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ESCOLHA CRÍPTICA PELA FÊMEA E FENÔMENOS ASSOCIADOS EM ARANHAS

No documento Ecologia e Comportamento de Aranhas.pdf (páginas 117-144)

WILLIAM G.EBERHARD

Este capítulo tem dois objetivos: apresentar uma breve introdução às idéias gerais e dados associados à escolha críptica pelas fêmeas e sumarizar as evidências de que este fenômeno ocorre em aranhas. Além disto, serão discutidas várias vantagens especiais de aranhas para futuros estudos sobre escolha críptica pelas fêmeas (veja Quadro 6.1), quando possível utilizando dados recentemente publicados para ilustrá-las. Estas referências são incompletas, e o capítulo não visa apresentar uma revisão geral sobre o assunto. Ao contrário, visa introduzir o leitor à freqüentemente dispersa literatura sobre comportamento sexual em aranhas. O objetivo principal é estimular trabalhos futuros sobre a biologia sexual destes fascinantes e pouco estudados animais. Existem muitas excelentes teses sobre eles esperando para serem escritas.

Definição e descrição da escolha críptica pelas fêmeas

A seleção sexual, que resulta da competição entre membros de um sexo (geralmente machos) pelo acesso sexual a membros do outro sexo (geralmente fêmeas), foi inicialmente descrita e ilustrada por Darwin, a mais de 100 anos atrás (Darwin 1871). Ele distinguiu dois tipos de seleção sexual: a direta, que refere-se a batalhas entre machos nas quais alguns indivíduos fisicamente impedem que outros tenham acesso às fêmeas; e a escolha pela fêmea, na qual as fêmeas têm acesso a vários machos e escolhem copular com alguns e não com outros. Uma vez que o sucesso ou fracasso evolutivo de um macho depende de sua capacidade de reproduzir-se, a seleção sexual algumas vezes é muito intensa. O sucesso ou fracasso de um macho nesta competição são

comparativos, porque são determinados por outros machos da mesma espécie. Assim, machos com chifres de tamanhos moderados podem ganhar batalhas em uma população que apresenta apenas machos com chifres pequenos. Mas se chifres de tamanhos moderados subseqüentemente se espalharem pela população, este mesmo tamanho deixará de constituir uma vantagem, e os machos precisarão de alguma característica adicional (como chifres maiores ou novas táticas de luta) para superar seus concorrentes. Por esta razão características sob seleção sexual freqüentemente evoluem rapidamente e podem diferir mesmo entre espécies intimamente aparentadas.

Darwin, em uma de suas poucas omissões no desenvolvimento das idéias associadas à seleção sexual, deixou de perceber que a competição entre machos pode ocorrer não apenas antes da cópula (quando os machos competem pelo acesso às fêmeas), mas também, se as fêmeas copulam com mais de um macho, depois do início da cópula (quando os machos competem pelo acesso aos gametas femininos). Seguindo o esquema de Darwin, existem dois tipos de seleção sexual pós- cópula: competição de esperma (correspondente às batalhas entre machos pelo acesso às fêmeas); e a seleção críptica pelas fêmeas (correspondente às escolhas pré-cópula feitas pelas fêmeas). O primeiro grande avanço relacionado à seleção sexual pós-cópula foi o reconhecimento da possibilidade de "competição de esperma" (Parker 1970) - que os machos podem ser capazes de reduzir fisicamente a probabilidade de que o esperma de machos rivais seja utilizado para fertilizar os óvulos, dentro da mesma fêmea. Tópicos tradicionalmente incluídos nas discussões sobre competição de esperma incluem o uso da genitália dos machos para remover o esperma depositado por machos que copularam previamente, a obstrução da entrada dos ductos reprodutivos das fêmeas para evitar o acesso subseqüente por outros machos, a deposição de uma quantidade especialmente grande de esperma para diluir o esperma depositado por competidores e possivelmente o uso de substâncias seminais para inativar o esperma de outros machos ou aumentar a probabilidade de uso do esperma pela fêmea, em detrimento daquele depositado por machos competidores (Birkhead & Møller 1998, Simmons 2001). Este tipo de competição corresponde às batalhas diretas entre machos descritas por Darwin.

