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CARLA MARIA LOBATO ALVES

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Academic year: 2019

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Carla Maria Lobato Alves

(EN)GENDRAMENTO NA PASSAGEM DO TEMPO:

Vivências de Mulheres.

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(EN)GENDRAMENTO NA PASSAGEM DO TEMPO:

Vivências de Mulheres.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão para obtenção do Título de Mestre em Ciências Sociais.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Sandra Maria Nascimento Sousa.

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mulheres / Carla Maria Lobato Alves. - São Luis, 2011.

210f.

Orientadora: Profª. Drª. Sandra Maria Nascimento Sousa

Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal do Maranhão, 2011.

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(EN)GENDRAMENTO NA PASSAGEM DO TEMPO:

Vivências de Mulheres.

___/____/___

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão para obtenção do Título de Mestre em Ciências Sociais.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________ Sandra Maria N. Sousa (Orientadora)

Prof.ª Dr. ª em Ciências Sociais

Universidade Federal do Maranhão (PPGCSoc)

______________________________________________________ Francisca Verônica Cavalcante

Prof.ª Dr. ª em Ciências Sociais Universidade Federal do Piauí (PPGAArq)

______________________________________________________ Álvaro Roberto Pires

Prof. Dr. em Ciências Sociais

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A Deus pelo dom da vida e pelas bênçãos concedidas.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela concessão da bolsa de estudos, durante todo o curso, que possibilitou adquirir materiais e investir na participação de eventos científicos; investimento intelectual que resulta nessa Dissertação de Mestrado.

Aos meus pais, Jarbas e Socorro, que sempre me incentivaram a trilhar no caminho do conhecimento. Em especial à minha mãe, por incentivar cada etapa de meus estudos. Obrigada por seu amor, carinho e atenção. À minha avó Glória, minha irmã Silvana e minhas sobrinhas, Gabriela e Rafaela. Ao meu irmão Eduardo por, muitas vezes, propiciar recursos materiais que se fizeram necessários em minha trajetória acadêmica.

À minha orientadora Sandra Maria Nascimento Sousa. Seu apoio foi, desde o princípio, muito importante. Sem sua ajuda nada disso seria possível.

Às coordenadoras do GEN e da UNITI, respectivamente, Jacira Nascimento Serra e Hortência Maciel, por terem me recebido nestas instituições. Agradeço ainda à médica geriatra Maria Zally Borges San Lucas, por facilitar meu contato com o grupo de convivência do GEN.

A Rosa, Joana, Rosário e Francisca, mulheres que se tornaram interlocutoras deste estudo, por terem concedido seu tempo com os relatos acerca de suas vivências; bem como pela atenção, hospitalidade e confiança obtidas com o transcorrer de nossos prazerosos encontros.

Aos professores Álvaro Roberto Pires e Maristela de Paula Andrade pelas contribuições na qualificação.

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estudo. Às secretárias Mary, Soraya e Paula pela disponibilidade, prontidão e paciência a cada ajuda que me foi concedida.

A todos os colegas da turma seis com quem compartilhei alegrias e momentos de desespero durante as disciplinas: Bianca Bezerra, Bruno Leonardo Ferreira, Carolina Portela, Karla Suzy Pitombeira, Raissa Moreira Lima, Roseane Dias e Suellen Bastos. Em especial, agradeço a Andréa Sousa, Jesus Marmanillo e Débora Melo pelas conversas que ajudaram a esclarecer nossos questionamentos, pelo apoio e incentivo nos momentos difíceis.

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Este estudo analisa processos de mudanças e/ou permanências nos papéis de gênero a partir das vivências familiares de mulheres, na faixa etária de 60 a 75 anos, que participam dos grupos Gerenciamento do Envelhecimento Natural (GEN) e Universidade da Terceira Idade (UNITI), ambos localizados na cidade de São Luís, Maranhão. Através da articulação entre Memória e da História de Vida, enquanto recursos técnico-metodológicos, Rosário, Joana, Francisca e Rosa registram variados episódios e contextos percorridos ao longo da passagem do tempo. Resgatam reminiscências que consideraram significativas em suas trajetórias de existência e destacam, sobretudo, diferenças entre os modos nos quais homens e mulheres são socializados diante dos “padrões sociais” de conduta de cada época. Nesse sentido, as narrativas ressaltam a configuração de um sistema binário de relações de gênero que, em geral, preconiza o masculino e o feminino a atributos demarcados como opostos e excludentes em relação às vivências no casamento, ou outras formas de conjugalidade, criação e orientação de filhos, cuidados com a saúde, conhecimento das mudanças corporais e práticas da intimidade.

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This study examines processes of change and / or continuities ingender roles from the family experiences of women, aged 60-75 years, participating groups Gerenciamento do Envelhecimento Natural (GEN) e Universidade da Terceira Idade (UNITI), both located in São Luis, Maranhão. Through the link between Memory and History of Life, while technical and methodological resources, Rosário, Joana, Francisca e Rosa recorded several episodes and contexts traveled along the passage of time. Recover memories they considered significant in their paths of existence and out, above all, differences between the ways in which men and women are socialized before the “social standards” of conduct for each season. In this sense, the narratives highlight the configuration of a binary system of gender relations in general, calls the masculine and feminine marked as opposite and mutually exclusive in relation to experiences in marriage or other forms of couples, creation and guidance of children, health care, awareness of bodily changes and practices of intimacy.

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Figura 1 – Julieta e Romeu, Novela Sete Pecados (TV Globo, 2007)...123

Figura 2 – Copélia, Seriado “Toma Lá, Dá Cá” (TV Globo, 2007-2010)...124

Figura 3 – Avó e neta, Comercial “Havaianas Fit”...125

Figura 4 – Avó, Remake Comercial “Havaianas Fit”...126

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ABRAZ – Associação Brasileira de Alzheimer ACEPI - Associação Cearense Pró-Idosos ACT – Ação Comercial Trabalhista

AGE – Advocacia Geral do Estado

AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida AL – Aliança Libertadora

ALCOA – Alcoa Alumínio S.A.

ALUMAR – Consórcio de Alumínio do Maranhão AVC – Acidente Vascular Cerebral

BNB – Banco do Nordeste do Brasil

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CAPS - Caixas de Aposentadoria e Pensões

CEFET – Centro Federal de Educação Tecnológica CEST – Faculdade Santa Teresinha

CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas

COBAP - Confederação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas COHAB – Conjunto Habitacional

COHATRAC – Comunidade Habitacional dos Trabalhadores Comerciários DPI – Delegacia de Proteção ao Idoso

DF – Distrito Federal

FUNRURAL – Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural. GEN - Gerenciamento do Envelhecimento Natural

GENI - Grupo de Estudos Gênero, Memória e Identidade H1N1 – Influenza tipo A

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MOPI - Movimento Pró-Idosos

MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social MTIC – Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

OMS – Organização Mundial de Saúde ONU – Organização das Nações Unidas PAI – Programa de Assistência ao Idoso PD – Partido Democrático

PEM – Partido Evolucionista Maranhense PETROBRÁS – Petróleo Brasileiro S.A. PI – Piauí

PPB – Partido Proletário Brasileiro PR – Partido Republicano

PRF – Partido Republicano Federal PSB – Partido Socialista Brasileiro PSD – Partido Social Democrático

PSDM - Partido Social Democrático Maranhense PSP – Partido Social Progressista

PST – Partido Social Trabalhista PT – Partido dos Trabalhadores PTB – Partido Trabalhista Brasileiro RJ – Rio de Janeiro

RS – Rio Grande do Sul

SBGG – Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia

SEARHP - Secretaria de Estado de Administração, Recursos Humanos e Previdência

SEMARC – Serviço de Marcação de Consultas

SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SESC - Serviço Social do Comércio

