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4. Quem é Quem & o Que é o Quê?

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Academic year: 2021

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4.

Quem é Quem & o Que é o Quê?

4.1.

Mas que pesquisa é essa?

Ao longo das discussões que tivemos nas últimas páginas, tentei informar ao leitor – e a mim mesmo – a respeito da natureza deste trabalho. É possível que, neste ponto, suspender a conversa para explicar sobre o que falamos possa parecer estranho ou até redundante. Porém, no meu cotidiano como professor, aprendi que, entre a falta de clareza e o excesso de explicações, o melhor pecado é o segundo.

Já que parto do entendimento de que a realidade é uma construção do(s) sujeito(s) e uma vez que busco não levantar números e estatísticas, mas identificar e discutir traços relevantes no processo de construção identitária nas interações analisadas, como não poderia deixar de ser, esta pesquisa se insere no campo do estudo qualitativo interpretativista (Moita Lopes, 1994).

Por estar discutindo questões sociais eminentemente humanas através de um olhar atento para a linguagem, considero ainda que esta pesquisa esteja inserida no campo da Linguística Aplicada. E, por essas questões que menciono estarem relacionadas a uma busca por (novos) olhares para fenômenos da esfera educacional, conto ainda com a ajuda da Pesquisa Educacional com base nas Artes.

Por fim, porém não menos importante, lanço mão da contribuição – talvez tardia, mas ainda fundamental – da Prática Exploratória.

4.2.

Contexto da pesquisa

A esta altura, boa parte dos acontecimentos que culminaram neste trabalho já foram – com maior ou menor detalhamento – narrados nas páginas anteriores. Contei ao leitor a respeito de como, a partir de meu ingresso no

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curso de Mestrado, caminhei no sentido de entender o tipo de pesquisa que gostaria de realizar. Dito de outra maneira, venho, até aqui, contando a história da pesquisa sobre a qual ora escrevo.

Creio, então, que é chegada a hora de essa história ganhar o colorido de uma boa ilustração. Convido o leitor a, muito em breve, apreciar comigo os dados transcritos a partir daquele encontro de outubro. E para que fiquem ainda mais vivas as suas cores, falo um pouco a respeito dos suportes, pincéis e tons utilizados na criação dessas ilustrações.

4.2.1.

A rede em que trabalhamos

A rede de ensino público da capital do Rio de Janeiro é uma das maiores do Brasil. Atualmente, encontra-se dividida em onze Coordenadorias Regionais de Ensino (CREs), que, por sua vez, compreendem um número determinado de escolas, cobrindo toda a cidade.

As CREs são responsáveis por algumas questões administrativas relacionadas às suas escolas. Elas respondem pela solicitação e remessa de materiais didáticos, controle de merenda, fornecimento de todo tipo de suporte para a realização de passeios escolares, lotação e transferência de professores, entre outros assuntos. Obviamente, toda essa centralização não impede que escolas vizinhas pertencentes à mesma CRE apresentem características diferentes e até mesmo opostas.

E se há diferenças entre escolas da mesma coordenadoria, as diferenças tornam-se ainda mais evidentes quando se tomam as escolas de diferentes CREs. Em pouco menos de três anos como funcionário da rede municipal de ensino da cidade do Rio de Janeiro, pude observar o quão heterogênea ela é.

Dado o considerável tamanho da rede, a cada edital para a contratação de professores, o número total de vagas é sempre distribuído entre CREs. Desse modo, cabe ao candidato escolher a coordenaria para a qual pretende concorrer. Tal escolha pode guiar-se por diversos critérios: número de vagas,

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características da região, proximidade da residência do candidato e até mesmo a preferência por alguma escola específica.

Interessante observar que Giselle, Juliana e eu escolhemos regiões bem distintas do município. Levando em conta a distância de nossas casas, Juliana e eu escolhemos, respectivamente, Tijuca e São Cristóvão. Por sua vez, Giselle escolheu a zona sul da cidade.

