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Ecologia e Comportamento de Aranhas.pdf

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DIVERSIDADE DE ARANHAS: SISTEMÁTICA, ECOLOGIA E INVENTÁRIOS DE FAUNA

ADALBERTO J.SANTOS &ANTONIO D.BRESCOVIT

Este capítulo trata de tópicos ligados a áreas como taxonomia, ecologia, história natural e biogeografia, sempre voltado a um parâmetro: a riqueza em espécies. À primeira vista, a determinação do número de espécies presentes em um determinado local pode parecer trivial. Entretanto, como será discutido abaixo, determinar, ou mesmo estimar, a riqueza em espécies de um grupo pode constituir uma tarefa bastante complexa, influenciada por fatores como a escolha de métodos de coleta (Longino & Colwell 1997), medidas de esforço amostral (Gotelli & Colwell 2001) e de métodos de análise de dados (Colwell & Coddington 1994).

Apesar de todas essas dificuldades, a simples contagem de espécies é de extrema importância para várias áreas da biologia. A riqueza em espécies é freqüentemente foco de importantes questões em áreas como macroecologia (Brown 1995) e biogeografia (Willig et al. 2003), assim como tem importância prática para definição de estratégias de conservação (Kress et al. 1998). No último caso, a definição de áreas prioritárias para estabelecimento de unidades de conservação, bem como a avaliação da efetividade destas, envolve em especial a determinação de uma variante da riqueza em espécies, o grau de endemismo de áreas ou ecossistemas (e.g. Gentry 1992).

O esforço dedicado por cientistas ao estudo da biodiversidade nunca foi distribuído de forma proporcional entre regiões do planeta e, principalmente, entre grupos taxonômicos (France & Rigg 1998). Dentre os animais, por exemplo, grupos carismáticos como mamíferos e aves são relativamente bem conhecidos, não só por representarem uma fração pequena da diversidade total

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do planeta, mas também porque sempre atraíram mais atenção de pesquisadores. Em contrapartida, grupos não tão populares, principalmente invertebrados, recebem menos atenção dos cientistas do que deveriam, considerando que englobam mais de 99% da diversidade animal do planeta (Gaston & May 1992, Wilson 1997). Conseqüentemente, grande parte das bases teóricas do estudo da biodiversidade, bem como a imensa maioria dos projetos de conservação, baseiam-se em estudos de grupos populares (e.g. Myers et al. 2000). Seria desejável que se dedicasse maior esforço de pesquisa a invertebrados, especialmente porque as hipóteses e medidas de conservação desenvolvidas com base em alguns grupos taxonômicos não se aplicam necessariamente a todos (Lawton et al. 1998, Platnick 1992, Kotze & Samways 1999).

Pretendemos aqui discorrer sobre a diversidade de um grupo megadiverso e relativamente pouco conhecido: as aranhas. Talvez por sua abundância e facilidade de amostragem, além de uma alta diversidade (mas não tão alta que impossibilite inventários rápidos), as aranhas têm sido alvo de vários estudos de biodiversidade. Alguns destes estudos foram importantes no desenvolvimento de princípios e protocolos para inventários de fauna (Coddington et al. 1991).

Entretanto, antes que a riqueza mundial em espécies de aranhas seja abordada a partir da temática deste livro, a ecologia e áreas correlatas, ela será brevemente analisada do ponto de vista taxonômico. Não poderia ser diferente, já que a sistemática é a base para qualquer discussão ligada à biodiversidade (e.g. Cotterill 1995), e é essencial para que se construa uma idéia, ainda que preliminar, de quanto trabalho seria necessário para conhecer melhor este grupo.

Sistemática e diversidade de aranhas

A sistemática de aranhas começou no século XVIII, quando Clerck (1757) descreveu 70 espécies para a Suécia. Em 1955 aproximadamente 28.000 espécies já eram conhecidas (Platnick 1999). Este número aumentou consideravelmente nos últimos cinqüenta anos. Até janeiro de 2005 a literatura aracnológica incluía 38.834 espécies de aranhas em 3.593 gêneros e 110 famílias (Platnick 2005), e ninguém duvida que ainda existam muitas espécies por descrever. Baseando-se no ritmo de

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descoberta de novas espécies durante a segunda metade do século XX, estima-se que existam entre 60.000 e 170.000 espécies de aranhas no mundo (Coddington & Levi 1991, Platnick 1999). Se estas estimativas estiverem corretas, significa que ainda há muito trabalho a ser feito pelos sistematas. Segundo Platnick (1999), mantendo-se o ritmo atual de descrição de espécies novas e de sinonímias de espécies já conhecidas, caso existam “apenas” 90.000 espécies de aranhas, todas estarão devidamente descritas no ano 2250.

Como acontece com a maioria dos grupos animais, a riqueza em espécies de aranhas, assim como seu conhecimento taxonômico, não estão distribuídos de maneira uniforme pelo planeta. Por uma combinação de motivos biogeográficos e históricos, as regiões tropicais e temperadas austrais apresentam maior diversidade de aranhas e são menos estudadas (Platnick 1991, Alderweireldt & Jocqué 1994). Se por um lado o Japão e a Europa ocidental, especialmente a Inglaterra, têm suas araneofaunas descritas quase em sua totalidade (Coddington & Levi 1991), estima-se, por exemplo, que apenas 20% da fauna australiana tenha sido descrita (Raven 1988).

Para a região neotropical o estado de conhecimento da fauna de aranhas é tão incipiente que mesmo estimar a proporção de espécies ainda desconhecidas parece extremamente difícil. Até o início do século XXI, 11.295 espécies de aranhas (29,9% das espécies descritas em todo o mundo) eram conhecidas para esta região biogeográfica (Brescovit & Francesconi, em preparação), mas certamente há muitas ainda por serem descritas. Por exemplo, em uma revisão do gênero Alpaida (Araneidae), Levi (1988) descreveu 134 espécies, sendo 94 (70,1%) desconhecidas até então. Este caso é especialmente marcante por se tratar de um grupo de aranhas de médio porte e que constróem teias orbiculares, relativamente conspícuas, em hábitats facilmente acessíveis para coletores, como a vegetação arbustiva. Seria esperado que o conhecimento de grupos de pequeno porte e que ocorrem em hábitats não tão explorados, como a serapilheira de florestas tropicais, fosse ainda mais incipiente. Isto foi observado por Forster & Platnick (1985) em uma revisão da família Orsolobidae, em que foram descritas 29 espécies novas para a América do Sul, em um grupo que

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contava originalmente com apenas 3 espécies. Mesmo com esta revisão, espécies novas foram descobertas recentemente neste grupo (Platnick & Brescovit 1994, Brescovit et al. 2004).

Se alguns grupos parecem conter altas proporções de espécies não descritas, outros aparentam ser não só totalmente conhecidos, como apresentam alta freqüência de espécies descritas mais de uma vez na literatura. Por exemplo, em sua revisão de Alpaida, Levi (1988) considerou 25 nomes específicos como sinônimos. Vários fatores explicam porque um determinado autor descreve como nova uma espécie já conhecida: escassez de material para estudo, dimorfismo sexual acentuado (já que muitas espécies são conhecidas apenas por um dos sexos), dificuldades para obtenção de material-tipo e literatura especializada, discordância entre autores quanto a interpretações de variação morfológica e erros metodológicos (espécies baseadas em indivíduos imaturos, ilustrações inadequadas ou inexistentes, descrições inacuradas, etc.). Problemas como estes foram muito comuns até meados do século XX, mas têm se tornado menos acentuados nos últimos anos. Entretanto, isto não muda o fato de que, além de descrever as inúmeras espécies ainda desconhecidas pela ciência, os sistematas têm que revisar aquelas descritas nos últimos 250 anos, a fim de corrigir erros do passado (Gaston & Mound 1993). Os resultados destes estudos podem ser marcantes, considerando-se que em alguns gêneros o número de espécies válidas pode cair após revisões taxonômicas (e.g. Santos & Brescovit 2001, 2003).