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UFMA – Universidade Federal do Maranhão UNITI - Universidade Integrada da Terceira Idade URM – União Republicana Maranhense

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APRESENTAÇÃO...15

INTRODUÇÃO...18

1. Velhice, Idade Avançada: um problema social em evidência...19

1. 2 A Construção das Categorias de Análise do que é ser velho, idoso e da terceira idade...21

2. Experiências de “Sujeitos Idosos” e Demarcações de Gênero: delineamento do tema de estudo...24

3. Narrativas e Interlocutoras...32

CAPÍTULO 1 – CONJUNTURA SOCIAL DE SÃO LUÍS DOS ANOS 1930 a 1950 E OS PAPÉIS DE GÊNERO...39

CAPÍTULO 2 - VIVÊNCIAS NOS “GRUPOS DE IDOSOS”...54

CAPÍTULO 3 – VIVÊNCIAS NO CONTEXTO FAMILIAR E ESCOLARIDADE...74

CAPÍTULO 4 – “SOCIEDADE MODERNA” E (EN)GENDRAMENTO DE “INDIVÍDUOS”...90

4.1 Espaço da Domesticidade: papéis de gênero e divisão de tarefas...91

4.2 Corpo e Cuidados com a Saúde...95

4.3 Corpo e Padrões de Beleza...101

4.4 Mudanças Corporais: entre experiências veladas e o conhecimento...107

4.5 Memórias de Práticas Sexuais...113

4.5.1 Desejo e Prazer em Práticas Sexuais...117

CONSIDERAÇÕES FINAIS...132

REFERÊNCIAS...135

ANEXOS...144

Roteiro de Apresentação...145

Rosário...146

Joana...160

Francisca...177

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APRESENTAÇÃO

Este estudo é constituído por narrativas de mulheres que tem atualmente entre 60 e 75 anos de idade. Narrativas que foram colhidas ao longo de um período de 8 meses, cuidadosamente interpretadas à luz de alguns estudos de gênero que, também, constituíram interpretações mais amplas a respeito das condições sociais em que se forjam o “ser mulher” e o “ser homem”, em relações desiguais de poder. Neste caso, falo especialmente de alguns discursos feministas.

Várias foram as interpretações sobre essas desigualdades, muitas vezes atribuindo aos homens a dominação e a opressão das mulheres, especialmente aquelas que circularam entre os anos 1970 e 1980. Muitas mudanças nas conjunturas históricas e sociais predispuseram outros olhares, outras interpretações que desestabilizavam a perspectiva das relações de gênero entre opressores (homens) e oprimidas (mulheres) muito próprias de um determinado contexto histórico-cultural. Michel Foucault foi um autor importante para as estudiosas de gênero ao discutir o poder como conjunto de relações dispersas em micro relações, descaracterizando a perspectiva dual acima destacada.

Ao final dos anos 1980 e nos anos 1990, destacou-se a importância do gênero como uma categoria de análise, com a qual se percebe a construção polarizada em feminino e masculino para classificar e hierarquizar sujeitos em nossa sociedade ocidental.

Como base dessa classificação, vários discursos no âmbito da ciência médica, psiquiátrica e biológica atestam que a anatomia - o órgão genital - é o referente da “diferença sexual”. Podemos acrescentar que estes discursos produzem desigualdades à medida que homens e mulheres seriam “naturalmente” dotados de uma fisiologia específica, associada aos critérios de superioridade e inferioridade. Outra configuração dessa perspectiva é a de que o corpo é natureza e o gênero é o suporte cultural que define a identidade dos sujeitos.

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inserem os sujeitos do gênero, distribuindo atributos e competências, como padrões ideais, através dos quais estes sujeitos são referidos e comparados.

Nesse sentido, o gênero é uma categoria importante neste estudo à medida que se refere à possibilidade de se perceber a complexidade das relações de poder entre homens e mulheres, assim como estes sujeitos se tornam homens e/ou mulheres – no sentido de que um destes pólos exclui o outro como opositor, o que significa que ser homem é demarcado distintamente do ser mulher.

Trabalho, portanto, com a articulação possível entre gênero e memória buscando apoio em outras autoras dos estudos de gênero que entendem que as demarcações rígidas e fixas das identidades e papéis de gênero se flexibilizam e ressignificam constantemente.

Joana, Rosário, Francisca e Rosa, foram mulheres que se tornaram colaboradoras e co-autoras deste estudo e à medida que constroem as narrativas, de suas experiências, vou efetuando um trabalho de interpretação de segunda mão, inspirada no que ressalta Clifford Geertz: “os textos antropológicos são eles mesmos interpretações e, na verdade, de segunda e terceira mão. (Por definição, somente um nativo faz a interpretação em primeira mão: é a sua cultura)” (2008, p.11).

A estrutura textual na qual organizo e sistematizo interpretações e análises reúne, além desta apresentação, uma introdução, três capítulos, considerações finais e os anexos, como apresento, a seguir:

Na introdução apresento a problematização das categorias de análise velho,

idoso e terceira idade, ressaltando os sentidos históricos e políticos que as envolvem e os variados critérios (biológico, etário, econômico e social) que algumas instituições lhes imputam. Ainda indico os caminhos percorridos (escolhas, dificuldades e estratégias) e as fontes teorias utilizadas ao longo do constante processo de construção do objeto de estudo.

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Oficial, através de jornais e documentos da época, como se aqueles feitos e fatos conjunturais estivessem desatrelados de suas vidas, pois somente algumas publicações da época, revistas e colunas de jornais, eram destinadas às mulheres, reforçando a distinção dos papéis de gênero que atribuía o mundo público aos homens, e o mundo privado às mulheres, como esferas separadas.

No segundo capítulo realizo uma discussão sobre o envelhecimento levando em consideração a inserção de Rosa, Joana, Rosário e Francisca em “grupos de idosos” GEN e UNITI, destacando como significam suas vivências nesses grupos.

No terceiro capítulo focalizo suas rememorações no contexto escolar e familiar em período considerado da infância ressaltando, sobretudo, os papéis de pais e de filhos, relações de autoridade e poder vinculadas a regras e transgressões que perpassaram suas vivências até a condição de mulheres adultas.

No quarto capítulo analiso como destacam modos de distinção nas especificidades do gênero – homens e mulheres – naturalizadas em acordo com o sistema hetero-normativo, segundo o qual as tarefas de trabalho, criação e orientação de filhos, cuidados com o corpo, e, sobretudo, vivências em relação a namoro, casamento, outras formas de conjugalidade, práticas eróticas e sexuais são diferenciadas e justificadas como sendo referidas a uma natureza biológica.

Em anexo localizo as histórias de vida narradas por Rosa, Joana, Rosário e Francisca. Destaco aos leitores o modo como suas narrativas são apresentadas. Estas seguem uma seqüência livre e também movimentos de avanços e recuos, como é o trabalho da memória. O tempo das lembranças não é linear, é um “tempo reversível”1 em que se articulam passado, presente e futuro, algumas vezes em

convergência.

INTRODUÇÃO

1

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As classificações que demarcam e inserem os sujeitos nas denominadas idade da vida, infância, adolescência, juventude e velhice2, provém de campos científicos, predominantemente, da biologia e da psicologia, que estabeleceram estas etapas priorizando critérios anatômicos e biológicos.

Philippe Ariès (1981) demonstra que as idades da vida foram construídas a partir do começo da Idade da Moderna, entre os séculos XVI até o XIX, levando em conta as divisões da historiografia, através de características que lhes seriam peculiares, porém distintas entre si.

