• Nenhum resultado encontrado

TEIAS E FORRAGEAMENTO

No documento Ecologia e Comportamento de Aranhas.pdf (páginas 46-67)

CARMEN VIERA &HILTON F.JAPYASSÚ

Aranhas são animais famintos. Segundo Riechert & Harp (1987) várias evidências sugerem que as aranhas evoluíram em condições de privação alimentar. Podem, por exemplo, passar por longos períodos de jejum; consumir um grande número de presas quando estas se tornam disponíveis, expandindo consideravelmente o abdome; reduzir seu metabolismo na ausência de alimento suficiente para o crescimento e mesmo alterar sua taxa de crescimento, ajustando-a ao aporte de presas do habitat (e.g. Higgins & Rankin 1996, veja também Nakamura 1987). Características como estas sugerem que as aranhas descendem de um ancestral selecionado por ambientes de baixa disponibilidade de presas. As condições de vida para as aranhas atuais, entretanto, não são diferentes. Em uma ampla revisão da literatura, Wise (1993) demonstrou que a maioria das espécies vive sob estresse alimentar na natureza. Esta conclusão foi sustentada por evidências indiretas, como o fato de existir uma grande variabilidade no tamanho corporal dos indivíduos em populações de aranhas. Além disto, para várias espécies foi observada uma correlação positiva entre a abundância de presas no ambiente e parâmetros como taxas de crescimento, fecundidade e densidade populacional. Evidências diretas, provenientes de experimentos de campo, também sustentam esta hipótese. Por exemplo, o fornecimento de alimento adicional para indivíduos de Neriene radiata (Linyphiidae) levou a uma duplicação no número de ovos produzidos e a um aumento de 30% na taxa de crescimento dos juvenis. Outros experimentos, envolvendo duas espécies da família Araneidae, Argiope trifasciata e A. keyserlingi, detectaram um

aumento em taxas de abandono de teias e emigração em situações de extrema redução da disponibilidade de presas (veja Wise 1993 para mais detalhes).

Se para as aranhas é tão difícil obter alimento suficiente para o crescimento e reprodução, seria de se esperar que evoluíssem características morfológicas e comportamentais que aumentassem sua capacidade de captura de presas, minimizando o gasto energético necessário para isto. Uma destas características é a estratégia de caça conhecida como “senta-e-espera”, em que as aranhas permanecem estacionárias em um local à espera de presas móveis. Esta forma de forrageamento permite ao predador economizar o máximo de energia entre uma captura e outra, mantendo um metabolismo baixo (Enders 1976, Riechert & Luczak 1982). Para um predador que caça dessa forma, seriam extremamente úteis mecanismos que aumentassem sua capacidade de detecção e subjugação de presas, o que para as aranhas tornou-se possível graças ao uso de fios de seda.

Todas as aranhas possuem a capacidade de produzir seda, que é utilizada para, entre outras funções, proteger os ovos (veja capítulo 10 deste livro); como modo de locomoção, através de fios- guia; como substrato para a deposição do esperma que será usado para o preenchimento dos órgãos de cópula dos machos (teias espermáticas, veja capítulo 5 deste livro) e como meio de comunicação (veja capítulos 5, 8 e 11 deste livro). Entretanto, o uso mais conhecido de seda por aranhas é, sem dúvidas, como matéria-prima para construção de armadilhas para captura de presas. A construção de teias para captura é amplamente disseminada entre diferentes grupos de aranhas e, como será descrito abaixo, as estruturas e modos de funcionamento destas armadilhas são extremamente variáveis. Embora a evolução de armadilhas de seda não tenha resolvido por completo os problemas de limitação alimentar para as aranhas, certamente teve um importante papel na diversificação do grupo. Uma alta diversidade de tipos de seda e de armadilhas permitiu que as aranhas fossem capazes de explorar uma grande variedade de hábitats e capturar vários tipos de presas (Riechert & Luczak 1982, Craig et al. 1994), assim como de capturar presas maiores, que dificilmente seriam subjugadas apenas com uso de pernas e quelíceras (Enders 1975). Neste capítulo os principais tipos

de armadilhas de seda construídas por aranhas serão descritos e sua evolução será analisada do ponto de visa filogenético e ecológico. Será também descrito como as aranhas constróem e utilizam suas armadilhas de seda, através de seqüências estereotipadas de comportamentos.

