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TRÊS RAZÕES PARA UM CRISTÃO AMAR OS JUDEUS
Resumo: Este texto aborda o amor que o cristão precisa cultivar pelos judeus, bem como busca
nos aspectos culturais e na história judaica a inspiração para uma atitude missionária diante do povo escolhido. Pregação do Evangelho entre judeus, judaísmo e cristianismo.
“Guarda o mês de abibe e celebra a Páscoa do Senhor, teu Deus; porque, no mês de abibe, o Senhor, teu Deus, te tirou do Egito, de noite. Então, sacrificarás como oferta de Páscoa ao Senhor, teu Deus, do rebanho e do gado, no lugar que o Senhor escolher para ali fazer habitar o Seu nome.” Deuteronômio 16:1‐2 A Páscoa se aproxima e, em minhas leituras bíblicas, retorno à Torá, ao Pentateuco de Moisés, ao significado que esta festa tem para os judeus: a saída do Egito, a salvação redentora do Povo de Deus. Trago, então, estas palavras para minha vida... todo dia o Senhor anda comigo, livrando‐me do velho homem, fazendo‐me sair do julgo da carne, o meu passado de pecado e dor. Todos os dias me liberta o Príncipe da Paz, preenchendo o meu ser. Sob a fumaça invisível do incenso espiritual que enche o Templo do Espírito Santo em meu coração, vou terminando minhas tarefas, em clima de feriado, em princípio de oração, quando chega um e‐mail de uma colega de trabalho, uma judia de olhos claros e sorriso de mel: “Ana, paz e alegria! (...) Boa Páscoa para você!” – termina o e‐mail. Respondo a ela: “Hadassa1, obrigada! Israel saiu do Egito e a Casa de Jacó saiu de um povo estranho, Judá tornou‐se a nação de Deus. Haleluiá, halelu avdê Adonai, halelu et shem Adonai!” Aleluia, louvai ao Senhor! Louvai, servos, o Seu nome! Boa Páscoa!!! Hadassa deve achar estranho uma cristã que gosta de mandar mensagens e cumprimentos em hebraico, que bebe com atenção a cada vez que ela fala sobre Israel, sobre judaísmo, ou sobre objetos históricos da sua família. Cristãos e judeus, separados por tantas guerras, cruzadas, massacres, holocaustos. Mas nada disto separa Hadassa e eu. Ao contrário, meu coração derrama de amor por ela, derrama de amor pelo povo judeu. A explicação? É bem simples, explico em três tempos... ou seriam dois? O Pai amou primeiro
“Porque tu és povo santo ao Senhor, teu Deus; o Senhor, teu Deus, te escolheu, para que lhe fosses o Seu povo próprio, de todos os povos que há sobre a terra. Não vos teve o Senhor afeição, nem vos escolheu porque fôsseis mais numerosos do que qualquer povo, pois éreis o menor de todos os povos, mas porque o Senhor vos amava e, para guardar o juramento que fizera a vossos pais, o Senhor vos tirou com mão poderosa e vos resgatou da casa da servidão, do poder de Faraó, rei do Egito. Saberás, pois, que o Senhor, teu Deus, é Deus, o Deus fiel, que
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guarda a aliança e a misericórdia até mil gerações aos que O amam e cumprem os Seus mandamentos;”
Deuteronômios 7:6‐9
Certa ocasião, um amigo querido me perguntou: “Ana, você acredita que os judeus adoram o mesmo Deus que nós?” Eu respondi‐lhe que sim, com grande convicção e certeza, mas O adoram de modo incompleto, ineficaz. “Sabemos que a Trindade manifestou‐se aos homens com propósitos especiais. Deus, o Pai, revelou‐se no Sinai para o povo que separara para semente das nações – o povo judeu. Deus, o Filho, revelou‐se no Calvário, para remissão dos homens, de um modo geral, de qualquer raça, tribo ou nação. O Espírito Santo revelou‐se em Pentecoste, para promover a evangelização do mundo pela igreja, e dispensar poder aos salvos, para a realização desse intento evangelístico e santificação das suas vidas. Houve um momento em que o Pai, o Filho e o Espírito Santo se revelaram distintamente. Esse momento marcou o evento, o fato histórico, e cada manifestação trouxe uma bênção espiritual peculiar.” 