretor/Director

Prof. Dr. Pe. Marcos Sandrini - sandrini@dombosco.net Editor/Editor

Prof. Dr. Marco Antonio Fontoura Hansen - mafhansen@gmail.com Comissão Editorial/Editorial Board

Profa. Dra. Aurélia Adriana de Melo - aurelia.faculdade@dombosco.net Prof. Ms. José Nosvitz Pereira de Souza - nosvitz.faculdade@dombosco.net

Prof. Dr. Luís Fernando Fortes Garcia - luis@garcia.pro.br Prof. Ms. Luiz Dal Molin - dalmolin.faculdade@dombosco.net Prof. Dr. Marco Antonio Fontoura Hansen - mafhansen@gmail.com

Comissão Científi ca/Scientifi c Committee Avaliadores ad-hoc/Ad-hoc reviewers Prof. Ms. Aécio Cordeiro Neves (FDB/Porto Alegre, RS) Profa. Dra. Angela Beatrice Dewes Moura (FDB/Porto Alegre, RS)

Prof. Dr. Bachir Hallouche (UNISC/Santa Cruz do Sul, RS) Profa. Ms. Beatriz Stoll Moraes (FDB/Porto Alegre, RS) Pesq. Ms. Camila Cossetin Ferreira (INPE-CRS/Santa Maria, RS)

Prof. Dr. Carlos Garulo (IUS/Roma, Itália)

Prof. Dr. Erneldo Schallenberger (UNIOESTE/Cascavel, PR) Prof. Dr. Fábio José Garcia dos Reis (UNISAL/Lorena, SP) Prof. Dr. Friedrich Wilherm Herms (UERJ/Rio de Janeiro, RJ)

Prof. Dr. Geraldo Lopes Crossetti (FDB/Porto Alegre, RS) Prof. Dr. José Néri da Silveira (FDB/Porto Alegre, RS) Profa. Dra. Letícia da Silva Garcia (FDB/Porto Alegre, RS) Pesq. Dr. Manoel de Araújo Sousa Jr. (INPE-CRS/Santa Maria, RS)

Prof. Dr. Pe. Marcos Sandrini (FDB/Porto Alegre, RS) Profa. Dra. Marisa Tsao (UNILASALLE/Canoas, RS) Prof. Dr. Nelson Luiz Sambaqui Gruber (UFRGS/Porto Alegre, RS) Prof. Dr. Osmar Gustavo Wöhl Coelho (UNISINOS/São Leopoldo, RS)

Pesq. Ms. Silvia Midori Saito (INPE-CRS/Santa Maria, RS) Prof. Dr. Stefano Florissi (UFRGS/Porto Alegre, RS) Pesq. Dra. Tania Maria Sausen (INPE-CRS/Santa Maria, RS)

Profa. Ms. Viviani Lopes Bastos (UCS/Caxias do Sul, RS) Publicação e Organização/Organization and Publication

Revista Atitude - Construindo Oportunidades Rua Mal. José Inácio da Silva, 355 – Porto Alegre – RS – Brasil

CEP: 90.520-280 – Tel.: (51) 3361 6700 – e-mail: revista.faculdade@dombosco.net Produção Gráfi ca/Graphics Production

Arte Brasil Publicidade

R. P. Domingos Giovanini, 165 – Pq. Taquaral – Campinas – SP CEP 13087-310 – Tel: (19) 3242.7922 – Fax: (19) 3242.7077

Revisão:

Cristiane Billis – MTb 26.193

Os artigos e manifestações assinados correspondem, exclusivamente, às opiniões dos respectivos autores.

Dom Bosco de Porto Alegre

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Sumário

Apresentação ... 7 CIÊNCIAS SOCIAIS E APLICADAS ... 9 1. John Rawls: uma análise da antropologia, da sociedade e da justiça ... 11

Adroaldo Junior Vidal Rodrigues

2. Considerações sobre o controle político da administração pelos parlamentos .... 19 Dr. Gustavo Vicente Sander

3. O uso de hipóteses na construção do conhecimento científi co ... 27 Walter Guilherme Hütten Corrêa

4. Infl uência dos elementos linguísticos contextualizadores na compreensão

leitora por acadêmicos de administração ... 33 Maria Cristina dos Santos Martins e Tanise dos Reis

5. O poder de controle nas sociedades anônimas brasileiras... 47 Prof. Dr. Silvio Javier Battello Calderon

6. Repensando a mídia ... 67 Dr. Osvaldo Biz

CIÊNCIAS TECNOLÓGICAS ... 73 1. Uso de telhados verdes no controle quantitativo do escoamento

superfi cial urbano ... 75 Andréa Souza Castro e Joel Avruch Goldenfum

2. Tratamento de chorume de aterro empregando a drenagem ácida

de minas como fonte de ferro para a reação de Fenton ... 83 R.M.S. Fagundes, J.C.S.S. Menezes, I.A.H. Schneider

3. Hidrólise ácida, alcalina e enzimática ... 89 Carlos Atalla Hidalgo Hijazin, Aline Tonial Simões, Diogo Rhoden Silveira

4. Comparativo entre os métodos de custeio por absorção e custeio baseado

em atividade - a importância da escolha do método em uma indústria ... 95 Filipe Martins da Silva, Marco Antônio dos Santos Martins, Frederike Monika Budiner Mette

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Apresentação

A Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre faz parte de um núcleo maior chamado IUS, ou seja, Instituições Salesianas de Educação Superior. Presente nos cinco continentes, seu ob-jetivo é criar redes a partir da missão comum. Não se trata de uma organização, mas de um movimento sinérgico em torno do ideal de Dom Bosco (1815-1888) de acolher e promover as novas gerações.

É dentro deste esforço e desta visão maior que se coloca esta Revista. Ela abre possibilidade a profi ssionais para divulgar suas refl exões e pesquisas. Aqui há intuições de educadores e educandos... Publicada semestralmente com muita fi delidade, mantém uma linha editorial de acolher transdisciplinarmente o que for importante para promover a cidadania dentro de cada uma das áreas de abrangência de sua atuação.

Da área de ciências sociais aplicadas temos seis artigos.

Adroaldo Junior Vidal Rodrigues, jovem professor, aprofunda as concepções de John Rawls numa visão muito crítica sobre suas concepções éticas.

Gustavo Vicente Sander, numa época de consolidação da democracia brasileira, contribui especialmente projetando a atuação do parlamento, no que é e no que deveria ser, para con-trole político da administração. Este estudo é importante, sobretudo nesta época de descrédito do parlamento e dos políticos.

Walter Guilherme Hütten Correa, docente de metodologia científi ca, aborda o tema complexo das hipóteses na construção do conhecimento científi co.

Maria Cristina dos Santos Martins, também docente de metodologia científi ca, sempre atenta à docência efi ciente e efi caz, constrói um texto a partir de uma pesquisa realizada com acadêmicos do curso de Administração da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Seu ob-jetivo é comparar acadêmicos ingressantes e acadêmicos concluintes sobre a compreensão dos mesmos textos.

Osvaldo Biz, batalhador na leitura crítica dos Meios de Comunicação Social, apresenta alguns elementos para um repensar da mídia, sobretudo em nosso país com grande concen-tração de poder nas mãos de poucas famílias. Aí avulta a necessidade de educar consumidores de comunicação críticos e criativos.

Sílvio Calderón, pesquisador competente, compenetrado e perseverante, aborda a complexa questão do controle nas sociedades anônimas brasileiras. A partir de uma visão comparatista, se analisa a regulamentação legal do instituto, a distinção com o direito de propriedade e as diversas formas ou espécies de controle societário.

Da área de ciências tecnológicas temos quatro artigos. Andrea Souza Castro e Joel Avruch Goldenfum, jovens doutores, preocupados com a sustentabilidade e responsabilidade ambien-tal, aprofundam o tema do uso de telhados verdes no controle quantitativo do escoamento superfi cial urbanos.