4.2.2.

Rio Criança Global

Motivado pelos importantes eventos internacionais que ocorreriam na capital nos anos seguintes, o programa Rio Criança Global foi criado em 2009 objetivando intensificar e expandir o ensino de língua inglesa aos alunos do 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental. Para isso, além da convocação de novos docentes, foram desenvolvidas novas orientações curriculares claramente focadas no desenvolvimento da oralidade.

A Prefeitura da cidade estabeleceu convênio com a editora de um conhecido curso livre de língua inglesa e interrompeu o processo democr ático em que os livros didáticos utilizados eram, de forma conjunta, escolhidos pelos docentes da disciplina. Desse modo, todos os professores de inglês em todas as escolas da Rede Municipal deveriam fazer uso do material didático fornecido pela editora do curso livre de idiomas.

A editora promove ainda cursos em que se discutem com os professores questões concernentes à implementação do material didático. Esses cursos são semestrais e ocorrem em instalações do curso livre filiado à editora. Além disso, periodicamente professores de inglês têm suas aulas assistidas por representantes da editora ou do programa Rio Criança Global.

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4.2.3.

Início da Carreira

No ano de 2010, em conformidade com o programa Rio Criança Global, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro lançou um edital para a contratação de professores de inglês. Tendo sido uma das primeiras medidas do programa, a ideia era trazer para o quadro de docentes mais profissionais que pudessem ensinar ao alunado das escolas públicas municipais a se comunicar em língua inglesa.

Uma vez que o foco do ensino passaria a ser a oralidade, metade dos pontos a serem conquistados pelo candidato diziam respeito a sua capacidade de comunicar-se na língua inglesa. Pela primeira vez, uma avaliação oral fazia parte do quadro de provas para o ingresso de professores de língua estrangeira na rede pública municipal.

Mas não foi essa a única inovação naquele edital. Além da prova oral, uma prova de títulos valendo precisos vinte pontos não deixava a desejar para concursos de esferas superiores do Estado.

Por fim, outra novidade que literalmente surpreendeu muitos candidatos e até mesmo aprovados foi a de que os professores lecionariam em turmas a partir do primeiro ano do Ensino Fundamental.

Ao final do processo de seleção, entre os aprovados havia muitos profissionais advindos de cursos livres de línguas, recém-formados e alunos de cursos de pós-graduação. Tanto minhas colegas de pesquisa quanto eu – chamados quase que simultaneamente para o cargo – nos encaixávamos em pelo menos duas dessas características.

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4.2.4. Giselle

Conheci Giselle em 2005, logo em meu primeiro dia como aluno da Universidade Federal Fluminense (UFF). Éramos os dois calouros na dupla licenciatura em Português e Inglês e nos aproximamos quando, já em uma primeira conversa, descobrimos que vínhamos da mesma cidade.

Porém, ainda que fossemos conterrâneos, nosso percurso como estudantes havia sido muito diferente. Ela havia frequentado escolas públicas de nossa região e aprendera inglês em um curso de línguas que eu então não conhecia. Giselle tinha, e ainda tem, uma visão da escola pública que sempre me interessou.

Durante os cinco anos de graduação, estivemos sempre muito próximos frequentando aulas, desenvolvendo atividades em parceria, compartilhando propostas e ambientes de trabalho e atendendo a eventos mais informais. Tínhamos então poucos meses de formados quando obtivemos aprovação no concurso para a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro – mal havíamos nos separado e já voltávamos a frequentar os mesmos ambientes.

Assim, foi seguindo um caminho natural que convidei Giselle para participar deste trabalho. Por fim, antes que eu apresente outra personagem desta história, deixo que Giselle fale um pouco a respeito de sua vida profissional e da inserção deste trabalho nesse contexto21:

Bom, quando eu fui convidada para participar da entrevista, eu estava recém-formada e havia começado a trabalhar como professora de inglês na rede municipal carioca. Acho que eu havia tomado posse há um ou dois meses no máximo. Esse início foi muito difícil. Eu trabalhava em duas escolas na comunidade do Vidigal, uma atendia crianças que cursavam o primeiro segmento do Ensino Fundamental, a outra, crianças e adolescentes do segundo segmento.