A Seda

A seda é composta por proteínas fibrosas que contêm seqüências de aminoácidos altamente repetitivas e é armazenada no corpo das aranhas em forma líquida, adquirindo a conformação de fibra apenas quando é expelida pelas fiandeiras (Craig 1997). Cada fio é composto por um emaranhado de cadeias de aminoácidos (denominado de configuração-α) onde estão inseridos, de forma ordenada, cristais de aminoácidos (configuração-β). Os cristais conferem resistência, enquanto a trama frouxa de aminoácidos confere ao fio sua elasticidade (Vollrath 1992). São essas duas características, a resistência e a elasticidade (essencial para absorver a energia cinética das presas interceptadas), que tornam tão eficientes as armadilhas contruídas com este material.

Poucos grupos de aranhas tiveram a composição de suas teias detalhadamente estudada. A maior parte dos dados disponíveis refere-se às teias orbiculares construídas por membros das famílias Araneidae e Tetragnathidae. Essas teias são compostas principalmente (de 55 a 69% dependendo da espécie) pelos aminoácidos alanina e glicina (Tillinghast & Christenson 1984, Tillinghast & Towney 1987). Existe, entretanto, uma considerável variação na proporção de cada aminoácido mesmo quando analisamos fios produzidos por glândulas distintas da mesma aranha (veja Tillinghast & Towney 1987).

Podemos dividir os fios produzidos por araneídeos e tetragnatídeos em dois tipos, com base em suas propriedades mecânicas: fios utilizados no arcabouço e raios das teias, e fios constituintes da espiral de captura. O primeiro tipo, produzido pelas glândulas ampoladas, é mais resistente. Já o segundo tipo, produzido pelas glândulas flageliformes e recoberto por uma substância adesiva fabricada nas glândulas agregadas, é mais fraco, porém até 10 vezes mais extensível (Blackledge et al. 2005). As gotículas de material adesivo encontradas nos fios da espiral de captura apresentam

uma série de componentes solúveis em água (como nitrato de potássio, colina, GABamido, N- acetiltaurina, N-acetilputrescina, entre outros – veja Tillinghast & Townley 1987, Vollrath et al. 1990, Townley et al. 1991). Estes compostos solúveis incluem substâncias higroscópicas, essenciais para a manutenção das propriedades adesivas e elásticas (veja Vollrath et al. 1990, Edmonds & Vollrath 1992, Higgins & Rankin 1999), além de substâncias bactericidas (Tillinghast & Townley 1987).

A adição de uma substância adesiva, entretanto, não é a única forma através da qual as aranhas prendem suas presas às teias. Existe ainda um outro tipo de fio, produzido por aranhas que apresentam um conjunto de fiandeiras modificadas (o cribelo), capaz de reter as presas sem a ajuda de nenhum componente viscoso. A superfície dos fios cribelados (veja Quadro 3.1, Fig. 3.1) é composta por milhares de fibrilas protéicas emaranhadas, sustentadas por um par de fibras axiais. Este complexo de fibrilas é responsável pela retenção das presas. Comparações entre teias orbiculares construídas por aranhas com fios cribelados e teias similares construídas por aranhas com fios contendo gotículas adesivas, entretanto, mostraram que as primeiras representam um custo muito maior para as aranhas e são menos eficientes por unidade de área (Opell 1998, 1999). No próximo tópico, a distribuição destes tipos de fios entre diferentes grupos de aranhas será discutida a partir do que se sabe atualmente sobre evolução de tipos de teias em aranhas.