Carlos Atalla Hidalgo Hijazin, docente de nossa Faculdade, acompanhou um projeto de iniciação científi ca com os acadêmicos Diogo Rhoden Silveira e Aline Tonial Simões. O tema foi a questão da hidrólise. O grau de pesquisa e o de aprofundamento do tema são apenas citados no artigo. Maiores aprofundamentos só consultando os autores.

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Rosângela M. S. Fagundes, J. C. S. S. Menezes e I. A. H. Schneider aprofundam a questão do tratamento de chorume de aterro numa região coureiro calçadista do Rio Grande do Sul. Não é mais possível conviver com tanta poluição e, ao mesmo tempo, não é mais possível desperdiçar tanta possibilidade de aproveitamento de resíduos. O artigo é um apelo e uma indicação nesta direção.

Filipe Martins da Silva, Marco Antonio dos Santos Martins e Frederike Monika Budiner Mette procuram comparar duas metodologias de alocação de custos para satisfazer suas necessida-des de gestão de estoques, de modernização do processo produtivo e redução de necessida-desperdícios. Nossa Revista não é monotemática, mas interdisciplinar. Ela foi feita com muita garra e determinação na certeza de que somos novos como instituição, mas participamos de uma Rede de Educação Superior mais que centenária. Nosso objetivo é educar as novas gerações na dimensão da cidadania ativa e empreendedora. Daí nosso nome, Atitude, construindo oportunidades.

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John Rawls: uma análise da antropologia, da

sociedade e da justiça

Adroaldo Junior Vidal Rodrigues1

Resumo: O artigo aborda a teoria da justiça do jusfi lósofo norte-americano John Bordley Rawls. Num primeiro momento, descreve-se sua obra a partir de três elemen-tos: a antropologia, a sociedade e a justiça. Num segundo momento, apresenta-se algumas críticas a cada um desses elementos, utilizando-se da corrente chamada comunitarista, destacando Alasdair MacIntyre, Michael Sandel e Charles Taylor. Palavras-chave: John Rawls, Liberalismo, Comunitarismo, Alasdair MacIntyre. Abstract: The aim of this article is to discuss the theory of justice of North-American John Bordley Rawls.

Firstly, it is described his work from three elements: anthropology, society and justice. Secondly, it is presented some criticism to each of those elements, using communa-lism theory of Alasdair MacIntyre, Michael Sandel and Charles Taylor.

Key-words: John Rawls, Liberalism, Comunitarism, Alasdair MacIntyre.

Introdução

O presente trabalho possui como objetivo geral explorar as relações entre a concepção de ser humano, sociedade e justiça de John Rawls, sendo dividido em dois momentos. Primeiro, verifi caremos que a antropologia rawlsiana corresponde ao autointeresse, a sociedade liberal à neutralidade e a justiça liberal à imparcialidade.

Para isso, utilizamos a leitura da obra

Uma Teoria da Justiça como principal guia

para a extração dos conceitos de Rawls, muito embora, e com certa frequência, invocamos outras de suas produções, não só para complementar o sentido de seu pensamento como também, para termos uma visão geral sobre seus escritos.

Optamos por elaborar uma refl exão a partir da seguinte problemática, cristalizada pela interrogação: a teoria da justiça de John Rawls é realmente capaz de constituir

uma sociedade justa? Para testarmos a viabilidade dessa interrogação invocaremos a tese contrária, chamada de comunitarista, e que será ilustrada, aqui, por Alasdair MacIntyre, Michael Sandel e Charles Taylor. Por óbvio, um diálogo se formará – o que acreditamos ser benéfi co para a ponderação sobre a teoria de Rawls.

Este trabalho possui dois objetivos específi cos: um, expor alguns argumentos presentes nas discussões entre liberais e comunitaristas, tendo em vista a contribuição ao adolescente do debate brasileiro sobre esse tema; dois, fomentar estudos em torno da teoria da justiça (que é um tema vinculador das disciplinas de fi losofi a do direito, fi losofi a política e ética), contribuindo, assim, para a interdisciplinaridade dos estudos sobre as ciências jurídicas. A metodologia aplicada é a própria da pesquisa fi losófi ca, qual seja, a análise conceitual.

1 Mestre em Teoria Geral do Direito pela UFRGS. Professor de Filosofi a do Direito na Faculdade Dom Bosco de Porto

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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 1. A Teoria da Justiça de John Rawls –

Análise

1.1. A Antropologia Rawlsiana

Sem individualismo não há liberalismo.

Norberto Bobbio

Os indivíduos, dentro do modelo de socie-dade proposto por Rawls, necessariamente vão buscar os seus interesses. Isso fi ca evi-dente quando nas primeiras páginas da sua teoria da justiça, Rawls considera que: “se a inclinação dos homens ao interesse próprio torna necessária a vigilância de uns sobre os outros, seu sentido público de justiça torna possível a sua associação segura.” (RAWLS, 1997, p. 5). Assim, o autointeresse torna a justiça necessária e esse sentido de justiça torna-a possível.

A teoria liberal de Rawls não engloba a todos ou a felicidade do maior número pos-sível, como é para o utilitarismo; ao contrá-rio, prioriza o homem na sua individualidade. Nesse contexto, ainda que haja uma “asso-ciação segura” entre os homens, é indubitá-vel que os proveitos buscados por cada um visam a vantagens para si próprios.

O liberalismo rawlsiano é tão dependente dessa concepção de homem “onde os indi-víduos buscam os seus fi ns particulares de modo competitivo” (BARZOTTO, 2001, p. 141) que, sem esta, a teoria se descaracte-rizaria completamente. Ou seja, a sociedade liberal e o papel da justiça principalmente, que será tratado mais adiante, seriam muti-lados, tendo em vista que somente poderão ser compreendidos a partir de uma linha de raciocínio que se inicia com a compreensão desta concepção antropológica.

Para John Rawls, ao contrário, o homem é apenas “associal”, isto é, tem sua identida-de extraída à margem da sociedaidentida-de. Neste contexto, devemos considerar dois pontos importantes. Um é que o restante dos ho-mens deve ser ignorado, porque não trariam benefício algum ao “meu” interesse. O outro é que se “eu” me aproximar de alguém, será para usá-lo como meio para atingir o fi m que quero.

Diante desta visão liberal de homem, Norberto Bobbio dispõe que essa possibili-dade de eleger valores de per si, fomenta a quebra de padrões objetivos quando pensa que “esta defesa da autonomia moral do

in-divíduo provoca uma concepção de relati-vismo [...]” (BOBBIO, 1997, p. 701). Se as escolhas morais dos indivíduos causam um relativismo é natural que eles estejam em constante confl ito e, por isso, o altruísmo seja substituído pelo seu avesso.

Outra característica igualmente impor-tante da concepção antropológica de Rawls é o modo como o indivíduo é defi nido den-tro da sociedade liberal, a saber, a priori. O indivíduo é defi nido sem se levar em conta os bens que elege para sua boa vida. Em outras palavras, são considerados de um modo atomista e possuem uma igualdade que é compartilhada de maneira absoluta entre todos os membros que compõem a sociedade.

Para Rawls, o homem é caracteriza-do de mocaracteriza-do alheio à proposta de vida de cada um, ou seja, não há importância se, por exemplo, Tiago é membro de um parti-do político “x”, possui determinaparti-do emprego e família. Os bens que Tiago escolhe para sua vida são infecundos para a formação da identidade liberal.

Nesse aspecto, o comunitarista Michael Sandel afi rma: “o ‘eu’ é anterior aos fi ns que busca.” Na sua teoria, John Rawls é explíci-to em considerar que o ser humano rompe com a sociedade, tornando-o um ser alheio e pontuando a diferença entre eles, quando diz que: “a aplicação consistente do prin-cípio da oportunidade equitativa exige que consideremos as pessoas independente-mente das infl uências de sua posição so-cial.” (RAWLS, 1997, p. 568).