A aceitação de que a seleção de machos pelas fêmeas representa um importante aspecto da seleção sexual foi, historicamente, muito demorada (Andersson 1994). Da mesma forma, só posteriormente foi observado que um segundo tipo de competição pós-copula entre machos, correspondente à escolha de machos pelas fêmeas, também pode ocorrer (Thornhill 1983, Eberhard 1985). Este tipo de competição foi chamado de "escolha críptica pelas fêmeas" (Thornhill 1983); a palavra "críptica" referindo-se ao fato que qualquer tendência pós-copula das fêmeas em favor de um macho em relação aos outros seria ignorada (críptica) sob a perspectiva Darwiniana tradicional, em que o sucesso reprodutivo de um macho em competição com outros pode ser medido pela contagem de seus eventos copulatórios ou pelo número de fêmeas com as quais ele copula.

Pode parecer à primeira vista que esta escolha pelas fêmeas não é factível uma vez que a cópula tenha ocorrido. Depois que um macho conseguiu o acesso físico ao trato reprodutivo da fêmea, parece que é tarde demais para que ela possa fazer escolhas entre parceiros. Entretanto, considerações posteriores revelam que existem vários processos reprodutivos importantes pelos quais as fêmeas são capazes de alterar a probabilidade de que uma cópula resulte em filhotes. Uma lista incompleta de possibilidades inclui 20 diferentes mecanismos, como o transporte ou não do esperma; descarte ou não do esperma do último macho a copular, ou do anterior; ovulação ou não logo após a cópula, copular ou não com outros machos; etc (veja Eberhard 1996). Trabalhos recentes têm revelado vários mecanismos adicionais associados com mudanças facultativas nos ovos, incluindo a manipulação do tamanho e inclusão de hormônios e fatores imunológicos, afetando a sobrevivência dos filhotes (Kolm 2002, Gil et al. 1999, Lipar & Ketterson 2002, Saino et al. 2002, Iyengar & Eisner 2002). Para estes dois e para muitos dos outros mecanismos de escolha críptica, existem evidências que as fêmeas de algumas espécies favorecem a paternidade para alguns machos em detrimento de outros (Eberhard 1996).

O quanto a escolha críptica pelas fêmeas tem sido importante na evolução? Algumas discussões sobre este assunto têm concluído que existem poucos casos documentados, mas estas têm se concentrado quase exclusivamente na manipulação diferencial de esperma de diferentes

machos pelas fêmeas, dentro de seus corpos (Parker1998, Birkhead & Møller 1998, Birkhead 1998). Entretanto, certamente a escolha críptica pelas fêmeas não está restrita a estes mecanismos particulares (Eberhard 1996, Simmons 2001). Um conjunto adicional de razões para questionar o quanto a escolha críptica tem constituído um fator importante na evolução emerge de recentes discussões sobre a possível importância de conflitos entre machos e fêmeas como as causas de muitos fenômenos previamente explicados por escolhas feitas pelas fêmeas (Holland & Rice 1996, Alexander et al. 1997, Chapman et al. 1995, 2003). Por motivos teóricos e empíricos, entretanto, os dados citados para dar suporte a estas idéias não são completamente convincentes (Eberhard 1997, 1998, Cordero & Eberhard 2003). Dois grandes conjuntos de dados (incluindo muitas centenas de gêneros de insetos) não oferecem suporte às predições quantitativas das idéias de conflitos entre machos em relação à evolução de genitálias (Eberhard 2004a).

Enquanto parece inegável que as fêmeas freqüentemente possuem mecanismos comportamentais, fisiológicos ou morfológicos que podem direcionar a paternidade de forma críptica, não está tão bem estabelecido se este direcionamento ocorre com freqüência suficiente na natureza para constituir uma importante força seletiva. Casos esparsos nos quais a escolha críptica pelas fêmeas possivelmente ocorre, especialmente em insetos e vertebrados, são apresentados em Eberhard (1996); evidências adicionais vem de estudos com tunicados (Bishop et al.1996), libélulas (Cordero-Aguilar 1999), besouros das famílias Bruchidae (Wilson et al. 1997), Tenebrionidae (Edvardsson & Arnqvist 2000) e Chrysomelidae (Tallamy et al. 2002, 2003); hemípteros das famílias Gerridae (Arnqvist & Daniellson 1999) e Lygaeidae (Tadler 1999); codornas (Adkins Regan 1995), andorinhas (de Lope & Møller 1993) e uma espécie de ave da família Fringillidae (Gil et al. 1999).

