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Comunidade Piscatória de Vila Chã (Vila do Conde) - Pescadeiras, pescadores, embarcações e artes de pesca

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FACULDADE DE LETRAS

U NI VER SI DADE D O POR TO

 

Diana Isabel Rocha Silva

2º Ciclo de Estudos em Arqueologia

Pescadeiras, pescadores, embarcações e artes de pesca

2014

Orientador: Professora Doutora Teresa Soeiro

Classificação: Ciclo de estudos

Dissertação/relatório/projecto/IPP:

Versão definitiva

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Agradecimentos

Durante a realização deste relatório pude contar com o apoio de diversas pessoas às quais devo, no mínimo, o meu mais sincero agradecimento.

Em primeiro lugar aos professores que acompanharam todo o meu percurso académico, nomeadamente a minha orientadora, Dra Teresa Soeiro, por todos os alertas, conselhos e bibliografia sem os quais este trabalho não estaria completo.

Como não podia deixar de ser, aos vários cidadãos vilaplanenses que, além daquilo que eu poderia pedir, me deram o seu tempo e a sua maior paciência e sapiência para matar a minha curiosidade. Em particular, devo um grande agradecimento ao presidente da Junta e Mestre construtor Benjamim Moreira, pelas horas passada a esclarecer dúvidas e pela ajuda que me deu na comunidade e junto dos seus elementos. E claro aos diversos elementos da Câmara Municipal de Vila do Conde, em particular do Centro de memória, por toda a disponibilidade mostrada durante todo o estágio e mesmo após a conclusão do mesmo.

Por último tenho que deixar o meu maior agradecimento. À minha família e amigos, pelo apoio, estabilidade e bons exemplos que sempre me deram. Em particular ao meu irmão, pelo agradável e motivador exemplo que é, ver alguém apaixonado por uma ciência. Ao meu Daniel, por suportar os meus devaneios e me conseguir sempre chamar à realidade. E aos meus pais, sem os quais nunca estaria aqui. Foi o seu esforço e sacrifício pessoal que me conduziram a este ponto. De tanto que lhes devo só conseguirei pagar com o meu eterno e sincero agradecimento, pelo apoio monetário nesta longa jornada, pelo incentivo constante a ser melhor estudante e pessoa e, acima de tudo, pelo amor que nunca faltou. Aos meus ídolos dedico este relatório e o título de mestre.

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Resumo

Este relatório foi realizado no âmbito do estágio, realizado com a Câmara Municipal de Vila do Conde, para terminar o Mestrado em Arqueologia.

O objectivo era conhecer melhor a comunidade piscatória de Vila Chã, em Vila do Conde, que é uma das muitas pequenas comunidades que povoam a costa norte. Procurei conhecer a origem e desenvolvimento desta comunidade, bem como a sua distribuição espacial e constituição habitacional, a sua população ao longo do tempo - de que maneira se enquadra ou não na estrutura da população nacional e mundial ao longo do tempo em estudo – e de que maneira a divisão social entre pescadores e lavradores afecta a comunidade fisicamente. Tento traçar um panorama com as embarcações que pescavam localmente e como era a indústria de construção naval local que era bastante procurada na zona. Explora-se também a comunidade de pescadores propriamente dita e quais as razões para que esta comunidade, que é tão parecida com as “vizinhas”, seja única devido à participação feminina única que tem.

Palavras-chave: Vila Chã, Vila do Conde; embarcações; pescadores; mulheres-arrais; aparelhos de pesca; pilado; sargaço

Abstract

This report was produced as a result of the internship I made with the Câmara Municipal de Vila do Conde, to finish the master’s degree in Archaeology.

The goal/purpose of this report was too deeply get to know the fishing community Vila Chã, in Vila do Conde, one of many small fishing communities in the north cost of the country. I tried to find out the origins and development of this community and its spatial distribution as well as its housing constitution, the evolution of the population – whether it is similar to the national and even worldwide population behavior throughout the time in study – and in what way the social division between farmers and fishermen will replicate physically in the community. I also try to draft a perspective on the local fishing boats and how the local fishing boats construction industry was, considering its local demand. I also explore the fishermen community by itself and how this community, so alike with others, can be so different in its unique feminine participation in fishery.

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Keywords: Vila Chã, Vila do Conde; fishing boats; fishermen; women skippers; fishing gear; pounded crab; Sargasso.

Sumário

Índice de Mapas ... 5

Índice de Gráficos ... 5

Índice de Quadros ... 5

Introdução ... 7

1. Objetivos, recursos e fontes de informação ... 9

2. População e Sociedade ... 13

3. O setor pesqueiro no Norte de Portugal ... 25

4. Vila Chã e os seus pescadores ... 36

4.1. As caraterísticas da costa entre Ave e Douro e suas comunidades piscatórias ... 36

4.2. Freguesia de Vila Chã e a origem das atividades marítimas ... 43

4.2.1. Referências Históricas à freguesia ... 43

4.3. As atividades agro-marítimas em Vila Chã ... 45

4. 4. Terra de lavradores e gente do mar ... 54

4.4.1. O grupo dos pescadores ... 61

5. A integração das mulheres na pesca ... 67

6. Embarcações e artes de pesca ... 73

6.1. Barco Tipo Poveiro ... 73

6.2. Catraia Fanequeira... 77

6.3. Aparelhos de pesca ... 85

7. Tipos de Aparelhos ... 86

7.1. Construção das redes ... 94

7.2. Aparelhos usados em Vila Chã no séc. XIX ... 96

7.2.1. Aparelhos identificados em Vila Chã desde a segunda metade do séc. XX ... 99

7.3. Aparelhos da apanha do sargaço e pilado ... 100

7.3.1. O traje ... 106

Considerações finais ... 108

Fontes e Bibliografia ... 111

Anexos... 115

Anexo 1. Glossário ... 115

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Anexo 3. Cartografia ... 123

Anexo 4. Imagens ... 126

Anexo 5. Quadros ... 143

Anexo 6. Desenho da catraia fanequeira Mestre Lourenço ... 368

Anexo 7. Inventário do Museu Memórias da Nossa Terra ... 369

Índice de Mapas

Mapa 1 Localização de Vila Chã na costa de Portugal……….. ... 4

Mapa 2 Portos de Pesca no Departamento Norte, 1984/1985 ... 4

Mapa 3 Comunidades litorais que se encontram entre Ave e Leça ... 14

Mapa 4 Planta de Vila Chã com os respectivos lugares assinalados ... 19

Índice de Gráficos

Gráfico 1 População portuguesa entre 1864 e 2011………...15

Gráfico 2 População em Vila do Conde e Vila Chã ……… ... 17

Gráfico 3 Força de trabalho em Vila Chã ……….... ... 61

Gráfico 4 Mulheres nos Livros de Inscrição Marítima……….. ... 67

Índice de Quadros

Quadro 1 População do Minho……….. ... 10

Quadro 2 População do Minho em números absolutos e percentagem………. ... 10

Quadro 3 População urbana e rural no Minho………... ... 11

Quadro 4 Emigração hipotética………. ... 12

Quadro 5 População segundo os Recenseamentos……… ... 15

Quadro 6 Resumo da Importância da pesca em todos os portos, rios e lagoas do continente do Reino referido ao ano de 1886……… ... 25

Quadro 7 Importância das pescarias em 1886………... ... 26

Quadro 8 Estruturação da organização do trabalho na área das pescas………. ... 31

Quadro 9 Força de trabalho de Vila Chã………... ... 60

Quadro 10Síntese das dimensões dos barcos do Tipo Poveiro, segundo diferentes autores em e épocas………. ... 70

Quadro 11 Designações dos componentes da embarcação……… ... 73

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6 Quadro 13 Artes de mar………. ... 95

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Introdução

As comunidades junto ao litoral já existem há muito, sendo testemunhos arqueológicos deste interesse pelo mar as várias estações paleolíticas, os pesos de rede neolíticos, a presença de concheiros nos castros, os tanques de salga de peixe romanos, etc. O nosso território tem condições geográficas e ambientais para se obter, sem excessiva dificuldade, uma enorme diversidade de espécies (FILGUEIRAS 1981: 344).

O meu trabalho irá centrar-se numa das muitas comunidades de pesca que existem no litoral norte do país, a de Vila Chã, município de Vila do Conde, como outras formada devido às condições e oportunidades que o mar oferece. Tem a sua história de nascimento, auge e declínio como, em diferentes graus, infelizmente se vê em quase todas.

Tomei conhecimento dela recentemente e despertou-me muito interesse devido às particularidades que a tornam única no país. Nesta comunidade existe uma embarcação de pesca artesanal, filiada na estirpe poveira mas com caraterística próprias, vistas apenas em Vila Chã.

