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AGRESSÃO E TERRITORIALIDADE

No documento Ecologia e Comportamento de Aranhas.pdf (páginas 175-199)

CYNTHIA SCHUCK-PAIM

Duas aranhas são dispostas nas extremidades de uma vara de bambu, uma em cada lado. Em volta, uma multidão observa a luta que então se sucede. Enquanto a luta não termina o ambiente é tenso: a maioria dos presentes já fizeram e pagaram suas apostas. Momentos depois, o resultado é conhecido: uma das aranhas é expulsa do bambu ou, não raramente, morta durante o combate.

O evento anterior poderia ser um dentre os vários que ocorrem diariamente nas Filipinas. Neste país, a indução de lutas entre aranhas é uma prática extremamente popular, principalmente entre a população mais jovem. Quando não são compradas, as aranhas são capturadas durante o amanhecer e entardecer, ou então após as chuvas, períodos em que geralmente estão mais ativas. Mesmo uma "boa lutadora", no entanto, não sobrevive por mais do que quatro ou cinco lutas em média – período este geralmente mais curto do que o que lhe restaria em condições naturais.

Embora em casos como o descrito anteriormente o comportamento territorial e a intolerância à presença de indivíduos da mesma espécie tenham tido conseqüências prejudiciais às aranhas, tais comportamentos apenas puderam evoluir em função dos benefícios que sua adoção proporcionou, e proporciona, a tais organismos. Em ambientes onde a disponibilidade de recursos essenciais à sobrevivência e reprodução é limitada, a exclusão ativa de coespecíficos através do comportamento agressivo em muitos casos é a melhor forma de garantir o acesso a tais bens. Os exemplos são inúmeros e incluem as disputas territoriais, normalmente relacionadas ao acesso a áreas exclusivas de alimentação e proteção contra predadores e intempéries ambientais, as disputas por melhores posições na hierarquia social e, freqüentemente, lutas entre machos pelo acesso a

fêmeas. Se por um lado a maioria destas interações é ritualizada, caracterizando-se pelo emprego de sinais de ameaça e demonstrações de força e resistência, o perigo de progressão a lutas envolvendo contato físico e da ocorrência de lesões irreversíveis é real, em casos extremos podendo levar à morte de um dos oponentes.

Estudos relatando interações agressivas (ou “agonísticas”, como são também denominadas) entre aranhas são amplamente difundidos na literatura. Popularmente conhecidas como eficientes predadoras, a maioria das espécies de aranhas também é intolerante à presença de coespecíficos. Mesmo entre aquelas espécies que vivem e se alimentam de forma comunal, são comuns a defesa de uma pequena área individual e conflitos por melhores posições na hierarquia social (Burgess & Uetz 1982). Entre as aranhas construtoras de teias, por exemplo, a aproximação de coespecíficos geralmente é percebida através de vibrações produzidas pelo deslocamento da suposta invasora nas proximidades da teia, sendo seguida do uso de sinais de ameaça e, em casos mais extremos, luta física. Já entre os machos adultos, geralmente menores do que as fêmeas e desprovidos de teias, as interações comumente envolvem disputas pelo acesso a fêmeas receptivas para o acasalamento. Mas tais conflitos não se restringem aos indivíduos adultos. Nas agregações de aranhas recém- eclodidas a tolerância mútua geralmente é efêmera: a partir do momento em que começam a se alimentar, o canibalismo entre os jovens é freqüente, a ponto de cogitar-se que este seja um dos principais fatores na regulação da densidade das populações de aranhas (Riechert & Lockley 1984, Wagner & Wise 1996).

Neste capítulo serão abordadas as duas formas mais comuns de interação intra-específica entre aranhas envolvendo agressão: as disputas entre fêmeas decorrentes da competição por espaço e as disputas entre machos pelo acesso às fêmeas. A seguir, as lutas propriamente ditas e estratégias adotadas pelas oponentes durante os encontros serão descritas, bem como os modelos ecológicos e evolutivos existentes para a explicação da ocorrência e evolução de tais comportamentos.