Assim, existindo confl itos de interesses na sociedade liberal, dada a concepção de homem já trabalhada acima, resta-nos fa-zer uma análise sobre a concepção de so-ciedade e descobrir como ela é, tendo em vista que uma é a sequência lógica da ou-tra. Nas palavras de Rawls: “Assim sendo, desde o começo, a concepção de pessoa é considerada parte de uma concepção de justiça política e social [...]” (RAWLS, 2000, p. 36). Para, por fi m, chegarmos à análise da sociedade liberal.

1.2. A Sociedade Liberal

A sociedade liberal deve ser concebida como se um mercado fosse, porque a sua antropologia individualista forja um dissenso sobre a concepção de vida boa.

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A sociedade deve ser neutra para que cada indivíduo busque de forma competitiva com relação aos outros os bens que escolheu para a realização da sua concepção particular de vida boa.

E, essa ausência de consenso sobre o plano racional de vida ocorre devido ao pluralismo de valores que é inerente a cada pessoa. Nesse sentido, pensa Rawls: “Como consequência disso, os indivíduos não só têm planos de vida diferentes, mas também existe uma diversidade de crenças fi losófi cas e religiosas, e de doutrinas políticas e sociais.” (RAWLS, 1997, p. 138)

Então o justo para o liberalismo rawlsiano será que a sociedade forneça, de maneira neutra, elementos para que cada cidadão cristalize a sua felicidade plena. A ideia de Rawls é que: “por exemplo, podemos pensar que a justiça igual signifi ca que a sociedade deve oferecer a mesma contribuição proporcional para que cada pessoa realize o melhor plano de vida que é capaz de formular.” (RAWLS, 1997, p. 566)

Dado que a sociedade forneça determinados bens de forma igual e imparcial para cada pessoa, “fi ca obviamente a cargo do próprio agente decidir o que ele mais quer e julgar a importância comparativa de seus vários objetivos”. (RAWLS, 1997, p. 461)

Nessas circunstâncias, a questão da felicidade e do bem fi cam atrelados ao sucesso da realização do plano racional de vida de cada ser humano nesta sociedade. John Rawls os defi niu, respectivamente, deste modo: “um homem é feliz quando é mais ou menos bem-sucedido na maneira de realizar seu plano.” (RAWLS, 1997, p. 98)

Por óbvio, a sociedade liberal não possui uma fi nalidade, um bem que lhe é próprio, ao passo que cada cidadão elege para si o que julga ser o melhor para estruturar o seu projeto de vida desejável. Assim, John Rawls no seu livro que leva em consideração a globalização, é explícito, caso haja alguma dúvida: “a resposta é que uma sociedade liberal com regime constitucional não tem, como sociedade liberal, uma concepção abrangente do bem. Apenas os cidadãos e associações dentro da sociedade cívica no caso nacional possuem tais concepções.” (RAWLS, 2001, p. 44.)

Diante disso, surge uma questão inquietante: como os cidadãos vão construir

a sua concepção de boa vida, já que cada um possui uma diferente da outra? Rawls, então, utiliza a seguinte ferramenta para poder dar conta desse problema: os chamados bens primários – que visam satisfazer as necessidades mínimas de qualquer projeto de vida. Logo, esses bens primários ajudam, quando não contribuem muito, dependendo do plano racional de vida, para a implementação da felicidade de cada indivíduo. É como se fosse um aparato indispensável para se poder desenvolver um estilo de vida.

E quais são esses bens? Rawls os chama, também, de “valores sociais” e que devem ser distribuídos de forma igualitária entre todos os membros da sociedade liberal. Há duas passagens claras em Uma Teoria da Justiça que abordam esta questão, e cremos, uma complementa a outra. A primeira é quando Rawls diz que: “Para simplifi car, suponhamos que os principais bens primários à disposição da sociedade sejam direitos, liberdades e oportunidades, renda e riqueza.“ (RAWLS, 1997, p. 66) John Rawls destaca, ainda, os “bens naturais” (que fi cam à margem do controle pretendido por sua teoria) que são: a saúde e o vigor, a inteligência e a imaginação. E a segunda passagem do livro é esta (que sublinha um dos bens primários como de vital importância): “o fato de a liberdade e a oportunidade, a renda e a riqueza, e, acima de tudo, a autoestima, serem bens primários deve realmente ser explicado pela teoria restrita”. (RAWLS, 1997, p. 480)

Com essa visão é impossível haver qualquer perspectiva comunitária e, além disso, esta hipótese é negada por Rawls quando diz literalmente que: “em resposta, dizemos que a justiça como equidade abandona, de fato, o ideal de comunidade política [...]”. (RAWLS, 2000, p. 250)

1.3. A Teoria da Justiça

A justiça liberal é entendida como imparcia-lidade. E isto ocorre porque a antropologia que subjaz a ela é apriorística, não sendo defi nida pela adesão a um bem específi co. Ou seja, é concebida numa ótica de imparcialidade, bem como a sociedade liberal que é neutra, assim é natural que a justiça em Rawls também a seja. Ademais, para registrar de forma explí-cita este ponto (em que a justiça liberal é derivada de uma concepção antropológica

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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 autointeressada), vejamos as suas palavras:

“Podemos supor, portanto, que a mais estável concepção de justiça é aquela que é evidente para o nosso entendimento, congruente com o nosso bem, e fundada não na abnegação, mas na afi rmação do eu.” (RAWLS, 1997, p. 554)

Esta visão de que a concepção de homem liberal conduz a tal concepção de justiça é compartilhada, da mesma forma, por José Nedel, quando afi rma que: “traz no âmago a ideia de imparcialidade, porquanto as partes elegem os princípios através de procedimento imparcial.”

Outro ponto sobre a teoria da justiça de Rawls é a construção do seu fundamento sob a guarda de princípios. No Liberalismo Político, Rawls afi rma que: “Na justiça como imparcialidade, alguns desses grandes valo-res – os valovalo-res da justiça – são expvalo-ressos pelos princípios de justiça para a estrutura bá-sica – entre eles, os valores de igual liberdade política civil.” (RAWLS, 2000, p.185)

Mas como são estabe-lecidos estes princípios de justiça? Como eles adquirem forma na sociedade liberal? A partir do que Rawls chama de “posição original” e, através do contratualismo. Rawls de-fi ne a posição original como sendo o “status quo inicial apropriado para assegurar que os consensos básicos” possam ser concretizados de uma forma equitativa.

Então, essa convenção possui a intenção de iniciar o pensamento, as construções das questões relativas à teoria da justiça, entendi-da de uma forma imparcial. E o contratualismo é liame da posição original. Trata-se de uma espécie de reedição do contratualismo de Jean-Jacques Rousseau, Immanuel Kant e John Locke. E Rawls deixa claro tal inspira-ção quando diz que: “explico a partir do que dissemos, é claro que a posição original deve ser considerada um artifício de representação e, por conseguinte, todo acordo estabelecido pelas partes deve ser visto como hipotético e a-histórico.” (RAWLS, 2000. p. 67)

No entanto, para que esse acordo social seja feito de tal forma que conduza a uma justi-ça imparcial, é necessário que os participantes estejam num pé de igualdade; isso quer dizer que se deve excluir desde as desigualdades

sociais aos dons naturais. Observa Rawls, so-bre a situação em questão, que a efetividade da posição original deve situar os participantes num ponto de partida igual.

Entra aí o véu de ignorância, que tem a fi nalidade de congelar as pessoas numa situ-ação de igualdade. Nas palavras do próprio Rawls: “e o que chamei de ‘véu de ignorância’ signifi ca que as partes não conhecem a po-sição social, ou a concepção do bem (seus objetivos e vínculos particulares), ou as capa-cidades e propensões psicológicas realizadas, e muito mais, das pessoas que representam”. (RAWLS, 2000, p. 359)

Postos os cidadãos num âmbito de igual-dade, cabe agora extrair os princípios. Só que estes princípios são buscados através de uma norma chamada de maximim, que consiste em colher a pior proposta entre as melhores, mas a melhor entre as piores. Rawls põe nestes termos: a regra maximim determina que clas-sifi quemos as alternativas em vista de seu pior

resultado possível: devemos adotar a alternativa cujo pior resultado seja superior aos piores resultados das outras.