2 Adoram os judeus até hoje somente o Pai, mas estão longe do Santo dos Santos, não perceberam que o véu se rasgou, os olhos vêem de modo incompreensível, “velado”. Desconhecem o Filho, revelado na cruz, bem como o Espírito Santo, revelado em Pentecoste. Mas conhecem o Deus Forte, Todo Poderoso, que com mão misericordiosa os libertou da escravidão. “Desceste sobre o monte Sinai, do céu falaste com eles e lhes deste juízos retos, leis verdadeiras, estatutos e mandamentos bons.” 3 Aleluia, temos o Filho! Aleluia, temos o Espírito! E Aleluia, temos também o Pai! Não desprezemos as bênçãos advindas da Sua manifestação. Nem descuidemos do fato de que o Deus de Israel, o “EU SOU”, decidiu revelar‐se ao mundo através deste povo pequeno, perseguido, humilhado, escravizado: o povo judeu, uma nação que chamou para si misteriosamente, não porque era maior, ou porque era melhor, mas porque simplesmente a amou. Afinal de contas, Deus é amor. Deixemo‐nos, nesta Páscoa, inundar de amor nossos corações, um amor que transborda dAquele que primeiro nos amou. “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine. Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência; ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar montes, se não tiver amor, nada serei. (...) Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três: porém o maior destes é o amor.” 4 Meu Melhor Amigo
Certa vez estivemos, eu e meu esposo, em Buenos Aires. Na ocasião, visitamos a principal sinagoga da cidade, que tem em seu anexo um museu. Logo na entrada, notamos a diferença entre um museu convencional e um museu judaico: as portas encontravam‐se cerradas. Foi necessário tocar a campainha e aguardar um jovem robusto que nos conduziu até uma recepção vigiada por câmeras, onde nossos documentos foram entregues para verificação. Vários minutos ficamos ali, aguardando os procedimentos necessários. Veio à minha lembrança, então, as informações prévias que havia lido acerca daquela sinagoga, alvo no
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NASCIMENTO, José Rego do. Calvário e Pentecoste – Regeneração e Poder. Brasília: Lerban, 2007. Pg 20.
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Neemias 9:13
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passado de ataques terrorista. Aguardávamos outros visitantes retornarem do passeio guiado, pois nenhum estranho poderia caminhar sozinho naquele lugar: precisávamos estar sempre acompanhados. Enquanto esperávamos, um grande grupo de visitantes chegou ao mesmo tempo, conversando vivamente em hebraico entre eles, bem como em outras línguas, uns com os outros. O Rabino decidiu acompanhar o pessoal e nós, na esteira, ainda que sem entender muita coisa, seguiríamos os animados falantes. Uma jovem e bela judia, de nome Raquel5, encaminhada pela recepção, veio em nossa direção para nos resgatar: ‐ São brasileiros, Rabino! Vou fazer a visita com eles em separado! – disse a moça ao ancião. ‐ Brasileiros??? – o rabino exclamou – De onde? ‐ De Belo Horizonte, em Minas Gerais. – respondi tímida, enquanto todo o grupo se calava e nos fitava com curioso interesse. ‐ Quem é o rabino de lá? – prosseguiu o religioso. ‐ É... o Rabino Leonardo... – respondi hesitante, com um pouco de estranhamento sobre o que estava acontecendo ali. Eu e meu esposo constrangidos pelos olhares atentos. ‐ Sim, sim! Rabino Leonardo, eu o conheço! – comemorou.