Nos séculos XIV e XV, um único termo era utilizado para fazer referência, por exemplo, tanto a uma criança quanto a um rapaz3, pois a demarcação entre infância,

adolescência e juventude não existia na forma como hoje são conhecidas. No entanto, foi no século XVII, segundo Ariès (1981), com a assimilação do sentimento de amor e dos cuidados com infância, que se passou a reconhecer a necessidade de limitar a participação destas no “mundo dos adultos”. A adolescência foi demarcada como período distinto da infância em meados do século XIX, pela atribuição de algumas características como espontaneidade e alegria de viver. A juventude foi delimitada pela força e liberdade no século XIX. Durante os séculos XVI e XVII, a velhice foi considerada a idade da caduquice e o termo ancião tinha conotação de algo considerado ridículo. Essas atribuições persistiram até o século XIX, porém os termos ancião e velho só desapareceram, em geral, de discursos médicos e institucionais no século XX, quando então foram substituídos, segundo Ariès (1981), por “homem de certa idade” e também por “idoso” e “terceira idade”, segundo Clarice Peixoto (2007) e Guita Debert (2004).

Tendo em mente que tal classificação foi formulada em contexto histórico, cultural e político europeu, não posso desconsiderar, porém, a relevância de sua expansão para outros continentes. Por mais que seja uma construção localizada no tempo e no espaço, tem sido reiteradamente atualizada anulando entrecruzamentos

2

Utilizo o itálico em algumas passagens para destacar alguns elementos no texto. 3

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que se constituem pelas diferenças de raça, etnia, classe social e gênero. Em geral, enquadra os sujeitos como se tais categorias, infância, adolescência, juventude e velhice, fossem representativas de sujeitos homogêneos.

A tarefa do sociólogo, porém, não é assumir, cristalizar ou confirmar as classificações já dadas, mas demonstrar, especialmente no caso das categorias

velho, idoso e terceira idade processos pelos quais as pessoas passaram a ser assim designadas e classificadas. As categorias não são envoltórios vazios, ao contrário são preenchidas histórica e politicamente de sentidos múltiplos, podendo ser orientadas por critérios biológico, etário, produtivo-econômico ou social. Apresento, a seguir, uma discussão a respeito das categorias velho, idoso e terceira idade uma vez que este estudo discorre, como já foi mencionado, sobre narrativas de mulheres que, segundo referência de faixa etária, têm atualmente entre 60 e 75 anos de idade.

1 Velhice, Idade Avançada: um problema social em evidência.

Como hoje a categoria idoso, em substituição à categoria velho, está presente no cotidiano e é usualmente empregada pelas pessoas nos meios de comunicação, nas instituições, nos setores públicos e privados, nas conversas, em palestras, no meio acadêmico e outros, é necessário refletir que ela nem sempre esteve presente como questão socialmente relevante nestes ou em outros discursos, mas cabe aqui questionar como foi possível seu uso ter se tornado tão comum hoje? Que processos envolveram a emergência desta categoria e de outras, como velho e terceira idade? Para responder estas questões, busco subsídios nas elaborações teóricas do sociólogo francês Remi Lenoir (1998) com intuito de demonstrar que as categorias que permeiam as relações sociais, das quais o sociólogo também faz parte, são elaboradas socialmente.

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venha a ser a velhice, ou de que maneira a vivenciará. As contribuições de Lenoir (1998) ajudam a compreender que a velhice é relacional e não pode ser considerada uma realidade homogênea para todas as pessoas que chegam a uma idade avançada.

De acordo com Lenoir (1998), a velhice surgiu como um problema social na classe operária francesa no século XIX, pois os empresários passaram a considerar baixo o desempenho produtivo e, consequentemente, econômico dos operários que possuíam idade avançada. O que fazer com estes que não serviam para exercer as atividades lucrativas? Até que fossem criadas as caixas de aposentadoria não se sabia se os encargos da velhice ficariam com os empresários ou com as famílias4.

Lenoir (1998) percebe o caráter relacional da velhice nos jogos de poder do campo das profissões, pois compara as idades em que os operários e empresários envelhecem e revela que para aqueles a idade cronológica é menor tendo em vista a incapacidade do desempenho de funções sociais e produtivas, como pode ser observado a seguir:

(...) segundo os empregadores, a mais importante ‘deficiência’ dos trabalhadores que estão envelhecendo, é o ‘enfraquecimento das faculdades de aptidão às novas tarefas, métodos ou técnicas’, em seguida, é mencionada a ‘perda de velocidade’, a ‘perda de força’, e depois a perda da ‘vivacidade intelectual’, da ‘habilidade’, da ‘memória’ e, em último lugar, ‘a inaptidão para o comando’. Por outras palavras, isso significa que a diminuição, com a idade, das qualidades julgadas necessárias pelos empregadores para o exercício das diversas atividades profissionais ou, se preferirmos, a idade a partir da qual as diferentes categorias sociais começam a ‘envelhecer’ é mais precoce para os membros das classes mais baixas: para os empresários, os trabalhadores braçais são considerados como 100% produtivos somente até a idade média de 51,4 anos; os operários sem qualquer qualificação até 53,5; os contramestres até 55,9; os executivos até 57,9; e nenhuma idade é fixada para os empresários (...) (ibidem ,1998, p.72).

Foram elencados, como se pode observar, alguns marcadores para considerar a velhice daqueles operários, mas acrescento que é devido às ações dos experts ou especialistas que um problema é transformado em problema social. Lenoir (1998, p.84) menciona que a função dos experts, ou seja, aqueles que são

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detentores de um saber oficial e legítimo, “pressupõe um verdadeiro ‘trabalho social’ que compreende duas etapas essenciais: o reconhecimento e a legitimação do ‘problema’ como tal”. Logo, o reconhecimento torna um problema visível e digno de atenção e a legitimidade, esta nem sempre resultado do reconhecimento, opera na inserção daquele problema nas preocupações do momento. Foi isso que aconteceu com a questão previdenciária, pois como as famílias não tinham como suportar os encargos da velhice dos operários, os experts recomendaram uma atenção mais efetiva por parte do Estado.

1.2 A Construção das Categorias de Análise do que é ser velho, idoso e da terceira idade.

Contemporaneamente, vários fatores podem ser elencados para determinar se uma pessoa é considerada velha ou não. Podem ser os aspectos fisiológicos e orgânicos, ou uma determinação etária que demarque o limite entre a passagem da vida adulta para a velhice? Se assim considerar, poderia questionar se toda pessoa é considerada velha por apresentar unicamente ou os cabelos brancos, ou a pele enrugada, ou ainda dificuldade de locomoção? Se todas as pessoas que atingem a demarcação etária adotada pelo sistema previdenciário brasileiro, para receber aposentadoria por idade, são consideradas velhas e velhos?5 Será que outros

países compartilham desta mesma demarcação etária ou estendem-na para concedê-los? Por que assim o fazem? Quais os interesses dos sistemas previdenciários e econômicos ao determinarem uma idade menor ou maior para aposentar as pessoas? Ainda questionaria se todos os sujeitos que atingem os 60 anos de idade se consideram e se identificam como idosos a partir de uma determinação legal estipulada pela classificação criada em 1985, pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organização das Nações Unidas (ONU), adotada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)?

5

O sistema previdenciário brasileiro concede benefícios segundo as seguintes especialidades: aposentadorias (especial, por idade, por invalidez e por tempo de contribuição), auxílios (acidente, doença e reclusão), pensão por morte, salário-família, salário-maternidade. A aposentadoria por idade no Brasil segue, conforme Lei Nº. 9.876 de 26 de novembro de 1999, a demarcação etária de 60 e 65 anos de idade, respectivamente, para mulheres e homens trabalhadores urbanos e 55 e 60 anos de idade, respectivamente, para mulheres e homens trabalhadores rurais.