Por que existem tantas espécies de aranhas nos neotrópicos? Em primeiro lugar porque se trata de uma porção extensa do planeta, e sabe-se bem que a riqueza em espécies, de qualquer grupo taxonômico, é em geral correlacionada com a extensão da área amostrada (McArthur & Wilson 1967, Kuntner & Šereg 2002). Vários outros fatores poderiam explicar a alta diversidade de aranhas neotropicais, embora nenhuma análise abrangente tenha sido publicada até o momento. Por exemplo, a América do Sul apresenta alta diversidade fisionômica, com formações vegetais que variam desde desertos até extensas florestas tropicais (Olson et al. 2001). Além disto, o sub-continente apresenta grande variação altitudinal, desde o nível do mar até mais de 4.000 metros de altitude, e latitudinal, abrangendo desde os trópicos até áreas temperadas. Estes fatores influenciam

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a diversidade biológica, já que áreas próximas ao equador são muito ricas em espécies (Willig et al. 2003, Hillebrand 2004). Além disto, há evidências de que as zonas temperadas austrais são mais diversas que o seu equivalente boreal (Platnick 1991). O conjunto de todos estes fatores pode explicar porque existem tantas espécies de aranhas nos neotrópicos, assim como possíveis variações de riqueza entre diferentes partes do continente. Embora não existam estudos de larga escala com aranhas nesta região, ou outros grupos de invertebrados, a afirmativa acima foi corroborada com outros grupos taxonômicos. Por exemplo, Bini et al (2004) demonstraram através de análise multivariada que variações de riqueza em espécies de aves na América do Sul podem ser explicadas por variações climáticas, altitudinais e fitofisionômicas.

A fauna de aranhas da região neotropical é pouco conhecida devido a uma perversa combinação de alta diversidade, pouca tradição em pesquisa científica e escassez de recursos. Este efeito é mais intenso para a América do Sul, já que historicamente a América Central tem recebido um pouco mais de atenção de sistematas de países do primeiro mundo (Nentwig et al. 1993). A araneofauna da América do Sul começou a ser estudada no século XIX, predominantemente por pesquisadores europeus (Levi 1964). A partir de meados do século XX, a contribuição de autores nativos aumentou significativamente, embora pesquisadores estrangeiros, em especial dos EUA, ainda sejam responsáveis por pelo menos metade dos estudos publicados (Brescovit & Francesconi, em preparação). Ocorre com as aranhas o que já foi descrito para a sistemática biológica como um todo: os países com maior biodiversidade são, em geral, pobres e menos preparados para estudá-la (Cracraft 1995, Hawksworth 1995).

O melhor exemplo da situação descrita acima são as coleções aracnológicas locais. Coleções biológicas são essenciais para o estudo da biodiversidade, não apenas porque constituem a base para o trabalho em sistemática, mas também por serem importantes fontes de dados sobre distribuição geográfica das espécies (Graham et al. 2004). As mais importantes coleções de aranhas do mundo estão nos EUA, sendo que as três maiores reúnem mais de 2 milhões de espécimes, muitos dos neotrópicos (Coddington et al. 1990). As coleções da América do Sul detêm apenas uma

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pequena fração disto. Para o Brasil, Brescovit (1999) contabilizou pouco menos de 100.000 lotes em 13 coleções. Embora estes valores sugiram uma grande abundância de material, persistem ainda grandes falhas de coleta entre regiões do país, como será comentado abaixo. Apesar disto, pode-se considerar o Brasil como privilegiado neste quesito, já que outros países neotropicais apresentam significativamente menos material em coleções (e.g. Jiménez 1996). À escassez de material pode-se somar dois problemas adicionais: a maioria das coleções não apresenta catálogos informatizados de seu acervo e, certamente, grande parte do material não se encontra adequadamente identificado. Estes problemas efetivamente dificultam o uso destas coleções como fontes de dados para estudos de biodiversidade (Graham et al. 2004).

Além da escassez de material, as coleções de aranhas da América do Sul sofrem de um extremo viés de amostragem, de modo que algumas partes do sub-continente são muito melhor representadas que outras, freqüentemente extensas e potencialmente mais ricas em espécies. Como exemplo, tome-se a revisão do gênero Aglaoctenus (Lycosidae), de Santos e Brescovit (2001). Este gênero ocorre em toda a América do Sul, exceto na maior parte da região temperada austral (Fig. 1.1). Para o Brasil, foram examinadas todas as grandes coleções de aranhas, de modo que é possível ter uma idéia do quanto cada região do país é bem representada. A Fig. 1.1 mostra que as regiões político-administrativas do país não são representadas nestas coleções de acordo com sua área. Regiões extensas como a Norte, que engloba a maior parte da Amazônia brasileira, são relativamente pouco amostradas considerando-se sua extensão. Por outro lado, as regiões Sul e Sudeste, justamente as mais desenvolvidas economicamente (responsáveis por 75,3% do PIB brasileiro) e onde encontram-se as coleções mais importantes (Brescovit 1999), foram intensivamente amostradas. Obviamente seria desejável que todas as partes do país fossem melhor amostradas, mas seria igualmente importante que regiões tradicionalmente pouco conhecidas recebessem mais expedições de coleta. Ampliar as coleções biológicas disponíveis no país implica necessariamente na realização de inventários de biodiversidade, envolvendo expedições com o objetivo de coletar grandes quantidades de espécimes de localidades pouco conhecidas. A

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contribuição destas expedições pode ir além da aquisição de material para coleções biológicas. Se implementados de forma adequada, inventários de biodiversidade podem gerar dados de grande interesse para o estudo de padrões de diversidade entre ecossistemas, e mesmo para aplicações práticas, como monitoramento ambiental e definição de estratégias de conservação (Kremen et al. 1993). Este é o assunto do próximo tópico.

Inventários de diversidade de aranhas

Para iniciar este tópico é importante definir o que se entende como um inventário de biodiversidade. Isto porque biólogos empreendem expedições para coleta de espécimes por diferentes razões, nem sempre compatíveis com o objetivo de mensurar a diversidade de um grupo taxonômico. Da mesma forma, o termo inventário pode também ser aplicado a compilações baseadas em dados publicados, o que freqüentemente se resume a listas de espécies descritas ou conhecidas para determinada região (e.g. Jiménez 1996). Entende-se aqui como inventário de diversidade a aplicação de um ou mais métodos de coleta em um determinado local, por um determinado período de tempo, a fim de amostrar o máximo possível de espécies de um grupo taxonômico. O material resultante destas coletas é examinado, no campo ou laboratório, e separado em grupos menores que servem como unidades de medidas de diversidade. Na maioria dos estudos publicados esta unidade é a espécie, mas grupos supraespecíficos também podem ser utilizados.

Tradicionalmente, inventários de biodiversidade são empreendidos por dois grupos de biólogos: sistematas e ecólogos. Especialistas em sistemática foram os primeiros a se interessar por estudos deste tipo, pela própria natureza de sua disciplina. O principal motivo que leva um sistemata a sair do laboratório e partir em expedições de coleta é a obtenção de material para estudo, já que, como exposto acima, as coleções biológicas nem sempre fornecem uma amostra completa da composição e distribuição de todos os grupos taxonômicos. Adicione-se a isto o crescimento, desde as últimas décadas do século XX, do uso de métodos de análise de dados moleculares, que demandam material fixado com técnicas específicas (Prendini et al. 2002). Em geral coletas deste

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tipo são extremamente seletivas, focadas nos grupos de interesse do coletor, e por isto não se qualificam como inventários, tal como definido aqui.