Outra questão distingue realmente Vila Chã e tem, há anos, interessado os especialistas: o facto de as mulheres estarem integradas na faina da pesca como qualquer elemento masculino. Ou seja, têm cédula marítima e vão ao mar em companhas mistas, com o mesmo valor que qualquer outro pescador, e também em companhas só de mulheres. São donas de barcos e estão documentadas algumas mulheres com carta de arrais – algo sim verdadeiramente único no país. Istovai gerar repercussões a nível social, nomeadamente no que às heranças diz respeito.

Em simultâneo, estudo o espaço de freguesia, desde a sua morfologia à construção histórica e evolução dos lugares, realçando a dicotomia entre pescadores e lavradores e como esta separação se reflete no território e na diferenciação das artes e aparelhos, bem como na da distribuição da implantação, com a prevalência dos lavradores sobre os pescadores, o afastamento daqueles em relação aos assuntos do mar e a oportunidade das pessoas sem terra começarem a ter uma arte.

O objetivo último deste trabalho seria interpretar que entidade é esta – Vila Chã – quem são as suas gentes, como foi construída e ganhou lugar entre outras comunidades piscatórias da região, quais as diferenças e semelhanças com as demais, que contributo

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representa para a identidade vila-condense e, em maior escala, portuguesa, e qual a relevância de preservar a riqueza material e imaterial desta freguesia.

Mapa 1Localização de Vila Chã, na costa de Portugal.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Vila_Ch%C3%A3_(Vila_d o_Conde).Consultado em 2014

Mapa 2Portos de pesca no Departamento Norte, 1984/1985

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1. Objetivos, recursos e fontes de informação

No segundo ano do Mestrado de Arqueologia realizei um estágio de 700 horas junto da Câmara Municipal de Vila do Condecom o Gabinete de Arqueologia do Centro de Memória de Vila do Conde.

Deste estágio curricular surgiu o presente relatório com o título Comunidade

Piscatória de Vila Chã (Vila do Conde):Pescadeiras, Pescadores, Embarcações e Artes de Pesca.

Vila Chã chamou a minha atenção quando, no contexto da cadeira de Trabalho de Campo em Arqueologia do 1º ano de Mestrado, realizei um estágio curricular de 200 horas que consistia no acompanhamento dos trabalhos realizados pelos arqueólogos de uma instituição com intervenção territorial. Numa das saídas pelo concelho, que realizei com os técnicos do Gabinete, passamos por Vila Chã e deram-me a conhecer um pouco as particularidades da comunidade (a existência de mulheres a ir ao mar e a forte construção naval que aí existia) e o trabalho de Sally Cole (1994). Considerando que era um caso tão excecional a nível nacional, fiquei curiosa e procurei mais informação sobre o tema. Surpreendeu-me um pouco quando me apercebi que, além do trabalho de componente social anteriormente referido, não havia nenhum outro sistemático e recente que procurasse perceber melhor que comunidade é esta, como as tão conhecidas particularidades, estão agora presentes e como influenciaram o seu desenvolvimento e eventual declínio.

Assim, decidi fazer o estudo desta comunidade: como surgiu a vila e se teve, a sua formação semelhante ao início de outras comunidades piscatórias e quais são as particularidades da costa que permitem o seu sucesso. Procurei perceber também como é que este início vai influenciar a distribuição da população pelo espaço e como é que esta se relaciona com a pesca, considerando um panorama mais geral de mudança de paradigma económico. Por fim tentei perceber quais os meios técnicos envolvidos na pesca, ou seja, o tipo de embarcações e de aparelhos usados e a sua proveniência, bem como se a diferenciavam das comunidades próximas.

Iniciei o estágio no Centro de Memória, onde se encontra o Arquivo que guarda diversa documentaçãocomo os testamentos e os recenseamentos, eleitorais e militares. Fui também à Capitania de Vila do Conde e ao Arquivo Histórico da Marinha, em Lisboa, para procurar a inscrição de marítimos e os registos das embarcações

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construídas localmente. Investiguei ainda, como não podia deixar de ser, em Vila Chã onde, além do pequeno núcleo museológico com peças de origem local, do qual fiz oinventário, contactei com o presidente da Junta de Feguesia, também construtor naval, e com habitantes e pescadores vilaplanenses que me deram informações sobre a comunidade e fizeram o retrato do que era e é a vida em Vila Chã.

Da proposta que fiz para a totalidade do estágio, inscrita no respetivo protocolo, ficaram por realizar algumas tarefas, nomeadamente o inventário parcial das coleções dos museus das Caxinas e Póvoa de Varzim, focado no que diz respeito a Vila Chã, limitando-me apenas a uma comparação bibliográfica entre as várias artes e embarcações. Também não foram cumpridas as ações de valorização a desenvolver em conjunto com o Centro de Memória e os seus técnicos, por não terem sido concretizadas neste período de tempo actividades que se relacionassem com a temática. Penso, no entanto, que as atividades que se prendem com a divulgação desta comunidade podem agora ser realizadas com mais correção e impacto, depois de conhecer melhor Vila Chã e as suas particularidades.

Este relatório encontra-se estruturado da seguinte forma:

O 2º capítulo intitula-se População e sociedade e procura ser uma contextualização para o tipo de sociedade em que se afirma esta comunidade, a partir do séc. XVIII, pois é por altura em que há as maiores transformações e surgem documentos de mais acessível consulta. Verificamos como é que Vila Chã evolui a nível de população em geral e de população piscatória, por comparação com a população nacional, através dos recenseamentos da população.

O 3º capítulo tem por título O setor pesqueiro no Norte de Portugal. Depois de fazer uma distinção entre os diferentes tipos de pesca, traço um perfil diacrónico desta e da importância que teve na economia e alimentação.

O 4º capítulo é dedicado ao estudo deVila Chã e os seus pescadores. Centro-me em Vila Chã, nas caraterísticas da costa e do território. Refiro os diferentes lugares e como se relacionam com a atividade marítima que foi sendo desenvolvida e hoje quase abandonada. Faço também uma caraterização do grupo piscatória e como este é diferente em comportamento, linguagem e até nas formas de habitar por comparação com os lavradores, também fundamentais nesta comunidade. Exploro uma questão essencial na distinção de Vila Chã – as mulheres, o seu papel importante na comunidade e único na indústria pesqueira, confirmando, através das inscrições marítimas, a

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dimensão real da sua participação e, com os registos dos exames de arrais, a importância e mérito que tinham na profissão.

O 5º capítulo intitula-se Embarcações e Artes de Pesca, nele se referem as embarcações tradicionais mais usadas na Costa Norte do país ligadas ao barco poveiro, de que maneira a catraia fanequeira, que é apenas construída em Vila Chã, se insere nesta família e quais as caraterísticas que a diferenciam das restantes. Falo também da sua construção, através da experiência de um mestre carpinteiro e dos estaleiros existentes (e dos vestígios de outros) e ainda das adaptações que foram sendo concebidas para a adaptar às novas exigências de funcionamento. Refiro as fainas que usavam esta embarcação e faço uma breve menção ao miranço, um barco semelhante à catraia, que fazia em conjunto a apanha do pilado.

O último capítulo, intitula-se Aparelhos de pesca e nele tento reunir uma recolha dos aparelhos e artes usados em Vila Chã, o seu objetivo, constituição e evolução. Esta tarefa tornou-se um pouco ingrata pois, muitos dos aparelhos efetivamente usados eram variações, junções e adaptações de aparelhos base.

Para poder realizar este estágio tive que consultar diversas fontes de informação, sendo que algumas provaram tratar-se de verdadeiros desafios e mostraram debilidades em áreas que considero mais problemáticas da minha formação.

Dentro das fontes escritas, um grupo de documentos base para este relatório, existente no Arquivo Municipal de Vila do Conde, foi o dos Registos de Traslados de Testamentos, constituído por livros manuscritos com cópia de diversos testamentos e pelos respetivos autos de abertura. Estes testamentos foram transcritos e registados entre 1825 e 1929 e são posteriormente passados para outro livro, acompanhados do auto de abertura, que tinha lugar depois da morte do autor do testamento.