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De acordo com estudos de Lenoir (1998), Mercadante (2005), Mascaro (2004) e Beauvoir (1970), as categorias velho, idoso, terceira idade, entre outras, são formuladas a partir de diversos critérios que variadas instituições lhes imputam, segundo os jogos de interesses nas quais estão envolvidas, tais como, proteção à saúde, à segurança, à assistência previdenciária, sendo preciso, sobretudo, considerar o contexto de tempo e de espaço nos quais estão situadas as pessoas consideradas velhas ou idosas, pois como afirma a antropóloga Elisabeth Mercadante, “sempre se é velho em algum lugar e num determinado tempo histórico” (2005, p.74).

Segundo Clarice Peixoto (2007), velho (vieux) ou velhote (vieillard) eram categorias que se referiam às pessoas que, na França, não tinham status social e posses materias, pois as que as detinham eram reconhecidas como idosas

(personne âgée). Nesta diferenciação está evidente o caráter relacional que demarca a conotação dos termos segundo fatores econômicos.

Jacira Serra (2005) relata que o termo idoso foi trazido para o Brasil, na década de 1960, para substituir o termo velho dos documentos oficiais. Posteriormente, em 1985, a OMS e a ONU estipularam a determinação etária de 60 anos para os países considerados subdesenvolvidos e 65 anos para países considerados desenvolvidos. No entanto compreendo que tais demarcações não deixam, muitas vezes, evidentes outros critérios, além da faixa etária, que as instituições utilizaram para determinar quem é considerado idoso ou não.

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Desse modo, vários sentidos são atribuídos aos sujeitos, com valores positivos e negativos, tendo sempre como referência principal a faixa etária. Isto se reafirma contemporaneamente com a Lei Nº. 10.741, também conhecida como Estatuto do Idoso, instituída a partir de 01 de outubro de 20036. Segundo esta lei, as

pessoas com mais de 60 anos de idade têm prioridade de atendimento em serviços públicos e privados (artigo 3º), como filas de agências bancárias, de supermercados e casas lotéricas, vagas preferenciais em estacionamentos públicos e privados (artigo 41), gratuidade da passagem em transporte coletivo urbano (artigo 39)7,

gratuidade das passagens intermunicipais e interestaduais (artigo 40)8 e meia

entrada em eventos culturais, como cinema, shows e teatro (artigo 23). Chamo atenção que nem sempre estas determinações são cumpridas, pois são frequentes as transmissões de reportagens na mídia televisiva, local e nacional, embora também presentes em periódicos e na internet, nas quais os considerados idosos, que deveriam ser os beneficiados, apresentam reclamações sobre o não cumprimento de tal lei e exigem as medidas cabíveis.

Estas classificações, portanto, como já afirmamos, resultam de lutas simbólicas para definição e legitimação do que é ser criança, adolescente, jovem, adulto e velho. Karl Mannheim, em “O problema das gerações” (1982), publicado em 1928, revisa vários enfoques teóricos sobre os modos de classificar sujeitos e populações e percebe que não há unidade nestes trabalhos. Sua problematização inicia por não associar as diversas classificações ao tempo cronológico pautado, principalmente, na forma linear, pois não basta que os sujeitos tenham nascido em uma mesma época, é preciso que estes compartilhem da possibilidade/potencialidade de presenciar os mesmos acontecimentos e vivenciar experiências semelhantes para serem considerados de uma mesma geração. Por

6

Desde 1998, o projeto lei nº57, de autoria do então deputado federal Paulo Paim (PT-RS), já tramitava no Congresso Nacional dando futuramente bases à formulação do Estatuto do Idoso (Haddad, 2001).

7

A lei federal Nº 10.741 de 01/10/03, estipula no artigo 39 a gratuidade nos transportes coletivos públicos urbanos e semi-urbanos aos maiores de 65 anos e, no parágrafo segundo, lhes reserva 10% (dez por cento) dos assentos, devidamente identificados com a placa de reservado preferencialmente para idosos. Para aqueles que a faixa etária compreende entre os 60 e 65 anos, deixa a cargo da legislação local. Em São Luís, MA, a lei municipal Nº 4.929 de 30 de maio de 1989 estipula a gratuidade nos transportes coletivos aos maiores de 65 anos.

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considerar o fluxo da história, Mannheim ressalta que as gerações não são fixas, uma vez que sofrem mudanças contínuas, processos dinâmicos e interativos.

Tendo, desse modo, realizado esta breve discussão a respeito de algumas das categorias de entendimento a respeito do que se designa como velho, idoso e terceira idade, categorias mais sistematicamente utilizadas, caminho, agora, em direção a destacar algumas das inquietações que me trouxeram a este estudo.

2 Experiências de “Sujeitos Idosos” e demarcações de gênero: delineamento do tema de estudo.

O estágio curricular, cumprido junto à Delegacia de Proteção ao Idoso (DPI), na cidade de São Luís - MA, me possibilitou realizar uma reflexão crítica no exercício de elaboração de meu trabalho monográfico para conclusão do Curso de Ciências Sociais, pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), a respeito de sujeitos designados como idosos e dos casos de violência, que eram frequentemente registrados naquela delegacia. Busquei entender processos constitutivos daquela trama social na qual estes sujeitos apareciam em situação de fragilidade, como vítimas de agressões e violências, na maioria das vezes praticadas por seus parentes próximos9.

A análise dos relatos, que me foram concedidos naquele trabalho, me chamou a atenção, além da questão da violência, para o fato de que as mulheres e os homens narravam, diferentemente, muitas outras histórias vividas com seus familiares, amigos ou companheiros conjugais. Deste modo, mesmo tratando-se de destacar uma experiência comum – a de serem agredidos ou violentados – traziam-me o questionatraziam-mento de que eram diferentes as formas de expressão para as experiências vividas. Assim, meu olhar se voltava, sobretudo, para perceber as demarcações de gênero que apontavam desigualdades de poder nas relações profissionais, familiares, conjugais, vida amorosa e em relações de intimidade, em geral.

9

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Atentando aos seus relatos, ia enveredando na direção de conversas sobre seus relacionamentos mais íntimos e sobre suas práticas sexuais, tema que me parecia, na ocasião, extremamente relevante na perspectiva de sujeitos

consideradosvelhos ou idosos.

Minhas primeiras observações, então, sugeriam que os relatos dos homens, ao se aproximarem dessa temática, eram mais evasivos e destacavam, timidamente, que o início de suas práticas sexuais teria ocorrido bem antes do casamento, destacando seu papel viril, fazendo referência ao número de parceiras sexuais, às conquistas e traições conjugais, sempre enfatizando que eles tinham mais liberdade que as mulheres. Algumas das mulheres entrevistadas destacavam, por sua vez, que teriam tido uma educação repressiva na qual não se falava sobre “certos assuntos” como menstruação e virgindade. Entre outras questões, destacavam, também, os receios que as envolviam na primeira relação sexual, realizada após o casamento, e como sentiam, muitas vezes, a obrigação para com seus respectivos maridos, no sentido de agradá-los, destacando, ainda que, em raras vezes, tiveram prazer derivado dessas relações.