O choque foi muito grande, primeiro porque eu tive a oportunidade de entrar em contato com uma realidade muito diferente da que eu conhecia ou poderia imaginar. Eu já havia feito estágio em uma escola pública, mas esta, apesar de atender crianças de comunidade, não estava localizada dentro de uma. Em segundo lugar, a pouca prática que eu tinha não me serviu tanto para aquele novo contexto, pois, antes eu tinha apoio

21 E-mail enviado por Giselle no dia 05 de maio de 2013.

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pedagógico, eu não tinha turmas tão cheias, enfim, eu não estava sozinha. Ali, era eu e só eu. E seria assim a partir daquele momento em diante.

Conforme mencionado anteriormente, eu trabalhava em duas escolas e tinha doze turmas, seis em uma escola de primeiro segmento (escola 1) e mais seis na escola de segundo segmento (escola 2). A escola de primeiro segmento localizava-se no asfalto; já a escola de segundo segmento, localizava-se no morro, embora não fosse em um ponto muito alto.

A direção da escola 1 tentava participar do que estava acontecendo e oferecer o que fosse possível para que as atividades fossem bem realizadas. Infelizmente, eles não dispunham da estrutura necessária e estavam quase que totalmente leigos a respeito do novo programa de aprendizagem de inglês. A sensação era de como se alguém tivesse batido a porta da escola dizendo: “As crianças tem que aprender inglês; aqui uma professora de inglês. Vocês tem que encaixá-la no quadro”. Apesar do desconhecimento, aquela foi a escola cuja direção mais procurava desenvolver o senso de trabalho em equipe e incentivar os professores a doarem o máximo de si, mesmo através de circunstâncias tão adversas. O trabalho foi difícil, mas tive algum apoio da direção e dos meus colegas.

Na escola 2, eu trabalhava com uma turma de sexto ano, uma turma de sétimo e quatro turmas de Aceleração22. A direção era muito intransigente e bastante desorganizada, parte da desorganização ficava por conta da SME mesmo. Tratava-se de uma Escola do Amanhã que, por conseguinte, deveria ter o máximo de apoio possível pra melhorar e atingir suas metas. O que era visível, entretanto, era a total falta de apoio por parte da SME23, que, por outro lado, cobrava metas e mais metas a serem atingidas pelo corpo docente. A carência de material era gritante. Muitos professores levavam o material de suas próprias casas. Não havia televisões, não havia um aparelho de som para reproduzir o material de inglês, não havia internet... Para esta última, a direção alegava que cada vez que a companhia de telecomunicação ia instalar os fios e equipamentos necessários para conectar a escola, esses eram roubados. A escola era feia, cinza e mais lembrava uma prisão. Os professores entravam, saíam , eram transferidos, exoneravam-se de um dia para o outro. Ninguém ficava ali. Certa vez, os alunos me disexoneravam-seram que naquele ano já haviam estudado com 4 professoras de inglês. E para completar, esses mesmos alunos eram extremamente nervosos e violentos. O trabalho foi extremamente difícil, não pude contar com apoio pedagógico, já que não havia equipe pedagógica na escola e muito menos algum tipo de apoio estrutural.

A minha convivência tanto com a direção quanto com os meus colegas era extremamente profissional. Não conversávamos sobre outras coisas que não tivessem a ver com a escola. Havia certo mal estar entre os professores e a direção e, por isso, eu procurava ficar na minha para não parecer que estava tomando partido ou dar margem para que inventassem alguma fofoca com meu nome, pois ali, principalmente na hora do almoço, o que mais faziam eram intrigas. Os professores adoravam alimentar a possível rivalidade entre a direção da escola 2 com a direção da escola 1. De fato, a equipe da escola 2 não era muito simpática à escola 1, mas o mesmo não se pode dizer desta escola. Na verdade, a equipe da escola 1 nem se lembrava da existência da escola 2 e eles possuíam tantos projetos que não me pareceu terem tempo de alimentar intrigas.