Consultei também os recenseamentos eleitorais nomeadamente os cadernos de eleitores das Juntas de Freguesia e os recenseamentos eleitorais gerais, todos manuscritos mas feitos em tabelas tipificadas. Os segundos apresentavam-se, inicialmente, como folhas agregadas e mais tarde como livros; os das Juntas de Freguesia são livros. Os recenseamentos eleitorais gerais eram levantados para identificar cidadãos eleitores e elegíveis para jurados ou outros cargos municipais. Destes, consultei os que se situavam entre os anos 1860 e 1929, optando por intervalos regulares de, aproximadamente, cinco anos. Porém, estas séries têm algumas falhas temporais, em que só aparecem determinados círculos eleitorais – e não aquele a que

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Vila Chã pertencia – ficando, por isso, a regularidade cronológica afetada. Os recenseamentos eleitorais das Juntas de Freguesia distribuíam-se entre 1931 e 1959 e na sua consulta tentei manter a sequência seguida nos recenseamentos eleitorais gerais, de cinco em cinco anos, sem alcançar a ordem exata pois há algumas falhas na documentação preservada.

Uma outra fonte que usei para este relatório foram os Recenseamentos Gerais da População, do Instituto Nacional de Estatística. Consultei todos os recenseamentos realizados, entre 1864 e 2011, tentando manter a regularidade nos pontos analisados – o paradigma vai mudando e os recenseamentos tornam-se mais complexos sendo um pouco difícil fazer uma leitura com os mesmos parâmetros. Tive ainda acesso às fichas de família do recenseamento de 1960, que me permitiram analisar alguns dados com mais pormenor.

No Arquivo Histórico da Marinha e na Capitania do Porto de Vila do Conde consultei os livros de Inscrições Marítimas e de Exames de Arrais, os Registos das Embarcações e os livros de Registo de Propriedades de Embarcação de Pesca. Os registos da Capitania, mais recentes, estão em bom estado de conservação são todos manuscritos em folhas tipificadas e de fácil leitura. Os livros de Inscrição Marítima foram bastantes úteis para saber o pessoal que está ligado à pesca, os que a praticam a nível local ou mudaram de sítio para exercer a atividade. No entanto, como nem sempre há registos completos dos embarques, não é fácil saber se a pessoa que tem a inscrição vai, efetivamente, ao mar.

Os registos de Embarcações estão um pouco incompletos, principalmente no que se refere às artes que se usavam. No entanto, ficam sempre indicadas as embarcações que existiram/existem nesta praia. A determinada altura porémdeixa de figurar o local de proveniência das mesmas e o domicílio dos proprietários, tornando-se impossível saber a que praia pertencem.

Em relação aos registos dos Exames de Arrais, a Capitania de Vila do Conde informou-me que, entre os documentos presentes nas suas instalações e os que foram enviados para o AHM, em Lisboa, há volumes em falta.

Consultei ainda alguns documentos originais que são muito úteis pela sua natureza, como as Ordenanças, que fazem o levantamento de todos os elementos do sexo masculino existentes na freguesia, por casa, para efeitos militares, entre o século XVI e inícios do século XIX. Permitem cruzar informação, por exemplo, com as Memórias Paroquiais, realizadas em 1758. Estas Memórias, na versão de texto transcrito e

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impresso (CAPELA José Viriato – As freguesias do distrito do Porto nas Memórias Paroquiais: memórias, história e património. Braga, 2009) também foram úteis para este relatório. As informações que inserem relativas à freguesia de Vila Chã estão bastante completas mas, infelizmente, aquelas referentes às comunidades de pesca vizinhas não são tão detalhadas, faltando a indicações sobre a atividade piscatória.

Fui também ao Museu Memórias da Nossa Terra, para fazer o inventário do mesmo. Este pequeno núcleo museológico situa-se em Vila Chã e foi criada pela iniciativa do Mestre Benjamim – a quase totalidade das peças nele presentes eram de sua pertença. Por isso, este museu tem uma grande quantidade de apetrechos originais, réplicas e miniaturas de que, com a ajuda do Metre Benjamim, fui fazendo o levantamento e percebendo melhor a sua composição e uso/intenção. Fiz também uma recolha de testemunhos pela praia, depois da faina, observando as diferenças entre o que era a comunidade e a atualidade e tentando perceber, junto de quem mais conhecimento tem, como funciona hoje e como é o trabalho de pescador. Salientando o testemunho do Sr. Manuel Franco, pescador reformado com 93 anos, que me conseguiu dar uma boa perspetiva sobre a evolução da comunidade vivida por alguém que experienciou as diferenças na arte. Pude confirmar a mudança no aspeto da 1ª linha de estruturas e habitação da praia, nas quais são notórias as diferenças pelas fotos tiradas no início do século passado.

Por fim, além das fotografias que permitem comprovar, mais do que as descrições, as diferenças vividas por esta comunidade, consultei alguns mapas – cartas militares, mapas de costa, imagens de satélite, … -, presentes neste trabalho, que permitem clarificar a distribuição da população pelo espaço da freguesia e os diferentes lugares.

2. População e Sociedade

Portugal tem, como a maioria da Europa, no fim do séc. XVIII, um crescimento populacional contínuo e bastante assinalável. Este crescimento deve-se a uma boa conjuntura económica, especialmente depois de 1765, e só foi travado na última década deste século por crises de colheitas, maus anos climáticos e preços excessivos, tudo conjugado (SOUSA 1997: 17-18) e acrescido pelas invasões francesas, já no séc. XIX (FERRO 1995:31). Os fogos cresciam, em média, 0,5% por ano mas este aumento era bastante mais expressivo no Minho (cerca de 1,8% de crescimento), devido ao sucesso

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da cultura do milho. Em média, a densidade populacional, no segundo ano do séc. XIX, é de 33hab./Km2. No entanto, se olharmos as diferentes regiões, a densidade populacional é muito díspar, enquanto no Norte atinge 52,5h./Km2, no sul apenas chega aos 20,3hab./Km2; derealçar que no Minho é de 96hab./Km2 e nesta zona, entre o Lima e oAve, estaria a maior concentração dos habitantes (FERRO1995: 37/38).

Quadro 1 População do Minho

Região Província Área (km2) População (Hab.) Densidade Populacional (%)

Norte Minho 6953 667176 96

Fonte: FERRO 1995: 37

Já durante o séc. XX, a população duplicou, havendo um crescimento bastante acentuado mas não muito regular (ROSA, VIEIRA 2003: 25). Apesar do saldo ser sempre positivo, no último quartel deu-se um abrandamento. Para este crescimento contribuiu a diminuição da taxa de mortalidade, que neste século beneficiou muito do desenvolvimento da medicina e melhorias a nível da higiene pública. A mortalidade infantil era, em 1930, 25% do total de nascimentos e, em 1990, baixou para 1% (ROSA, VIEIRA 2003:35).

Tal como é visível atualmente e “desde a autonomização do território nacional no contexto da PI” (ROSA, VIEIRA 2003: 80), o litoral tem também uma densidade superior ao interior. Em 2001 aqui já se concentrava 65% da população, isto num espaço que corresponde a apenas 28% do território.

A estrutura da população era, no início do séc. XIX, constituída por uma maioria de mulheres, havendo, uma média, 106 mulheres por cada 100 homens. Mais uma vez, no Minho a disparidade era ainda mais notória (122mulheres/100homens). Como se vê pelas idades onde a diferença é maior – 7 aos 59 anos - e pelo facto de haver mais nascimentos masculinos (SOUSA 1997: 67), esta reflete a emigração que se vivia nesta altura (FERRO 1995: 41).

Quadro 2 Minho – 1794

População em números absolutos e em percentagem

Comarca

Homens Mulheres Almas

- 14 anos + 14 anos - 14 anos + 14 anos

153499

Porto 15953 54954 16040 66552

10,4% 35,8% 10,4% 43,4% 100%

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A pirâmide etária é então a caraterística do Antigo Regime, tem uma população ativa que representa ¾ da população total, uma população jovem bastante importante (16,8% do total) e uma população idosa não tão expressiva (8,7% no total), o que se verificava de forma bastante semelhante em todo o país, testemunho de uma elevada natalidade e uma elevada mortalidade (FERRO 1995: 42). No século seguinte vê-se um avanço no envelhecimento, ou seja, apesar da população ativa (dos 15 aos 64 anos) ter aumentado progressivamente, a população com menos de 14 anos vai diminuindo e por sua vez a população idosa tem um aumento gradual que se converte em abrupto a partir dos finais do séc. XX (ROSA, VIEIRA 2003: 110/111).

As cidades concentravam cerca de 20,8% da população, o que está de acordo com os restantes países da Europa. A taxa de urbanização do Minho andava entre 9 e 11%.