Depois de passar por essas etapas temos, por fi m, os princípios que vão esta-belecer a justiça imparcial. Mais que isso, vão permear a vida de cada indivíduo, já que será a principal (senão a única) observação que deve ser respeitada.

São dois os princípios da justiça, sendo o segundo dividido em duas partes: o primeiro diz que cada indivíduo deve ter direito a uma igual liberdade básica ou que “cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema total de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para todos” (RAWLS, 1997, p. 333); o segundo prevê que as desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas condições. A primeira, é que traga o maior benefício possível para os menos favorecidos; a segunda, que “sejam vinculadas a cargos e posições abertos a todos em condições de igualdade equitativa de oportunidades”. (RAWLS, 1997, p. 333)

Igualmente importante para a aplicação dos princípios é a obediência à ordem léxica, ou seja, ao fato de que o primeiro princípio A regra maximim

determi-na que classifi quemos as alternativas em vista de seu pior resultado pos-sível: devemos adotar a alternativa cujo pior resul-tado seja superior aos pio-res pio-resultados das outras.

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possui superioridade em relação ao segundo e a primeira parte do segundo tem preferên-cia à segunda parte. Esses são, enfi m, os princípios de justiça necessários para uma teoria da justiça liberal. Cremos que com isso temos as principais passagens das obras de Rawls para cristalizar uma visão unitária de seu pensamento.

2. A Teoria da Justiça de John Rawls – Crítica

2.1. A Antropologia Rawlsiana

Como vimos antes, para a antropologia liberal rawlsiana, o indivíduo é um ser autointeressado, e a justiça somente é invocada para efetivar o interesse de cada um. Vejamos como Rawls descreve essa relação do indivíduo com a justiça: “Cada membro da sociedade é visto como possuidor de uma inviolabilidade fundada na justiça, ou, como dizem alguns, no direito natural, que nem mesmo o bem-estar de todos os outros pode anular.” (RAWLS, 1997, p. 30).

Assim, percebemos que o interesse de cada pessoa “fundada na justiça”, ou como diria Ronald Dworkin, os “trunfos” que o indivíduo possui e que podem ser invocados contra a sociedade, determinam a exclusão dos interesses de outras pessoas, a partir de uma perspectiva do “meu” em contraposição ao “teu”. Nas palavras de Michael Sandel: “Este supuesto se parece supercialmente a um presupuesto psicológico – estipula que las partes no tienen interes em los intereses de las demás [...]”. (SANDEL, 2000, p. 77)

Isso quer dizer que a justiça liberal disponibiliza ao indivíduo uma proteção que tem extensão não só contra outra pessoa que venha a violar seus direitos, como também, contra todos, ou seja, a própria sociedade. Vejamos outra afi rmação de Sandel: “La justicia tiene primacía sobre los demás valores porque sus princípios se derivan independientemente” (SANDEL, 2000, p. 77).

As circunstâncias da justiça podem conduzir a uma total exclusão de valores fraternos e contribuir para a formação de indivíduos egoístas racionais. Eis o que afi rma Sandel: “[...] introducen um sesgo individualista, y que rechazan o desvirtúan de alguna manera motivos tales como la benevolência, el altruísmo y los sentimientos comunitários” (SANDEL, 2000, p. 77).

Esses direitos individuais são

considerados muito importantes, a ponto de serem opostos a todos os outros membros da sociedade. Ocorre que nem sempre haverá um ambiente de harmonia. Macintyre diz: “Naturalmente, ocorre frequentemente que as preferências de indivíduos e de grupos de indivíduos diferentes entram em confl ito”.

Então, o indivíduo posto numa ordem liberal para saber como deve agir, com o intuito de concretizar a sua vida feliz deve fazer a seguinte pergunta: Qual regra eu devo seguir? Rawls escreveu em Uma Teoria da Justiça sobre a relação entre os princípios e o homem: “na interpretação contratualista, tratar os homens como fi ns em si mesmos implica, no mínimo, tratá-los de acordo com os princípios com os quais eles consentiram em uma posição original de igualdade” (RAWLS, 1997, p. 195).

Nesse sentido, o raciocínio de MacIntyre é valioso para o entendimento desta questão: Por conseguinte, na perspectiva moderna, a justifi cação das virtudes depende de uma justifi cação anterior das normas e dos princípios; e se estes últimos se tornarem radicalmente problemáticos, como têm se tornado, as primeiras também se tornam (MACINTYRE, 2001, p. 206).

Outra refl exão sobre a concepção de homem liberal é no que tange a sua característica de ser tomado a priori. Aquilo que MacIntyre chama de “antropologia de fantasmas”, na qual o indivíduo é visto do lado de fora da relação social. E MacIntyre aprofunda esta descrição quando afi rma que: “os indivíduos são vistos como possuindo identidade e capacidades humanas essenciais independente e anteriormente à sua participação numa ordem social e política particular.”

E John Rawls confi rma a análise de MacIntyre quando diz que: “mais ainda, admito que as partes não conhecem as circunstâncias particulares de sua própria sociedade” (RAWLS, 1997, p. 147). No entanto, é inviável que este tipo de caracterização do indivíduo possa alimentar qualquer sociedade, isto porque a identidade humana é dada a partir de uma rede de interações. Valores comunitários, contrários aos individuais, existem numa sociedade liberal, ainda que se adote essa concepção de indivíduo com fi m em si mesmo. Michael Sandel declara sobre essa hipótese:

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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 “Probablemente os valores comunitarios

existirían, al igual que todos los demás valores que los indivíduos pueden decidir adoptar, e incluso posiblemente fl orecerían en una sociedad gobernada por los principios de la justicia” (SANDEL, 2000, p. 85).

Charles Taylor, crítico de Rawls, assegura que: “o puro autointeresse esclarecido nunca moverá um número sufi ciente de pessoas com força bastante para constituir uma real ameaça a déspotas e putschistas potenciais” (TAYLOR, 2000, p. 213). Existe, então, uma identidade social que quando é ultrajada, por exemplo, é vista de forma clara por todos na forma de uma reação. Taylor comenta sobre isso e exemplifi ca: “É esse

sentido de identidade, e o orgulho que o acompanha, que é ultrajado pelas ações ocultas de um Watergate, e é isso o que provoca a reação irresistível” (TAYLOR, 2000, p. 213).

Outro argumento diz res-peito ao valor do patriotismo. Taylor o defi ne do seguinte modo: “o patriotismo é uma identifi cação comum com

uma comunidade histórica fundada em cer-tos valores” (TAYLOR, 2000, p. 213). Esse valor, o patriotismo, brota neste terreno indi-vidualista com a diferença de que esse valor não é erradicado, pelo contrário, e muitas ve-zes é superior à própria concepção individual.

Embora Taylor tenha escrito estas palavras antes do exemplo que darei, não há como negar que serviu como uma luva. É o seguinte: o ataque de 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque; ali se viu, de maneira clara, que um valor comunitário como o patriotismo foi superior a qualquer ato individual. Houve a limitação inclusive de direitos individuais, o que Rawls afi rmou ser ilícito. Assim, o fato não faz com que o argumento esteja errado, mas é um forte indício para a sua revisão.

Outra observação é sobre a relação antropológica e as comunidades que visam o bem antes do justo. É o caso das comunidades teleológicas, em contraste com as sociedades liberais, que visam o justo antes do bem, também chamadas deontológicas, e que são negadas por John Rawls. Eis as suas palavras: “embora, estritamente falando, a subordinação de todos os nossos objetivos

a um único objetivo superior não viole os princípios da escolha racional (pelo menos não os princípios de cálculo), ela ainda nos parece irracional ou, mais provavelmente, insana” (RAWLS, 1997. p. 617). Mas talvez os princípios de justiça levem as sociedades liberais a buscar um único bem: o estilo liberal de vida.

