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C ORTEJO E ISOLAMENTO REPRODUTIVO EM ARANHAS

No documento Ecologia e Comportamento de Aranhas.pdf (páginas 91-117)

FERNANDO G.COSTA E VERÓNICA QUIRICI

Baile de ilusões

Portadoras de gametas grandes e custosos, e portanto pouco numerosos, as fêmeas de aranhas são, em geral, maiores que seus parceiros (veja capítulo 7 deste livro). Estes, portadores de inumeráveis pequenos gametas buscam o recurso limitado - as fêmeas - e competem entre si pelo acesso aos valiosos gametas femininos. Como o deslocamento de indivíduos de ambos os sexos é energeticamente dispendioso, geralmente apenas um parceiro - o macho - busca o outro para a cópula (Costa 1999). A seleção modelou então machos pequenos e ágeis, muito móveis e precavidos quando encontram um carnívoro obrigatório, maior, venenoso, que pode estar faminto e que é muito bem adaptado para caçar presas móveis (Fig. 5.1). Dificilmente poderiam aproximar-se delas imperceptivelmente; ao contrário, se anunciam de forma conspícua e inequívoca (Bristowe & Locket, 1926). Este é o tema deste capítulo: quando, como e porque se realiza o cortejo das aranhas, particularmente das famílias Lycosidae e Theraphosidae, e como isto influencia o isolamento reprodutivo com outras espécies. Uma revisão mais geral sobre o tema foi realizada por Costa (1998a).

Quantos machos e quantas fêmeas

As aranhas são dióicas, apresentando machos e fêmeas. De fato, só muito recentemente se comprovou a existência de partenogênese em uma espécie de aranha, Theotima minutissima (Ochyroceratidae) (Edwards et al. 2003). Em geral, nascem cerca de 50% de fêmeas e 50% de machos, o que está de acordo com as previsões de Ronald Fisher (1930). Apesar disso, raramente

encontramos essa proporção no campo, principalmente porque as fêmeas vivem mais que os machos, em alguns casos de 10 a 20 vezes mais, como nas grandes aranhas caranguejeiras (Theraphosidae, Costa & Pérez-Miles 2002), desviando a proporção a favor das fêmeas. Esse desvio determina algumas táticas reprodutivas nessas aranhas: os machos copulam muitas vezes, brevemente, sem apresentarem grandes conflitos entre si. Ao contrário, em espécies de Nephila, um gênero da família Tetragnathidae cujas espécies constróem grandes teias orbiculares, os machos tornam-se adultos muito antes das fêmeas, gerando uma legião de anões altamente competitivos na arena que é a teia feminina (ver revisões em Vollrath & Parker 1992, Costa et al. 1997a, e Capítulo 7 deste livro). Dependendo da época do ano, com este tipo de estratégia reprodutiva as proporções de machos e fêmeas apresentam variações drásticas. Nas aranhas sociais acontece algo muito distinto, já que a busca pelas fêmeas não é tão intensa (veja capítulo 9 deste livro). Em algumas espécies de Anelosimus (Theridiidae) a razão sexual é de cerca de 10:1 em favor das fêmeas (Vollrath 1986), o que pode estar relacionado à ocorrência de seleção de parentesco (“kin selection”) e seleção de grupo (“group selection”) (Avilés 1986). Entre as espécies deste gênero, a razão sexual permite avaliar o grau de socialidade. Por exemplo, populações de Anelosimus cf. studiosus no Uruguai apresentam um desvio moderado de razão sexual (duas fêmeas para cada macho) e combates ritualizados entre machos, e por isto esta espécie é considerada pouco social (Viera & Albo, 2002; Viera et al., 2002).