Quadro 3 População urbana e rural no Minho em 1801 Províncias População Urbana População Rural

Fogos Habitantes Fogos Habitantes Minho 21160 80100 164586 640474

Fonte: FERRO 1995: 47

Este forte desenvolvimento do Minho é devido, maioritariamente, ao Porto e a Viana mas, ao contrário do que acontecia nos outros países europeus, Portugal só tinha o Porto como cidade média, ou seja, tem “uma boa rede de pequenos núcleos urbanos mas com uma nítida macrocefalia” (FERRO 1995: 48). Como já foi dito, o Litoral é mais urbanizado que o Interior e o Norte tem um povoamento mais disperso que o Sul. Estas cidade, por norma, tinham um termo com mais população do que o núcleo em si. Este só tinha cerca de 1/3 da população e no termo encontrava-se o restante. E mais uma vez no Norte é mais notório que no Sul, onde se via o inverso (FERRO 1995: 50).

As taxas de nupcialidade são mais elevadas no interior e no Sul e rondam os 6 ou 8‰. Os homens casavam em média com 26 a 29 anos e as mulheres, apesar de, em

média, mais novas tinham idades mais díspares, entre os 22 e os 28 anos. O celibato definitivo também era bastante elevado, 24% e 30%, para homens e mulheres, respetivamente (FERRO 1995:56/57).

Este “modelo de casamento da Europa Ocidental” (FERRO 1995: 57) – casamento tardio e celibato elevado – pode ser explicado pelo facto de, quando há um casamento, se tender a criar um novo agregado familiar e de ter alguma flexibilidade económica, o

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que, exatamente como se assiste na atualidade, não é facilmente conseguido (FERRO 1995: 57).

A taxa de natalidade média era, em 1801, 33,3% e número médio de pessoas por fogo passa de 3,8, no início do séc. XIX, para 4, no fim do mesmo. Como se pode ver o saldo fisiológico foi positivo, tirando algumas exceções de locais em que a alimentação é muito pobre ou a emigração muito expressiva ou ainda com episódios esporádicos de guerra (FERRO 1995: 62). No século seguinte a natalidade mantem-se acima da taxa de mortalidade, havendo, como já se viu, um crescimento positivo, no entanto, esta taxa tem vindo a decrescer continuamente – o que testemunha a baixa fecundidade e a existência de um envelhecimento populacional (mais mulheres em idades menos férteis). O número de pessoas por família vai-se manter ligeiramente acima dos 4 até meados do séc. XX e, a partir daqui vai baixar até atingir 2,8 em 2001 (ROSA, VIEIRA 2003: 60) e 2,5 nos Censos de 2011. Apesar disto há um aumento no número de famílias. E estas passam a ser muito mais complexas.

A emigração era então dos maiores motivos para o baixo, ou mesmo nenhum, crescimento da população, pois manteve-se sempre bastante elevada no séc. XVIII e XIX. O Minho foi a região mais afetada com cerca de 25% de falta de homens, que saiam para a Índia e, principalmente, para o Brasil, depois das invasões francesas e da instalação da corte neste país (FERRO 1995: 64 - 68).

Quadro 4 Emigração hipotética Idades Nº de Homens Nº que deveria

existir Diferença % 7 – 25 anos 147712 159421 -16353 7,3 25 a 40 anos 89175 118346 -30298 24,6

Total 236887 277767 -46651 14,7

Fonte: FERRO 1995: 66

Os motivos que levam as pessoas a emigrar são variados e passam por penas judiciais, fuga ao recrutamento ou a procura de uma vida mais folgada. E, além da emigração longínqua, tantas vezes definitiva, há a emigração sazonal que é feita,por exemplo, para Espanha (FERRO 1995: 67). Depois, e até meados do séc. XX, a emigração manteve-se alta tendo como principal destino o Brasil; no resto do século a única mudança foi no destino dos emigrantes que mudou para a Europa (França e Alemanha) e era de tal maneira que nos anos 60 e 70 atingiu-se um crescimento negativo da população (ROSA, VIEIRA 2003: 50/51). Atualmente assiste-se a uma

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nova vaga de forte emigração de pessoas em idade ativa, que, além de já se notar, entre outros pontos, na natalidade do país, com certeza, nos próximos censos irá deixar a sua marca.

A taxa de mortalidade, em finais do séc. XVIII, inícios do séc. XIX, rondava os 30,3‰, muito devido à má alimentação – com base no pão - sendo que a carne era rara e só para quem tinha dinheiro. Quando havia maus anos agrícolas, o grão escasseava, tinha que ser importado e ficava muito caro. Também as fracas condições de higiene alimentavam as epidemias que, associadas a uma medicina muito rudimentar e às guerras, elevavam muito a mortalidade.A mortalidade infantil era também muito elevada, sendo que até ao 1º ano de vida, em cada 1000 crianças, morriam 203 (FERRO 1995: 77).

Neste quadro necessariamente muito genérico, o que sabemos da população de Vila Chã no século XVIII é ainda muito pouco. Segundo Carvalho da Costa (COSTA 1706: 365), S. Mamede de Vila Chã teria, no início de setecentos, 46 vizinhos. Nas Memórias Paroquiais de 1758, surge com 55 vizinhos e 275 pessoas no total (CAPELA 2009:737). Nos Livros de Ordenanças, de 1791, faz-se o levantamento de 51 habitações no total da freguesia, o que acabará por confirmar o que foi dito na fonte anterior. Destas habitações, existem cinco em que o chefe de família seria uma mulher, uma das quais se explicita que é viúva.

No final da centúria, Custódio Villas Boas, no Cadastro da Província do Minho (Cruz, 1970), atribui-lhe: 64 fogos, 115 homens maiores de catorze anos e 135 mulheres, 72 rapazes menores de catorze anos e 57 raparigas, perfazendo um total de 379 habitantes.

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18 Mapa 3 Comunidades litorais que se encontram entre Ave e Leça. Vila Chã indicada com a seta.

Fonte: VILLASBOAS, Custodio Joze Gomes - Mappa da Provincia d'Entre Douro e Minho, 1798.

Através dos quinze recenseamentos realizados à população portuguesa, entre 1864 e 2011, é possível ter uma ideia de como se comportava a população do país e a de Vila Chã em particular no final do século XIX e ao longo da centúria seguinte.

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19 Fonte: Recenseamentos Gerais da População (1864-2011)

Como foi dito anteriormente, Portugal teve um crescimento positivo, excetuando no periodo refletido pelo recenseamento de 1970 devido à emigração. Na década que se seguiu ao auge da emigração e noutros períodos anteriores, principalmente de 1920 a 1950 foi mesmo bastante acentuado. Recentemente, o crescimento tem abrandado mas continua positivo. Podemos sintetizar a informação no seguinte quadro:

Quadro 5 População segundo os recenseamentos

Recenseamento Distrito do Porto Concelho de Vila do Conde Freguesia de Vila Chã

1864 410 665 18838 549 1878 461 881 22951 568 1890 546 262 25333 723 1900 597 935 27000 833 1911 679 540 29990 968 1920 702 166 32276 960 1930 810 253 34762 1014 1940 921 049 39303 1315 1950 1 053 522 44460 1645 1960 1 193 368 48806 1933 1970 1 318 774 52895 2156 1981 1 562 287 63912 2886 1991 1 167 800 64428 3021 2001 1 260 680 71741 2957 2011 1 260 680 76143 3094

Fonte: Recenseamentos Gerais da População (1864-2011) 4188410 4550699 5423132 5960056 6032991 6825883 7621165 8510240 8889392 8668267 9833014 9867147 10356117 10562178 4000000 5000000 6000000 7000000 8000000 9000000 10000000 11000000 1864 1878 1900 1911 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1981 1991 2001 2011

Gráfico 1 População Portuguesa entre 1864 e 2011

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20

O Censo de 1890 faz referência às profissões. Em Vila do Conde, os trabalhos agrícolas estão em clara vantagem numérica, seguidos da indústria e do comércio e aparecendo, em quarto lugar, com 1198 indivíduos, a pesca e caça.

Em 1911 o equilíbrio entre grupos por atividade económica mantém-se, tendo a pesca e caça 1368 profissionais. Este recenseamento faz ainda uma referência especial às embarcações e populações marítimas mas, no Distrito do Porto, apenas menciona Matosinhos e o Porto, com o centro em Santo Ildefonso.

No censo de 1920, mais uma vez, a população marítima apenas aparece no Porto, Matosinhos e Vila Nova de Gaia. Aqui nota-se um aumento na instrução, passando para 29,1% a população portuguesa que sabia ler. Claro que estes números são diferentes se se dividir os sexos. A percentagem de homens, com mais de 7 anos, analfabetos era de 47% e a das mulheres analfabetas, com mais de 7 anos, subia para 61,5%.