Evolução de tipos de teias

Aranhas apresentam uma imensa diversidade de construções baseadas em fios de seda. Alguns estudos clássicos, como os de Peters (1931), Bristowe (1941), Kullmann (1972a) e Turnbull (1960), aguçaram o fascínio despertado pela variedade de arquitetural das teias de aranhas, o que resultou em um grande número de estudos sobre tipos de teias. Uma conseqüência óbvia de todo este interesse é a geração de sistemas de classificação de tipos de teias, assim como tentativas de se descrever sua evolução. Embora nosso conhecimento atual sobre a estrutura das teias de muitos

grupos de aranhas seja ainda incipiente, é possível desenvolver um panorama geral sobre sua evolução, com o auxílio de hipóteses filogenéticas recentes para o grupo.

Uma das formas mais primitivas de uso de fios de seda por aranhas, como revestimento interno de abrigos (Shear 1994), pode ser observada nos membros das infraordens Liphistiomorphae e Mygalomorphae. A família Liphistiidae, com 87 espécies restritas ao leste e sudeste da Ásia (Platnick 2005), é o mais primitivo grupo de aranhas viventes (Coddington & Levi 1991, veja Fig. 3.2). As espécies deste grupo cavam buracos no solo que servem como abrigo contra intempéries e inimigos naturais, assim como locais de acasalamento, cuidado à prole e captura e ingestão de presas (Haupt 2003). Estas cavidades são revestidas internamente com fios de seda e mantidas fechadas por um opérculo de coloração críptica. O opérculo fixa-se à abertura do abrigo por apenas alguns fios, formando uma dobradiça. Assim, estas aranhas permanecem protegidas em seus abrigos, e podem capturar insetos que se deslocam nas proximidades, abrindo o opérculo, agarrando a presa e arrastando-a rapidamente para o interior (Coyle 1986a, Haupt 2003). Fios de teia não são usados para retenção das presas, como ocorre na maioria das famílias mais derivadas de aranhas, mas podem ter um importante papel na detecção de insetos que se aproximam da área de captura. A partir da abertura do abrigo irradiam-se fios de função sensorial: quando uma presa em potencial toca estes fios, um sinal vibratório é emitido em direção ao interior do abrigo, avisando a aranha. Estes fios são mantidos tensionados e suspensos do solo por pequenas hastes de seda (Haupt 2003). Os membros da infraordem Mygalomorphae, as aranhas caranguejeiras, apresentam modos de vida similares ao descrito acima. Em geral elas vivem em abrigos, como cavidades no solo ou sob troncos e pedras, revestidos por fios de teia. Apesar de muitas espécies deste grupo serem consideradas errantes, em geral capturam presas móveis que passam perto de seus abrigos, dos quais raramente se afastam (Coyle 1986a). Estes abrigos podem apresentar opérculos móveis e fios sinalizadores, como nas Liphistiidae, ou incluir várias modificações que facilitam a captura de presas. Dentre estas, pode-se destacar os extensos lençóis de seda construídos por várias espécies das famílias Dipluridae e Hexathelidae (Fig. 3.3A). Estas aranhas usam seus fios de seda não apenas

como detectores de presas, mas também para retê-las por tempo suficiente para facilitar sua captura (Coyle 1986a).