O encontro sexual

A mobilidade diferencial entre os sexos e a distinta proporção de machos e fêmeas adultas se reflete nos resultados de um método de amostragem habitualmente utilizado por aracnólogos: as armadilhas de queda ou “pitfall traps” (Barber 1931). São copos ou baldes enterrados até a borda no solo, geralmente contendo um líquido conservante. Se combinarmos este método com uma coleta dinâmica (por exemplo, por procura visual), observaremos grandes diferenças na composição das amostras (Costa et al. 1991): mais fêmeas na coleta por procura visual e mais machos – muito mais

– nas armadilhas. Obviamente este resultado reflete a maior mobilidade dos machos. Esta diferença na mobilidade de machos e fêmeas é ainda maior nas espécies com fêmeas totalmente sedentárias (por exemplo, as construtoras de teias ou de alçapões; Barrientos 1985, Costa et al. 1991). A presença de machos também delimita o período sexual, fundamental para entender a biologia reprodutiva das espécies. As implicações destes dados para conservação são óbvias, como por exemplo, para elaboração de planos de manejo de fauna.

Em nosso cenário colocamos um macho adulto, uma aranha que mudou radicalmente seu comportamento: de caçador se transforma em uma máquina móvel, especializada em detectar, encontrar, cortejar e copular com fêmeas co-específicas, competindo antes e depois, com outros machos. Minimiza os riscos com sua agilidade, pequeno tamanho, deslocamento por fios de seda, atividade noturna, etc. E está em clara desvantagem: seu objetivo é alcançar um predador grande e perigoso. Apesar disso, e ao contrário da crença popular, o canibalismo sexual em aranhas – embora exista, particularmente antes da cópula – é relativamente raro na natureza (Elgar 1992, veja Capítulo 12 deste livro). Os machos podem detectar a presença de fêmeas a distância e comunicar- se com elas por diversos meios, evitando confundir-se com presas.

As aranhas são polígamas, o que pode incluir poliginia e poliandria (mas veja Riechert & Singer 1995). A vantagem de assediar muitas fêmeas é óbvia para os machos de todos os animais, já que aumentam diretamente sua descendência. As fêmeas, no entanto, não aumentam a quantidade de filhos produzidos ao copular muitas vezes em um mesmo período reprodutivo (Bateman 1948). Por outro lado, elas podem aumentar a diversidade de sua prole, o aporte e viabilidade do esperma, assim como evitar os custos de afastar machos ou armazenar muito esperma. Entretanto, estas vantagens são limitadas pelos custos de tempo e energia, a contaminação por parasitas e doenças venéreas, etc. (ver revisão em Austad 1984). Assim, praticamente todas as fêmeas aceitam poucas cópulas, enquanto os machos apresentam uma divisão bem mais desigual: alguns conseguem muitas cópulas e muitos nenhuma (Alcock 1989, Andersson 1994).

Preparando a aventura

Os espermatozóides são gerados nos testículos, dentro do abdome, e estes se comunicam com o exterior através de um poro genital. Os órgãos copuladores são os bulbos, localizados no extremo dos palpos. Cada bulbo possui um ducto palpar ou espermóforo (não confundir com espermatóforo) que armazena esperma e o transfere à fêmea através de uma estrutura intromitente, o êmbolo. O macho transfere o esperma do poro genital para os bulbos mediante uma manobra singular, a indução espermática. Ele constrói uma teia e deposita nela uma gota de esperma, tocando-a com o poro genital. Esta teia é pequena na maioria das espécies, mas muito grande e densa nas Mygalomorphae (Fig. 5.2). O esperma é então transferido desta gota para o espermóforo mediante o contato dos êmbolos. O macho então está pronto para fecundar, embora ele possa cortejar e inclusive copular se impedido experimentalmente de realizar a indução (Rovner 1966, 1967a, Costa 1998b). Alguns machos de pequenas espécies da família Linyphiidae cortejam e realizam manobras do tipo copulatório com os palpos vazios de esperma; antes de efetivamente realizar a indução e então a inseminação das fêmeas (Helsdingen 1965, Suter 1990).

Cortejo e isolamento reprodutivo

“The grossest blunder in sexual preference, which we can conceive of an animal making, would be to mate with a species different from its own and which the hybrids are either infertile or, through the mixture of instincts and other attributes appropriate to different courses of life, at so serious a disadvantage as to leave no descendants.