Na escola 2, falava-se mal de tudo e de todos, dos alunos e dos colegas docentes. Aliás, os alunos eram vistos pela equipe como animais selvagens e sempre me parecia que os meus colegas estavam ali só por estar mesmo.

O convite para participar da entrevista surgiu justamente durante esse início conturbado e por isso foi muito importante. Os encontros funcionaram quase que como sessões de terapia, pois, através das conversas com aqueles que eram meus colegas de faculdade e a partir daquela momento estavam ali como os meus colegas de trabalho,

22 Programa da Rede Municipal que visa a reenquadrar alunos repetentes às séries correspondentes

à sua idade.

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Secretaria Municipal de Educação.

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também recém-formados, lotados em escolas diferentes, mas vivendo situações parecidas e com a mesma vontade de fazer um bom trabalho, pude melhorar muitas coisas na minha atividade escolar diária e perceber que eu não estava sozinha no barco.

Eu gostei muito da proposta desse trabalho, das nossas reuniões porque eu acredito muito na solução de problemas através da troca de ideias e de experiências.

4.2.5. Juliana

Também conheci Juliana no curso de graduação e em nossa história há até casamento. Antes disso, porém, passaram-se mais de cinco anos de intensa convivência.

Juliana foi convocada para a licenciatura da UFF já em meados de março, algumas semanas depois do início das aulas. Até aquele momento, ela havia frequentado aulas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, já que não se adaptava bem ao ambiente, decidiu aproveitar a oportunidade para conhecer o outro espaço antes de decidir-se por uma das universidades.

Segundo ela, a forma como foi acolhida pelos novos colegas da UFF pesou imensamente em sua decisão pela Federal Fluminense. Assim, ainda que a UFRJ fosse muito mais próxima de sua residência, Juliana decidiu que deixaria essa universidade e ficaria definitivamente na Universidade Federal Fluminense.

Juliana tinha uma história um pouco mais parecida com a minha. Ela havia sempre frequentado escolas particulares e cursara inglês no mesmo curso que eu. Apreciadora de cinema e literatura, era a ela a quem eu recorria sempre que me interessava algum clássico literário ou um lançamento nas salas de cinema.

Assim como Giselle, Juliana foi sem dúvida uma grande companheira durante os cinco anos de graduação. Discutimos pontos de vista em aulas de Didática, estagiamos juntos por vários meses e idealizamos e implementamos projetos de ação pedagógica.

Pouco tempo depois de formados, quando já professores do Município do Rio de Janeiro, chegara a hora do casamento. E, em meados de 2011, nos encontrávamos no altar. Ela, noiva e eu, padrinho de seu casamento.

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Com a palavra, Juliana24:

Quando o Bruno me convidou para ajudá-lo nessa empreitada, eu sabia que o trabalho ia ser muito agradável, por que, afinal, além da companhia de amigos queridos, a gente ia poder reclamar tudo o que quisesse e desabafar nossas frustrações e amarguras. Quando começamos a “terapia” eu dava aula em duas escolas bem diferentes para completar os meus 12 tempos em sala, em ambas as aulas eram ministradas no 1° segmento. Na escola em que eu tinha minha matrícula, eu trabalhava com todas as turmas de 1º ao 4º ano. Apesar da inexperiência, eu gostava e achava/acho que o trabalho rendia frutos. Na outra escola, que está situada perto de uma comunidade, eu tinha duas turmas de 2º ano e duas turmas de 4º ano. Ao contrário da minha escola de matrícula, o desespero e frustrações cresciam a cada dia de aula. Apesar de não ter desenvolvido nenhum relacionamento com nenhum professor nem diretor da segunda escola, posso dizer, sem sombra de dúvidas, que a direção desta é mais organizada que a da primeira. Continuo dando aula na minha escola de matrícula, agora, apenas nela. Gosto do ambiente e dos professores, que apesar das pequenas discórdias, estão sempre aptos a ajudar.