Neste momento, um outro senhor começou a falar em alta voz para todo o grupo algo em hebraico bem marcado. Algumas palavras, dentre aquelas, eram‐nos bem conhecidas... Minas Gerais... Belo Horizonte.... Leonardo... ficou claro que nossas origens estavam sendo transmitidas a todo o grupo, que exclamou sorridente: “Shalom aleichem!” Respondemos concordando, desejando que a paz também estivesse entre eles. E fomos com Raquel, estranhando tudo aquilo, até nos darmos conta de que todos ali achavam que definitivamente nós éramos judeus. Agora fazia sentido as perguntas tão assertivas, os cumprimentos típicos, a objetividade da nossa “guia” em nos mostrar o caminho. Por que será que todos partiram do pressuposto, tão imediatamente, que nós éramos judeus? Provavelmente porque a maioria absoluta dos visitantes deve ser de judeus! Fiquei, então, pensando em um modo de revelar nossa identidade, uma brecha em nossa conversa para contar à jovem que éramos, na verdade, cristãos sem nenhuma descendência direta judaica, ainda que, como disse Paulo, sejamos enxertados no Corpo pela fé: “Pois não me envergonho do Evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego; visto que a justiça de Deus se revela no Evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé.” 6 Primeiro do judeu (que privilégio!), mas também do grego... e dos brasileiros: éramos prova viva. Mas as “aparências” enganavam ainda mais: enquanto matutava estas coisas Beto já havia colocado o quipá (exigência para visitação) e entrava sinagoga adentro, sob as explicações claras e inteligentes de Raquel. Passado algum tempo, a oportunidade veio à tona enquanto conversávamos sobre cultura e Israel. Se não me foge a memória, falávamos sobre a arquitetura da sinagoga quando disse... ‐ Sabe, isto tudo me interessa muito, a cultura e a arquitetura judaica. Apesar de não sermos judeus, amamos muito Israel. – falei, com coragem não sei de onde, temendo a reação. ‐ Sim... – respondeu a moça, sendo surpreendida. 5
Nome fictício, em lugar do nome real.
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‐ Pois é... gostamos de aprender tudo sobre Israel, afinal de contas, Deus é judeu. – respondi, sem pensar direito no absurdo que soaria a frase. ‐ Mas nós não acreditamos que Deus tenha nacionalidade. – respondeu ela, obviamente certa, estranhando a minha afirmação, com a expressão mais espantada. ‐ Você tem razão, Deus não tem nacionalidade. Mas quando Jesus veio ao mundo, Ele decidiu vir como um judeu. Eu amo, portanto, os judeus. Afinal de contas, meu melhor Amigo é judeu! – falei, sem acreditar no que estava dizendo, copiando uma frase de uma cristã que muito admiro e que ama muito os judeus. Neste momento Raquel se calou, os meus olhos e de meu esposo se encheram imediatamente d’água diante daquela constatação: Jesus, um judeu quando esteve entre nós, é nosso melhor Amigo. E o diálogo prosseguiu, denso, profundo, emocionante:‐ De fato, Jesus nasceu como um judeu, viveu como um judeu, morreu como um judeu. – concluiu Raquel em espanhol delicioso e cantado, com ar de surpresa, como se tivesse parado para meditar sobre isto pela primeira vez. Prosseguindo, disse... – Mas normalmente os cristãos não gostam muito dos judeus, porque afirmam que os judeus mataram Jesus.
‐ Isto não faz sentido! – falei carinhosa, mas contundente. Maria e José eram judeus, os discípulos eram judeus, o Apóstolo Paulo era judeu. Não foram OS judeus que mataram Jesus, foram ALGUNS judeus que mataram Jesus. É uma enorme diferença! Afinal de contas, o próprio Jesus era judeu quando se fez homem.