A evidência mais abrangente envolvendo a escolha críptica pelas fêmeas, entretanto, é menos direta, e vem de duas direções - morfologia reprodutiva e comportamento. Serão apresentados aqui apenas os argumentos básicos. O maior conjunto de dados morfológicos vem da extensa literatura sobre taxonomia (resumida em Eberhard 1985). Taxônomos de diferentes grupos

de animais com fertilização interna, de platelmintos a insetos e cobras, de aranhas a lulas e macacos, têm observado que as estruturas das genitálias dos machos são especialmente sujeitas a evolução rápida e divergência mesmo entre espécies intimamente relacionadas (Fig. 6.1). Muitas linhas de evidências, incluindo observações diretas de comportamento reprodutivo (e.g. Eberhard 2001a, b, Schäfer & Uhl 2002) e tendências à paternidade associadas com diferentes formas de genitália (Rodriguez 1995, Arnqvist & Danielsson 1999, Danielsson & Askenow 1999, House & Simmons 2002) sugerem que estas estruturas de genitálias masculinas funcionam como "instrumentos de cortejo internos", que evoluem sob seleção sexual por escolha críptica pelas fêmeas. Explicações alternativas gerais para justificar porque ocorre este forte padrão evolutivo, como o isolamento reprodutivo por incompatibilidade física ("chave-fechadura") e os efeitos pleiotrópicos de alelos responsáveis por outras características, são insatisfatórias. Estas explicações são incapazes de justificar as tendências associadas com a freqüência de re-cópula das fêmeas e a ausência de efeitos biogeográficos e de outros fatores afetando a probabilidade de encontros sexuais interespecíficos (Eberhard 1985, 1997, 1998, 2002, Shapiro & Porter 1989, Arnqvist 1998).

O segundo conjunto de dados, baseado no comportamento, embora menos extenso, é forte porque nenhuma outra hipótese a não ser a escolha críptica pelas fêmeas parece capaz de explicá-lo. A observação empírica de que o comportamento de cortejar as fêmeas durante e logo após a cópula (usando um conjunto conservativo de critérios para distinguir cortejo de outros tipos de comportamento) é aparentemente muito comum (Eberhard 1991, 1994). Em muitas espécies, os padrões de comportamento empregados durante são diferentes daqueles empregados antes da cópula e, em algumas espécies, o único tipo de cortejo apresentado pelos machos ocorre após o início da cópula. O cortejo após o início da cópula é aparentemente paradoxal, uma vez que o macho já alcançou o objetivo geralmente atribuído ao cortejo padrão - a cópula. A menos que os machos tenham sido selecionados para influenciar positivamente o processo reprodutivo controlado pelas fêmeas (e.g. transporte de esperma, ovulação, etc. - mecanismos de escolha críptica pelas fêmeas), aparentemente não haveria razão seletiva para este tipo de comportamento nos machos.

Respostas das fêmeas ao cortejo copulatório foram demonstradas em muitas espécies, incluindo abelhas (Alcock & Buchmann 1985), pulgas (Humprhries 1967), besouros (Edvardsson & Arnqvist 2000, Tallamy et al. 2002, 2003) e roedores (Carlson & Defeo 1965, Carter 1973, Leckie et al. 1973).

Um terceiro conjunto de dados, envolvendo os efeitos de substâncias seminais masculinas na fisiologia reprodutiva das fêmeas, também ajusta-se com as idéias de escolha críptica pelas fêmeas (Eberhard & Cordero 1995, Eberhard 1996). Mas os dados fisiológicos ainda são menos substanciais e conclusivos porque também ajustam-se à explicação alternativa de conflitos entre machos e fêmeas (Chapman et al. 2003).