Interações Agressivas em Aranhas

Competição por espaço

Amanhece no deserto do Novo México e a chegada dos primeiros raios de sol denuncia a presença de um ambiente árido e severo para a maioria das plantas e animais que ali habitam. A temperatura já é relativamente alta e por alguns instantes é difícil perceber qualquer sinal de atividade nas redondezas. Uma inspeção mais cuidadosa revela, no entanto, o que parece ser um árduo confronto. Sob um conjunto de pedras, uma teia de aranha vibra com a chegada de um visitante indesejado. As vibrações percorrem a teia que até então parecia desabitada e de forma súbita provocam o aparecimento de uma intolerante aranha que sai de um túnel de seda conectado à teia. Nos momentos que se seguem residente e invasora irão disputar a posse deste lugar. O sol está agora mais alto e a teia rapidamente esquenta. Sob tais condições e expostas na superfície da teia, o risco de dessecação para as aranhas é alto. Talvez maior ainda seja o risco de uma potencial lesão durante o confronto. Mas o verão é a estação reprodutiva e apenas a posse de uma teia irá garantir a estas fêmeas a possibilidade de alimentarem-se e reproduzirem-se.

Dentre os mais famosos exemplos de competição por espaço entre aranhas encontram-se as disputas por teias ocorridas entre fêmeas, como é o caso da descrição anterior sobre lutas entre fêmeas da aranha Agelenopsis aperta (Agelenidae, Riechert 1978a, 1979, 1984, 1986). E não poderia ser diferente, pois as teias representam um recurso extremamente valioso, na medida em que permitem a captura de presas e atuam como locais de acasalamento e proteção contra predação e distúrbios ambientais. No caso de A. Aperta, por exemplo, enquanto aranhas em posse de uma teia ganham uma média diária de 3,3mg de massa (ca. de 1,5 – 2,0% da massa total), aranhas desprovidas de teia perdem cerca de 8,6mg de massa por dia (ca. 4,0 – 4,5% da massa total), devido principalmente à perda d’água.

Os benefícios associados à posse de um território (no caso anterior representado pela teia) dependem, no entanto, da qualidade do ambiente em que este é estabelecido. De uma forma geral, e

mantendo os outros fatores iguais, quanto mais rico um habitat em abundância de presas, maior será a probabilidade de sobrevivência e reprodução da aranha (Miyashita 1986, 1992, Spiller 1992a, Tanaka 1995). Não é surpreendente assim o fato de vários estudos descreverem uma maior concentração de aranhas em locais onde o ganho energético é mais alto. Este é o caso de Larinioides sclopetarius (Araneidae), uma espécie noturna que freqüentemente constrói suas teias em estruturas próximas a fontes artificiais de luz. Dada a grande atração de insetos em direção à luz, Astrid Heiling, uma aracnóloga austríaca, observou que aranhas desta espécie que construíam suas teias próximas à luz podiam capturar até 20 vezes mais presas do que aquelas que construíam suas teias em estruturas idênticas, porém não iluminadas (Heiling 1999). Observações similares foram também realizadas para Nephilengys cruentata (Tetragnathidae), uma espécie de aranha encontrada em ambientes urbanos em diversas cidades brasileiras, principalmente em estruturas próximas a locais iluminados (Cunha 1999, D'Ayala 2000, Neiman 1991).

Assim como no caso de Larinioides e Nephilengys, em ambientes onde a distribuição de recursos é heterogênea, habitats pobres alternam-se com pequenos “oásis”, nos quais a presença de presas é abundante. No entanto, o acesso a tais recursos não é irrestrito. Face à maior abundância de presas, tais ambientes podem apresentar densidades de aranhas extremamente altas – decorrência natural da atração de imigrantes provenientes de locais mais pobres e do próprio aumento no sucesso reprodutivo de seus residentes (Spiller 1992a). Se por um lado existem evidências de que em muitas espécies a presença de aranhas não reduz de forma significativa a quantidade de presas no ambiente (Beachly et al. 1995, Riechert 1981), por outro a disponibilidade de espaço e de estruturas apropriadas para o estabelecimento de um território, refúgio ou construção da teia pode tornar-se limitante (Riechert 1981). Entre as possíveis conseqüências decorrentes desta limitação de espaço está a diminuição da área ocupada pelo território da aranha (Leborgne & Pasquet 1987a) – embora em ambientes onde a abundância no número de presas é maior tal diminuição no tamanho do território possa ser relativamente compensada pelo maior ganho energético por área de território. Mais comum, porém, é a ocorrência de interações agressivas pela aquisição, defesa e manutenção de uma área para