Outras mulheres, porém, revelaram que tiveram relações sexuais antes do casamento, ao contrário do que se poderia pensar como próprio de um sistema de relações hetero-normativo, segundo o qual homens e mulheres, “diferentes por natureza”, atendiam, no período dos anos 1940 e 1950, a desejos, necessidades e práticas sexuais de modo diferenciado, tendo as mulheres à obrigatoriedade de preservarem-se “virgens” até seu casamento. Desse modo, eu atentava para aqueles relatos desejando adensar o seu conteúdo. Os estudos que vinha desenvolvendo no GENI (Grupo de Estudos Gênero, Memória e Identidade), coordenado pela Profª. Drª. Sandra Maria Nascimento Sousa, haviam mobilizado meu olhar para melhor compreender a dinâmica do gênero nas diferenciações que se concretizam pela via dos entrecruzamentos com a classe social, a raça, a etnia, etc. No entanto, o trabalho monográfico, com suas limitações de conteúdo e do tempo de execução, para sua conclusão, não permitiu a exploração de questões que vinham se desdobrando a partir daquela temática.

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entender como mulheres que estão incluídas na faixa etária dos 60 a aproximadamente 75 anos de idade, e são assim consideradas velhas ou idosas, constroem experiências significativas no campo das relações de gênero, especialmente no que se referem aos relacionamentos conjugais, vivências amorosas, satisfação de desejos e prazeres erótico-sexuais.

Este interesse, com certeza, foi derivado das muitas conversas que tive na construção do trabalho monográfico, como citei anteriormente. Deriva-se, também, da minha própria internalização de discursos específicos, de literatura considerada especialista e da mídia televisiva, em especial. Segundo estes discursos, as pessoas consideradas velhas ou idosas necessitam de cuidados especiais, perdem seus interesses e estímulos para a participação ativa na vida social, amorosa, ou na obtenção de prazer em práticas sexuais.

Ao tentar operacionalizar a investigação concentrada nesta temática, que reafirmo me parecer bastante relevante, alguns problemas, porém, me fizeram refletir, primeiramente, sobre os limites da concreticidade do tempo necessário para estabelecer uma relação entre pesquisadora e sujeitos pesquisados, que possibilitasse a fluidez de narrativas sobre questões consideradas como sendo da intimidade daquelas mulheres.

Num primeiro momento, supus a facilidade de diálogo com cinco mulheres que entrevistei em meu trabalho monográfico, pois elas se prontificaram a disponibilizar seu tempo para que pudéssemos conversar sobre suas experiências. No entanto, à medida que fui retomando a aproximação, elas foram desistindo de participar. Esta situação me remeteu a pensar nos excertos de Foucault (1988) sobre a imposição em nossa sociedade moderna ocidental para se falar de sexo ou de sexualidade nos espaços institucionais legitimados, e na orientação internalizada pela maioria das mulheres das gerações mais antigas para se mostrarem inocentes ao falarem de sexualidade ou dela falarem, apenas, quando vinculada a processos reprodutivos.

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sobre esta dificuldade, perguntando se conheciam algumas mulheres com as quais eu pudesse conversar, mas também não obtive sucesso. Foi a partir desta situação que decidi ir a espaços institucionalizados, denominados como grupos de idosos, de início, me apresentando como estudante do curso de mestrado em Ciências Sociais da UFMA, pois sabia que nestes eram frequentes as reuniões nas quais mulheres consideradas velhas ou idosas participavam.

Naquele momento, continuava tendo como ponto de referência mulheres consideradas velhas ou idosas que não tivessem visibilidade ou reconhecimento de valorização do seu status social por estarem inseridas em camadas sociais mais privilegiadas. Abstraía, assim, as interveniências de elementos ligados à classe social, assim como aos marcadores de raça e etnia, tomando a condição de “mulheres idosas” como um paradigma unificador a despeito de já haver criticado esta opção pelos limites e reduções que incidem na construção de interpretações analíticas sobre os sujeitos sociais. Esta reflexão só veio ocorrer no andamento do trabalho, em meio à escolha das mulheres e com alguns referenciais já trabalhados.

Neste caminhar, fui ampliando conhecimento a respeito dos “grupos de idosos” existentes em São Luís, tendo fixado mais atenção nos grupos UNITI (Universidade da Terceira Idade) e GEN (Gerenciamento do Envelhecimento Natural).

A categoria idoso é, em geral, trabalhada por algumas instituições na medida em que visam promover uma mudança na concepção da velhice. A gerontologia10 é

o estudo multidisciplinar da velhice que, segundo Guita Debert (2004), engloba profissionais de diferentes áreas interessados em relacioná-la às questões políticas, econômicas, culturais, sociais e de saúde.

Estes profissionais são orientados por discursos trabalhados por especialistas que incentivam o desenvolvimento de ações no intuito de reverter conotações pejorativas atribuídas à categoria velhice, como destaquei anteriormente. Assim, esta passa a ser substituída, por algumas instituições, pela categoria terceira idade,

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o que intenciona promover um sentido positivo, de liberdade de criação de oportunidades, de realização de coisas prazerosas como passear, dançar, viajar, voltar a estudar e, principalmente, de ruptura com a concepção de que a “vida acaba” com o avançar da idade.

Contemporaneamente as instituições e os especialistas planejam suas ações e criam programas, aulas de dança, ginástica, informática, universidades e outras atividades voltadas para os que estão inseridos numa faixa etária que passa a ser designada como terceira idade. Propõem uma nova maneira de ser velho. Nesta perspectiva destacam-se a UNITI e o GEN, uma vez que seus discursos oficiais envolvem ações para seu público alvo, denominado de idoso e não mais velho.

A UNITI é um programa de extensão desenvolvido em parceria com a Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), a Secretaria de Estado de Administração, Recursos Humanos e Previdência (SEARHP) e o Serviço Social do Comércio (SESC). Em seu discurso oficial, é uma instituição voltada para a realidade maranhense, objetivando o resgate da cidadania da população denominada idosa, promovendo sua inserção na sociedade através da prática de atividades que possibilitem fortalecer a sua participação social e política; assumirem conscientemente o seu processo de envelhecimento e gozarem do pleno exercício da cidadania11.

Busquei, primeiramente, um contato com esta instituição que constantemente é participativa em encontros estaduais e municipais, nos quais o processo de envelhecimento está em questão. Além disso, sua localização representava um elemento facilitador à pesquisa, pois a mesma encontra-se situada nas instalações da Universidade Federal do Maranhão, Campus Bacanga, no prédio da Biblioteca Central. Meu primeiro contato com a Coordenadora da UNITI, Hortência Maciel Gago, foi no final do mês de setembro de 2009. Expliquei o objetivo da pesquisa e perguntei sobre a possibilidade de entrevistar mulheres lá matriculadas que

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quisessem conversar e conceder entrevistas a respeito da temática de estudo. Naquela ocasião, a coordenadora explicou-me que seria mais interessante iniciar a pesquisa no próximo ano, 2010, pois elas só teriam mais dois meses de atividades e o contato seria mais difícil. Assim combinado, esperei até fevereiro do próximo ano, 2010, para que pudesse retornar, mas ao chegar à UNITI fui informada de que as aulas só começariam no final de março de 2010, à tarde.

Fui, inicialmente, conversar com as turmas de alunos egressos após solicitação da autorização às professoras que, então, me concederam 5 a 10 minutos no final de suas aulas para que eu pudesse me apresentar e falar da pesquisa que abordaria questões relativas ao exercício da sexualidade de mulheres consideradas velhas ou idosas. Como já havia suposto, anteriormente, esta questão, é, em geral, considerada de modo bastante naturalizado como sendo de instância privada, e não foi bem aceita pelo grupo que me pareceu sem interesse ou temeroso em lidar com o tema.

Isto já se apresentou como um dado da pesquisa que deveria ser problematizado. As vivências do prazer, erotismo, que compõem o exercício da sexualidade, entre pessoas consideradas velhas ou idosas constituem tema envolto em preconceitos? Ou estas questões, consideradas como “de intimidade” não podem ser comentadas com alguém considerado estranho, por não participar de seus relacionamentos mais próximos, como é o caso de uma pesquisadora acadêmica?