(O maior absurdo em relação a preferência sexual, que podemos conceber que um animal faça, seria copular com uma espécie diferente de sua própria e cujos híbridos sejam inférteis ou, devido a mistura de instintos e outros atributos apropriados a diferentes estilos de vida, apresentem uma desvantagem tão grande a ponto de não deixar descendentes.)

Ronald A. Fisher (1930).”

Mediante o cortejo as aranhas, como outros animais, minimizam os comportamentos não sexuais da fêmea (agressão, predação, evasão) e se comunicam mediante códigos estritos que asseguram a união intraespecífica, constituindo uma eficiente barreira reprodutiva contra a

hibridização com espécies próximas (Tinbergen 1964, Krebs & Davies 1993). Obviamente, para que isto ocorra, macho e fêmea devem encontrar-se no espaço e no tempo. O fato de possuírem períodos sexuais distintos segrega temporalmente espécies distintas. O isolamento ocorre também quando duas espécies apresentam ritmos circadianos distintos (uma noturna e outra diurna). Assim, a maturação de ambos os sexos deve ser sincronizada e o macho deve ser capaz de encontrar a fêmea no período adequado para a cópula. Estes mecanismos de isolamento reprodutivo pré- copulatórios são seletivamente mais importantes (Mayr 1968), já que os copulatórios e pós- copulatórios implicam em custos muito altos (Littlejohn 1981).

Como em todos os grupos taxonômicos, as aranhas apresentam algumas excentricidades para aceitar a cópula. Um exemplo é a espécie européia Pisaura mirabilis (Pisauridae), único caso conhecido em aranhas em que o macho corteja a fêmea utilizando uma presa como presente nupcial (Foelix 1996). Em muitas espécies, os machos apresentam a tática de localizar e lutar pelo acesso às fêmeas imaturas, que estarão aptas à cópula imediatamente após a próxima muda (Jackson 1986a, ver Capítulo 6).

Canais de comunicação

Os canais sensoriais mais utilizados na comunicação sexual das aranhas são o químico, o acústico, o visual, o vibratório e o tátil (Krafft 1980, Uetz & Stratton 1983). Platnick (1971) agrupou as famílias de aranhas em três níveis filogenéticos, baseando-se nos sinais e nos canais que desencadeiam o cortejo dos machos. No nível mais primitivo estariam aquelas famílias cujo cortejo acontece através do contato direto com a fêmea (comunicação tátil). Atualmente. vemos que esta análise refletia o escasso conhecimento que se tinha sobre a biologia de muitas famílias no final da década de 60, já que muitas mudariam de categoria desde então. Por exemplo, hoje sabemos que as grandes e primitivas Mygalomorphae (caranguejeiras), incluindo as Theraphosidae, freqüentemente se comunicam inicialmente por feromônios sexuais (comunicação química), e não apenas pelo contato físico entre os parceiros (Costa & Pérez-Miles 2002). Esta comunicação constituiria o nível

seguinte da classificação proposta por Platnick. Por último, algumas poucas famílias iniciariam o cortejo por estimulação visual, sendo este o nível mais avançado (um exemplo típico seria o cortejo em aranhas da família Salticidae). Um canal que não desencadearia o cortejo do macho, mas que é amplamente utilizado pelas aranhas é o vibratório, que inclui sinais acústicos (aerotransportados) e sísmicos (transmitidos através do substrato). Na realidade, o canal prevalecente será aquele que gera maiores benefícios e menores custos (Redondo 1994), de acordo com as limitações filogenéticas de cada espécie (Tab. 5.1).

Comunicação química (feromônios sexuais)

A emissão de feromônios sexuais, substâncias químicas produzidas pelas fêmeas para atrair os machos, é fundamental para o encontro entre os sexos e, por ser generalizado, parece muito antigo nas aranhas. Alguns feromônios já foram sintetizados em laboratório e tiveram sua eficácia na atração de machos comprovada por bioensaios (veja Schulz & Toft 1993, Papke et al. 2001). Assim como outros artrópodes, as aranhas possuem feromônios de contato e feromônios aerotransportáveis.