2.2. A Sociedade Liberal

Não havendo uma concepção comparti-lhada de vida, a sociedade é vista como um mercado em que os indivíduos interagem de forma competitiva em busca da concretização dos bens que escolheram. John Rawls é

ex-plícito ao abordar a questão: “Assim, como notei no iní-cio, embora uma sociedade seja um empreendimento cooperativo para a vantagem mútua, ela é tipicamente marcada por um confl ito e ao mesmo tempo por uma identi-dade de interesses” (RAWLS, 1997. p.136).

Por conseguinte, esta sociedade liberal “[...] que tenta realizar, no maior grau possível, certos bens ou princípios de direito” não possui um bem que lhe é próprio, a saber, o bem comum. E o bem comum é o fi m de uma comunidade, pois ela nada mais é que o “bem de todos, naquilo que todos temos em comum”. (SOUZA Jr., 2002, p. 29). Mas Rawls nega que a sociedade seja uma comunidade: “Uma sociedade democrática bem-ordenada não é uma comunidade, nem, em termos mais gerais, uma associação”. Este raciocínio nos remete a duas características. A primeira, é que Rawls reforça a ideia de que a sociedade é entendida como um mercado, já que ela não possui nada em comum, a não ser um conjunto de regras que preservam espaço na busca da autonomia dos interesses dos indivíduos.

Com outras palavras, a sociedade é mon-tada a partir dos direitos individuais. Taylor co-menta sobre isso: “O liberalismo procedico-mental não pode ter um bem comum no sentido estrito porque a sociedade tem de ser neutra no tocante à questão da vida boa” (TAYLOR, 2000, p. 210).

A segunda, diz respeito à observação feita por Charles Taylor, quando se sustenta que a sociedade liberal não é totalmente viável, Rawls reforça a ideia de

que a sociedade é enten-dida como um mercado, já que ela não possui nada em comum, a não ser um conjunto de regras que preservam espaço na bus-ca da autonomia dos in-teresses dos indivíduos.

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pois “embora o estado liberal procedimental possa de fato ser neutro diante de (a) crentes e não-crentes em Deus, ou de (b) pessoas com orientações homossexual e heterossexual, ele não pode sê-lo entre (c) patriotas e não patriotas” (TAYLOR, 2000, p. 214).

E de fato, não é. Um exemplo disso foi o julgamento do cidadão norte-americano que lu-tou do lado dos Talibãs no Afeganistão. Nesse caso, ignorou-se a suposta neutralidade da so-ciedade à concepção de vida

boa; afi rmando-se um estilo coercitivo liberal de vida.

Além disso, outro ponto que pode ser destacado é a questão das sociedades desordenadas, ou que esta-riam excluídas do modelo de sociedade liberal, que Rawls

descreveu no segundo capítulo do seu livro

O Direito dos Povos como sendo uma

“socie-dade onerada por condições desfavoráveis”. Parece-nos que uma sociedade, que pode ser considerada, como tantas outras, onerada por condições desfavoráveis, sem dúvida, é o Brasil. Ou seja, o nosso país não serve para a aplicação do projeto liberal.

2.3. A Teoria da Justiça

A justiça liberal é uma invocação a normas e princípios para consubstanciar o valor indi-vidual. Assim, seu objetivo é saber quais as regras que se deve buscar para uma socieda-de justa. O que pressupõe uma concepção socieda-de homem autointeressada. É o que afi rma Rawls: “Como cada pessoa é livre para planejar a sua vida como quiser (contanto que suas in-tenções sejam consistentes com os princípios da justiça); não se exige unanimidade sobre os padrões de racionalidade” (RAWLS, 1997, p. 495).

Com isso, abre-se espaço para avaliarmos que se a justiça de John Rawls é imparcial, considera-se o valor da igualdade como uma das características principais. Mas, não há um retrospecto do que levou, por exemplo, as partes em confl ito, na posição original, a chegarem a tal ponto. Isso é ignorado, e se faz “[...] justiça numa questão de modelos presen-tes de distribuição para os quais o passado é irrelevante“ (MACINTYRE, 2001, p. 416).

Postas essas considerações iniciais, faça-mos uma refl exão sobre a aplicação da justiça liberal entendida como norma, que nos remete

aos princípios de justiça de Rawls. O caso é o dos índios Wanpanoag de Massachusetts, Estados Unidos, descrito por MacIntyre no capítulo XII de seu livro Depois da Virtude. Por meio de uma ação judicial, os índios Wanpa-noag reclamaram que suas terras foram ilegal-mente e inconstitucionalilegal-mente expropriadas. Detalhe: existe uma cidade em cima delas de nome Mashpee.

Considerações Finais As características expos-tas por Rawls apresentam problemas que podem com-prometer a sua teoria da jus-tiça. Primeiro, porque numa linha antropológica a sua concepção de homem é con-taminada por circunstâncias que permitem extrair elementos substantivos de uma natureza humana – o que é constan-temente negado, sobretudo quando aponta, por exemplo, como necessária a existência de seres racionais para a sua teoria, o que evita o risco frente à teoria maximim. Além disso, a identidade de cada indivíduo é dada por uma rede de interações que pressupõe o outro, e não o exclui.

Segundo, pois a sociedade liberal não pode ser completamente neutra como se pretendia no projeto original. Vimos que é preciso en-dossar o patriotismo como aspecto relevante, e os pontos de partida são sempre liberais. Terceiro, a justiça liberal, também, não é de todo imparcial, já que possui como prioridade implícita a manutenção da ordem liberal.

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Para não deixar dúvidas, MacIntyre aponta ainda que a origem da doutrina liberal que se propõe a ser impessoal, de fato não o é.

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Considerações sobre o controle político da

administração pelos parlamentos

Dr. Gustavo Vicente Sander1

Resumo: O presente artigo aborda os meios de controle político à disposição dos Parlamentos para infl uenciar e fi scalizar a atuação da Administração pública. O artigo situa este objeto sobre o pano de fundo mais amplo, referente à delimitação entre atividades técnicas – típicas da Administração – e atividades políticas – típicas dos Parlamentos, apontando também as inter-relações entre ambas.

Palavras-chave: Parlamento, Controle, Administração Pública.

Abstract: This article regards the means used by Parliaments to oversee and in-fl uence the activity of public Administration. The article frames this subject within the larger framework concerning the differences between technical activities – typical of the Administration – and political activities – typical of Parliaments – indicating also the inter-relations between them.

Key-words: Parliament, Authority, Civil Service.

Introdução

O gigantismo da máquina administrativa no Estado contemporâneo, sua intrusão sobre os mais variados aspectos da vida dos cidadãos e a ameaça potencial que isto representa para a fruição das liberdades públicas, leva-nos a fi xar os limites do objeto material deste trabalho em questões atinentes à efi cácia do controle político exercido sobre a Administração pelos principais órgãos de representação política nas sociedades democráticas, os seus respectivos Parlamentos.

O objeto formal do trabalho, isto é, a angulação específi ca sob a qual o objeto material será tratado, buscará explorar, ao lado da abordagem jurídico-formal do controle parlamentar da Administração, os

aportes que a sociologia e a ciência política trazem à compreensão da dinâmica relação entre política e administração, sem os quais uma análise deste tema corre o risco de resultar na construção de castelos de areia, cuja integridade depende de mantê-los hermeticamente isolados da realidade que pretendem esclarecer.

O plano do trabalho que desenvolveremos aborda, em uma primeira parte, o surgimento e agigantamento do aparelho administrativo, para, em seguida, tratar das relações que, hoje em dia, travam a política e a administração, buscando esclarecer o campo específi co de cada uma delas na estrutura do Estado. A terceira e última parte será dedicada à análise dos mecanismos formais de controle e de seus limites.