Por outro lado, sempre foi comum entre sistematas um interesse pela riqueza em espécies de determinados grupos em determinados locais, o que se traduz em expedições de coleta dirigidas a produzir listas de espécies (e.g. Mello-Leitão 1923). A desvantagem destes estudos é que raramente são utilizados desenhos amostrais que permitam medidas de esforço de coleta, o que é essencial para a comparação de resultados. Em muitos casos, os métodos de coleta empregados sequer são claramente descritos. Ecólogos também mostram grande interesse por inventários de diversidade, especialmente para estudar padrões de riqueza em espécies. Entretanto, diferente de seus colegas sistematas, ecólogos em geral implementam estudos com desenhos amostrais cuidadosamente planejados a fim de permitir análises estatísticas dos resultados. O problema é que nem sempre eles conhecem seus grupos de estudo tão bem, e freqüentemente têm que recorrer a especialistas para determinação do material coletado.

A experiência acumulada na literatura nos últimos anos demonstra que inventários de biodiversidade requerem a participação tanto de sistematas quanto de ecólogos, ou pelo menos de profissionais com treinamento elementar em ambas disciplinas (Longino 1994). O trabalho conjunto destes profissionais requer a superação de vários preconceitos e falhas de comunicação, e pode ser extremamente proveitoso para responder questões de interesse comum (Gotelli 2004). Com base neste princípio, foram desenvolvidos protocolos para inventários de aranhas que combinam o melhor dos dois mundos: a eficiência de inventários tradicionais com desenhos amostrais reproduzíveis e que geram resultados estatisticamente analisáveis. Exemplos de inventários apresentando tais características são apresentados na Tab. 1.1, que inclui apenas estudos que apresentam o número de indivíduos, espécies e famílias coletadas, descrições claras dos métodos de coleta empregados, e que se baseiam apenas em indivíduos adultos. Este último critério é especialmente importante, já que a separação de aranhas em espécies baseia-se em caracteres das genitálias, presentes apenas nos adultos.

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Existem muitos outros inventários de aranhas publicados, e certamente vários em execução, mas os estudos listados na Tab. 1.1 reúnem uma série de características que os tornam especialmente interessantes para análises comparativas. Estas características serão discutidas a seguir.

Esforço amostral e protocolos de coleta

O principal problema com muitos inventários de biodiversidade disponíveis na literatura, não apenas com aranhas, é que raramente o esforço de coleta é apresentado claramente, e em alguns casos ele sequer é mensurado. A gravidade deste problema pode ser avaliada na Fig. 1.2, que é baseada nos inventários listados na Tab. 1.1. Esta figura mostra que o número de espécies de aranhas observado em um inventário é correlacionado com o número de indivíduos coletados. Em outras palavras, quanto mais indivíduos se coleta, mais espécies são obtidas. Uma vez que o número de indivíduos coletados é diretamente dependente do quanto se coleta (por quantas horas, por quantas pessoas ou com quantas armadilhas), fica clara a importância deste parâmetro para que diferentes estudos sejam comparáveis.

Apresentar medidas de esforço amostral em inventários pode ser bastante complicado, uma vez que isto depende dos métodos de coleta empregados. Uma medida simples, e amplamente aplicável, é o número de indivíduos coletados. Esta medida é possivelmente a única diretamente comparável entre métodos diferentes e é intuitivamente rica em significados biológicos (veja “curvas de acumulação de espécies”). Por outro lado, análises mais complexas podem demandar desenhos amostrais mais detalhados, com a definição de réplicas estatisticamente analisáveis. Neste caso, é necessário que o esforço amostral seja dividido em unidades de tamanho padronizado, o que pode ser feito de várias formas, dependendo de cada método de coleta. É importante, portanto, que se entenda como funcionam os métodos de coleta, antes de organizar seu uso de modo a gerar réplicas com valor estatístico. Antes de apresentar alguns exemplos de como este problema tem sido

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abordado na literatura, será discutido porque a escolha dos métodos de coleta é tão importante no planejamento de um inventário de biodiversidade.

Aranhas podem ser coletadas por muitos métodos, que variam tanto no grau de dificuldade quanto em seu custo de implementação e rendimento em quantidade de espécimes obtidos. Infelizmente ainda não foi publicado um manual abrangente destes métodos para aracnídeos, embora existam manuais gerais, como Southwood (1978), e outros específicos para determinados grupos taxonômicos (como formigas, Agosti et al. 2000); também aplicáveis para aranhas. Esta alta diversidade de métodos está ligada ao fato de aranhas ocuparem uma imensa variedade de hábitats, incluindo desde o solo e a vegetação arbustiva (Pfeiffer 1996a, 1996b, Nentwig et al. 1993, Silva 1996) até as copas das árvores (Höfer et al. 1994, Russel-Smith & Stork 1994, 1995, Sørensen 2004). Além disto, elas variam bastante quanto a seus hábitos de vida, desde espécies errantes, que caçam ativamente, até espécies sedentárias, que ocupam abrigos ou teias, onde esperam por suas presas (Foelix 1996). Logo, existem vários métodos para extrair aranhas de seus microhábitats e, como seria esperado, cada método pode ser mais ou menos eficiente para um ou mais grupo(s) ou guilda(s). Isto foi demonstrado por Churchill (1993) em um inventário na Austrália. Aranhas ativas de solo, como Lycosidae e Zoridae, foram coletadas de forma mais eficiente por armadilhas tipo pitfall. Por outro lado, aranhas que ocupavam a folhagem de arbustos, como Thomisidae e Salticidae, foram melhor amostradas por redes de varredura ou coleta manual. Além disto, mesmo quando dois métodos permitem capturar as mesmas espécies, eles podem diferir quanto à abundância relativa de cada uma, de modo que uma espécie pode ser coletada abundantemente por um método, mas aparentar ser extremamente rara por outro (Costello & Daane 1997). Resultados como estes têm duas implicações para inventários que combinam métodos: (i) a similaridade entre os métodos, ou seja, o número de espécies coletadas por mais de um método, pode ser extremamente baixa (Coddington et al. 1996), e (ii) os métodos de coleta podem variar quanto a sua eficiência para amostrar a fauna total de uma localidade.

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Não bastasse o fato de diferentes métodos amostrarem diferentes grupos de aranhas, o modo como cada um é aplicado pode também ter efeitos sobre sua eficiência, e sobre os resultados finais do inventário, o que é especialmente evidente com armadilhas tipo pitfall. Embora este seja um método amplamente usado para amostrar artrópodes de solo (Southwood 1978), vários estudos mostram que fatores como o tamanho das armadilhas, seu distanciamento ou a substância fixadora utilizada, podem afetar significativamente os resultados (Uetz & Unzicker 1976, Adis 1979, Topping & Luff 1995, Pekár 2002, Work et al. 2002, Koivula et al. 2003). Voltando à Fig. 1.2, descontando-se o efeito do número de indivíduos coletados, certamente uma porção significativa da variação de riqueza entre as áreas pode ser explicada pela variação de métodos de coleta empregados (Tab. 1.1).

Embora existam várias formas de se mensurar o esforço amostral aplicado a cada método de coleta, poucas soluções foram propostas para este problema na literatura. Isto porque foram publicados poucos inventários de aranhas com desenhos amostrais adequados. Um protocolo de coleta simples, e relativamente bem conhecido, foi proposto por Coddington et al. (1991), no qual as unidades amostrais são padronizadas por tempo de coleta. Cada amostra, seja com guarda-chuva entomológico ou coleta manual noturna, tem uma hora de duração. Este protocolo tem sido usado em vários estudos em quase todos os continentes (e.g. Silva & Coddington 1996, Toti et al. 2000, Sørensen et al. 2002, Scharff et al. 2003), gerando dados comparáveis em larga escala geográfica.