Evidências de escolha críptica pelas fêmeas em aranhas

A maioria dos mecanismos através dos quais pode surgir a escolha críptica pelas fêmeas (Eberhard 1996) são conhecidos em aracnídeos. De fato, alguns poucos são conhecidos apenas em aracnídeos, como recolher ou não o esperma depositado em um espermatóforo estruturalmente complexo (Peretti 1996), permitir ou não que o macho deposite um tampão genital (Knoflach 1998, Eberhard & Huber 1998a) e alterar a morfologia da genitália interna como resultado da cópula (Higgins 1989). A escolha críptica pelas fêmeas é, portanto, geralmente factível em aranhas. Apesar disto, poucos estudos testaram sua ocorrência neste grupo. Fêmeas do araneídeo Argiope keyserlingi controlam a paternidade de seus filhotes ajustando a duração da cópula (alterando o momento do canibalismo sexual) (Elgar et al. 2000). Fêmeas copulando com machos relativamente pequenos atrasam o canibalismo sexual, prolongando a cópula, e esses machos conseqüentemente fertilizam mais ovos. Os machos lutam para não serem canibalizados e as fêmeas que comem os machos não depositam um número maior de ovos. Desta forma, a cumplicidade dos machos (veja Andrade 1996) parece não ser importante neste caso (Elgar et al. 2000). O sucesso dos machos na fertilização é aumentado em Latrodectus hasselti (Theridiidae) se as fêmeas os canibalizam (Andrade 1996), mas até onde se sabe, a decisão de canibalizar ou não o macho depende do estado

nutricional da fêmea e não de qualquer aspecto do fenótipo do macho (Andrade 1998). Assim a escolha críptica pela fêmea pode não ocorrer nesta espécie, embora seja possível também que alguma característica dos machos, não estudada por Andrade, tenha influência sobre as decisões das fêmeas. O canibalismo sexual ocorre também em outros grupos (e.g. Knoflach & van Harten 2000, Knoflach 2002, capítulo 11 deste livro), mas seus possíveis efeitos no uso do esperma são desconhecidos.

Em Neriene litigiosa (Linyphiidae), o "vigor copulatório" do macho durante o cortejo pré- inseminação (inserção dos pedipalpos antes de estarem carregados com esperma) tem um efeito positivo na proporção de ovos fertilizados, em casos nos quais a fêmea já havia copulado previamente com outro macho (Watson 1991). O "vigor" foi quantificado através da combinação de medidas da duração da cópula pré-inseminação, da taxa de introdução dos pedipalpos e da porcentagem de tentativas de inserção que falharam. Watson (1991) especulou que as fêmeas podem controlar a entrada de esperma nas espermatecas com uma válvula nos ductos de inseminação, mas não apresentou detalhes morfológicos ou comportamentais. Já que a cópula é energeticamente dispendiosa (Watson & Lighton 1994), as fêmeas podem se beneficiar selecionando machos que confiram maior vigor à sua prole. Esta explicação da pseudocópula como um instrumento para avaliar os machos, entretanto, é improvável em outras espécies da família Linyphiidae, assim como em alguns espécies do gênero Theridion (Theridiidae), nas quais a pseudocópula é relativamente curta - veja Knoflach (1998 e referências). Uma explicação alternativa é que a função da pseudocópula seria proporcionar à fêmea estímulos "arbitrários" de cortejo, e não indicar o vigor do macho (Andersson 1994).

A escolha críptica pela fêmea pode também ocorrer em Phidippus johnsoni (Salticidae). A fêmea termina a cópula (andando ou virando-se para longe do macho) e, quanto maior a duração de sua primeira cópula, menor a probabilidade de volte a copular (Jackson 1980). Quando a fêmea copula novamente ocorre uma substancial perda de paternidade para o primeiro macho. Assim, se existirem quaisquer características dos machos que façam com que as fêmeas permitam cópulas

mais longas (não foram feitos testes para verificar esta possibilidade), eles podem ser favorecidos pela escolha críptica pela fêmea. A duração da cópula em aranhas varia muito, tanto dentro da mesma espécie quanto entre espécies (Elgar 1998) e, em muitas, é claramente superior ao tempo necessário para a transferência de esperma, sugerindo que a cópula pode ter funções adicionais como influenciar a escolha críptica pela fêmea (Jackson 1980, Eberhard 1996, Elgar 1998). Provavelmente as fêmeas de aranhas, em geral, são capazes de influenciar a duração das cópulas.