1 Doutor em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da USP e professor das cadeiras de Direito Constitucional,

na Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, RS e de Teoria do Estado e Direito Econômico, no Centro Universitário Ritter dos Reis de Porto Alegre, RS. E-mail: gvsander@zmtr.com.br

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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 1. O desenvolvimento da administração

independente no estado moderno

Não é novidade que um dos pilares do constitucionalismo liberal do século XVIII foi, e continua a ser no constitucionalismo contemporâneo, o princípio da separação de poderes. Na formulação original de MONTESQUIEU – inspiradora do sistema de governo por nós adotado desde a Proclamação da República – isto significava distribuir as funções do Estado entre três poderes2: o poder

legislativo, o poder executivo e o poder judiciário. Este sistema foi concebido para tolher a ação do Executivo, procurando impedi-lo de pôr em prática intervenções generalizadas sobre o domínio econômico e social, o que estava de acordo com a cosmovisão liberal que o inspirou, a qual propunha deixar aos próprios indivíduos a persecução de seu bem individual, garantindo-se, pela ação da “mão invisível”, que do conjunto destas ações chegar-se-ia ao melhor arranjo possível do bem comum3 . Não

haveria, assim, necessidade de frequentes intervenções governamentais.

Os arranjos institucionais que foram implementados com inspiração no ideário liberal não permaneceram intactos por muito tempo. Já em meados do século XIX, a chamada “questão social”

tornava clara a necessidade de intervenção estatal para mitigar os efeitos adversos da industrialização sobre a estrutura socioeconômica. O impacto de tal demanda sobre os sistemas de governo é t a m b é m c o n h e c i d o : desenvolveu-se, a partir da prática institucional britânica

– recolhida nas refl exões de CONSTANT – o chamado sistema parlamentar, com a divisão do Executivo em dois ramos: a chefi a de governo,

entregue a políticos apoiados pela maioria parlamentar e encarregados de apresentar e conduzir os programas interventivos; e a chefi a de Estado, que deveria assumir posição de neutralidade perante os conflitos políticos4,

motivo pelo qual deveria, idealmente, ser entregue a um monarca hereditário.

Encaminhada a solução para o problema institucional, a necessidade imperativa de intervenção esbarrou, porém, na inefi ciência do aparelho administrativo que então equipava os Estados nacionais. Com efeito, diz FINER que não foi senão no século XIX que ganhou força o movimento de profi ssionalização da Administração, visando dotá-la de neutralidade e eficiência no cumprimento dos objetivos governamentais:

O ideal de um serviço público desinteressado e devotado é principalmente um fenômeno de fins do século dezoito e do século dezenove na Europa e na América. Até então, era dado como certo que alguém ia para o serviço público para ali ganhar dinheiro. Os efeitos da consequente corrupção dis-seminada eram os de distorcer e até mesmo frustrar as intenções do governo. O que o governo queria e o que ele obtinha eram duas coisas bem diferentes5.

De fato, a primazia na organização de um serviço público isento e profi ssionalizado

coube, uma vez mais, aos ingleses, que começaram a implantá-lo antes do fi nal do século XIX. O exemplo britânico repercutiu nos Estados Unidos, país onde a inefi cácia do spoil system já vinha se manifestando há algum tempo. O trabalho teórico de WOODROW W I L S O N a s s e n t o u o s princípios que deveriam nortear a implantação de um civil service profi ssionalizado e tinham como pedra de toque a separação entre Política Não foi senão no século XIX

que ganhou força o movimento de profissionalização da A d m i n i s t r a ç ã o , v i s a n d o dotá-la de neutralidade e eficiência no cumprimento dos objetivos governamentais.

2 Neste sentido, é eloquente o Art. 16 da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão: “Tout societé dans laquelle

la garantie des droits n’est pás assurée, ni la separation des pouvoirs determine, n’a point de constitution.”

3 “Na verdade, Montesquieu via na separação de poderes uma doutrina política, um meio de o poder deter o poder,

como apontara mais atrás. Não via mal algum na inação. Isto se compreende, se se lembrar que, a seu tempo e certamente para o seu pensamento, o papel do Estado não era o de promover o bem-estar do povo, mas sim o de criar condições – mormente de segurança – para que cada um cuidasse dos próprios interesses.” FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Princípios Fundamentais do Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 253.

4 cf. SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. O Tribunal Constitucional como Poder – Uma nova teoria da Divisão dos

Poderes. São Paulo: Memória Jurídica, 2002. p. 69 e segs.

5 “The ideal of selfl ess, devoted public service is largely a late eighteenth – and nineteenth – century European and

American phenomenon. Till then it was taken for granted that one went into government service in order do make money out of it. The effect of the consequent widespread corruption was to distort or even frustrate de intentions of government. What government wanted and what it got where very different things.” FINER, Samuel E. The History of Government. Oxford: University Press, 1999. Vol. III, p. 1616.

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e Administração6. Essa separação

projetava-se em duas dimensões: (a) de um lado como instrumento para corrigir as disfunções do spoil

system, visando coibir a interferência política no

funcionamento da administração; (b) de outro, visava construir uma ciência da administração dedicada ao estudo e aplicação de técnicas administrativas isentas de conteúdo político ou ideológico.

Outro autor que deve ser lembrado pela insistência na necessidade de separação entre Política e Administração, como condição necessária para o bom funcionamento da última, é MAX WEBER, o qual considerava a aparição da administração pública profi ssional como o gérmen do Estado Moderno no ocidente, pois a avaliava – com acerto – como instrumento imprescindível para a condução administrativa das sociedades de massas:

Toda nossa vida cotidiana está tecida dentro deste marco. Pois se a Administração Burocrática é em geral – caeteris paribus – a mais racional desde o ponto de vista técnico-formal, hoje é, ade-mais, nitidamente inseparável das necessidades da Administração de Massas (pessoais ou materiais). Tem-se que eleger entre a burocratização e o diletantismo da Administração; e o grande instru-mento da superioridade da administração burocrá-tica é este: o saber profissional especializado...7

Uma nota distintiva em seu pensamento está no olhar apurado de sociólogo, que não deixou de reconhecer o próprio corpo burocrático do Estado como um ente dotado de poder político, ao qual deve ser contraposto o poder político dos representantes eleitos para que seja possível compatibilizar a efi cácia administrativa com o princípio democrático:

Os políticos devem ser o contrapeso ao poder dos funcionários públicos. Mas a ele resiste o afã

de poder das instâncias dirigentes de um governo puramente burocrático de funcionários públicos, que sempre tendem a apropriar-se de uma liberda-de liberda-de movimentos a mais incontrolada possível...8.

Esta observação do sociólogo alemão permaneceu quase ignorada até após a segunda guerra mundial, quando o tamanho, a intrusividade e a influência da máquina administrativa sobre o processo político decisório não puderam mais ser ignorados e a questão da extensão do controle dos órgãos representativos sobre ela foi novamente posta na ordem do dia.9 Com efeito, a perda de

controle sobre a iniciativa governamental e a crescente tecnicalização dessas decisões colocaram os Parlamentos na berlinda, em situação que não deixa de suscitar dúvidas quanto a sua capacidade de exercer alguma infl uência sobre elas.

2. As fronteiras entre a política e a administração

A complexidade dos problemas, cuja solução atualmente recai sobre os ombros do Governo, torna indispensável o recurso aos quadros especializados da Administração pública na busca de soluções factíveis e coloca nas mãos destes quadros – admita-se ou não – margens maiores ou menores de discricionariedade no planejamento e na implementação das decisões políticas:

O Administrador ascende de seu papel secundário e se confi gura como um co-decisor, passa da ‘implemen-tação’ à ‘complemen‘implemen-tação’ e em casos extremos de blo-queio político chegará inclusive a realizar um trabalho de ‘suplementação’, já que passará a substituir a falta de im-pulso político. A formulação política inicial funciona como força motriz que está longe de ser automaticamente apli-cada pelo executor cujo papel político-criativo cresce.10

6 cf. MASEDO, Laura Román. Política e Administración. Algunas notas sobre el origen y la evolución del debate teórico.