No censo de 1930, no grupo profissional de caça e pesca, conta-se cerca de 1221 pessoas ativas, está em terceiro lugar dos maiores grupos profissionais, com o valor total de pessoas ligadas a esta indústria, ativas e dependentes, a chegar aos 2648, atrás da agricultura e da construção civil. É de salientar que no conjunto dos trabalhadores por conta de familiar, não aparece nenhum homem no grupo de caça e pesca nem no da construção de transportes marítimos e fluviais. O valor de mulheres que trabalham para familiares, que é bastante elevado (representa cerca de 31% da população ativa desta indústria) pode estar sub-avaliado por não se considerarem trabalhadoras mas como domésticas.

A percentagem de pessoas que sabe ler é de 32,2%, não representando um aumento tão grande como de 1911 para 1920, mas ainda assim algum progresso.

Em 1940, a percentagem de pessoas que sabia ler fixou-se nos 47,5%. Este censo também apurara as profissões com mais elementos a nível nacional. As que estão relacionadas com a agricultura detêm mais de 62% da população ativa. Os pescadores representam 0,7%, sendo que não se apresentam dados para a população feminina e a masculina conta com quase 22 000 profissionais. A pesca é uma profissão que atinge grande importância apenas em determinados distritos, como é o caso do Porto, com 23,2%, Setúbal com 12,3%, Faro, com 11,7% ou Leiria com 10,7%, … Este censo também reflete a convivência (grupo que partilha uma habitação, não sendo familiar)

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que, no distrito do Porto mas excluindo a cidade, chega a valor elevado nos navios de pesca, que estão contabilizados em 74, onde andam embarcados 1508 pessoas.

Em 1950, a nível de convivências, Vila do Conde tem 10, que implicam 470 pessoas mas nenhum destes caso aparece como sendo devido a estarem em embarcações. Por esta altura a alfabetização da população, acima dos 7 anos, situa-se nos 59,5%, o que representa um, significativo, aumento em relação há 30 anos atrás. (homens analfabetos com mais de 7 anos são cerca de 32% e as mulheres 47,7%).

Nos censos realizados em 1960 as convivências em Vila do Conde também não referem a questão das embarcações como causa. A alfabetização da população acima de 7anos chegava então aos 70%.

Fonte:Recenseamentos Gerais da População (1864-2011).

O gráfico anterior (Gráfico 2) representa a evolução da população em Vila Chã (a vermelho) e de Vila do Conde (a verde), através dos recenseamentos da população. Nesta freguesia, o comportamento da população não foge muito à tendência da população portuguesa que foi descrito acima e é bastante semelhante ao conjunto da população de Vila do Conde, como se vê no gráfico. De uma maneira geral, o saldo tem sido sempre positivo, excetuando um ligeiríssimo declínio em 1920 e um pouco mais acentuado em 2001. De 1930 a 1970 houve um crescimento bastante acentuado e depois, até 1981, há mesmo um pico no número de habitantes.

0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 0 10000 20000 30000 40000 50000 60000 70000 80000 18 64 18 78 18 90 19 00 19 11 19 20 19 30 19 40 19 50 19 60 19 70 19 81 19 91 20 01 20 11 H ab . V. Co n d e

Gráfico 2 População em Vila do Conde e Vila Chã

Hab. Vila do Conde Hab. Vila Chã

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Em 1911, Vila Chã, tinha 968 habitantes. Este recenseamento apresenta a informação referente aos lugares, o que permite entrever a evolução dos mesmos. Nesta altura Vila Chã tinha 10 lugares (Fundo e Cima de Vila, Facho, Figueiras, Igreja, Lavandeira, Outeiro, Poça, Rio da Gândara e Rio da Igreja), bastante diferentes entre si. Havia lugares onde foram recenseadas 20 e 31 pessoas, como Igreja e Figueiras, e outros que tinham 308 e 133 – Rio da Gândara e Facho, respetivamente. Passados trinta anos, Igreja desaparece e surge um lugar chamado Praia. Rio da Igreja já contava com 129 pessoas e Figueiras continuava a ser o lugar com menos pessoas, apenas 50. Rio da Gândara, por sua vez, continuava o maior em número de pessoas - 341 – seguido do Facho, com 239. Já no censo de 1970 surge um lugar novo – Padrão – e os restantes mantêm-se. Em relação ao número de habitantes, a grande alteração dá-se no Facho, que passa a ter 731 pessoas. Depois o Rio da Igreja e o Rio da Gândara têm 323 e 443 habitantes, respetivamente.

Em relação à divisão que existe entre pescadores e lavradores e como esta se reflete na constituição dos aglomerados, é possível ver, nas fichas familiares de recenseamento de 1960, que conforme a localização o agregado tem mais ou menos elementos ligados à pesca e à agricultura. Fiz a divisão entre carpinteiros navais, sargaceiras, marítimos e pescadores e pescadeiras e as profissões ligadas à agricultura e à indústria conserveira – esta maioritariamente situada em Matosinhos, para onde as mulheres se deslocavam a pé.

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23 Mapa 4Mapa de Vila Chã com os respetivos lugares assinalados.

Fonte: Pormenor da Carta Militar nº 96 e nº 109– Vila do Conde de 1997.

No Mapa 4 consegue-se ver a distribuição destes lugares e como os de maior propensão piscatória são, logicamente, os localizados junto à costa. O Facho é um aglomerado que tem um certo equilíbrio entre as famílias das duas áreas de atividade, mas as ligadas à pesca estão em maioria. No Outeiro, lugar pequeno, as famílias estão ligadas à agricultura, o mesmo se pode dizer de Fundo de Vila, um pouco maior, Lavandeira as famílias são na sua totalidade ligadas às profissões da terra e Cimo de Vila. Casais, só referido nesta data, também tem a quase totalidade das famílias residentes empregadas na agricultura. Rio da Gândara já é um lugar maior, mas com um grande número de famílias ligadas à lavoura. Poça, Figueiras e Padrão são lugares maioritariamente agrícolas com as mesmas condições que os mais pequenos dos anteriores e em Rio da Igreja, apesar de mais pequeno que Rio da Gândara, também se verifica maior propensão agrícola. Praia, por sua vez, apesar de mostrar algum equilíbrio, tem uma maioria de famílias ocupadas em profissões ligadas à pesca.

Através destes documentos também é possível saber que, nesse ano de 1960 e na comunidade piscatória (pescadores e marítimos) a média de filhos, por casal, era de 2,8

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24

nascendo o primeiro filho cerca dos 26,5 anos. Isto permite que haja a renovação das gerações e, considerando a época, era até um valor bastante elevado, enquanto a idade não fugia muito do comum. Já a comunidade de lavradores (lavradores, agricultores, criados/patrões agrícolas, trabalhador rural, …) a média de filhos foi claramente inferior, 1,9 filhos por casal, e a idade média de idade ao nascimentodo primeiro filho 32,7 anos, o que é extremamente elevado1. Posso realçar também que há lugares com maioria de pescadores que têm uma forte presença de lavradores e alguns lugares maioritariamente de lavradores que têm quase nenhuma, ou mesmo nenhuma presença de pescadores. Isto parece lógico considerando a necessidade da proximidade ao mar, mas é algo que vai contribuir para a unidade da classe e para o seu perfil, como à frente veremos.

Se dos censos gerais da população, de âmbito nacional, passarmos aos recenseamentos eleitorais realizados localmente, ainda que segundo normativa e com fins nacionais, que se distribuem entre 1860 e 1928/1929, aparecem, de um modo geral, elementos de todos os lugares de Vila Chã. Não se inscreve nenhuma mulher – só incluída nas votações em 1931 – e, nos dois primeiros (1860 e 1865), não há registo de nenhum pescador. A profissão da maioria dos recenseados é, sem dúvida, lavrador – que tinham os maiores ganhos – e a quase totalidade são casados, no entanto também são recenseados presbíteros, carpinteiros e seareiros. Estes dois últimos grupos não têm ganhos assim tão assinaláveis, como tal, não será esta a razão de não aparecer nenhum recenseado com a indicação profissional de pescador até 1869, mas sim o facto de, antes desta data, os homens que vão ao mar não serem profissionais, pescava-se como complemento à atividade profissional principal.

Os recenseamentos de eleitores e elegíveis para a Junta de Freguesia de Vila Chã que consultei entre 1931 e 1959, têm uma constituição diferente, já que a este nível o direito de voto é mais alargado, tendo por base principal os cabeças de casal. No primeiro, de 1931, são recenseadas 148 pessoas, das quais 37 são lavradores e outras 37 têm profissões mais ligadas ao mar (11 pescadores e 26 marítimos). Aqui aparecem 31 mulheres, no seu estatuto de chefe de família. Destas, a grande maioria – 20 – indica a profissão de doméstica, seguida de lavradeiras (5), jornaleiras (4) e proprietárias (2).