Um sinal em seda

A maioria dos feromônios sexuais das aranhas pertencem ao primeiro grupo (Foelix 1996). São substâncias que são liberadas em associação com os fios de seda da fêmea e atuam quando o macho entra diretamente em contato com elas (feromônios sexuais de contato, Rovner 1968). Normalmente, estes feromônios de desnaturam em contato com a água e persistem pouco tempo na natureza (Hegdekar & Dondale 1969; mas veja Lizotte & Rovner 1989). Estas substâncias são detectadas na periferia da teia de fêmeas construtoras de teias, mas também em fios isolados ("draglines") produzidos por fêmeas errantes, fornecendo informações táteis e químicas (Roland 1984). Por exemplo, Costa et al. (1991) encontraram em uma armadilha de queda no interior do Uruguai uma fêmea de uma espécie pouco freqüente da família Clubionidae e dez machos co-

específicos. Estes machos provavelmente encontraram a armadilha enquanto seguiam o rastro de feromônio deixado pela fêmea. Richter et al. (1971) observaram que fêmeas de Pardosa amentata (Lycosidae) produzem uma maior quantidade de seda durante o período de pareamento; os machos, ao entrar em contato com a seda, iniciam o cortejo e a busca pela fêmea. Fernández-Montraveta & Ruano-Bellido (2000) observaram o mesmo em Lycosa tarantula (Lycosidae): nesta espécie somente as fêmeas virgens depositam fios de seda com feromônio. Além disso, existe um componente não hidrosolúvel no feromônio, já que fios lavados com água continuam funcionando como atrativo, embora com menor eficácia. Recentemente Rypstra et al. (2003) observaram cortejos mais intensos de machos que entraram em contato com feromônios liberados por fêmeas virgens que daqueles que detectaram feromônios produzidos por fêmeas que haviam copulado previamente.

A vantagem de utilizar feromônios em um contexto reprodutivo é que estas substâncias podem persistir por um tempo comparativamente maior que, por exemplo, sinais acústicos. Os Salticidae, exemplo clássico de animais com comunicação visual, também utilizam sinais químicos. Vários trabalhos (e.g. Jackson 1986b, Jackson 1987a, Jackson & Cooper 1990; Clark & Jackson 1995) têm demonstrado que os feromônios de contato são fundamentais nos ninhos, onde se encontram as fêmeas. Estes locais estão fora do alcance da luz e, assim, a comunicação através de feromônios se torna mais eficiente que a orientação visual. Por exemplo, os machos de Phidippus johnsoni (Salticidae) localizam os ninhos das fêmeas graças à presença de feromônios que elas liberam já no penúltimo estádio de desenvolvimento. Estes feromônios apresentam caráter específico e, em Salticidae, podem durar de alguns dias a até um mês (Pollard et al. 1987).

Sinais no ar

Outro tipo de feromônio, os aerotransportáveis, são leves, de baixo peso molecular. Olive (1982) descreveu o caráter aerotransportável desses feromônios ao observar que machos adultos de Argiope trifasciata e A. aurantia (Araneidae), se posicionam contra o vento em relação às teias

onde encontravam-se as fêmeas. Os machos dessas espécies reagiam tanto ao feromônio de fêmeas co-específicas quanto de outras espécies. E o isolamento reprodutivo? Na natureza, uma dessas espécies torna-se sexualmente madura antes da outra, o que evita pareamentos interespecíficos. Trata-se portanto de um exemplo de isolamento devido a um mecanismo temporal. Outro aspecto interessante dessas espécies é que a produção de feromônios é limitada no tempo, talvez como uma adaptação para evitar a localização das aranhas por uma vespa caçadora que caça seguindo gradientes de concentração de feromônios de suas presas (Olive 1982). As fêmeas agrupam-se em locais com muitos recursos, o que facilita o encontro sexual e também a competição entre machos. Em resumo, o uso de distintos feromônios sexuais está ligado, invariavelmente, com táticas de pareamento e estratégias reprodutivas também distintas.