Independentemente da forma escolhida para mensurar o esforço amostral, a escolha dos métodos de coleta para um inventário deve ser planejada com extremo rigor. O fato de existirem muitos métodos de coleta para aranhas não significa que todos devam ser empregados em um mesmo estudo. Isto foi demonstrado por Longino & Colwell (1997) e Fisher (1999), baseando-se em inventários de formigas respectivamente na Costa Rica e em Madagascar. Estes estudos mostram que o emprego de mais de um método de coleta não significa que uma maior proporção da fauna local será amostrada. Quando dois métodos são redundantes, ou seja, amostram basicamente os mesmos grupos de espécies, pode ser melhor empregar apenas um deles, de preferência aquele

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que rende um maior número de espécimes por unidade de esforço amostral. Isto é especialmente importante quando se considera o custo em tempo, e conseqüentemente em dinheiro, associado a cada método de coleta (Longino & Colwell 1997).

Concluindo, a combinação de métodos de coleta pode aumentar significativamente o número de espécies coletadas em um inventário, o que é positivo. Por outro lado, a grande diversidade de métodos de coleta disponíveis, bem como as várias formas possíveis de se mensurar o esforço amostral para cada um, pode dificultar a comparação entre resultados de diferentes estudos, bem como análises geograficamente mais abrangentes. A única solução para este problema, além do emprego de protocolos de coleta já conhecidos e testados previamente, é a descrição cuidadosa dos métodos na publicação de inventários. Esta descrição vai além de fatos óbvios, como as ferramentas empregadas, o número de pessoas envolvidas na coleta ou a forma escolhida para padronizar as unidades amostrais. É necessário também que sejam apresentados resultados (como riqueza em espécies e número de indivíduos coletados, no total e por amostra) específicos para cada método de coleta. A apresentação detalhada tanto dos métodos quanto dos resultados é o melhor recurso para tornar um inventário amplamente comparável.

Morfoespécies, planilhas e coleções de referência

Uma vez coletados os espécimes, inicia-se uma das mais longas e complexas atividades de qualquer inventário de biodiversidade: o processamento e identificação do material coletado. Como mencionado anteriormente, apenas aranhas adultas são consideradas nesta fase, uma vez que o reconhecimento de espécies neste grupo é dependente de caracteres genitálicos. Apesar disto, vários inventários publicados incluem indivíduos imaturos em suas análises. Nestes casos pode-se supor que os autores se basearam em caracteres não tão confiáveis, como padrões de coloração, para separar seu material em espécies. O maior problema destes estudos não é o fato dos autores optarem por procedimentos de laboratório diferentes, mas sim que eles não apresentem os resultados de

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forma detalhada, listando quantas espécies foram obtidas apenas com indivíduos adultos. Este pequeno detalhe tornaria tais estudos comparáveis com vários outros disponíveis na literatura.

Dois aspectos importantes devem ser apresentados a respeito da forma como é analisado o material resultante de inventários de biodiversidade. O primeiro se refere ao nível taxonômico escolhido e o segundo à identificação das espécies coletadas. O amplo uso da expressão “riqueza em espécies” pode dar a impressão de que qualquer estudo de biodiversidade deve necessariamente apresentar resultados em número de espécies coletadas. Entretanto, alguns estudos recentes sugerem que mesmo táxons supraespecíficos, como gêneros ou famílias, podem ser úteis como unidades de medida de biodiversidade. Balmford et al. (1996a, b) demonstraram que a riqueza em famílias, gêneros e ordens de angiospermas, aves e mamíferos pode ser fortemente correlacionada à riqueza em espécies em diferentes localidades. Com isto, dados de riqueza de táxons supraespecíficos seriam úteis para, por exemplo, definição de áreas prioritárias para conservação. Esta idéia foi recentemente testada para aranhas coletadas em várias localidades em Portugal (Cardoso et al. 2004a), com resultados semelhantes. O procedimento adotado nestes estudos pode ser ilustrado aqui com os dados da Tab. 1.1. A Fig. 1.3 mostra que o número de espécies de aranhas coletadas em cada localidade é correlacionado com o número de famílias, embora neste caso com uma variabilidade muito maior que a observada em outros estudos. Em parte, esta alta variabilidade seria esperada, uma vez que categorias taxonômicas mais inclusivas tendem a variar mais quanto ao número de espécies. Assim, a riqueza em espécies tende a apresentar maior correlação com a riqueza em gêneros, se comparada à riqueza em famílias ou ordens (Balmford et al. 1996a, Cardoso et al. 2004a).

A alta variabilidade observada nos resultados da Fig. 1.3 pode também ser atribuída ao fato dos dados terem sido coletados em várias partes do planeta, englobando desde áreas temperadas até florestas tropicais (Tab. 1.1). Seria esperado que a variação geográfica afetasse uma análise como esta não só porque regiões temperadas e tropicais podem apresentar grandes diferenças de riqueza e composição em espécies por famílias (e.g. Nentwig et al. 1993), mas também por fatores históricos.

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Como mencionado acima, as faunas de aranhas das regiões tropicais foram comparativamente menos estudadas que aquelas dos países temperados, especialmente da Europa. Conseqüentemente, os dados de riqueza em famílias das áreas tropicais podem apresentar menor “qualidade”, por serem resultado de uma fauna que ainda demanda revisões taxonômicas, com vários grupos a serem transferidos para outros táxons ou mesmo novas famílias a serem descritas. Este efeito deve ser mais intenso com a riqueza em gêneros, embora neste caso seja impossível sequer obter os dados necessários para a análise. Dentre os estudos listados na Tab. 1.1, apenas os inventários realizados nos EUA e na Europa apresentam listas com material totalmente identificado. Para as regiões tropicais, incluindo a América do Sul, é impossível determinar grande parte das aranhas coletadas em inventários, mesmo que seja ao nível de gênero.

As dificuldades de identificação citadas acima remetem a outro tópico central para inventários de biodiversidade. Uma crítica relativamente comum a estes estudos pode ser resumida na pergunta “porque coletar tantas aranhas se é impossível determiná-las?”. Esta pergunta evidencia a idéia tradicional de que inventários devem necessariamente gerar listas de espécies, e de que dados de diversidade local teriam importância secundária. Entretanto, esta idéia ignora os motivos principais para que se implementem inventários como aqueles listados na Tab. 1.1. Em primeiro lugar, inventários são uma excelente fonte de espécimes para coleções biológicas, que são, como enfatizado acima, essenciais para o trabalho em sistemática. Segundo, inventários geram dados de grande importância para conservação, contribuindo, por exemplo, para definição de áreas prioritárias para o estabelecimento de reservas (e.g. Kress et al. 1998) ou para o monitoramento de impactos antrópicos (Simmonds et al. 1994). Considerando-se o ritmo atual de destruição de hábitats naturais, e a conseqüente urgência com que isto deve ser enfrentado, fica claro que não é possível esperar até que a sistemática de aranhas esteja totalmente resolvida para então iniciar o estudo de seus padrões de diversidade.

Embora não seja possível identificar todas as espécies de aranhas coletadas em inventários nos trópicos, é certamente possível separá-las em unidades taxonômicas para fins de análise. Estas

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unidades são em geral conhecidas na literatura por termos (nem sempre apropriados) como “morfoespécies”, “morfotipos”, “unidades taxonômicas operacionais (UTO)” ou “unidades taxonômicas reconhecíveis (UTR)” (Krell 2004). Estes termos são usados para indicar que as unidades taxonômicas analisadas não correspondem necessariamente a espécies biológicas, tal como seriam reconhecidas por especialistas em taxonomia do grupo. Entretanto, seu emprego nem sempre é coerente, já que eles são usados mesmo quando os espécimes coletados são examinados por especialistas, de modo que freqüentemente são equivalentes a espécies não-determinadas, e em alguns casos, não determináveis ou mesmo não descritas, dependendo da situação taxonômica do grupo. Por outro lado, alguns autores tentaram aplicar estes termos de forma mais rigorosa, usando-os somente quando o material é examinado por não-especialistas treinadusando-os para este fim. Este detalhe, quem afinal deve examinar os espécimes coletados em um inventário, tem gerado certa controvérsia na literatura.