1

No site Pordata é possível ver que a idade média da mulher aquando do nascimento do primeiro filho era, em 1960, 25 anos e, em 2013, tinha subido para 29,7 anos.

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No recenseamento seguinte, já em 1945, são contabilizadas 205 pessoas, entre as quais estão 49 são lavradores e 95 pescadores, agora já não se contempla a profissão de marítimo e não surge nenhuma mulher. Em 1950 foram recenseadas 237 pessoas, sendo 83 pescadores e marítimos e apenas 29 lavradores. Os restantes dividem-se em várias outras áreas como jornaleiros, proprietários, comerciantes, carpinteiros, professor, guarda-fiscal, sapateiro, entre muitas outras. Mulheres aparecem 21: 15 proprietárias, 3 comerciantes e 3 professoras. No recenseamento de 1955 há uma diminuição dos totais, contando-se apenas 187 eleitores, entre os quais 53 são lavradores e 54 pescadores. Das 20 mulheres, 13 são classificadas como proprietárias, 4 como professoras e 3 comerciantes. Por fim, o último recenseamento eleitoral visto, de 1959, inscreveu 211 pessoas, entre as quais 26 mulheres (a maioria era proprietária (12), havia ainda 7 professoras, seguidas de comerciantes e regentes – 3 de cada profissão, e 1 servente). Neste ano há 51 pescadores e 39 lavradores, a maioria da população estava a laborar em outras atividades comoo comércio, a carpintaria mas, principalmente,era proprietária de terras.

3. O setor pesqueiro no Norte de Portugal

Portugal tem uma costa bastante vasta e com várias comunidades de pesca instaladas, apesar de, como mais à frente veremos, as caraterísticas físicas e químicas do mar e a distribuição das espécies(MARQUES 1993) não serem as melhores para a sua prática. Ainda assim, esta era das principais atividades económicas e o peixe tornou-se uma importante componente da alimentação nacional, com crescente importância. Verificou-se também uma forte sinergia entre a indústria conserveira e a da pesca (MARQUES 1993).

Entre 1844 e 1857, o rendimento bruto da pesca andaria entre os 712 e os 1.200 contos. Em 1892 já atingia os 3.250 contos de réis, sendo que representava cerca de 8% da receita total do Estado. Por esta altura a sardinha era a espécie mais vendida, atingindo 36% do total mas era também a mais barata. Depois, com 13% da totalidade, está o atum e a pescada. Em 1918, com a 1ª guerra Mundial e o aumento da procura das conservas, a sardinha representa 64,4% do valor total de capturas e em 1926, apesar da descida, ainda se mantém em 41% (MARQUES 1993). Já nas Estatísticas de Pesca do ano 2000, a sardinha mantém-se num lugar de destaque, mas menos pronunciado,

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26

representando cerca de 37,7% do peixe descarregado no país, mais de 62 000 toneladas. O respetivo valor não corresponde à quantidade pescada, sendo apenas cerca de 12% do total. Neste mesmo ano, os tunídeos e a pescada apenas representavam, aproximadamente, 4,5% e a espécie que ocupava o segundo lugar dos mais pescados era o carapau, com mais de 15.000 toneladas, um pouco acima de 9% da totalidade de produtos da pesca descarregada (INE, 2001). Em 2010 a sardinha prevalece como o peixe mais descarregado nos portos nacionais com 62.224 toneladas (INE, 2011)

Se agora dirigirmos o nosso olhar aos intervenientes haverá que distinguir quatro tipos de pessoas que pescam, tendo cada grupo maior relevância em diferentes épocas, como depois se verá:

- os primeiros são os camponeses-pescadores, aqueles lavradores que têm como atividade principal a agricultura, mas vão ao mar pescar ou apanhar animais e plantas como complemento da lavoura.

- em segundo lugar, temos os pescadores-camponeses, que são principalmente pescadores mas, como complemento ou quando não há possibilidade de ir ao mar, dedicam-se à agricultura ou à indústria

- os terceiros serão os pescadores-mercadores que, além de pescarem o peixe, também o vendem, sendo mais comum instalarem-se em locais junto a núcleos urbanos costeiros

- por último há os pescadores especializados, que exercem única e exclusivamente esta atividade (AMORIM 2001: 122).

Pesca é a “captura de peixes e outros animais marinhos” (DIAS 2006/07: 1) e envolve três elementos: “Os recursos biológicos aquáticos”, “o meio físico-químico” que os anteriores povoam e “o Homem” (SOUTO 2003: 2) que conduz a diversas combinações de embarcações e artes de pesca, originando depois o consumo pela própria pessoa que o pesca – auto-consumo, a venda a compradores externos – venda, ou a devolução à água/consumo esporádico – desporto. Em relação às algas, a sua recoleção chama-se apanha(DIAS 2006/07: 1).

O consumo nacional de peixe era, na última década do séc. XIX, cerca de 3,66kg por habitante mas, o que era pescado, ascendia ao 7kg por habitante, sendo o excedente dirigido para transformação e exportação. No entanto, 89% do peixe vinha de águas

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27

exteriores e não da pesca costeira (SILVA 1892: 427/428) como a praticada em Vila Chã. Recentemente, em 2012, a Ocean2012 e a New Economis Foudation fizeram um estudo no qual, se verificou que a situação de Portugal se reverteu. O consumo de pescado aumentou significativamente – somos o maior consumidor de peixe europeu e o terceiro maior mundial - chegando a 55,6 kg por habitante, mais de duas vezes a média europeia, enquanto a quantidade pescada baixou bastante, implicando agora que ¾ do peixe consumido seja fornecido por outros países, alguns fora da comunidade europeia. Esta tradição pesqueira também é importante a nível científico, pois permite ter, há mais de um século, uma vasta bibliografia sobre os diferentes tipos de pesca, apetrechos e afins e conhecimento sobre a fauna e flora nacional, como o patenteado na obra de Baldaque da Silva, datada de 1892.

A pesca em Portugal não foi em muitas épocas de facto, suficiente para suprimir as necessidades nacionais. Já Lacerda Lobo reconhecera que, apesar do clima favorável e da existência de salinas para conservar o peixe, as pescas estavam em decadência – isto em finais do séc. XVIII. O autor admite que a falta de legislação eficaz era a principal razão para não avançarem, uma vez que, pelo contrário, em outros países com condições não tão boas, a legislação, a par com a formação, fizera considerável diferença. No entanto o autor também salienta que bem antes do seu tempo, no séc. XIV, Portugal estava bastante desenvolvido na pesca da baleia e outras, promovidas com empréstimos para a construção de barcos e aparelhos. Havia ainda acordos com Inglaterra e a Bretanha para os pescadores portugueses pescarem naquelas águas. Em finais do séc. XIV a pesca dava para suprimir a procura nacional e ainda havia o suficiente para exportar, incluindo em Vila do Conde.

A pesca do bacalhau absorveu também vários elementos portugueses e foi sendo progressivamente mais importante, pois fomos dos primeirosa pescar na Terra Nova. Mas, esta supremacia só durou até à dinastia filipina, nos fins do séc. XVI, pois depois dessa crise nunca a nossa indústria de pesca voltou a ser a mesma. Algumas pescarias deixaram de existir por completo e as restantes ficaram em um “estado de abatimento, e decadência, em que hoje se observam” (LOBO 1789-1815: 262).

No Minho, em vez de se exportar, passou a ser necessário importar para dar resposta às necessidades locais. Vila do Conde, em particular, sofre grande decaimento. Em 1789 havia “354 pescadores, 16 lanchas e 52 batéis destinados à pesca”

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(LOBO1789-1815: 262) e há cerca de vinte anos,diz o autor, é difícil encontrar filho de pescador que não se tenha dedicado a uma profissão mais rentável. Os que restavam eram muitas vezes idosos, dificultando a sua dedicação ao mar.

Havia ainda outros locais,anteriormente fortes comunidades piscatórias, como Fão, Esposende e Caminha, e que em final de setecentos quase não passavam de amostras do que eram (LOBO 1789-1815: 263). A única localidade que não sofrera perdas tão significativas e que se mantinha um forte baluarte piscatório, com bastantes ativos e meios, seria a Póvoa de Varzim, que ainda assim necessitava de importar peixe para fazer face às próprias necessidades (LOBO 1789-1815: 263).