Revi o modo de minha abordagem e redirecionei o olhar para tornar foco central deste estudo suas vivências nas relações com suas famílias de origem, pais, mães, parentes próximos e com aquelas foram geradas a partir das suas parcerias amorosas, conjugais ao perceber seus recuos para exporem vivências de intimidade conjugal e, também, ao observar que nos primeiros diálogos elas já traziam o núcleo familiar como alvo de as suas vivências.

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Um dos outros grupos de trabalho com pessoas consideradas velhas ou idosas, no qual pude fazer contato, foi o GEN, localizado nas dependências do Hospital Estadual Dr. Carlos Macieira, no bairro Renascença II, nesta cidade.

O GEN foi criado em 2001, em seu discurso oficial é um programa ambulatorial voltado para o atendimento das pessoas denominadas idosas e oferece atendimento médico em diversas especialidades (geriatria, cardiologia, ginecologia, urologia, nutrição, terapia ocupacional, fisioterapia, entre outras), serviço de emergência e cirúrgico, exames complementares, atendimento. O Grupo é formado por uma equipe interdisciplinar que oficialmente orienta quanto ao processo do envelhecimento em suas alterações e principais doenças, para que conheçam essa fase da existência humana, superando os obstáculos a fim de obter longevidade com qualidade12.

Através do contato intermediado com a médica geriatra Dra. Maria Zali Borges Sousa San Lucas, funcionária deste hospital e coordenadora do referido grupo, pude participar de três reuniões do GEN na sede do Programa de Apoio ao Idoso (PAI), no bairro Calhau, bem como no próprio Hospital, nos meses de junho e julho de 2010. Estas reuniões eram dinamizadas por palestras proferidas por médicos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e outros profissionais da saúde com o intuito de explicar e tirar dúvidas sobre os processos biossociais que ocorrem no período marcado como do envelhecimento.

Meu primeiro contato com o GEN foi no final do mês de maio de 2010. As atividades do grupo estavam finalizando e por conta disso só retornariam no mês de julho. Assim como combinado, retornei em julho para conversar com as mulheres que participavam do grupo e explicar que minha pesquisa trataria sobre relações de gênero, mais especialmente, vivências na família, no casamento, no namoro, no relacionamento com os filhos e netos. Além disso, gostaria de saber como sentem

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experiências, que lhes parecem mais significativas, em relação ao corpo, ao exercício da sexualidade e à obtenção de prazer.

Fui a dois encontros realizados em outra instituição, o PAI, um às segundas-feiras e outro às sextas-segundas-feiras. Quatro mulheres se interessaram pela pesquisa e me deram seus contatos. Posteriormente, me comuniquei com as mesmas e somente uma, Rosário, quis marcar uma conversa em sua residência. As demais desistiram ainda no contato feito por telefone por não terem tempo, pois desenvolviam várias atividades, e ainda alegaram receio quanto ao que seria feito com o que elas falariam, embora eu tivesse tido o cuidado e a atenção de lembrá-las sempre que seus nomes verdadeiros seriam mantidos em sigilo.

Desse modo, diante das limitações de tempo que envolve a produção de um trabalho de curso de mestrado, finalizei minhas busca por interlocutoras e pude assim dedicar esforços para com estas quatro mulheres construir este estudo. Assim, Joana, Rosa, Rosário e Francisca13 constituíram-se, voluntariamente, como

importantes colaboradoras deste estudo que busca compreender, a partir da fala dos próprios sujeitos, como significam experiências vividas nas relações com suas famílias de origem e com aquelas geradas a partir de suas parcerias conjugais e amorosas.

Trabalhar com mulheres inseridas nessas instituições me conduziu a outras questões, tais como: quem são estas pessoas que buscam estes grupos? Como se interessaram por eles? Qual era seu discurso sobre a velhice antes de participar das atividades? E depois de sua inserção, a percepção continuou a mesma? Estas foram algumas das questões que propus incluir, dirigindo-as a estas mulheres. Ressalto que estas questões não foram exploradas em sua totalidade, permitindo adensar interpretações a serem desdobradas em estudos futuros.

3. Narrativas e Interlocutoras

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Considero que a História Oral, como História de Vida é o recurso técnico-metodológico mais adequado para a realização deste estudo, pois através da rememoração os sujeitos podem resgatar e ativar reminiscências que, segundo Regina Faria e Antônio Montenegro (2005, p.21), trazem seleções de “contornos, imagens, emoções, desafios, sonhos, desejos realizados ou não, vitórias e derrotas”, à medida que se remetem às experiências passadas, presentes e projeções futuras. A história de vida ainda propicia captar modos de pensar, comportar e múltiplas visões de mundo através da escolha de acontecimentos que os sujeitos elegem como significativos sobre diversas passagens de suas vidas. Nesse sentido, esta técnica permite captar indicadores do contexto social e das redes de sociabilidade das quais participaram/participam os sujeitos que ora narram.

História Oral é um termo amplo que abriga diversos recursos para coleta de informações: entrevistas, histórias de vida, depoimentos, autobiografias e biografias. Maria Isaura Pereira de Queiroz (1988) apresenta aproximações e distinções destes recursos tanto em relação à coleta, quanto à finalidade dos relatos de sujeitos. Destaco, a seguir, as peculiaridades referentes à história de vida.

A História de Vida é considerada como uma técnica na qual o narrador relata “sobre sua experiência através do tempo, tentando reconstruir os acontecimentos que vivenciou e transmitir a experiência que adquiriu” (Queiroz, 1988, p. 19). Cabe ao pesquisador ultrapassar a individualidade dos relatos e captar a coletividade percebendo como foram delineadas suas relações em vivências com familiares, profissionais, indivíduos de outras camadas sociais e grupos étnicos. Uma de suas maiores potencialidades “refere-se ao seu caráter heterogêneo e essencialmente dinâmico de captação do que passou, segundo a visão de diferentes narradores” (Delgado, 2006, p. 50). O trabalho dos narradores ativa, sobretudo, vivências de uma trajetória que se atualiza no presente junto àqueles que os escuta, neste caso uma pesquisadora.

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rememorações de experiências vividas individualmente e os grupos sociais nos quais os sujeitos vivenciam tais experiências. Na tentativa de acentuar os vínculos sociais com a produção de memórias e identidades, Halbwachs (2006) refere que são muitos os grupos em que vivemos e dos quais guardamos recordações. Nestas estão presentes “os outros” com os quais convivemos e construímos memórias coletivas.

A autora Ecléa Bosi (2004), reconhecida pela elaboração de um trabalho de grande destaque no Brasil, “Memória e Sociedade – Lembrança de Velhos”, também corrobora essa perspectiva ao demonstrar que as narrativas de oito sujeitos, de idade superior a 70 anos, sobre suas vivências nos bairros, nas escolas, nas ruas, nas relações profissionais e familiares, construíam outras interpretações que não estão incluídas nas Histórias Oficiais sobre a cidade de São Paulo na década de 1970.

Outro destaque na obra de Bosi (2004) deve-se à fluidez, entre passado e presente, que é bastante evidente nas narrativas. Por exemplo, o Sr. Amadeu discorre sobre sua infância na escola e, logo em seguida, começa a falar do prêmio recebido, certa vez, pela participação em corridas no circuito do Brás, ou também na ocasião em que a Sra. Brites narra sobre a Primeira Guerra Mundial e, logo em seguida, fala da Escola Normal. Percebi que o mesmo ocorreu no meu trabalho de pesquisa, pois são vários os momentos de idas e vindas nas narrativas de Rosário, Rosa, Francisca e Joana, aproximando passado e presente, além de projetá-los em suas expectativas de futuro.