seu estabelecimento, ou ainda decorrentes de tentativas de expandi-lo ou deslocá-lo para outros locais – supostamente melhores – dentro da mesma área. Entre fêmeas de Frontinella pyramitela (Linyphiidae) são comuns os conflitos pela posse de teias, as quais requerem um substrato e estruturas apropriadas – possivelmente presentes em quantidade limitada – para sua construção (Hodge 1987). Situação similar ocorre entre fêmeas do gênero Metepeira (Araneidae) (Hodge & Uetz 1995) e, como vimos, A. aperta (Riechert 1978a, 1979), ambas presentes em campos rupestres mexicanos, que normalmente disputam a posse de um território para o estabelecimento da teia. Tais conflitos são também freqüentes entre as aranhas errantes. Assim, fêmeas de Lycosa tarentula fasciiventris (Lycosidae), por exemplo, competem pelo acesso a refúgios ou locais apropriados para alimentação e reprodução (Fernandez-Montraveta & Ortega 1990). O desenvolvimento e caracterização destes conflitos, bem como as estratégias comportamentais utilizadas, serão apresentados abaixo.

Competição por parceiros sexuais

Quando dois machos da aranha saltadora Plexippus paykulli (Salticidae) se encontram estes geralmente iniciam um ritual agonístico elaborado, envolvendo uma série de seqüências estereotipadas de sinalizações vibratórias e visuais (Taylor et al. 2001). Assim como outras espécies da família Salticidae, P. paykulli possui uma visão extremamente aguçada. Não surpreendentemente, portanto, a maioria das lutas entre machos desta e de outras espécies do grupo (Jackson 1978b, Jackson 1986c, Wells 1988) se iniciam através do emprego de sinalizações visuais à distância (Fig. 8.1). Se um dos oponentes não desiste, estas normalmente são seguidas pela aproximação dos machos e, subseqüentemente, por movimentos mais intensos que podem envolver contato breve ou prolongado. Em casos extremos, tais atos podem levar à ocorrência de lesões permanentes.

Após atingir a maturidade sexual, mudanças significativas ocorrem no comportamento dos machos de aranhas. Uma vez aptos à reprodução, estes iniciam a busca por fêmeas receptivas para o acasalamento – busca esta geralmente caracterizada por uma maior exposição à predação e

freqüentemente privação alimentar. Assim como a competição por espaço e territórios entre as fêmeas é intensa, a competição entre os machos pelo acesso às fêmeas também o é. As lutas entre machos pelo acesso a fêmeas são comuns entre um grande número de espécies de aranhas. Tal competição é, no entanto, agravada naquelas espécies nas quais o esperma do primeiro (ou último) macho a copular com a fêmea fertiliza a maioria de seus ovos, independentemente da ocorrência de acasalamentos com outros machos (veja o Capítulo 7 deste livro). Por exemplo, nos casos em que o primeiro macho fertiliza a maioria dos ovos, é essencial para estes machos não apenas garantir o acesso às fêmeas, como também a prioridade de cópula. Para que isto ocorra, em muitas espécies os machos permanecem em teias de fêmeas prestes a atingirem a maturidade sexual, esperando o momento da última muda, após a qual a fêmea se torna sexualmente madura. Durante este período de espera a teia pode ser invadida por outros machos. Austad (1982, 1983), por exemplo, estudou as disputas entre machos de F. piramytella. Logo após encontrar uma fêmea e entrar em sua teia, os machos desta espécie tentam copular. A cópula que se segue consiste de duas fases: uma primeira fase de “pré-inseminação”, na qual o macho introduz sua genitália no aparelho genital da fêmea mas não há transferência de esperma, e uma fase de “inseminação” propriamente dita, quando o esperma é transferido para a espermateca da fêmea. É interessante notar que a introdução dos órgãos genitais na fase de pré-inseminação só é possível caso a fêmea já tenha atingido a maturidade sexual, restrição esta que permite aos machos avaliarem rapidamente sua condição reprodutiva e assim decidirem pela continuidade da cópula ou abandono da fêmea. Se a cópula é completa, o primeiro macho pode transferir esperma suficiente para fertilizar a maioria dos ovos que aquela fêmea irá produzir. Se o acasalamento é interrompido, os machos que copulam posteriormente com a fêmea podem contribuir de forma mais representativa na fertilização dos ovos. Dado o alto valor de uma fêmea virgem, muitos machos permanecem nas teias de fêmeas imaturas até que elas atinjam a maturidade para então poderem se acasalar. Se, no entanto, a teia é invadida por um segundo macho durante este período, estes irão lutar até que a disputa seja resolvida a favor de um deles.