Um dos primeiros estudos a testar a eficácia da atuação de não-especialistas no reconhecimento de espécies em inventários de fauna foi desenvolvido com alguns grupos de invertebrados, incluindo aranhas, na Austrália (Oliver & Beattie 1996). Estes autores, com o auxílio de especialistas em sistemática, treinaram voluntários para reconhecer espécies nestes grupos. Os voluntários examinaram então uma grande quantidade de espécimes coletados em diferentes áreas de estudo. Por fim, o material foi também examinado por especialistas, a fim de quantificar a freqüência de erros cometidos pelos voluntários. Os resultados foram em geral animadores já que, para a maioria dos grupos, a discordância entre os voluntários e os especialistas não ultrapassou 10% das espécies. Vários estudos posteriores testaram este procedimento (veja Krell 2004), nem sempre com resultados tão positivos. Por exemplo, Derraik et al. (2002) repetiram basicamente o mesmo procedimento de Oliver & Beatie (1996), com algumas diferenças (por exemplo, incluindo aranhas imaturas no material coletado), e observaram taxas de discordância entre voluntários treinados e especialistas consideravelmente mais altas. Entre as aranhas, 50% das unidades

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taxonômicas reconhecidas pelos voluntários não correspondiam a espécies reconhecidas pelos especialistas.

Toda a controvérsia em torno do emprego de não-especialistas (amplamente conhecidos na literatura como “parataxônomos”) em inventários de biodiversidade acabou por gerar algumas confusões, freqüentemente ligadas a preconceitos entre sistematas e ecólogos. Certamente é possível treinar não-especialistas para examinar material coletado em inventários de fauna. Este procedimento já é usado há décadas em museus de história natural, que empregam técnicos treinados como auxiliares de curadoria, o que não não significa que sistematas são dispensáveis. Ao contrário, eles são imprescindíveis, não apenas porque são os responsáveis pelo treinamento dos parataxônomos, mas também por serem os únicos profissionais habilitados a manter um “controle de qualidade” sobre seu trabalho. Existem atualmente exemplos de projetos de longa duração, envolvendo ecólogos, sistematas e parataxônomos, que têm se mostrado extremamente bem sucedidos (e.g. Gámez 1991, Basset et al. 2004). Esta cooperação entre profissionais de diferentes áreas é especialmente importante considerando-se a quantidade de material que pode ser coletado em inventários, e o esforço necessário para processá-lo em laboratório. Mas o que fazer quando não é possível contar com uma equipe completa, com laboratórios bem equipados, ou com tempo de sobra para examinar todo o material coletado no campo? A abundância de material coletado pode atuar como um empecilho para a implementação de estudos de biodiversidade, especialmente quando é necessário gerar resultados em pouco tempo, como em projetos de monitoramento ambiental. Nestes casos, a solução poderia ser justamente diminuir o escopo do trabalho, restringindo a análise a grupos taxonômicos menores.

A altíssima diversidade dos trópicos, especialmente quando se considera invertebrados, pode atuar como um empecilho para a obtenção de dados úteis para conservação com a urgência que esta tarefa exige. Uma solução para este problema seria o uso de grupos indicadores, que seriam fortemente correlacionados em diversidade aos grupos não amostrados (Pearson & Cassola 1992). Por exemplo, Beccaloni & Gaston (1995) mostraram que a riqueza em espécies de borboletas da

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subfamília Ithominae é fortemente correlacionada à riqueza de borboletas como um todo na América do Sul. Assim, com inventários rápidos focados em Ithominae, seria possível descrever padrões geográficos de diversidade de borboletas, com um custo menor e em menor tempo. Este princípio foi testado recentemente em aranhas, com dados de inventários em 27 localidades em Portugal (Cardoso et al. 2004b). Neste estudo, as famílias Theridiidae e Gnaphosidae se mostraram bons indicadores da diversidade total de aranhas, tanto para riqueza em espécies como para complementaridade entre áreas. Entretanto, é importante mencionar que os resultados deste estudo se mostraram sensíveis a diferenças de esforço amostral e variações na estrutura da vegetação.

O estudo de Cardoso et al. (2004b) foi aplicado em áreas relativamente próximas, e portanto com características climáticas parecidas. Seria possível identificar grupos indicadores de diversidade de aranhas que funcionem em escala geográfica, como no estudo de Beccaloni & Gaston (1995)? Talvez isto seja possível enfocando-se famílias diversas, amplamente distribuídas e fáceis de amostrar. Por exemplo, dentre os estudos listados na Tab. 1.1, a riqueza em espécies de aranhas papa-moscas (Salticidae) é fortemente correlacionada com a riqueza de aranhas como um todo (Fig. 1.4). Salticidae é a maior família de aranhas, com mais de 5.000 espécies, e ocorre em todos os continentes (Platnick 2005), o que a torna uma boa candidata a indicadora de diversidade de aranhas. Outras famílias, mesmo entre as mais diversas, não seriam tão adequadas. Por exemplo, Linyphiidae é a segunda maior família de aranhas em diversidade (4.301 espécies, Platnick 2005) e também ocorre em todo o planeta. Entretanto, vários inventários e estudos taxonômicos têm mostrado que esta família é muito mais rica nas regiões temperadas que nos trópicos (Platnick 2005, e estudos listados na Tab. 1.1), o que restringe sua aplicabilidade como indicador em escala local. Embora o uso de indicadores de diversidade possa ser futuramente útil para programas de monitoramento ambiental, somente após uma considerável ampliação do número atual de inventários de aranhas como um todo será possível testar sua confiabilidade.

Dois últimos detalhes merecem ser mencionados antes do final deste tópico. Primeiro, é importante lembrar que em inventários de invertebrados a fase de exame de material de laboratório

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é sempre mais prolongada e complexa que as coletas de campo, e em alguns casos, que a análise posterior dos dados. A manipulação e armazenamento do material coletado, bem como a coleta dos dados resultantes devem ser pensados e organizados cuidadosamente, pois é justamente nesta etapa que dados podem ser perdidos por descuidos prosaicos, como rotulagem inadequada do material examinado ou inserção de dados em planilhas mal estruturadas. Sugestões de como evitar problemas como estes podem ser encontradas em Grove (2003). A organização de atividades de laboratório em inventários de diversidade é certamente mais fácil hoje do que anos atrás, graças ao desenvolvimento de programas de computador para montagem e manuseio de bancos de dados e a certos avanços tecnológicos, como o crescente aumento de capacidade de processamento de computadores e o uso cada vez mais disseminado de fotografia digital (e.g. Basset et al. 2000).

Por fim, é importante que o material coletado seja adequadamente rotulado e armazenado em coleções biológicas, de preferência em instituições com tradição em pesquisa e manutenção de coleções, como museus de história natural (Huber 1998, Grove 2003). Isto é especialmente importante quando se considera que uma proporção considerável das espécies coletadas em inventários de artrópodes não pode ser determinada. Uma conseqüência disto é que estudos futuros envolvendo comparações entre inventários são possíveis apenas após o exame do material coletado em cada um. Isto é verdade mesmo quando parte do material é identificado, já que somente com acesso ao material-testemunho é possível detectar erros de identificação (Schlick-Steiner et al. 2003). Além disto, como mencionado acima, inventários de biodiversidade são importantes fontes de material para estudos taxonômicos, e podem enriquecer consideravelmente coleções biológicas.

Curvas de acumulação de espécies

A análise de dados de inventários de diversidade pode envolver uma extensa lista de métodos estatísticos, desde testes de hipóteses simples até análises multivariadas descritivas. A escolha dos métodos a serem empregados depende dos objetivos do estudo, do protocolo de coleta e de características intrínsecas dos dados obtidos. Portanto, este assunto é excessivamente amplo para

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ser tratado em um capítulo como este, e o leitor interessado deve consultar a extensa literatura estatística disponível (e.g. Gauch 1982, Magurran 1988, Jongman et al. 1995, Zar 1996) ou mesmo procurar auxílio de estatísticos.