Alguns casos adicionais são mencionados a seguir, mas em geral existem poucas demonstrações diretas de escolha críptica pela fêmea em aranhas. Existem, entretanto, dois tipos principais de evidências indiretas que podem ser amplamente difundidas.

Cortejo copulatório

O cortejo copulatório pelos machos é geralmente associado à função de induzir a fêmea a cooperar, de uma forma ou de outra, com os interesses reprodutivos do macho. No cortejo pré- copulatório clássico o macho busca a cooperação da fêmea no sentido de permitir a cópula (veja capítulo 5 deste livro). No entanto, tornou-se claro que, para muitas espécies, o comportamento de cortejar a fêmea ocorre também após o início da cópula ("cortejo copulatório"). A implicação destas observações é que os machos destas espécies devem estar induzindo a cooperação das fêmeas em processos subseqüentes ao início da cópula. Em outras palavras, a existência de cortejo copulatório provavelmente indica a ocorrência de escolha críptica pelas fêmeas.

Muitas amostragens de comportamento, utilizando critérios conservativos para distinguir o comportamento de cortejo, têm mostrado que machos de aranhas freqüentemente cortejam as fêmeas durante ou mesmo após a cópula. Os critérios para os comportamentos são os seguintes: A) são desempenhados repetidas vezes durante uma única cópula; B) ocorrem em diferentes cópulas de indivíduos da mesma espécie; C) não apresentam nenhuma outra função aparente (e.g. comportamentos de limpeza, e comportamentos agressivos contra outros machos não são considerados); D) são apropriados para estimular as fêmeas (e.g. mover uma perna fora do campo

de visão da fêmea não é considerado); e E) movimentos de genitálias não são considerados. A amostragem direta mais extensiva incluiu 8 espécies de aranhas, juntamente com 123 espécies de insetos. Em cerca de 80% das espécies o macho realiza cortejo durante ou após a cópula, e em muitos casos com mais de uma categoria comportamental (Eberhard 1994). Uma amostragem similar das muitas descrições de cópulas de aranhas previamente publicadas por U. Gerhardt cerca de 90 anos atrás mostrou que em 31% das 151 espécies os machos apresentaram aparentes cortejos copulatórios (Huber 1998, veja também referências em Eberhard & Huber 1998a, Stratton et al. 1996, Knoflach 1998, Aisenberg et al. 2002). Outros aracnídeos, como escorpiões, também realizam cortejo copulatório (11% de 37 espécies estudadas- Peretti 1997). Estes dados certamente constituem uma estimativa conservadora da freqüência de escolha críptica pelas fêmeas nestes grupos, já que as fêmeas podem também utilizar outras características (e.g. forma da genitália e produtos seminais) como critérios adicionais, ou alternativos ao cortejo copulatório, para avaliar os machos.

Baseando-se em duas suposições razoáveis, que estes tipos de comportamentos apresentam alguma função, e que realmente são comportamentos de cortejo; é inevitável a conclusão de que a escolha críptica pelas fêmeas deve ser muito comum em aranhas. Mas os detalhes sobre que mecanismos estão envolvidos, e a demonstração de que critérios particulares são utilizados para discriminar entre machos, apenas começaram a ser avaliados. Aisenberg et al. (2002) deram o primeiro passo ao demonstrar, impedindo a entrada de esperma nos palpos de machos de Schizocosa malitiosa, que o cortejo copulatório nesta espécie não reduz a receptividade das fêmeas às copulas subseqüentes, como foi típico após as cópulas com os machos do grupo controle. Eles não investigaram outros possíveis mecanismos de escolha críptica pelas fêmeas que podem ser promovidos pelo cortejo copulatório. O cortejo copulatório e suas conseqüências representam um grande e promissor, embora ainda quase totalmente inexplorado, campo de estudo em aranhas, assim como em outros aracnídeos.