Desenvolvimento e caracterização das disputas

Antes da década de 70, o estudo das interações agressivas entre aranhas se baseava primordialmente na descrição e classificação dos tipos de comportamento empregados em conflitos. A partir desta década, no entanto, através da utilização da teoria dos jogos para análise dos conflitos animais (Maynard-Smith & Price 1973), o estudo do comportamento agressivo entre aranhas seguiu um outro rumo (veja o Quadro 8.1). Utilizando-se do caráter unificador e preditivo desta teoria como eixo central, a análise dos encontros agonísticos entre aranhas desenvolveu-se de forma a identificar os custos e benefícios (definidos em termos da aptidão darwiniana), envolvidos nas disputas, isto permitiu prever e explicar a ocorrência de determinados padrões e estratégias comportamentais empregados pelas aranhas. Um dos trabalhos pioneiros desenvolvidos sob tal perspectiva foi o da pesquisadora Susan Riechert, da Universidade do Tenessee (EUA). Em uma série de artigos, Riechert (1978a, 1979, 1984) analisa o sistema de lutas por teias entre fêmeas de A. aperta, e a influência de fatores como o valor do recurso disputado, a qualidade do habitat em que vivem as aranhas e diferenças na habilidade de luta sobre os padrões comportamentais adotados, bem como sobre os resultados observados. Durante os anos seguintes, outras espécies e sistemas – envolvendo tanto lutas entre fêmeas por teias quanto disputas entre machos por acesso a fêmeas – foram estudados sob a mesma perspectiva. O estudo do comportamento agressivo entre aranhas seguiu assim paralelamente ao aprimoramento dos modelos teóricos, proporcionando a estes, por um lado, dados empíricos para o teste de suas previsões e, por outro, aproveitando-se dos modelos para compreender os mecanismos e aspectos funcionais envolvidos nos conflitos e a evolução do comportamento agressivo e das relações intra-específicas em aranhas. No Quadro 8.1, os conceitos básicos sobre a teoria dos jogos são apresentados, acompanhados da descrição dos sistemas de lutas entre aranhas propriamente ditos.

Disputas assimétricas

O exemplo hipotético de luta discutido no Quadro 8.1 (representativo da primeira geração de modelos baseados na teoria dos jogos) simplifica extremamente uma situação de conflito real. Por exemplo, este pressupõe que a disputa é simétrica, ou seja, que as duas aranhas a iniciam em condições absolutamente iguais: estas possuem a mesma habilidade para lutar, o valor do recurso é o mesmo para ambas, bem como a possibilidade de escolha das estratégias. Modelos mais realistas foram desenvolvidos subseqüentemente. Além de considerar uma gama maior de estratégias disponíveis, tais modelos incorporaram a influência de assimetrias entre os oponentes no desenvolvimento, duração, intensidade e resultado das disputas. Aqui os principais tipos de assimetrias presentes nas disputas entre aranhas são descritos, bem como sua influência no resultado destas lutas.

De um modo geral, as assimetrias entre os indivíduos envolvidos em uma luta podem ser de dois tipos: assimetrias no valor do recurso e assimetrias na habilidade de luta entre os oponentes (também referidas como assimetrias no ‘poder de posse do recurso’, Parker 1974). As primeiras se referem a todos aqueles fatores que alteram o valor do recurso (ou seja, os custos e benefícios associados a este) de forma distinta para cada oponente. Por exemplo, um macho que acaba de atingir a maturidade sexual teria mais a perder com uma luta caso sofra lesões irreversíveis do que um macho mais velho, que já tenha copulado várias vezes. O segundo tipo de assimetria tem talvez influência mais óbvia sobre o resultado dos conflitos, pois relaciona-se à habilidade de luta dos combatentes, ou seja, à sua capacidade de vencer uma disputa envolvendo contato físico caso este ocorra. Incluem-se aqui fatores como tamanho, experiência, sexo, idade, entre outros. A Tab. 8.1 mostra os principais fatores envolvidos na determinação do resultado de lutas entre aranhas.

De fato, a tabela mostra que, tanto no caso de fêmeas como de machos, o tamanho corpóreo tem influência fundamental na determinação do resultado das lutas para a maioria das espécies estudadas. De uma forma geral, aranhas que sejam pelo menos 30% maiores que suas oponentes possuem uma alta probabilidade de ganhar a luta, embora em algumas espécies diferenças de 20% e

até 10% já sejam suficientes para garantir a vitória à maior aranha. A Fig. 8.2 exemplifica a relação entre a diferença de tamanho entre fêmeas da aranha Nephilengys cruentata lutando pela posse de teias e a probabilidade de vitória da invasora em função de tal diferença (Schuck-Paim 1999). Como ilustra a figura, quanto maior o tamanho da invasora em relação à residente, maior sua probabilidade de vitória.