Emissores e receptores

Se conhece muito pouco sobre os órgãos emissores de feromônios sexuais em aranhas, sendo candidatos diferentes glândulas localizadas nas pernas, ventre, epígino (genitália externa) e fiandeiras das fêmeas (Kovoor 1981, Lopez 1987). Paradoxalmente, são conhecidas glândulas masculinas que liberam possíveis substâncias afrodisíacas. Em várias espécies, as fêmeas picam antes ou durante a cópula certas partes corporais dos machos, como lóbulos do prosoma em Argyrodes antipodianus (Theridiidae, Whitehouse 1987a), sulcos cefálicos de Baryphyma pretense (Linyphiidae, Blest 1987) ou as pernas anteriores de Alopecosa cuneata (Lycosidae, Kronestedt 1986, Juberthie-Jupeau et al. 1990). Sabe-se que os feromônios femininos são percebidos fundamentalmente por dois tipos de quimioreceptores: os pêlos de contato ("chemosensitive hair sensilla") e os órgãos tarsais. Os pêlos de contato se encontram sempre rodeados por uma cápsula em sua base e possuem a parede muito fina, com um lúmen interior, distinguindo-se por possuírem um poro em seu extremo apical (Fig. 5.3) (Foelix 1985, Barth 2002). No lúmen correm dendritos que terminam neste poro e estão expostos diretamente ao meio ambiente. Cada pêlo tem mais de 20

neurônios quimiosensíveis e, em sua base, encontram-se também mecanoreceptores. Os pêlos situam-se em todas as extremidades e concentram-se, particularmente, nos tarsos.

O órgão tarsal, como seu nome indica localizados nos tarsos, consiste em uma depressão ou invaginação dorsal, com uma borda ou aro espessado da cutícula. Em seu interior se encontram 6 ou 7 canais, cada um contendo 3 a 4 dendritos (Foelix 1985). Estas estruturas possuem função de olfato, sendo possivelmente homólogas aos órgãos de Haller de alguns ácaros (Foelix 1985) (Fig. 5.4).

A comunicação acústico-vibratória

Logo que o macho percebe a presença da fêmea inicia-se o cortejo. Mas que sinais ele utiliza para persuadir a fêmea a aceitar cópula? Pressões seletivas freqüentemente levaram à utilização de sinais acústicos-vibratórios, normalmente característicos de cada espécie, durante o cortejo (Uetz & Stratton 1982). Uma comunicação intraespecífica efetiva é importante devido à natureza canibal da fêmea, já que enviando mensagens a uma distância considerável o macho apresenta maior probabilidade de sobrevivência (Uetz & Stratton 1982). Uma característica importante dos sinais acústico-vibratórios é que sua eficiência não depende de alguns aspectos do meio ambiente, como luminosidade, temperatura e umidade (Foelix 1996, Krafft 1982, Redondo1994). Por exemplo, Rovner (1967b) mostrou que em licosídeos a comunicação sexual acústica pode ocorrer no escuro, situação em que os sinais visuais não seriam eficientes. Machos experimentalmente impossibilitados de emitir sons somente obtém respostas receptivas das fêmeas em ambientes iluminados. Outra vantagem é a natureza temporal desses sinais, que variam instantaneamente com o estado motivacional do animal, tanto do macho quanto da fêmea, o que não ocorre com os sinais químicos. Por exemplo, o sinal químico emitido pela produção de feromônios não pode ser modificado pelo emissor. Essas características, recepção dos sinais à grande distância e natureza temporal, são importantes em um contexto reprodutivo e explicam porque os sinais acústico- vibratórios estão amplamente distribuídos nesses e em outros animais.

Em amplo sentido, o som pode ser definido como ondas de pressão produzidas por um objeto que vibra, que são transmitidas através de um meio elástico. As aranhas utilizam o ar, o substrato (solo, folhas, cascas de árvore, etc), a água ou suas próprias teias como meio de propagação do estímulo. Para evitar confusões, deste ponto em diante trataremos como comunicação acústica os sinais transportados pelo ar e comunicação vibratória como as ondas que viajam por outros meios. Os sons das aranhas não são tão espetaculares quanto os produzidos por aves, anfíbios ou insetos, já que geralmente são inaudíveis pelo homem. Apesar disso, Uhl & Schmitt (1996) observaram que os machos de Palpimanus gibbulus (Palpimanidae) cortejam emitindo sons audíveis pelo homem a curtas distâncias ao raspar as quelíceras contra os palpos. Os sons das aranhas podem ser produzidos por: a) órgãos de estridulação (observados em 22 famílias), b) percussão (6 famílias), e c) vibração de estruturas (2 famílias) (Legendre 1963, Rovner 1975). Estes números, obviamente, aguardam sua atualização.