Utilizar esta técnica requer um longo esforço por ampliar as possibilidades de escuta do pesquisador. Não se trata simplesmente de coletar informações, mas de escutar histórias que se estendem, reconfiguram e mudam, sempre, a cada nova possibilidade de serem narradas. Concordo com o excerto de Verena Alberti que destaca:

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Trabalhar com história de vida, portanto, ainda possibilita que os narradores contem livremente os fatos que lhes forem despertados nos processos de rememorações. Deve o pesquisador, porém, como recomenda Alberti (2004), fazer um roteiro preliminar de apresentação sem perguntar, a todo o momento, evitando, assim, interromper constantemente o fluxo das rememorações. Algumas poucas intervenções podem ser feitas na medida em que as questões encaminhem ou apontem para outros focos das vivências. Walter Benjamim (1994), contudo, destaca que nada do que relata o narrador é considerado perdido para a história ainda que os significados variem de importância para o pesquisador e o sujeito que narra. A narrativa difere da informação. Esta é breve, e, em geral, contada do mesmo jeito por diferentes pessoas, enquanto a narrativa pode durar muito tempo e ser contada diferentemente por diversas maneiras.

Para este estudo, elaborei um roteiro de questões que permitissem reunir elementos sobre as apresentações de minhas interlocutoras aos meus leitores, destacando faixa etária, local de nascimento, profissão exercida pelos pais, escolaridade cursada, profissão exercida, tempo de residência em São Luís, estado civil, relacionamentos amorosos, vivências com filhos, filhas, netos e netas, o interesse pelos “grupos de idosos” e outras atividades atuais, entre outras questões, privilegiando o papel significativo do relato das histórias de vida, nas quais os sujeitos recortam aquilo que lhes pareça mais significativo. Seguindo estas orientações no meu trabalho, deixei Rosa, Francisca, Joana e Rosário falarem livremente, sendo poucas as minhas intervenções.

Foram marcados em média 4 a 5 encontros, com cada uma delas nos “grupos de idosos” e depois, separadamente, em sua residência, segundo suas disponibilidades de tempo e acomodação.

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Vários encontros foram remarcados devido a outros compromissos que elas tinham como as aulas na UNITI, que ocorrem no período da tarde, ou mesmo às reuniões do GEN, que ocorrem no período da manhã, ou ainda exames de saúde e reuniões comunitárias, de condomínio, passeios e almoços familiares, etc.

Desse modo, já nestes primeiros contatos, eu percebia que eram pessoas ativas, que se movimentavam bastante cumprindo não só agenda doméstica, mas participando de muitas outras atividades. Já me dava conta de que ao contrário de um discurso que constrói imagens de idosos como pessoas declinantes, depressivas e solitárias, suas experiências eram marcadas por atividades que exigiam bastante vigor.

Fui estreitando meus contatos com elas, percebendo que em nossos diálogos, que ocorriam até mesmo fora dos espaços e momentos das interlocuções com gravador, com anotações registradas no diário de campo, destacavam primordialmente seus papéis na família, seu lugar de mãe e a vivência com os filhos.

A partir de uma aproximação maior com elas, passei a ser convidada, algumas vezes, a tomar um lanche, ou um café, e sempre levava algo para acompanhar, um bolo ou biscoito, mesmo quando diziam que não precisava. Naquelas conversas informais perguntavam por que me interessava, em seus relatos, por vida de gente velha e como tinha paciência para escutá-las, entre outras coisas. Eu sempre respondia que era um assunto que tinha interesse, mas estas questões me remetiam à minha experiência particular com as chamadas “velhas da família”, ou seja, a minha avó materna e suas cinco irmãs.

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cada detalhe e as conversas sempre fluíam facilmente. Cada uma contava uma coisa e aos poucos ia juntando aquele quebra-cabeça de informações, ligando os fatos. Hoje, daquelas seis mulheres, somente três são vivas, incluindo minha avó materna, mas já não podem conversar como outrora, por questões de saúde. Assim, conversar com Joana, Rosa, Rosário e Francisca sempre foi uma tarefa da pesquisa bastante agradável, embora algumas vezes cansativa, pelas longas horas narradas, mas de onde extraímos saberes sobre envolvimentos afetivos, desejos, jogos de poder nas relações de gênero.

Entretanto, não afastando o meu interesse em compreender, especialmente, experiências de mulheres de mais de 60 anos de idade, em suas relações afetivo/sexuais, sempre que tentava aprofundar suas narrativas sobre estas experiências elas desviavam o assunto. Exploravam, como já destaquei anteriormente, em suas trajetórias existenciais, sobretudo, as vivências com seus parceiros, as expectativas nas relações amorosas e com os filhos.

Assim, como mostram vários dos pesquisadores que trabalham com História Oral, o sujeito narrador conduz sua narrativa ao seu modo e temos de estar atentos a todas as brechas que nos permitem visibilizar as nuances da temática que queremos focalizar. Através de vivências relatadas no âmbito da família, do destaque dado ao seu papel de mãe, apareciam bem mais parcerias e experiências idealizadas com parceiros, maridos e namorados, desejos e frustrações, do que enfoques relacionados a satisfações e prazeres sexuais.

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pode-se inferir que na produção de identidades de gênero, às mulheres é, em geral, imputado o silêncio sobre suas relações de intimidade: práticas sexuais e obtenção de prazer.

Nesse sentido, a tentativa de estimular rememorações de foro íntimo com Rosa, Francisca, Joana e Rosário, a respeito de práticas sexuais, relações de prazer com parceiros, talvez tenha ocorrido em momento e condições desfavoráveis para que elas se sentissem à vontade e confiantes para discorrer sobre estes assuntos. Os não-ditos e silêncios sobre estes temas foram marcantes ao longo dos encontros. Vergonha, medo de repreensão social e timidez podem ter sido as razões para o aparecimento destes silêncios, mas acredito que, também, o pouco tempo que tivemos, para uma maior proximidade e intimidade, implicou na reserva e recusa para relatarem suas experiências sobre o exercício da sexualidade, considerando a presença de uma pesquisadora, a princípio considerada estranha e que não pertencia às suas redes de sociabilidade.

O que é censurado ou não-dito por estas mulheres pode se aproximar daquilo que Michael Pollak denomina de memórias subterrâneas, ou seja, aquelas lembranças marcadas por silêncios e zonas de sombras que não são expressas “pela angústia de não encontrar uma escuta, pelo medo de ser punido por aquilo que se diz, ou ao menos, de se expor a mal-entendidos” (1989, p.08).

As lembranças traumatizantes, segundo Pollak (1989) podem ser silenciadas e guardadas ao longo dos anos e esperarem um período oportuno para aflorarem publicamente, como demonstrou em seus estudos sobre as experiências de sujeitos em campos de concentração, no período dos regimes nazista e fascista. As recordações deste período foram, muitas vezes, silenciadas e esquecidas no decorrer do tempo devido, sobretudo, às razões políticas e pessoais que às vezes eram transmitidas oralmente somente em redes bem próximas de sociabilidade, como entre familiares, amigos e associações políticas.

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contrário são amplamente narradas. É o caso, por exemplo, dos relatos dos sobreviventes do massacre de Civitella Val di Chiana, na Toscana, Itália, em 194414.

Este episódio desencadeou uma série de narrativas sobre as perdas de familiares, os corpos sangrentos pela cidade e o compartilhamento do luto vivido. Capto na análise deste autor que situações consideradas traumatizantes, que consequentemente seriam marcadas por censuras e não-ditos, pelo sofrimento que a recordação despertaria, se apresentavam com fluente eloqüência nos relatos.