A figura mostra também que, no caso de residentes, mesmo pequenas diferenças de tamanho se convertem em uma alta probabilidade de vitória. Mais do que isto, para a aranha residente tal probabilidade é alta mesmo naqueles casos em que a invasora é até 10% maior. De fato, na Tab. 8.1 podemos verificar que uma outra assimetria de influência significativa na determinação do vencedor de uma luta é aquela relativa ao status de posse do recurso (cuja influência geralmente é percebida naqueles casos onde a assimetria de tamanho é pequena). Assim, em disputas entre fêmeas de tamanho similar, a aranha ‘residente’ tende a ganhar um número significativamente maior de lutas, enquanto em disputas entre machos tal vantagem está normalmente associada àqueles que encontraram as fêmeas primeiro. Uma explicação bastante comum para a vantagem resultante do status de residência dos animais se baseia na suposição da existência de uma assimetria no valor relativo do recurso disputado para cada oponente. Alguns estudos teóricos (e.g. Parker 1974) prevêem que os detentores dos recursos, tendo previamente investido tempo e energia em sua aquisição e manutenção, deveriam investir mais na luta (em termos de esforço e persistência) o que, consequentemente, resultaria em uma tendência de vitória a seu favor. No caso de aranhas construtoras de teias, por exemplo, a necessidade da aquisição de um local e construção da teia, e conseqüente gasto energético envolvido tanto na produção da seda utilizada como na atividade de construção propriamente dita, poderia fazer com que a aranha residente investisse mais em uma luta do que uma invasora, consequentemente, ganhando com uma maior freqüência. Já em lutas entre machos, a assimetria no valor do recurso, neste caso a fêmea, entre os oponentes poderia ser determinada em função do padrão de armazenamento de esperma em

sua espermateca, aliado à história de cópulas prévias e idade distintas entre os dois machos envolvidos nos conflitos.

Uma outra possibilidade discutida neste contexto é a de que a vantagem associada à residência decorre não tanto da assimetria no valor relativo do recurso entre as aranhas oponentes, mas sim de uma assimetria na informação que cada uma delas teria sobre tal valor (Enquist & Leimar 1987). Postula-se assim que, se as aranhas em posse de um recurso ‘sabem’ quando o recurso é valioso, a maior freqüência de vitórias por estas aranhas 'residentes' seria uma decorrência natural de seu maior esforço e tenacidade em lutas por recursos valiosos. Uma previsão direta de tal hipótese seria a de que as aranhas residentes, e não as invasoras, deveriam investir mais em uma luta. Essa assimetria no investimento quanto maior o valor do recurso disputado resultaria, portanto, em uma maior probabilidade de vitória a favor das residentes (Enquist & Leimar 1987). Estudando assim lutas entre fêmeas de A. aperta, Riechert (1979, 1984) verificou que as lutas mais longas e envolvendo comportamentos mais arriscados e custosos foram justamente aquelas nas quais as teias disputadas eram de melhor qualidade em termos do número de presas capturadas. Tal relação entre o custo das lutas e a qualidade da teia foi observada, entretanto, apenas naqueles conflitos envolvendo a dona original da teia e uma ‘invasora’. Quando a residente original era retirada e a luta induzida entre duas ‘invasoras’ simultaneamente introduzidas na teia, tal relação deixava de existir, indicando assim a incapacidade das ‘invasoras’ avaliarem o valor da teia que estavam disputando. Além disso, tais estudos mostraram uma correlação positiva entre a área ocupada por uma teia (normalmente correlacionada com sua taxa de captura de presas) e a intensidade do comportamento agonístico da aranha ‘residente’, mas não da ‘intrusa’.

O mesmo fenômeno parece estar também presente em lutas entre machos. Nestas, é comum o fato de que apenas o primeiro macho residente, aquele em guarda da fêmea, tenha informação sobre sua condição reprodutiva e potencial valor (Austad 1982, 1983, Hack et al. 1997). Em um estudo sobre lutas entre machos de Metellina segmentata (Tetragnathidae), os machos residentes previamente na teia da fêmea lutaram significativamente mais tempo na defesa de fêmeas maiores e

mais fecundas (Hack et al. 1997). Os invasores, no entanto, foram incapazes de ajustar o esforço na

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