Estridulação

Muito freqüente, é produzida pela fricção de duas superfícies opostas e duras, com texturas especiais: a lima ou lira ("file") e o raspador ("scrapper") (Uetz & Stratton 1982). Segundo Ewing (1989), a grande diversidade de aparatos de estridulação dos artrópodes se baseia na existência de um exoesqueleto rígido, onde quase todos os movimentos podem produzir sons ou vibrações. A superfície cuticular é facilmente esculpida, determinando que a estridulação tenha surgido muita vezes nos artrópodes. Os órgãos de estridulação nas aranhas foram classificados em oito categorias de acordo com sua localização no corpo (Legendre 1963, Rovner 1975) (Fig. 5.5). Rovner (1975), por sua vez, os classificou em outras quatro categorias: I) o abdome roça contra o cefalotórax, II) um apêndice roça contra outro apêndice, III) um apêndice roça contra o abdome e IV) o raspador e a lima se encontram em um mesmo apêndice, cada um de um lado de uma articulação. Um exemplo desta última categoria é o tamborilar palpar dos licosídeos, associado aos órgãos estridulatórios localizados entre o tarso e a tíbia do palpo (Fig. 5.6). O contato dos palpos com o substrato tem sido

interpretado principalmente como uma forma de transmitir via substrato - que é melhor condutor que o ar - as vibrações geradas pela estridulação (Rovner 1975), ficando o componente acústico limitado a curtas distâncias. Esta comunicação via substrato é o componente crítico do isolamento reprodutivo de duas espécies próximas de licosídeos da América do Norte, Schizocosa ocreata y S. rovneri, apesar de ambas possuírem órgãos estridulatórios semelhantes (Stratton & Uetz 1981,1983; Uetz & Stratton 1982). O cortejo de S. ocreata não apresenta um padrão temporal claro e a freqüência principal é de 800Hz. Já o cortejo de S. rovneri é muito mais regular e a freqüência principal é de 520Hz. Ou seja, diferentes músicos produzem músicas diferentes com os mesmos instrumentos.

Percussão

São golpes sobre o substrato, usando as pernas, os palpos ou o abdome (Uetz & Straton 1982). O substrato pode ser uma superfície dura, mas também uma teia e até a água. Os machos de Hygrolycosa rubrofasciata (Lycosidae) possuem uma placa esclerotinizada no abdome que, ao vibrar em contato com o substrato (geralmente folhas) produz um som audível pelo homem (Kronestedt 1996). Outro licosídeo, Schizocosa rovneri, percute com os palpos, as pernas anteriores e com o corpo (Stratton & Uetz 1981). Em muitas aranhas são freqüentes os golpes de pernas e/ou palpos contra o substrato, mas, em geral, sua função comunicativa não foi demonstrada experimentalmente. Fernández-Montraveta & Schmitt (1994) mostraram que Lycosa tarentula fasciiventris se comunica sexualmente mediante vibrações (1300 Hz), raspando o substrato com os palpos, sem utilizar órgãos estridulatórios. Nesta espécie, em encontros agonísticos, os machos também realizam percussão com os palpos (800 Hz).

Vibração de estruturas

Algumas aranhas são capazes de vibrar o corpo e transmitir essas vibrações para folhas, caules, ramos, cascas de árvores, fios de seda e mesmo para o solo. Rovner (1980) observou que

Heteropoda venatoria (Sparassidae) produz sons de baixa freqüência (125 Hz) durante o cortejo, audíveis até 30 cm pelo homem e que lembram o som que produzem as asas de insetos. Esta aranha

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