O que ocasionava tal eloqüência eram circunstâncias como os contextos de tempo e de espaço nos quais eram proferidas as narrativas dos sobreviventes e dos descendentes. Algumas alterações eram perceptíveis entre o que era dito sobre o episódio em 1946, logo após o massacre, e em 1994, cinqüenta anos depois do acontecido. Estas alterações ocorriam por inúmeros fatores, entre eles o temor de alguma represália pessoal ou familiar na conjuntura pós-segunda guerra mundial, ou a afirmação de uma identidade contrária à dos membros da Resistência. Desse modo, os sobreviventes do massacre realizavam suas próprias cerimônias em homenagem aos 115 homens civis mortos e ainda rejeitavam todo ato cívico estipulado pelo Estado Italiano que queria exaltar os membros da Resistência e não àqueles mortos.

Assim, volto aos fatores que teriam ocasionado os silêncios e desvios de assunto nas narrativas de Rosário, Joana, Francisca e Rosa sobre experiências que envolviam práticas sexuais, eróticas e obtenção de prazer. Percebi, em sintonia com as assertivas de Portelli (2002), mais uma vez, que a circunstância na qual se desenvolve um estudo e a relação construída entre entrevistador e entrevistado influencia tanto no que é dito como no que não é dito na produção de si, como bem destaca Bourdieu (2002). No entanto, não posso desconsiderar que o trabalho com lembranças narradas implica, sobretudo, em compreender que silêncios e hesitações podem significar muito na construção de diversas interpretações.

CAPÍTULO 1 – CONJUNTURA SOCIAL DE SÃO LUÍS DOS ANOS DE 1930 a 1950 E OS PAPÉIS DE GÊNERO.

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Inserindo esta investigação na perspectiva dos estudos de gênero, entendo que algumas experiências histórico-sociais singulares, recortadas via histórias de vida, podem retratar experiências vividas mulheres que nasceram especialmente na primeira metade do século XX.

Nascidas no contexto das décadas de 1930 a 1950, Joana, Rosa, Francisca e Rosário são sujeitos sociais definidos politicamente na condição de “mulheres”, cujas experiências são perpassadas por conjunturas econômico-político e social que apontam transições ora entre regimes conservadores (fortemente pautados no controle político e social por alguns grupos dominantes), ora entre regimes pautados nos discursos de Modernização (em que se destacam, por exemplo, ideais de industrialização e urbanização). Nesse sentido, a seguir, exponho este panorama que fornece significativos elementos conjunturais no qual uma parte das vivências destas mulheres foi construída.

Algumas transformações no âmbito político, econômico e social marcaram a década de 1930 no Brasil. Tais mudanças foram impulsionadas principalmente por crises na conjuntura político-econômica que aconteciam tanto no exterior, com a crise da bolsa de valores de Nova Iorque, em 1929, quanto no Brasil, com a eclosão da Revolução de 1930.

No Brasil, durante todo o período da República Velha (1889-1930) vigorou a governabilidade conhecida como “política do café com leite”, ou seja, a alternância de políticos representantes dos Estados de Minas Gerais e São Paulo. Esta política foi assim denominada porque estes Estados produziam, respectivamente, leite e café (Arruda, 1980).

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político gaúcho Getúlio Dornelles Vargas, tendo João Pessoa candidato a vice-presidente.

Getúlio Vargas perdeu para Júlio Prestes na eleição presidencial de 1º de março de 1930, mas o que ocasionou a instauração da mobilização armada no país, conhecida como “Revolução de 30”, foi a morte de João Pessoa, candidato à vice-presidência, em 26 de julho daquele ano. A partir de então, vários levantes se iniciaram em todo o país, o que fez com que Júlio Prestes fosse deposto e Getúlio Vargas assumisse a presidência da República do Brasil. Estes levantes, que resultaram a “Revolução de 30”, receberam apoio das antigas oligarquias15

brasileiras e de tenentes do Exército Brasileiro16, ambos insatisfeitos com a situação

política e econômica do país (Ferreira e Delgado, 2007).

As forças políticas que assumiram o poder, em 1930, apoiaram o projeto de implementação da industrialização do Brasil, pois estavam insatisfeitas com a “política do café com leite” e com a economia agro-exportadora cafeeira. Naquele contexto, as exportações do café brasileiro foram abaladas com a crise que atingiu a bolsa de valores de Nova Iorque em 1929. Algumas ações governamentais foram realizadas, cujo intuito era impedir a falência daqueles produtores, mas não foram suficientes, pois o sistema agro-exportador cafeeiro não pôde encontrar bases seguraras que sustentassem a economia do país depois da crise de ocorreu nos anos de 1929 e 1930, conforme ressalta a análise de Arruda (1980).

O interesse das novas forças que assumiram o poder foi incentivar e promover a industrialização do Brasil e vetar, progressivamente, os interesses dos agro-exportadores. Assim, já no governo, Getúlio Vargas decidiu incentivar a

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Reis (2007, p.21) define por oligarquia o “predomínio de redes de poder privado de base familial sobre o aparelho do Estado”. Foi uma forma de governo predominante no período da República Velha (1889-1930), embora não tenha desaparecido com o fim desta, como destacam as análises de Arruda (1981) e Caldeira (1981). Sustentando-se em bases políticas e financeiras, caracterizou-se por formar alianças entre as esferas municipal, estadual e federal no sentido de garantir e assegurar os interesses dos grupos políticos dominantes, em cada uma destas esferas, através da troca de favores pessoais e/ou políticos.

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produção industrial de bens de consumo não-duráveis como alimentos, vestuário, utensílios, bebidas, etc. para substituir bens importados pelo Brasil. O objetivo do presidente, de acordo com Argemiro Brum (1985), era produzir bens que atendessem as necessidades mais imediatas da população brasileira, uma vez que esta estava impossibilitada de importar produtos fabricados pelos países envolvidos no combate da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Segundo Ferreira e Delgado (2007), a permanência de Getúlio Vargas na presidência foi marcada por dois momentos: de 1930 a 1945 e, posteriormente, no ano de 1951 (Vargas não concluiu seu segundo mandato como presidente do Brasil em razão de ter cometido suicídio). Seu primeiro governo foi dividido em Governo Provisório (1930-1934), Governo Constitucional (1935-1937) e Estado Novo (1937-1945).

No Estado do Maranhão, segundo Flavio Reis (2007), antes da mobilização política que desencadeou nacionalmente a “Revolução de 30”, terminava o governo de José Maria Magalhães de Almeida, oficial da Marinha Brasileira, que esteve à frente da função governamental durante o período de 1º de março de 1926 a 1º de março de 1930. Quando ocorreram as eleições no ano de 1930, José Pires Sexto foi então eleito presidente do Estado do Maranhão. Naquele momento eram precárias condições sociais da cidade de São Luís, o que causou insatisfação da população com a falta de habitação, a sujeira impregnada, o racionamento dos serviços de água e iluminação pública por toda a cidade e etc. (Reis, 2007). Estas condições se arrastavam e, muitas vezes, a revolta da população com a precariedade dos serviços era expressa nas páginas dos periódicos locais como A Flecha, Pacotilha,

Jornal da Manhã, como destaca Paulo Câmara (2008) a respeito da cidade de São Luís na passagem do século XIX ao XX.

Flávio Reis (2007) ressalta que as oligarquias dissidentes locais utilizaram aquelas precárias condições sociais como instrumento para conseguir adeptos contra os grupos dirigentes locais e questionar a administração pública. Nesse sentido, o Partido Republicano (PR)17 e o Partido Democrático (PD)18 utilizaram este 17

O PR era dividido entre situacionistas e governistas. Os situacionistas eram liderados por Magalhães de Almeida e os governistas por Marcelino Machado. A base da diferença entre estas divisões se refere à reunião de oligarcas dissidentes no grupo governista (Caldeira, 1981).

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