Um aspecto comum a dados de qualquer inventário de diversidade merece ser abordado aqui. Como mostra a Fig. 1.1, a riqueza em espécies observada em um inventário é correlacionada ao esforço de coleta empreendido, independentemente de como este esforço seja medido. Este simples fato tem importantes implicações quando se pretende elaborar estudos comparativos envolvendo coletas em mais de uma localidade, formação vegetal ou épocas do ano. Não se pode simplesmente afirmar que uma área é mais rica em espécies que a outra sem levar em conta as diferenças de esforço amostral entre elas. As duas áreas podem ser diferentes em riqueza apenas porque uma foi melhor amostrada que a outra.

A relação entre a riqueza em espécies observada para uma área e o esforço amostral pode ser claramente expressa em um gráfico como da Fig. 1.5. Conhecido como “curva de acumulação de espécies” ou simplesmente “curva do coletor”, este gráfico mostra o acúmulo de espécies observadas em relação ao aumento do esforço de coleta, neste caso medido em número de amostras. A construção da curva de acumulação de espécie é o primeiro passo na análise exploratória de dados de inventários, e constitui por si só um recurso poderoso para visualizar seus resultados. Percebe-se na Fig. 1.5, que retrata curvas para três áreas hipotéticas, que nem todas as curvas se estabilizam com o aumento do esforço amostral. Apenas a curva da área A atinge a assíntota, a partir da qual novas espécies não são acrescentadas com o aumento do esforço amostral. Para a imensa maioria dos inventários implementados em todo o mundo, principalmente de invertebrados e em regiões tropicais, a estabilização da curva é uma exceção. O mais comum é que elas continuem crescendo, mesmo com esforços amostrais absurdamente altos. Obviamente estas curvas necessariamente atingiriam a assíntota em algum momento se o esforço de coleta continuasse aumentando. O número de espécies de qualquer área amostrada não é infinito, apenas extremamente alto. Este fato, amplamente divulgado na literatura, tem um importante significado para qualquer

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estudioso interessado em análise de dados de diversidade. Pode-se supor que apenas áreas em que todas as espécies tenham sido coletadas, ou seja, que apresentem curvas do coletor estabilizadas, são passíveis de análise. Entretanto, isto nunca acontece, e será discutido abaixo porque é inútil estender infinitamente o esforço de coleta, a fim de alcançar uma longínqua assíntota.

Observando-se as curvas das áreas B e C na Fig. 1.5, pode-se perceber que o número de espécies coletadas cresce rapidamente no início, seguido por uma diminuição na inclinação das curvas a partir de 5 amostras. Isto acontece porque no princípio das coletas as espécies mais comuns têm maior probabilidade de serem capturadas. Entretanto, a partir de um ponto passa-se a coletar muitos indivíduos de espécies comuns, já amostradas, e poucos indivíduos de outras espécies. São justamente as espécies raras, aquelas que são representadas em inventários por poucos indivíduos, freqüentemente não mais que um ou dois, que mantêm a curva de acumulação de espécies longe da assíntota. Com o progressivo aumento do esforço de coleta, eventualmente são capturados novos indivíduos das espécies mais raras. Por outro lado, como qualquer cientista que tenha empreendido um inventário de artrópodes nos trópicos deve ter percebido, sempre há novas espécies raras por descobrir. Existem várias explicações para a existência de espécies raras em inventários, desde deficiências de coleta (i.e. o método aplicado não é adequado para coletar a espécie em questão) até características biológicas das espécies. Algumas espécies raras ocorrem apenas em microhábitats restritos, muito dispersos no ambiente ou pouco amostrados pelos métodos empregados. Assim, estas espécies seriam representadas nas amostras apenas por alguns indivíduos acidentalmente coletados enquanto se deslocavam fora de seu hábitat preferido. Por fim, é possível que muitas espécies sejam naturalmente raras na natureza, ocorrendo em baixas densidades (veja uma discussão mais ampla em Novotný & Basset 2000). Seja qual for o motivo da raridade destas espécies, elas têm um efeito bem conhecido sobre inventários de biodiversidade: quanto mais se coleta, mais esforço é necessário para incluir uma nova espécie dentre aquelas já amostradas. Logo, não é financeiramente factível coletar infinitamente em uma área, empregando os mesmos métodos de coleta, a fim de necessariamente amostrar todas as suas espécies. A melhor saída é aceitar o fato

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de que isto não é possível, e usar os recursos analíticos disponíveis para trabalhar com os dados que se pode obter com o tempo e o dinheiro disponíveis.

Antes de discutir alguns métodos empregados para análise de dados de inventários com diferenças de esforço amostral, é importante considerar quais seriam as melhores formas de medir este esforço. Uma forma óbvia, e amplamente utilizada, é medir o esforço de coleta em número de amostras. Como citado acima, a delimitação de amostras depende, entre outros fatores, do método de coleta. Assim, pode-se ter amostras padronizadas por tempo de coleta (e.g. uma hora de coleta com guarda-chuva entomológico), área (parcelas de um metro quadrado para extração de serapilheira) ou número de armadilhas. Entretanto, como comparar resultados de áreas inventariadas com diferentes métodos? Certamente uma amostra de uma hora de guarda-chuva entomológico não é equivalente a uma parcela de remoção de serapilheira. Além disto, uma vez que os métodos diferem entre si quanto ao número de espécies obtidas por amostra (Longino & Colwell 1997, Fisher 1999), a proporção de amostras de cada método certamente deve influenciar os resultados da comparação. Há duas possíveis soluções para este problema: padronizar as análises por método de coleta ou inserir os métodos como uma variável nas análises.

Existe ainda uma outra forma de medir o esforço amostral em inventários, e em alguns casos ela pode ser mais interessante que o número de amostras. A Fig. 1.6A mostra os mesmos dados hipotéticos da Fig. 1.5, porém usando o número de indivíduos coletados como unidade amostral. Percebe-se que este procedimento afeta as conclusões que se poderia tirar da comparação entre as três áreas hipotéticas: se na Fig. 1.5 a área C é visivelmente mais rica em espécies que a área B, na Fig. 1.6A elas apresentam aproximadamente a mesma riqueza em espécies. A explicação para esta diferença está na Fig. 1.6B, onde se vê o número cumulativo de indivíduos em relação ao número de amostras. As áreas B e C diferem quando comparadas quanto ao número de amostras porque a primeira apresenta uma densidade menor de indivíduos que a segunda. Logo, como mais indivíduos são obtidos por amostra na área C, ela parece ser mais rica quando se usa o número de amostras na curva de coletor. Considera-se atualmente que a riqueza em espécies deve ser medida

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em relação ao número de indivíduos, que constitui uma medida de maior valor biológico. Afinal, a questão central quando se constrói uma curva de coletor é “qual é a probabilidade de um novo indivíduo coletado nesta área pertencer a uma espécie ainda não amostrada?” Recentemente, o termo “densidade de espécies” foi proposto para análises que envolvem o número de espécies por número de unidades amostrais (veja mais detalhes em Gotelli & Colwell 2001).