O grupo-irmão das caranguejeiras, a infraordem Araneomorphae (Fig. 3.2), é significativamente mais diverso, com 93% das espécies de aranhas conhecidas até o momento (Platnick 2005), e apresenta uma diversidade muito maior de tipos de teia. As araneomorfas mais primitivas (as famílias Hypochilidae, Austrochilidae e Gradungulidae) são aranhas de distribuição geográfica restrita e hábitos relativamente crípticos. Suas teias consistem em lençóis de seda construídos sob rochas ou barrancos, com fios de sustentação ou interceptação de presas em sua periferia e uma estrutura tubular junto ao substrato, que serve como abrigo (Shear 1969, Lopardo et al. 2004). Estruturas similares podem ser observadas entre as aranhas do clado Haplogynae (Fig. 3.2), embora com várias modificações e especializações em algumas famílias. As espécies de algumas famílias, como Filistatidae e Segestriidae, constróem estruturas primitivas constituídas por refúgios de seda inseridos em cavidades, com poucos fios radiais saindo da borda (Beaty 1970, Foelix 1996, Capocasale 1998). Outros grupos apresentam lençóis com várias modificações estruturais, como tramas tridimensionais irregulares (Drymusidae, Valerio 1974), emaranhados de delicados fios em forma de fita, recobrindo superfícies (Sicariidae, Fig. 3.3B, Knight & Vollrath 2002), lençóis mais elaborados, suspensos no ar (Diguetidae e Scytodidae; Cazier & Mortenson 1962, Nuessly & Goeden 1984, Bowden & Jackson 1988), ou até mesmo lençóis com fios âncora e sapatas adesivas (Pholcidae, Fig. 3.3C, Japyassú & Macagnan, dados não publicados).

No clado Entelegynae ocorrem tipos de teias melhor estudados, embora existam poucas informações para a maioria das famílias. Dentre os entelegíneos basais, os Eresidae constróem teias em lençol com fios aderentes cribelados na periferia (Eberhard 1987a). Nas espécies sociais desta família, estas teias podem incluir abrigos complexos, construídos com emaranhados densos de fios (Seibt & Wickler 1988, veja capítulo 9 deste livro - Fig. 9.5B). Os Oecobiidae também constróem teias em lençol, porém estas são usadas apenas como abrigo, formando tubos abertos junto ao substrato (Fig. 3.3D). Estas aranhas capturam suas presas ativamente, girando em torno destas ao

mesmo tempo em que as embrulham em fios adesivos (Glatz 1967). Dentre as famílias restantes, há dois clados particularmente diversos tanto em número de espécies quanto em comportamento de captura de presas: as aranhas com cribelo dividido e as Orbiculariae (Fig. 3.2). Várias famílias do primeiro clado apresentam tanto espécies errantes quanto construtoras de teias. Em geral estas teias apresentam forma de lençol, em alguns casos com interessantes variações estruturais. Por exemplo, a teia de Nurscia albomaculata (Titanoecidae) é similar à teia orbicular, com raios e espiras pouco organizados, estruturados ao redor de um refúgio (Szlep 1966). Algo parecido ocorre também nas espécies do gênero Fecenia (Psechridae), cuja teia em lençol apresenta uma organização essencialmente orbicular (Robinson & Lubin 1979). Isto não significa, entretanto, que as teias construídas por estas aranhas sejam precursores da teia orbicular, uma vez que elas não são filogeneticamente próximas às aranhas orbitelas (Fig. 3.2). Outras famílias são compostas exclusivamente por espécies construtoras de teias, como Dictynidae, que constróem lençóis emaranhados tridimensionais (Jackson 1978a) e Agelenidae, que acrescentam ao lençol um refúgio tubular, em forma de funil (Foelix 1996). Outras incluem predominantemente espécies errantes, com alguns poucos representantes construtores de teias. Dentre os Lycosidae algumas espécies de duas subfamílias constróem lençóis com abrigos em forma de funil (Fig. 3.3E), como fazem os Agelenidae (Santos & Brescovit 2001). Os Pisauridae constróem teias principalmente durante o período de cuidado maternal, quando as fêmeas protegem os filhotes em grandes teias-berçário, o que gerou o nome popular em inglês destas aranhas, nursery-web spiders (e.g. Sierwald 1988). Entretanto, algumas poucas espécies constróem lençóis emaranhados, com abrigos, quando imaturos (Lenler-Eriksen 1969, Carico 1985) ou mesmo durante todo o ciclo de vida (Nentwig 1985a, Fig. 3.3F). Outra família com poucos representantes construtores de teia é Oxyopidae, um grupo de aranhas errantes que vivem associadas à vegetação. Dentre as 408 espécies desta família (Platnick 2005), apenas uma, do gênero Tapinillus, constrói lençóis de fios emaranhados, usados para captura de presas (Griswold 1983).