Achei a proposta muito interessante, uma vez que, acredito profundamente nessa necessidade de reflexão sobre as práticas pedagógicas, e acredito que a melhor maneira de refletir é falar sobre elas,as práticas, bem como analisá-las sob outra perspectiva, a dos filmes.

4.2.6. Bruno

Acredito que eu já tenha, de diferentes maneiras, me apresentado ao longo destas páginas. De qualquer modo, já que não sou menos personagem desta história do que Giselle ou Juliana, achei por bem escrever aqui umas poucas palavras a meu respeito.

Todos os meus anos de educação básica foram cursados em uma mesma escola particular. Não muito diferente foi meu percurso como estudante de inglês. Dos doze aos dezoito anos frequentei o mesmo curso de línguas em minha cidade.

Tal era meu encantamento com as aulas de inglês que, quando aos dezesseis anos decidi cursar uma Licenciatura em Letras, eu pensava em voltar a meu curso de línguas como professor, meu único objetivo era voltar a frequentar meu curso de inglês.

E assim foi. Nem havia terminado a graduação quando me tornei professor no curso onde eu estudara. Porém, ao contrário do que eu havia imaginado, a experiência não foi das melhores. Não encontrei nos cursos de

24 E-mail enviado por Juliana no dia 06 de maio de 2013.

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língua espaço para ser o professor que eu gostaria. Quando me formei, minha única certeza era de que eu precisava mudar de ares profissionais.

Deu-se o impasse. O que mais me incomodava em cursos de língua era sua grande inclinação para o que Bernstein (1997; 1998) chamou de identidade mercadológica. Sendo assim, migrar para colégios particulares não seria uma solução para meu problema.

Nesse contexto, quando eu ainda não tinha resposta para minha questão, foi lançado o edital para a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro. Eu não sabia o que esperar do trabalho em escolas públicas e, confesso, temia não ter o perfil para exercer o cargo. No entanto, incentivado por Giselle e Juliana, aceitei o desafio e concorri ao cargo.

No mesmo ano, iniciei minha carreira no magistério público. De início, para completar todos os meus tempos de regência, trabalhei em duas escolas. Uma delas era extremamente organizada. Tinha bom grupo de direção, um corpo de professores comprometidos e bons alunos. A outra escola, bem próxima à anterior, era seu oposto. Apresentava infraestrutura precária, sofria com falta de professores e tinha alunos bastante indisciplinados. É sobre essas escolas que falo na conversa registrada.

Essa experiência tem sido tão positivamente marcante em minha vida que, como disse na introdução deste trabalho, ela motivou meu ingresso e guiou meus passos no curso de Mestrado.

Juliana e Giselle estiveram sempre presentes em minha vida acadêmica e formação profissional. Então, já que a ideia aqui é entender um pouco sobre como fazemos sentido e de que maneira nos posicionamos nesse processo de tornar-se professor, eu não poderia estar em melhor companhia do que a das duas.

4.2.7. O filme

Apesar de sempre ter ouvido falar a seu respeito, eu não havia ainda assistido ao francês Entre os muros da Escola. Por isso, quando precisei

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escolher um filme que fomentasse uma conversa reflexiva entre mim e minhas colegas, escolhi essa obra.

Como o nome sugere, a produção de 2008 se passa o tempo todo em uma escola pública do interior da França. É nessa escola que François Marin, professor de Francês, tenta realizar seu trabalho lidando com os mais diversos problemas causados pela indisciplina e falta de interesse de seus alunos.

Sua situação fica ainda mais delicada quando, no calor de uma briga, o professor supostamente ofende uma aluna de sua classe. A partir desse ponto, os alunos se viram contra o professor e sua posição na escola fica comprometida.