Os problemas da pesca, já no séc. XVIII, eram: a grande necessidade de investimento, que absorvia significativa parte dos lucros retirados, não deixando muito para o pescador e a sua família; o problema da formação deficiente dos pescadores que não conheciam as caraterísticas das espécies que pescavam, as correntes, a costa, … ; e também faltava, um pouco, o saber de experiência, pois as novas gerações afastavam-se desta forma de vida.

Como já foi dito, este atraso vinha da deficiente legislação e da falta de meios para fazer cumprir a que ia sendo aprovada e ainda da permanência de abusos por parte dos que cobravam os direitos, dos rendeiros e mesmo da Igreja. Havia ainda certos privilégios concedidos a poderosos que prejudicavam muitos os pescadores e o facto de a recruta ser obrigatória levava a grande aumento da emigração, já forte para Espanha, Brasil e Inglaterra. Dever-se-ia ainda salientar os problemas logísticos existentes na costa, como a falta de portos seguros e de meios de socorro. E por último o mau estado dos aparelhos e a sua deficiente utilização (malha muito apertada, redes de arrasto do fundo, …) levava a que, pouco a pouco, se notasse uma falha na disponibilidade do peixe (LOBO 1789-1815: 271 - 288).

Um século depois, em finais do XIX, o país atravessou uma forte crise de subsistências, surgindo então a necessidade de promover as indústrias alimentares – em que se inclui a de pesca – para “obter o máximo de produção com o mínimo de damno” (REGALLA 1888: 4). Por esta altura, a pesca é uma das mais importantes atividades do país. As medidas de incentivo à pesca e à construção naval passavam por isentar de impostos e direitos os materiais para a construção de embarcações – em alguns locais anula-se o dízimo eclesiástico - liberar o uso do sal para conservar o peixe, atribuir

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prémios pela construção de embarcações e regular o uso de certos aparelhos para conservar e tentar assegurar a renovação de espécies, indo de encontro às questões antes apontadas por Lacerda Lobo.

Aparecem algumas companhias de pesca, incluindo as dirigidas ao bacalhau que no fim do séc. XIX tem um aumento, mas as empresas são de duração curta. A pesca do bacalhau também sofre atraso devido ao aumento de impostos, à escassez do bem. Há, no entanto, algumas situações que pouco mudaram: o imposto de 5% aplicado às restantes pescas continuava a parecer-se, para os pescadores, com o antigo dízimo e era mal aproveitado – os autores sugerem que se poderia dirigi-lo para a criação de meios de socorro. Mas, apesar do volume de pescado não aumentar, cresce o seu valor, o que é positivo até para a indústria conserveira.

Em relação à regulamentação dos aparelhos e estipulação do defeso, o principal problema era a aplicação de medidas para que a legislação fosse cumprida. Por fim, os autores da época que seguimos comentam que, apesar desta aparente melhoria, com mais exportações, havia também um aumento nas importações, o que implicava uma falta de resposta face às necessidades internas (REGALLA 1888).

Quadro 6 Resumo da Importância da Pesca em todos os Portos, Rios e Lagôas do Continente do Reino, referido ao anno de 1886.

(em mil réis)

Departamentos Nº de Pessoas

Nº de Embar

Pesc. Explorada por Ano Valor do Material de Pesca

Valor Total Representativo

dos Portos de Pesca* Quantidade Valor Embarc. Aparelhos

Norte 15 614 3 198 9 067,190 723 198,267 210,500 182 786,060 258 1 164 194,827 Centro 7 852 2 078 16 163,140 1 444 248,838 303 815 296 724 2 044 786,838 Sul 6 300 900 5 244,700 456 820,380 80 200 343 439 880 459,380 Fonte: (Silva, 1892: 421)

No quadro - Resumo da Importância da Pesca em todos os Portos, Rios e Lagôas do Continente do Reino - constata-se algo curioso: apesar do Norte ter, aproximadamente, o dobro das pessoas na pesca do que o centro e o Sul, o número de embarcações não segue a mesma proporção, sendo que no Norte há uma média de 4,9 elementos por embarcação, no Centro esta é de 3,8 e no Sul de 7 pessoas. O valor, em relação ao pescado, embarcações e aparelhos, é mais alto no Centro. O valor total dos portos também é maior no Centro, seguido pelo Norte e por fim pelo Sul.

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Analisando com mais detalhe a zona Norte (Quadro 7), em 1886 havia uma grande discrepância em número de embarcações e ativos entre a Póvoa de Varzim e as outras duas comunidades piscatórias que lhe ficavam próximas. Em relação ao número de pessoas empregues na pesca, a Póvoa tinha mais de catorze vezes o quantitativo de Vila do Conde, e esta sede municipal mais do dobro de Vila Chã. Com o número de embarcações e todos os outros dados passa-se algo de semelhante. Em 1890 “Mais de 50% da população [da Póvoa de Varzim] vive da pesca, direta ou indiretamente. O universo feminino ativo na pesca (ou ligado à família do pescador) representa quase 45% da população total” (AMORIM 2001: 126).

Quadro 7 Importância das pescarias em 1886

(em mil réis) Porto de Pesca Nº de Pessoas Nº de Embarc.

Pesc. Explorada por Ano Valor do Material de Pesca Representativo Valor Total dos Portos de

Pesca* Quantidade Valor Embarc. Aparelhos

Póvoa de Varzim 4 500 699 1 437,500 115,613,900 65 500 96 940 278 053,900 Vila do Conde 310 71 110,200 8 815,580 6 200 7 200 22 215,580 Vila Chã 140 35 75,000 6 014,860 2 450 3 300 11 964,860 Fonte: (Silva, 1892: 417-418)

Nota: * “Este valor é a somma do valor anual da pescaria mais o valor do material de pesca; isto é, a somma do capital empregado na exploração mais o rendimento bruto desta exploração.” (SILVA 1892: 418)

Por volta de 1930 existiam, em Portugal, cerca de 35.000 pessoas que tinham a pesca como atividade principal (RIBEIRO, LAUTENSACH1987: vol. 4: 1127) e mesmo nos anos ‘40 e mais tarde nos ’60, do séc. XX, haveria uma grande procura de peixe, principalmente bacalhau que, apesar da enorme frota que saía para a Terra Nova e zonas afins, não tinha capturas que chegassem para suprir a procura nacional. Mais tarde, em finais do séc. XX, o pescado passa a ser um dos produtos do setor primário mais exportado (vinho, gado, cortiça e peixe – por ordem), sendo lucrativo mas com distribuição do rendimento pouco equilibrada, ou seja, dá bastante dinheiro a empresários e industriais mas não aos pescadores e aos restantes elementos ligados à pesca (que nesta altura atinge cerca de 50.000 pessoas). Esta desigualdade era mais notória porque os pescadores sofriam mais que os trabalhadores da terra, como veremos, e praticavam uma atividade muito dependente do clima, mais que a agricultura. São pouco especializados e, normalmente, continuam a manter algum ganha pão paralelo, mesmo que em menor escala, principalmente a Norte (MARQUES 1993).

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O número de pessoas ligadas à pesca tem vindo a diminuir e, em 1991, havia cerca de 26.840 ativos nesta indústria, e destes quase 6.000 estavam no Norte (INE, 2001). Em 2001 este valor baixou para 16.048 pessoas, das quais 24,5% estão no Norte, ou seja, 3.946 pessoas – a zona com mais pescadores matriculados (INE, 2011). Os “apanhadores de animais” baixaram em número e estão maioritariamente concentrados do Centro e Algarve. Em 2010 não foram atribuídas licenças para sargaceiros a pé (INE, 2011). Na zona Norte a média de idades dos pescadores é 40,1 anos, a mais baixa no continente.

Relativamente à frota, por volta de 1930 havia cerca de 455 barcos a motor e um pouco mais de 12.000 a remos e/ou vela, principalmente na zona Norte. Estes últimos eram já bastante antiquados e usavam aparelhos pouco eficazes, o que trazia consequências. Em muitos locais a pesca tinha ainda uma “fisionomia tradicional: grande variedade de peixes (mais de 50 espécies), muitos portos e abrigos, muita gente que se ocupa ou vive dela, muitos barcos pequenos e de forma primitiva.” (RIBEIRO, LAUTENSACH1987: Vol. IV: 1128). Em 2010 já havia um total de 8.492 embarcações, das quais 6.948 eram com motor fora de bordo (INE, 2011).

No último quartel do séc. XX, Portugal era o segundo país da Comunidade Económica Europeia com mais pescadores, no entanto só ocupava o 7º lugar em relação ao volume das capturas. Isto mostra como persiste a importância das pescas a nível de empregabilidade, mas também evidencia a pouca eficácia da frota nacional (RIBEIRO, LAUTENSACH1987: Vol. IV: 1138).