As aranhas com cribelo dividido são, segundo uma análise recente da filogenia das Entelegynae (Griswold et al. 1999), aparentadas à família Nicodamidae, um pequeno grupo restrito à Oceania (Platnick 2005), cujos membros constróem teias em lençol próximo ao solo (Forster & Forster 1999). Este clado (aranhas de cribelo dividido + Nicodamidae) é o grupo-irmão das Orbiculariae, que inclui mais de 10.000 espécies, entre elas as aranhas mais estudadas quanto ao comportamento de construção de teias. Estas aranhas constróem o tipo de teia mais conhecido por leigos e, certamente, mais estudado por especialistas, a teia orbicular. Embora possa variar significativamente em tamanho e formato, dependendo do gênero ou família e do estágio ontogénetico da aranha, assim como de características do local de fixação (Eberhard 1990); a teia orbicular segue um padrão básico em sua estrutura. Estas teias apresentam um quadro externo de fios, formando um arcabouço, fixo por alguns fios-âncora ao substrato. O arcabouço externo é conectado ao centro da teia por vários fios radiais, sobre os quais a aranha deposita uma espiral de fios adesivos (Fig. 3.4). Quando os insetos retidos nestes fios tentam se soltar, emitem sinais vibratórios que convergem pelos fios radiais ao centro da teia, de onde a aranha detecta a presença da presa e determina sua posição exata na área de captura.

O fato de as aranhas orbitelas formarem um grupo monofilético, sustentado por vários caracteres morfológicos e comportamentais (Griswold et al. 1999), indica que a teia orbicular evoluiu uma única vez dentre as aranhas, tendo posteriormente sofrido modificações em várias famílias. Esta conclusão resolve uma controvérsia que se manteve na literatura até o final dos anos 1980, quando alguns autores consideravam que a teia orbicular teria surgido pelo menos duas vezes independentemente (Coddington 1986a). Esta posição baseava-se principalmente em dois pressupostos relacionados ao que se sabia (ou se acreditava) na época sobre a filogenia das aranhas e sobre evolução de características de alto valor adaptativo. Um dos mais antigos sistemas de classificação de aranhas dividia a ordem em dois grandes grupos, as Cribellatae e as Ecribellatae, de acordo com a presença ou ausência, respectivamente, do cribelo. Uma vez que teias orbiculares são construídas tanto por aranhas cribeladas (Uloboridae) quanto por aranhas sem cribelo (Araneoidea),

obviamente se imaginava que a teia orbicular teria surgido duas vezes independentemente. A dicotomia Cribellatae-Ecribellatae foi refutada por Lehtinen (1967), que demonstrou através de análise cladística que nenhum destes grupos é monofilético, uma vez que o cribelo é uma estrutura primitiva entre as Araneomorphae, e que teria desaparecido várias vezes independentemente. Esta hipótese, posteriormente corroborada por outros autores (Coddington & Levi 1991, Griswold et al. 1999), resultou em modificações significativas sobre o modo como se delimitavam grupos taxonômicos em aranhas e, conseqüentemente, sobre como se imaginava que estas evoluíram.