Neste ponto, acredito que Raquel não poderia estar mais confusa, nossa conversa era como a chama de uma vela: calma, brilhante, ardente. Meu esposo, sabiamente, rompeu o breve silêncio, retornando a discussão para os aspectos culturais. E voltamos a falar das tradições e história judaicas na Argentina. Mais interessante, impossível! No museu, um último susto para Raquel... falávamos justamente sobre o Hagadá de Pêssach, o Texto da Páscoa, quando a jovem abre o antigo livro, justamente na página onde eu saberia, sem grandes dificuldades, a tradução da primeira frase, pois havia praticado a mesma recentemente. Qualquer outra página, qualquer outra frase, seria uma leitura desastrosa, menos esta. Leio então, tateando, insegura na língua, mas com ousadia na fé: “Baruch ata Adonai, Elohênu mélech haolam” Bendito sejas Tu, Senhor, nosso Deus, Rei do Universo. A jovem não poderia ficar mais chocada! Deus tem mesmo Seus propósitos e pode usar até pequenas coisas como estas para aproximar corações.
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Ainda é tempo “imperfeito”
“Chegada a hora, pôs‐se Jesus à mesa, e com Ele os apóstolos. E disse‐lhes: Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta Páscoa, antes do Meu sofrimento. Pois vos digo que nunca mais a comerei, até que ela se cumpra no Reino de Deus. E, tomando um cálice, havendo dado graças, disse: Recebei e reparti entre vós; pois vos digo que, de agora e diante, não mais beberei do fruto da videira, até que venha o Reino de Deus. E, tomando um pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu, dizendo: Isto é o Meu corpo oferecido por vós; fazei isto em memória de Mim. Semelhantemente, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este é o cálice da nova aliança no Meu sangue derramado em favor de vós.” Lucas 22:14‐20
“Porque, sendo livre de todos, fiz‐me escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível. Procedi, para com os judeus, como judeu, a fim de ganhar os judeus; para os que vivem sob o regime da lei, como se eu mesmo assim vivesse, para ganhar os que vivem debaixo da lei, embora não esteja eu debaixo da lei. Aos sem lei, como se eu mesmo o fosse, não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo, para ganhar os que vivem fora do regime da lei. Fiz‐me fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os fracos. Fiz‐me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns. Tudo faço por causa do Evangelho, com o fim de me tornar cooperador com ele.” I Coríntios 9:19‐23
Como o apóstolo Paulo, precisamos levar a Nova Aliança aos rincões da Terra, precisamos repartir a mesa da Páscoa, precisamos transbordar o cálice de amor – o sangue do Cordeiro vertido na cruz, precisamos dividir o pão que nos liberta – o corpo que é dado em nosso resgate, para nossa salvação e vida Eterna! Tantas vezes nos preocupamos em levar missionários aos africanos, indígenas, indianos, chineses, romenos. Mas tão pouco se fala na necessidade de levar a Mensagem da Cruz aos judeus, amados por Deus e que, portanto, precisam ser amados por nós. Israel teve o inexplicável privilégio de ser nação eleita, povo escolhido para vivenciar a revelação do Pai, para receber e transmitir ao mundo a Sua Lei, que hoje encontra‐se ainda sob esclarecimento e égide da graça. Entretanto, disse Jesus: “Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por Mim” 7. Nós cremos em um Deus Trino: Pai, Filho e Espírito Santo. Os judeus, entretanto, adoram somente o Pai. Ignoram o Filho, revelado na Cruz, bem como o Espírito Santo, derramado em Pentecoste. Assim, por mais que amem a Deus, não se chegarão a Ele, pois o Caminho é um só. O Messias veio, mas Israel ainda dorme. Entretanto, nem tudo está perdido, está apenas... incompleto. A chave do mistério pode ser ilustrada pela própria língua hebraica. Ao contrário do português, que possui três tempos (passado, presente e futuro), no hebraico existem apenas dois tempos, porque a noção de conjugação verbal não está conectada à cronologia dos fatos, como na língua latina, mas sim à ação do verbo. Para o hebraico existe o tempo perfeito e o tempo imperfeito, a ação completa (finda) e a incompleta (em andamento ou que virá). Isto equivale dizer que, no
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