Dos anos 80 para os anos 90 do séc. XX é mensurável uma redução para metade no número de embarcações, passando de 10.000 para 5.000 as licenciadas. Isto será fruto, além de alguns problemas que persistem, da política de abates (FRANCA, MARTINS, CARNEIRO1998: 23). Esta opção, que ficou conhecida como “política de abates”, foi mais ativamente seguida desde que Portugal entrou na CEE, em 1986, e, basicamente, promovia o abate das embarcações de pesca tradicional – principalmente as mais antigas – atribuindo uma recompensa monetária ao dono.

No entanto, quando é chegada a altura de construir novas embarcações, estas, que viriam repor as que estavam em falta pois “não se está a investir em novas unidades mas a substituir unidades consideradas obsoletas” (BAPTISTA 2004: 38), são fabricadas, com novos materiais e força propulsora, dispondo de todos os apetrechos modernos e

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com novas regras de segurança. Isto faz com que a construção seja limitada, a necessidade de mão de obra reduzida e várias indústrias associadas comecem a escassear – estaleiros, a indústria conserveira, fundições e outras indústrias que forneciam as pescas (plásticos, por exemplo.). A obrigatoriedade de mais formação acaba por não ter qualquer tipo de seguimento, ficando os pescadores especializados sem lugar nas empresas, que mandaram trabalhadores embora: “Portugal foi o país europeu que mais embarcações abateu à frota de pesca (…)” (BAPTISTA 2004: 38) e disto ressente-se toda a indústria.

Mesmo atualmente, com os problemas descritos anteriormente e a limitação das quotas, os investidores que porventura gostariam de arriscar na pesca ficam desencorajadas com a dificuldade em iniciar a atividade e mandar construir e licenciar uma embarcação. Em conversa com um antigo construtor naval, fiquei a saber que, atualmente, para construir uma embarcação é necessária aprovação prévia que é bastante difícil de obter. Informou também que, enquanto outrora apenas era necessária uma licença de aparelhos, e numa mesma embarcação podiam usar vários tipos, hoje em dia cada aparelho exige uma licença própria, com custos que, todos juntos, acabam por exigir um dispêndio por vezes difícil de suportar para os pescadores.

3.1.

Tipos de pesca

A pesca pode ser classificada como marítima, fluvial e lacustre que é, a saber pela respetiva ordem: feita na água do mar, longe dos portos; das embocaduras dos rios para o interior; e nas lagoas litorais (SILVA 1892: 20). A pesca Marítima (a que interessa a este estudo) podia ser, segundo a divisão em uso no final de oitocentos:

- longínqua - usa embarcações cobertas, de grandes dimensões e com capacidade para atingir grandes distâncias. Tem determinadas épocas e captura, por exemplo, bacalhau, baleia, coral, …;

- do alto – realizada até 20 milhas (± 37km) da costa em embarcações com uma elevada lotação e segurança, pois deslocam-se para uma zona em que podem apanhar mau tempo e têm que percorrer uma distância considerável até ao porto de abrigo, não sendo sempre possível escapar;

- costeira – a apenas cerca de 3 milhas da costa (± 5,5km), admite baixar a segurança das embarcações, pois é mais rápida a fuga para abrigo (SILVA 1892: 20/21). No Inquérito Industrial de 1890, volume dedicado à pesca, Vila Chã foi classificado como um porto de pesca do alto, costeira e de apanha de plantas marítimas

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(ALMEIDA, ROQUETE 1890: 131). Em 1998, Vila Chã, que em conjunto com as Caxinas e o Rio Ave são os portos de pesca de Vila do Conde, é classificado como marítimo, natural e permanente e tem como atividade complementar a apanha do sargaço (FRANCA, MARTINS, CARNEIRO1998: 100).

Em 2000, no Diário da República foram publicadas novas definições para os diferentes tipos de pesca. Agora divide-se em pesca em águas oceânicas e interiores marítimas e em águas não marítimas. A pesca local, que faz parte do primeiro grupo, exige que as embarcações pesquem na área da capitania do porto em que estão registadas e daquelas que fazem fronteira com a primeira, desde que não se afastem mais de 6 milhas e as embarcações não excederem os 9 metros de comprimento, ou 30 milhas da costa se tiver convés aberto ou fechado, respetivamente. A pesca costeira está também limitada por definição geográfica. A norte é no paralelo 30ºN, a oeste pelo meridiano 16ºW, a sul pelo paralelo 25ºN e a leste pela costa africana – isto para as embarcações continentais. Por fim a pesca do largo pode ser realizada fora das 12 milhas a contar da costa, ou do alinhamento dos cabos Raso, Espichel e Sines - a sul.

Com o passar do tempo há uma maior dicotomia na pesca. Por um lado desde final do séc. XIX que se desenvolve a pesca industrial, com o grande investimento em materiais modernos e tecnologia que a rentabiliza ao máximo e leva ao desenvolvimento de indústrias paralelas, como as conservas (depois será o frio), a construção naval, a construção de redes, … e na qual existem pouco risco e lucros elevados, o que permite um nível de vida muito superior ao do pescador (SILVA 1892: 20). Recentemente passa a haver novos métodos de pesca, como “a pesca elétrica, pesca com bombas sugadoras, (…)” e ainda métodos tecnológicos para identificar os locais de pesca e a posição dos cardumes, como as sondas e a localização por satélite (DIAS 2006/07: 4). No entanto, maugrado o grande investimento, o retorno é relativamente baixo, na verdade, a médio prazo, estes métodos podem fazer baixar as taxas de captura (AMORIM 2001: 121). Por isso adaptou-se também a tecnologia em equilíbrio com o meio – análise geográfica e modelos de circulação, aparelhos e métodos adaptados ao respetivo meio, formação profissional dos pescadores, …

Por outro lado continua-se a praticar uma pesca mais artesanal, cujas caraterísticas reportam à maioria das comunidades de pesca e que são: uso de “embarcações de pequena e média dimensão que exercem a sua atividade em pesqueiros relativamente próximos da costa (pesca local ou costeira) ”, os próprios pescadores são donos dos

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apetrechos e das embarcações usados, o salário depende diretamente do “rendimento da pesca (remuneração “à parte”), com suplementos em peixe”, e as artes usadas são muito variadas, mas normalmente sempre do “tipo passivo” (redes ficam paradas à espera do peixe – armadilhas, redes de emalhar, …) (SOUTO 2003: 2).

Para este autor a pesca artesanal pode, por sua vez, ser dividida em quatro tipos gerais, conforme a sua organização: a pesca artesanal de base estritamente familiar – família nuclear, casal e eventualmente filhos; de base familiar – família um pouco mais alargada, incluindo sociedades com irmãos, filhos, genros, … no entanto a mulher passa a ter papel, embora extremamente importante, exterior à pesca propriamente dita, o que em Vila Chã não parece aplicar-se -, e este parece ser o tipo mais comum, “os meios de produção são próprios e a transição de segredos dos fundos, ou identificação de pesqueiros perpetua a unidade produtiva: pai/filho/filha/genro” (AMORIM 2001: 120); de transição – que impede o “quadro familiar” devido à crescente dificuldade e necessidades da companha; e por fim as formas atípicas – que são difíceis de categorizar porque implicam pouca gente, de diferentes localidades, a maioria dos casos a nível individual, muitas vezes a pé e com instrumentos simples, e com “caraterísticas oportunistas”, que implicam a procura do recurso no pico do rendimento (SOUTO 2003: 20).

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Quadro 8 Estruturação da organização do trabalho na área das pescas

Formas de Organização da

Produção

Divisão

Contratualidade das relações Propriedade dos meios de produção Remuneração da Força de Trabalho social do Trabalho Vertical Horizontal Durabilidade dos Vínculos Especificidade do Contrato Por partes Assalariamento

Local, Tipo Familiar 0 0/1 0/1 0 1/0 1 0

Local, Familiar ou não 0/1 0/1 0/1 0 1/0 1 0 Costeira, independentes ou c/ ou s/ laços familiares 1/0 1 0/1 1 1/0 1/0 0/1 Costeira, Sociedades Mistas 1 1 1 1 0/1 0/1 1/0 Costeira e Longínqua, sociedades anónimas ou do estado 1 1 1 1 0 0 1 Fonte: Amorim, 2001: 123 0 = Não 1= Sim

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Gráfico 1 População Portuguesa entre 1864 e 2011
Gráfico 2 População em Vila do Conde e Vila Chã
Gráfico 3 Força de trabaho em Vila Chã
Gráfico 4 Mulheres nos Livros de Inscrição  Marítima

Referências

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