Havia entretanto, outra razão porque vários autores consideravam que a teia orbicular deveria ter evoluído mais de uma vez entre as aranhas. Uma vez que estas teias são consideradas armadilhas extremamente eficientes, e ao mesmo tempo relativamente baratas em termos energéticos (Janetos 1982a, Rypstra 1982, Vollrath 1992), elas sempre foram consideradas como de alto valor adaptativo. Por alguma razão, que nunca ficou clara, havia na literatura evolutiva das décadas de 1960-1980 uma noção geral de que características altamente adaptativas deveriam evoluir várias vezes. Logo, obviamente, vários grupos de aranhas deveriam ter convergido para este tipo de teia. O crescimento no uso de métodos de análise filogenética a partir de meados da década de 1990 contribuiu para derrubar preconceitos como este. Atualmente, sabe-se que o fato de uma característica ter ou não valor adaptativo não está necessariamente relacionado a quantas vezes ela teria evoluído (Coddington 1990, De Pinna & Salles 1990).

A teia orbicular provavelmente surgiu no ancestral dos Orbiculariae, que seria uma aranha cribelada. O cribelo foi conservado em duas famílias deste clado, Uloboridae e Deinopidae (Deinopoidea), e desapareceu no ancestral das demais onze famílias, que compõem a superfamília Araneoidea (Fig. 3.5). Dentre os Deinopoidea, surgiram várias modificações a partir da estrutura básica de teias orbiculares. Por exemplo, um gênero de Uloboridae, Miagrammopes, constrói teias constituídas por apenas um ou dois fios, e ainda assim captura vários tipos de presas (Lubin et al. 1978). Outra modificação extrema pode ser observada entre os Deinopidae, que capturam presas usando pequenas teias formadas principalmente por fios cribelados cuidadosamente arranjados,

formando uma rede. Os deinopídeos caçam à noite, mantendo-se pendurados de cabeça para baixo, e segurando suas teias nas pernas I e II (Fig. 3.6A). Quando uma presa passa ao alcance da aranha, ela se move rapidamente, retendo-a com a teia (Coddington & Sobrevila 1987). Embora a teia de Deinopidae se pareça apenas superficialmente com o padrão orbicular (Fig. 3.6B), o comportamento de construção destas aranhas é claramente homólogo àquele exibido por outras aranhas orbitelas (Coddington 1986b).

Os Araneoidea englobam mais de 95% das espécies de aranhas orbitelas e são extremamente comuns e amplamente distribuídos em todos os continentes, exceto a Antártida. A impressionante diversidade deste grupo, especialmente se comparado a seu grupo-irmão, os Deinopoidea, provavelmente está relacionada a uma alteração na etapa final da construção da teia, ligada à perda do cribelo. Como já foi mencionado, embora os fios cribelados sejam eficientes para retenção de presas, são muito custosos em termos energéticos. Os Araneoidea usam um substituto bem mais barato em suas teias, um líquido adesivo que é depositado sobre os fios da espiral adesiva (Opell 1997a). Esta mudança, juntamente com uma alteração na orientação das teias, de horizontal para vertical, teriam aumentado significativamente a eficiência das teias destas aranhas, e possivelmente explicam sua alta diversidade (Bond & Opell 1998).

A estrutura básica da teia orbicular passou por várias modificações entre os Araneoidea. Algumas destas modificações são relativamente simples, como a presença de abrigos ou ornamentações adicionadas às teias para atração de presas ou proteção contra predadores e parasitas (veja capítulo 10 deste livro). Entretanto, alguns gêneros apresentam teias tão especializadas que seria difícil à primeira vista considerá-los como aranhas orbitelas. O exemplo mais radical seria das espécies de Mastophorinae (Araneidae), que capturam presas usando apenas pequenas bolas adesivas presas a um único fio de seda (veja capítulo 12 deste livro). Todas estas modificações constituem especializações de alguns grupos dentre os Orbiculariae, e ocorrem de forma independente. Entretanto, há uma alteração geral da estrutura da teia orbicular que teve importância especial para a diversificação de algumas famílias dentro do clado. Seis famílias de Araneoidea,

incluindo Linyphiidae e Theridiidae, que estão entre as maiores famílias de aranhas em número de

No documento Ecologia e Comportamento de Aranhas.pdf (páginas 46-67)