Um aspecto especial das cópulas em aranhas pode estar relacionado com o cortejo copulatório. Machos de aranhas freqüentemente inserem seus pedipalpos repetidas vezes nas fêmeas, em algumas espécies em padrões esteriotipados, com centenas de inserções durante um único pareamento. Algumas espécies, em contraste, inserem cada palpo apenas uma vez. Assim, inserções múltiplas não são intrinsecamente necessárias para transferir esperma. A razão para múltiplas inserções nunca foi diretamente demonstrada em nenhuma espécie. Algumas espécies apresentam padrões rítmicos de inserção altamente estilizados, que são divergentes em espécies intimamente relacionadas (Stratton et al. 1996, Knoflach 1998). A possibilidade que eles constituam cortejos copulatórios é corroborada pelo fato que em muitos gêneros de Linyphiidae e Theridiidae, longas séries de inserções precedem a inseminação ("pseudocópula") (van Helsdingen 1965, Knoflach 1998 e referências neste). Essas inserções não estão envolvidas diretamente na transferência de esperma porque precedem o carregamento do palpo com esperma. Em outros grupos sem pseudocópula, a inseminação é seguida por muitas inserções (Jackson 1980 para Phidippus, Christenson 1990 para Nephila, Eberhard & Huber 1998a para Leucage), e podem funcionar como cortejo. Stratton et al. (1996) propuseram que, dada a freqüência de tentativas de inserção fracassadas, inserções múltiplas aumentariam a probabilidade de que algumas fossem bem sucedidas.

Stratton et al. (1996) discutiram a possibilidade de que inserções repetidas constituam cortejo copulatório, e observaram que o comportamento de cópula de espécies de Schizocosa do grupo ochreata podem constituir cortejo copulatório com a genitália do macho. Um processo palpal raspa ou belisca os lados do epígino da fêmea com cada expansão das hematodochas. Como mencionado anteriormente, Watson (1991) descobriu que a freqüência com a qual os machos de Neriene litigiosa (Linyphiidae) fracassam em suas tentativas de inserção dos pedipalpos durante o comportamento de cópula pré-inseminação está correlacionada com a proporção de filhotes produzidos. Inserções repetidas ocorrem também em outros grupos, incluindo mamíferos (nos quais, em algumas espécies, desencadeiam respostas reprodutivas das fêmeas, Diamond 1970) e

diplópodes (nos quais também ocorrem repetidas intromissões com a genitália dos machos ainda sem esperma, Haacker & Fuchs 1970).

Outro aspecto pouco usual de cópulas de aranhas, que possivelmente está relacionado a múltiplas inserções, é a alta freqüência de falhas em tentativas de inserção. Talvez a falta de órgãos sensoriais no bulbo copulatório (Eberhard & Huber 1998b) torne algumas falhas inevitáveis para o macho. Mas também é possível que as falhas proporcionem um estímulo copulatório de cortejo para algumas espécies (Eberhard & Huber 1998a). Um intrigante aspecto do comportamento de cópula em aranhas é que as falhas algumas vezes são muito comuns. Cerca de 75% das tentativas de inserção dos bulbos em Theridion refugum (Theridiidae) não são bem sucedidas (embora essas falhas sejam muito mais raras em algumas outras espécies co-genéricas, Knoflach 1998); assim como cerca de 20% em N. litigiosa (dados de Watson 1991, Watson & Lighton 1994) e 44% em Leucauge mariana (Tetragnathidae) (Eberhard & Huber 1998a). As fêmeas de N. litigiosa não selecionam machos que falham com freqüência maior, mas talvez em algumas outras espécies as tentativas mal sucedidas de inserção não representem falhas, mas sim esforços dos machos para estimular as fêmeas (Knoflach 1998). Em Theridion petraeum essas tentativas consistem em violentos empurrões contra o epígino das fêmeas (Knoflach 1998). Seriam o tamborilar dos palpos

No documento Ecologia e Comportamento de Aranhas.pdf (páginas 117-144)