Independentemente de qual unidade seja usada para medir esforço amostral, muitos inventários ou estudos de ecologia de comunidades envolvem comparações de riqueza em espécies de duas ou mais áreas, épocas do ano, formações vegetais, tratamentos experimentais, etc. Como implementar tal comparação, se o esforço de coleta influencia a riqueza em espécies observada? Uma opção simples é aplicar o mesmo esforço amostral em cada tratamento a ser comparado. Neste caso, se por exemplo uma determinada área apresenta 10 amostras a mais do que a outra, seria necessário descartar estas amostras adicionais para padronizar o esforço amostral entre elas. Embora esta seja uma solução simples para o problema, isto implica numa perda de informação para a área melhor amostrada. Outros recursos podem ser empregados para resolver este empecilho, preservando o máximo de informação obtida em cada área. Em muitos casos, simplesmente usar o esforço amostral como um fator adicional nas análises pode ser uma solução. Isto pode ser feito incluindo diretamente o número de amostras (ou indivíduos) de cada tratamento na análise, ou extraindo das curvas de acumulação de espécies parâmetros indicadores de esforço amostral (veja um exemplo interessante em Flather 1996).

Outro recurso analítico muito explorado na literatura recente envolve a extrapolação da riqueza observada, a fim de estimar a riqueza total da área. Existe atualmente uma grande diversidade de métodos de estimativa de riqueza em espécies, em geral baseados em características de curvas de acumulação de espécies, na distribuição de abundâncias relativas ou na proporção de espécies raras dentre as amostras (Soberón & Llorente 1993, Colwell & Coddington 1994, Moreno 2001, Santos 2003). Estes métodos têm se mostrado extremamente populares, especialmente devido a sua facilidade de implementação (Santos 2003). Entretanto em muitos casos eles se mostram

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inúteis para interpretação de resultados de inventários, especialmente porque eles podem ser tão influenciados por variações de esforço amostral quanto a riqueza observada. Aparentemente, alguns destes métodos não funcionam adequadamente com amostras de áreas com alta diversidade, justamente as situações em que eles seriam mais necessários (Melo 2004). Diante disto, é importante mencionar que o simples uso de estimativas de riqueza, ou de qualquer outro índice de diversidade (veja Moreno 2001) sem um objetivo definido nada acrescenta aos resultados de um inventário. Estimativas de riqueza, como qualquer outro método de análise, são apenas ferramentas a serem empregadas no que realmente importa: responder questões cientificamente relevantes.

Se empregados adequadamente, métodos de estimativa de riqueza podem ajudar a solucionar problemas de análise de dados de diversidade. Por exemplo, alguns destes métodos podem ser úteis como critérios de completude de amostragens. Uma vez que em vários métodos são conhecidas as condições em que a riqueza observada seria igual à riqueza estimada (veja Colwell & Coddington 1994), seria possível usá-los como medidas relativas de o quão próximo estaria um inventário da riqueza total da área amostrada. Isto permitiria, por exemplo, definir tamanhos mínimos de amostra para comparações entre áreas. Esta abordagem seria interessante não apenas para comparar resultados de diferentes estudos, mas teria também aplicações potenciais na definição de prioridades para conservação (e.g. Heyer et al. 1999). Outro uso para métodos de estimativa de riqueza foi sugerido por Melo et al. (2003), que testaram vários estimadores como recursos para comparação de inventários com diferenças de esforço amostral. Este procedimento seria uma solução alternativa para, como no exemplo citado acima, comparar áreas quando uma tem 10 amostras a mais que a outra. Ao invés de descartar estas amostras, pode-se estimar quantas espécies seriam obtidas na área menos amostrada se fossem aplicadas 10 amostras adicionais (veja detalhes em Melo et al. 2003).

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Conclusões

Este capítulo teve como objetivo central discutir o quão pouco se sabe sobre diversidade de aranhas, especialmente na América do Sul; o porquê desta situação, e apontar possibilidades para estudos futuros. Certamente este é um assunto extenso demais para ser esgotado em um texto destas dimensões, mas espera-se que alguns aspectos especialmente importantes tenham sido expostos claramente. Em especial, dois pontos merecem ser enfatizados. Primeiro, fica claro pelo exposto acima que, apesar da necessidade de estabelecer comparações entre inventários implementados em diferentes áreas, estudos de biodiversidade não tem que seguir exatamente o mesmo protocolo de coleta e análise de dados. Como acontece em qualquer área da ciência, os métodos a serem empregados devem adequar-se aos objetivos do estudo, objetivos estes que devem ser claramente definidos antes do início das coletas. Em várias situações, a definição de protocolos de coleta pode ser absolutamente dispensável. Por exemplo, não há razão porque um sistemata interessado em obter espécimes para uma análise filogenética deva gastar tempo e dinheiro desenhando um protocolo de coleta elaborado. Se o objetivo é simplesmente coletar determinados grupos de aranhas, a opção mais prática é dedicar todo o tempo de campo coletando aranhas. Por outro lado, se este profissional tem alguma pretensão de estudar a araneofauna de uma localidade, certamente ele deve ir além de gerar uma simples lista de nomes, o que remete a um segundo ponto chave. Inventários de biodiversidade podem ser estudos relativamente complexos, que demandam a participação de especialistas de mais de uma área, especialmente sistematas e ecólogos. Para que estes estudos sejam efetivamente implementados, é necessário que profissionais de diferentes áreas aprendam a se comunicar, ajustando-se a seus interesses comuns. Esta interação entre disciplinas pode, muitas vezes, ser extremamente difícil, mas é imprescindível em vista da urgência com que dados de biodiversidade são necessários para conservação.

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INFLUÊNCIA DA ESTRUTURA DO HABITAT NA ABUNDÂNCIA E DIVERSIDADE DE ARANHAS

ANDRÉA LÚCIA TEIXEIRA DE SOUZA

As aranhas são um grupo extremamente diversificado e amplamente distribuído, encontrado em quase todos os tipos de ambientes terrestres. No entanto, a distribuição das espécies em macroescala está relacionada a sua sensibilidade a condições abióticas, principalmente climáticas e geológicas (Comstock 1971, Turnbull 1973, Foelix 1996, Henschell & Lubin 1997). Algumas espécies, definidas como estenécias, são mais sensíveis às variações das condições físicas do que outras. Estas aranhas estão restritas a habitats mais estáveis, que possuem menor variação de condições climáticas. Por outro lado, as espécies euriécias são capazes de sobreviver e reproduzir dentro de uma ampla faixa de condições e, portanto, possuem uma distribuição mais ampla, incluindo vários tipos de habitats e grandes extensões geográficas (Foelix 1996, Samu et al. 1999).

Dentro das faixas de tolerância às condições físicas, a distribuição espacial de aranhas também é fortemente influenciada por vários fatores bióticos, como suprimento de presas, competidores, abundância de predadores ou parasitas e, principalmente, pelo tipo de vegetação característico de cada habitat. Apesar da grande maioria das espécies de aranhas utilizar plantas ou a serapilheira apenas como substrato, o tipo de vegetação determina a quantidade e o tipo de presas disponíveis, além de poder influenciar as taxas de predação e parasitismo e determinar as condições microclimáticas. Este capítulo enfoca as relações entre a estrutura do habitat e a abundância e a diversidade de aranhas. Inicialmente, são definidos os tipos de mecanismos usados para a dispersão e colonização de novas áreas pelas aranhas. Em seguida é feita uma descrição das relações entre as variações de habitats e a distribuição de aranhas na vegetação, em inflorescências e no solo. Finalmente, é apresentada uma revisão sobre a divisão do grupo em guildas e uma avaliação de

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alguns padrões descritos na literatura relacionados à distribuição de guildas em diferentes tipos de microhabitats.

Modos de dispersão de aranhas

Barreiras geográficas como topos de montanhas, grandes extensões de água e dunas de areia em desertos podem diminuir as taxas de colonização de novos ambientes. A travessia de grandes áreas só é possível através da habilidade de muitas espécies de aranhas de flutuar no ar com auxílio de estruturas de seda, especialmente nos primeiros estágios do ciclo de vida. Este tipo de dispersão aérea realizada por aranhas é denominada balonismo. Quando as condições locais se tornam desfavoráveis, como por exemplo em situações de alta densidade de jovens, ocorrência de canibalismo e escassez de presas, as aranhas tecem pequenos emaranhados de seda com o abdômen voltado para cima e se lançam nas correntes de ar, podendo ocasionalmente alcançar milhares de metros de altura e centenas ou até mesmo milhares de quilômetros de distância na horizontal. Mesmo alcançando locais desfavoráveis na maioria das vezes, este modo de dispersão é rápido e garante a expansão da sua distribuição através da colonização de novas áreas e, conseqüentemente, a manutenção de suas populações (Foelix 1996, Samu et al. 1999).