Madrid: Revista de Estudios Políticos. Vol. 98 (nueva época). Oct. - Dic. 1997. p. 121.

7 “Toda nuestra vida cotidiana está tejida dentro de ese marco. Pues si la administración burocrática es en general –

caeteris paribus – la más racional desde el punto de vista técnico-formal, hoy es, además, sencillamente inseparable de las necesidades de la administración de masas (personales o materiales). Se tiene que elegir entre la burocratización y el diletantismo de la administración; y el gran instrumento de la superioridad de la administración burocrática es éste: el saber profesional especializado…” WEBER, Max. Economía y Sociedad. 2. ed. esp. Madrid: Fondo de Cultura Económica, 2002. p. 178.

8 “Los políticos deben hacer de contrapeso al poder de los funcionarios. Pero a ello se resiste el afán de poder de

las instancias dirigentes de un gobierno puramente burocrático de funcionarios, que siempre tienden a acaparar la libertad de movimientos lo más incontrolada posible…”. WEBER, Max. Escritos políticos. Madrid: Alianza, 1991. p. 173, apud, MASEDO, Laura Román. op. cit. p. 120.

9 cf. MASEDO, Laura Román. op. cit. p. 126.

10 “El administrador asciende de su papel secundario y se confi gura como un codecisor, pasa de la ‘implementación’ a

la ‘complementación’ y en casos extremos de bloqueo político llegará incluso a realizar un labor de ‘suplementación’ ya que pasará a sustituir la falta de impulso político. La formulación política inicial funciona como fuerza motriz que está lejos de ser aplicada automáticamente por el ejecutor cuyo papel político-creativo crece.” CALVO, José Lopez. Organización y Funcionamiento del Gobierno. Madrid: Tecnos, 1996. p. 99/100.

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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 O aporte de opiniões e a execução das

decisões, contudo, não são sempre marcados pela isenção técnica. Lembramos acima, com WEBER, que a Administração,

enquanto corpo dotado de poder, frequentemente utiliza-o no mais amplo escopo possível a favor de seus próprios interesses corporativos.11

Outro pioneiro da sociologia, ROBERT MICHELS, chega à conclusão semelhante, no sentido de que todo o organismo burocrático tende a criar interesses particulares,

independentes daqueles para cuja promoção foi constituída:

...é uma lei social inelutável que qualquer órgão da coletividade, nascido da divisão do trabalho, cria para si, logo que estiver consolidado, um interesse es-pecial, um interesse que existe dentro de si e para si. 12

A pedra de toque sobre a qual WILSON pretendia erigir uma Administração efi ciente e imparcial mostra-se, afi nal, menos sólida do que o pretendido. É necessário reconhecer que os interesses particulares dos diversos órgãos que formam a Administração e as d i s p u t a s i n t e r n a s p o r

fatias de poder, agregados à simples extensão do aparato administrativo, à multiplicidade de entidades q u e a c o m p õ e m , à s diferentes perspectivas com que um mesmo problema é abordado e aos diferentes atores do jogo político que são por ele afetados13,

fazem com que a decisão política seja informada por uma miríade de posições divergentes que

precisam ser devidamente ponderadas em outra instância, de horizonte mais extenso que o técnico-administrativo.

N e s t e p o n t o , p o d e -se ver com mais clareza a impossibilidade de dispensar a arbitragem política na tomada de decisões sobre os objetivos governamentais e sobre meios de alcançá-los. Pois na confusão de interesses dissonantes, de opiniões contraditórias, de horizontes reduzidos a particularismos, de dissenso e disputa, onde se poderá conciliá-los razoavelmente em prol de um bem maior, comum a todos, que é, afinal, a razão de existir do Estado e de suas instituições? A esfera política é o local apropriado para fazê-lo, uma vez que o fi m específi co da atividade política é precisamente prover pelo bem comum, resolvendo os confl itos de visões e de interesses, construindo o consenso necessário ao encaminhamento de soluções aos problemas que a todos atingem. Vale transcrever as palavras de FREUND:

Qual é o bem específico da atividade política? Ver-se-á que não se trata de um bem unicamente próprio dos par-ticulares e nem mesmo da soma dos bens particulares, seja dos indivíduos, seja dos agrupamen-tos subordinados, tal como da família ou de alguma associação p r o f i s s i o n a l e c o n ô m i c a , n e m é o bem do Estado enquanto E s t a d o , m a s d a c o l e t i v i d a d e total no meio da qual os indiví-duos são integrados a título de membros que se dão um Estado como instituição.14 (grifamos)

O autor acrescenta mais adiante: A Administração,

en-quanto corpo dotado de poder, frequentemente utiliza-o no mais amplo escopo possível a fa-vor de seus próprios in-teresses corporativos.

O fi m específi co da atividade política é precisamente prover pelo bem comum, resolvendo os confl itos de visões e de inte-resses, construindo o consen-so necessário ao encaminha-mento de soluções aos pro-blemas que a todos atingem..

11 É a lição perspicaz e universalmente válida exposta por MONTESQUIEU: quem tem poder tende a dele usar até

que encontre limites.

12 MICHELS, Robert. Sociologia dos Partidos Políticos. 1. ed. Brasília: UNB, 1982. p. 234.

13 Conforme observa MOULIN: “...en virtud de su misma amplitud, toda macrodecisión afecta a todos los sectores

de la vida social; porque provoca la intervención de un gran número de datos, todos ellos heterogéneos y siempre contradictorios; porque implica la existencia de aproximaciones y puntos de vista técnicos diferentes y casi siempre opuestos entre sí; porque, por defi nición, y a menos de caer en el ‘josefi nismo’ de los déspotas ilustrados, debe, además, tener en cuenta una multitud de elementos afectivos, irracionales e imprevisibles…” La Tecnocracia, Tentación y Espantajo del Mundo Moderno. Madrid: Revista de Estudios Políticos, Vol. 123. Mayo-Junio 1962. p. 104/105.

14 “Que est alors le bien spécifi que de l’activité politique ? Il va de soi qu’il ne s’agit pas d’un bien propre uiniquement

aux particuliers ne même de la somme des biens particuliers, soit des individus, soit des groupements subordonnés, tels de la familie ou toute outre association professionnelle économique, ni son plus du bien de l’État en quant

État, mais de celui de la collectivité totale ou sein de laquelle les individus sont integrés à titre de membres que se donnent un État comme institution.” FREUND, Julien. L’Essence du Politique. Paris: Syrei, 1965. p. 651.

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É, assim a ela [à política] que incumbe tervir quando os conflitos entre os grupos in-ternos arriscam produzir desordens ou quando os bens particulares ameaçam o bem comum.15

Podemos também aduzir, em favor desta posição, elementos oriundos das circunstâncias vitais em que a pessoa humana atua e desenvolve seus potenciais. Com efeito, o político costuma estar, por vocação, por experiência e pela posição que ocupa, melhor

aparelhado que o técnico, normalmente recluso em seu campo específi co do saber, a tomar decisões de ampla repercussão, em que é essencial aperceber-se dos múltiplos elementos e facetas que compõe um dado problema e sua solução, inclusive os de cunho afetivos,

irracionais, que não costumam entrar no cálculo dos “espíritos geométricos”16 . Não

por acaso, ISAIAH BERLIN assim sumariza as características distintivas do julgamento político:

A habilidade de que falamos abrange, sobretudo, uma capacidade para a integração de um vasto amál-gama de dados constantemente em mudança, multico-loridos, evanescentes, perpetuamente sobrepondo-se uns aos outros, são muitos, muito ligeiros, muito en-tremeados para serem capturados, reconhecidos e ro-tulados, como se fossem borboletas individualizadas.