As questões que permeiam o filme não são diferentes das enfrentadas por professores brasileiros. Indisciplina e desinteresse dos alunos, dificuldade na relação professor-aluno e relação conflituosa entre pais de alunos e corpo docente. Além disso, são abordados temas como (a falta de) corporativismo entre professores e o relacionamento entre a direção escolar e o quadro de professores.

Conforme venho comentando e o leitor muito em breve observará, o filme parece ter sido uma ótima escolha. A pequena saga daquele professor inspirou, naquela tarde, comentários, críticas e reflexões em todos nós.

4.3.

Os dados

Todos os dados que apresento no próximo capítulo foram gerados em um único dia, 23 de outubro de 2011. Por se tratar de um local conhecido e frequentado tanto por Giselle quanto por Juliana, o lugar escolhido para o encontro foi a minha casa. A ideia era não se distanciar das conversas que frequentemente tínhamos sobre nossa rotina nas escolas.

Em seu total, a gravação tem aproximadamente uma hora de duração. No entanto, para fins analíticos, selecionei alguns trechos para ilustrar a seção de análise. Importa pontuar que os excertos selecionados aparecem

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aqui dispostos em ordem cronológica. Desse modo, um trecho analisado terá sempre precedido, na conversa em questão, o trecho que o sucede e assim por diante.

Levei em conta os objetivos deste trabalho no estabelecimento de critérios para a seleção dos excertos aqui utilizados. Assim, uma vez que um de meus objetivos é observar a maneira como, a partir de situações ocorridas e observadas no filme, buscamos construir a nós mesmos como professores da rede pública municipal da cidade do Rio de Janeiro, trouxe para esta análise os trechos em que se percebe relação entre o assunto tratado e o filme assistido.

Procedendo dessa maneira, assim como Bamberger (1983 apud Hiltz 1995) pensa a conversa como forma de interação entre o homem e a máquina, estou aqui considerando – não somente, mas também – como uma espécie de conversa a interação entre nós, que assistimos ao filme, e as cenas a que fazemos referência. Dito de outra forma – sem, de maneira alguma, negligenciar a interação entre Giselle, Juliana e eu – estou pensando como conversa a relação entre a(s) história(s) do filme e a forma como construímos a nós mesmos.

4.3.1.

Da transcrição e organização dos dados

Por mais que tente, jamais conseguirei resgatar totalmente o que ocorreu naquela tarde. Isso não impede, porém, que eu busque formas de aproximar-me e ao leitor do que ocorreu naquele evento. É isso o que, ao longo das últimas seções, venho tentando fazer ao familiarizar o leitor com as personagens e os assuntos que emergem na conversa que aqui analiso.

No mais, já que não posso imprimir em papel cada palavra e cada tom utilizado por nós naquela conversa, conto mais uma vez com aparatos desenvolvidos no campo da Análise da Conversa. Assim, procedo a transcrição dos dados a partir de modelos presentes em Tannen (1989).

Também no sentido de facilitar a análise, os extratos selecionados são contextualizados, suas transcrições são expostas em quadros e, em seguida,

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realizo uma análise embasada por teorias apresentadas anteriormente e norteada pelos objetivos desta pesquisa. Cada um desses trechos, divididos em momentos, é organizado em três colunas, sendo o número de linhas variável de acordo com a extensão dos turnos de fala neles presentes. Na primeira coluna, tem-se o nome do participante e na segunda, a numeração correspondente à linha. Vale ainda pontuar que, embora a análise esteja dividida em excertos, a numeração das linhas é contínua – o que facilita a referenciação e, por conseguinte, a leitura do trabalho. Outro mecanismo de que lanço mão são pequenos quadros demonstrativos em que aproximo e/ou cotejo trechos curtos que se encontram distantes no fluxo da transcrição. Com isso, espero também facilitar a visualização dos excertos estudados e, consequentemente, a realização da análise.

Dito isso, passemos ao capítulo de análise.

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