O movimento entre habitats ou entre regiões pode ser feito através do lançamento de fios de seda também com auxílio de correntes de ar. Este modo de dispersão intermediário entre o balonismo e o de simplesmente se locomover sobre o substrato é definido como “rigging”, termo de origem inglesa que resume o uso de um equipamento, neste caso, de fios de seda em correntes aéreas. As aranhas sobem até o topo da vegetação ou partes mais altas de pedras e soltam progressivamente um fio de seda que alcança outro ponto através do movimento do ar. Quando a ponta do fio adere a um substrato, as aranhas caminham sobre o fio. Este tipo de locomoção permite o seu deslocamento a distâncias que variam de dezenas de centímetros até poucos metros. Este modo de dispersão tem um alcance curto em relação ao balonismo, mas apresenta um risco de mortalidade menor e pode ser redirecionado em qualquer ponto (Samu et al. 1999). Os

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deslocamentos de curtas distâncias e entre microhabitats é normalmente feito caminhando entre a vegetação ou qualquer outro substrato e recebe a denominação de movimentos cursoriais.

Variações dentro do habitat na distribuição de aranhas

A hipótese da diversidade de recursos prevê que plantas com uma grande variedade de estruturas ou tipos de recursos sustentam uma maior abundância e diversidade de artrópodes (Lawton 1983). Assim, numa escala espacial menor, a complexidade estrutural, expressa através do número de ramificações e tamanho e forma de folhas, tem sido considerada como uma das principais variáveis na determinação da abundância de aranhas (Robinson 1981, Gunnarsson 1990, Scheidler 1990, Evans 1997).

Espécies de plantas diferem em tamanho da copa e tronco, número de bifurcações de ramos e em número, forma e área superficial de folhas. O tamanho das plantas constitui uma das principais características que influenciam positivamente as comunidades de artrópodes. Esta hipótese é baseada nas relações espécie-área proposta por MacArthur & Wilson (1967) e posteriormente modificada por Kareiva (1985), que prevê que áreas maiores apresentam maior probabilidade de serem localizadas e colonizadas pelos organismos, além de suportarem populações maiores e, conseqüentemente, menores taxas de extinção e emigração.

Outro tema comumente abordado nos estudos de distribuição de artrópodes em microescala é a arquitetura de plantas, definida por Kuppers (1989) como o arranjo da biomassa vegetal no espaço. A arquitetura de plantas pode propiciar locais que são usados por aranhas como esconderijos para evitar predadores, locais de forrageamento, encontro de parceiros sexuais, acasalamento e oviposição, além de oferecerem proteção contra dessecação e condições extremas de temperatura. O efeito das características estruturais do ambiente na seleção de microhabitats tem sido demonstrado para muitas espécies de aranhas que habitam diferentes espécies de plantas e em várias regiões. Evans (1997), por exemplo, avaliou a distribuição de aranhas sociais do gênero Diaea (Thomisidae) em florestas de Eucalyptus ao longo de toda a costa sudeste da Austrália. Ele

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comparou características estruturais de 14 espécies de Eucalyptus, em que eram encontradas espécies de Diaea e 25 espécies em que não havia registros destas espécies de aranhas. O tamanho e a largura das folhas das plantas habitadas pelas aranhas foi significativamente menor do que as não habitadas, mas o tamanho dos botões florais não diferiu entre os dois grupos de espécies de plantas. Estes resultados sugerem que apenas a arquitetura dos ramos vegetativos influenciava a distribuição das aranhas do gênero Diaea.

Souza & Martins (no prelo) observaram uma relação entre a arquitetura de plantas e a abundância de aranhas. Estes autores amostraram ramos de sete espécies de plantas arbustivas que variavam entre um e dois metros de altura, em uma área de campo sujo no Sudeste do Brasil. Os resultados mostraram que a abundância de aranhas em plantas foi positivamente correlacionada com a densidade de ramificações, descrita pelo número de folhas por unidade de volume do ramo (Fig. 2.1). Apenas este componente da complexidade estrutural explicou 73% da variação na abundância de aranhas presentes nas plantas.

A mesma relação positiva entre a complexidade estrutural de ramos e a abundância de aranhas foi observada dentro de uma mesma espécie de planta. Gunnarsson (1988) comparou a abundância de aranhas em Picea abies, uma conífera comum em duas localidades sujeitas aos efeitos de poluição do ar no sudoeste da Suécia. Nos locais mais atingidos, as plantas sofriam grandes perdas de folhas resultando em diminuição da complexidade estrutural dos ramos. O autor mostrou que a abundância de aranhas maiores do que 2,5 mm era aproximadamente o dobro nas plantas com baixa perda de folhas em relação àquelas com grandes perdas de folhas. Além disto, ele encontrou diferenças na composição em espécies. Os Linyphiidae foram mais abundantes onde a densidade de folhas era menor, enquanto as espécies de Thomisidae eram menos abundantes nestes locais.

Apesar de vários estudos mostrarem uma correlação positiva entre arquitetura de plantas e a abundância de aranhas, tanto entre quanto dentre diferentes espécies de plantas, poucos estudos avaliaram a distribuição destes artrópodes em micro e macroescala simultaneamente, com o

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objetivo de quantificar a intensidade do efeito da estrutura do microhabitat entre os diferentes tipos vegetacionais que compõem uma paisagem. Souza (em prep.) conduziu um estudo numa área de restinga do Sul do Brasil, entre os meses de abril e maio de 2000, no qual foram amostrados ramos de 40 cm de comprimento de cinco espécies de plantas com altura entre um e dois metros: Dodonaea viscosa (Sapindaceae), Baccharis dracunculifolia (Asteraceae), uma espécie não identificada de Asteraceae, Gomidesia palustris (Myrtaceae) e Pinus elliottii (Pinaceae). Como medida de um componente de estrutura do microhabitat foi usado um índice de densidade de folhas, definido como a razão entre o número de folhas e o comprimento do ramo, conforme descrito em Souza & Martins (no prelo). Um total de 5076 aranhas foi registrado nas cinco espécies de plantas, dos cinco sítios da área de estudo. O número de aranhas total registrado nos ramos foi positivamente correlacionado com a densidade de folhas (Fig. 2.1), um padrão bastante similar ao que foi descrito por Souza & Martins (no prelo) no Sudeste do Brasil. No entanto, as inclinações das retas descritas nestes dois locais diferiram entre si, o que sugere que a relação entre a abundância de aranhas e a arquitetura de plantas pode diferir fortemente. A área de restinga no Sul e a área de campo sujo amostrada no Sudeste do Brasil por Souza & Martins (no prelo) eram compostas basicamente por uma vegetação rasteira e arbustos esparsos que variavam entre um e dois metros de altura. A principal característica estrutural da vegetação que diferencia as duas áreas, numa escala espacial maior, é a fitofisionomia e a intensidade de impacto ambiental das áreas adjacentes. Enquanto a área no sul está inserida numa matriz de Floresta Umbrófila Densa de grandes extensões e composta por espécies vegetais climácicas, a área de campo sujo no sudeste era circundada por extensas áreas de atividade agropecuária e com apenas pequenos fragmentos de cerrado e de floresta secundária. Assim, estes resultados corroboram a hipótese do efeito da arquitetura de plantas na seleção de habitats por aranhas dentro de manchas de vegetação, mas sugere que a influência de áreas adjacentes deve ser o principal fator que determina a abundância de aranhas.

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