(...)

Como nós chamamos esse tipo de habilidade? Sabedoria prática, talvez razão prática, um senso do que “vai funcionar” ou do que não vai. É uma habilidade, em primeiro lugar, para a síntese, mais do que para a análise, para o conhecimento no

sentido em que um amestrador conhece os seus animais, ou os pais suas crianças, ou maestros suas orquestras, antagônica ao sentido em que os quími-cos conhecem o conteúdo dos tubos de ensaio.” 17

Fique claro que tal abordagem não implica a defesa do obscurantismo. O conhecimento técnico é imprescindível à boa condução dos negócios de Estado. Tudo aquilo que pode ser dissecado, analisado e articulado em uma análise científi ca deve sê-lo, trata-se, no entanto, de reconhecer que esse processo tem limites e imperfeições que não autorizam alimentar a ilusão de que seríamos melhor governados por uma tecnocracia politicamente irresponsável porque dotada de conhecimento “científi co” incontestável.18

Desse modo, ainda que a decisão política não prescinda da informação por critérios técnicos, a competência última para sua tomada deve recair, nos regimes democráticos, sobre o Governo e o Parlamento, isolados ou conjuntamente, i.e., sobre órgãos politicamente responsáveis perante a nação. Estando assente que em uma democracia a Administração não deve operar alheia ao controle dos órgãos representativos, cumpre explorar os mecanismos formais pelos quais o Parlamento pode exercer este controle.

3. Os mecanismos de controle e seus limites

Dentre as diversas funções exercidas pelos Parlamentos, a que hoje tende a 15 “C’est aussi à elle [à política] qu’il incombe d’invervenir quand les confl its entre des groupements internes risquent de

provoquer des désordres ou lorque les biens particuliers menacent le bien comum. ” FREUND, Julien. L’Essence... p. 659.

16 A expressão é de MOULIN, que a contrapõe ao “espírito fi no ”, característico dos políticos. Segundo o cientista político

belga, “Existe una racionalidad específi ca de la política que reclama el arte específi co del político, y la observación, específi ca, del estudioso de la política. Pero ‘racionalidad’ no signifi ca en este caso ni objectividad científi ca, ni tecnicidad absoluta. En primer lugar es inútil querer ‘despasionalizar’ los problemas políticos en un regímen como el democrático, que habla el idioma de la pasión, necesariamente, y hace sufrir a los hechos simplifi caciones extremas y extremas distorsiones.” op. cit. p. 106.

17 “The gift we mean entails, above all, a capacity for integrating a vast amalgam of constantly changing, multicolored,

evanescent, perpetually overlapping data, too many, too swift, too intermingled to be caught and pinned down and labeled like so many individual butterfl ies.

(...)

What do we call this kind of capacity? Practical wisdom, practical reason, perhaps, a sense of what will ‘work’, and what will not. It is a capacity, in the fi rst place, for synthesis rather than analysis, for knowledge in the sense in which trainers know their animals, or parents their children, or conductors their orchestras, as opposed to that in which chemists know the contents in their tubes… ”. BERLIN, Isaiah. Political Judgement. In: The sense of reality.[s.e]. London: Pimlico, 1996. p. 46/47.

18 É oportuno lembrar o trabalho de MAURICE DUVERGER, que demonstra como a crença no determinismo científi co

deságua, no plano político, em regimes totalitários. Les Orangers du Lac Balaton. Paris: Seuil, 1980, passim.

Esse processo tem limites e imperfeições que não autori-zam alimentar a ilusão de que seríamos melhor governados por uma tecnocracia politi-camente irresponsável por-que dotada de conhecimen-to “científi co” incontestável.

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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 destacar-se não é a legislativa, pois, cada

vez mais, o Executivo dispõe de meios para liderar o processo decisório e legislar por conta própria (vide o exemplo brasileiro das Medidas Provisórias). Assim, o que sobreleva é a função de controle, fi scalizadora19 .

Sua força varia, antes de tudo, conforme o sistema de governo adotado, tendendo a ser maior nos regimes parlamentaristas onde a sustentação do Governo depende do apoio da maioria parlamentar.

Nos regimes presidenciais ele tende a ser mais fraco, mas ainda assim existe e as Constituições não deixam de prever instrumentos que possibilitam efetivá-lo.

Em qualquer caso, a natureza deste controle é

sempre política, pois, conforme salienta ANNA CÂNDIDA, ele atua por instrumentos políticos, visando resultados políticos, com o Parlamento agindo dentro dos marcos constitucionais e das regras regimentais por ele mesmo estabelecidas, com plena autonomia para determinar a oportunidade e a conveniência do seu exercício.20

3.1. Os Mecanismos de Controle no Brasil.

No Brasil, a Constituição de 1988 prevê, no Art. 49, X, um controle genérico, a

posteriori, sobre a Administração, inclusive

indireta, e sobre o Governo:

“Art. 49. É da competência exclusiva do Con-gresso Nacional: (...)

X – fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Exe-cutivo, incluídos os da administração indireta;” Silencia o dispositivo, todavia, quanto aos meios de controle, sendo, por isso, de se entender que o Congresso o pratica de acordo com os meios previstos no próprio texto constitucional, como, por exemplo,

aqueles inscritos no Art. 50 e respectivos parágrafos da CRFB/88 (convocação de Ministros de Estado, pedido de informações por escrito etc).

Ao lado deste controle genérico, incidente sobre qualquer ato da Administração, temos os controles específi cos, incidentes sobre atos determinados do Poder Executivo21,

que concentra em sua estrutura o comando de toda a Administração pública. A previsão normativa para este controle pormenorizado encontra-se dispersa em diversos incisos do Art. 49 de nossa Carta Magna22, e podem ser

atos de controle a posteriori, incidentes sobre o ato já praticado, como, por exemplo, a sustação de atos normativos do Poder Executivo que exorbitem o Poder regulamentar (inc. V), ou a priori, hipótese em que determinado ato só pode ser praticado após apreciação e concordância do Congresso Nacional. É o caso da autorização para exploração de recursos hídricos e minerais em terras indígenas (inc. XVI) e para a aprovação da alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares (inc. XVII). Note-se que o controle prévio, justamente por ocorrer antes do fato consumado, costuma ser dotado de maior efetividade.

Insere-se, também, entre os meios de controle da atuação do Executivo, o poder de controle das contas, exercido pelo Parlamento com o auxílio do Tribunal de Contas. Compete-lhe a fi scalização completa da execução orçamentária, acompanhando

pari passu todo o ato ou despesa,

examinando-lhe a legalidade e conveniência perante o interesse público.23

Recurso poderoso de controle são as comissões de inquérito (Art. 58, §3º, da CRFB/88), cuja origem foi contemporânea à origem dos Parlamentos, apontando-se, uma vez mais, a Inglaterra como o país 19 cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 161. 20 CUNHA FERRAZ, Anna Cândida. Confl ito entre Poderes. São Paulo: RT, 1994. p. 154.

21 CUNHA FERRAZ, Anna Cândida. Confl ito... p. 162.

22 Nos regimes presidencialistas, a reunião, em uma só pessoa, da Chefi a de Estado, da Chefi a do Governo e da

Chefi a da Administração, refl ete-se no conteúdo dos atos passíveis de controle elencados no Art. 49. Nem todos dizem respeito a funções administrativas do Presidente da República. Os casos de apreciação da decretação do Estado de Sítio, de Defesa e de intervenção Federal são típicos de controle sobre o exercício de competências atinentes à Chefi a de Estado ou de Governo.

23 cf. CAGGIANO, Mônica Herman Salém. Controle Parlamentar da Administração. São Paulo: Revista de Direito

Público, n° 96. Out. – Dez. 1994. p. 150.

O controle prévio, jus-tamente por ocorrer an-tes do fato consuma-do, costuma ser dotado de maior efetividade.

Referências

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