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A curatela frente às alterações trazidas pelo estatuto da pessoa com deficiência

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KÁTIA VICTORIANO BUNN

A CURATELA FRENTE ÀS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Palhoça 2018

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KÁTIA VICTORIANO BUNN

A CURATELA FRENTE ÀS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Pedro A. Ferrari Jr., Msc.

Palhoça 2018

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Dedico esse trabalho aos meus pais, Haroldo Gonçalves Bunn (in memoriam) e Clivia Victoriano Bunn, que se destinaram a arraigar valores e princípios para que eu nunca desistisse apesar das adversidades. Por isso, aprendi que a alma devo alimentar com o que vem de Deus, e com o conhecimento renovo as esperanças de um novo amanhã. Amo vocês! Gratidão eterna!

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AGRADECIMENTOS

Agradecer é muito simples, mas encontrar as palavras que traduzam minha gratidão a cada um de vocês é uma árdua tarefa.

Agradeço a ti, Senhor, por estar sempre ao meu lado, até mesmo quando eu te ignorei, mas tu, como pai bondoso e benevolente que és, me seguraste em teus braços, principalmente nos tempos difíceis, que não foram poucos, enviando-me esses mensageiros do bem, que agradeço a seguir, para concretizarem muitos dos meus desejos durante a vida, e este momento em especial. Guardo todos vocês em meu coração!

Aos meus pais, Haroldo (in memoriam) e Clívia, por todos os ensinamentos exemplificados em suas atitudes e seus valores que poderei levar por todas as vidas.

Aos meus filhos, Lucas (Lu), João Victor (Victinho) e Giulia (Jujuba), alicerces da minha alma, essências do meu viver. Se mil vidas ainda tiver, que eu tenha o privilégio de ser novamente a mãe de vocês.

À minha irmã Patrícia, minha confidente e amiga, meu norte, mesmo sendo a caçula. Sem a sabedoria da tua docência pelos incontáveis conselhos, sugestões, por afagar minha autoestima, por olhar para mim muito além do que penso que sou.

Ao meu cunhado, Álvaro, que escolhi como irmão em meu coração. Pelo seu jeito respeitoso e tranquilo de me falar o que preciso ouvir e por ser tão amigo. Teus ensinamentos me confortam, ensinam e fortalecem.

Aos meus sobrinhos, Álvaro (Vivinho), Andrei (Dedei) e Juan Pablo (Juanzinho), que amo como filhos e que não há nos dicionários palavras que possam expressar o meu querer e a minha gratidão por serem sempre tão amados comigo.

À minha querida Virginia Lopes Rosa, um ser iluminado, sempre solidária e amiga, responsável por abrir a porta que trouxe esse sonho para a realidade.

Ao meu orientador, Prof. Pedro Adilão Ferrari Júnior, por me fazer acreditar em mim, por me acolher e amparar com sua sabedoria, polidez e seu conhecimento.

Ao meu querido Mauro Henrique Vaterkemper Fernandes, campeão nas águas e na vida, companheiro amigo de todas as horas, contigo o sorriso é fácil, as esperanças se renovam e a vida flui alegremente.

Ao Dr. Nelson Dunham Filho (in memoriam) por todo amor, carinho e dedicação a minha família. Gratidão por ensinar-me que os livros são a melhor opção na vida.

E às minhas amigas queridas, Natasha e Sulamita, se eu me curvar todos os dias desta vida para agradecer por tudo o que fazem por mim, ainda assim será pouco.

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“Não é na resignação, mas na rebeldia em face das injustiças que nos afirmamos”. Paulo Freire.

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RESUMO

Este estudo tem por objetivo identificar as mudanças ocorridas no instituto da curatela após a promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD) – Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Em 30 de março de 2007, foi assinado, em Nova Iorque, o Protocolo Facultativo da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta mesma data, o Brasil tornou-se signatário e, em 25 de agosto de 2009, por meio do Decreto nº 6.949, foi promulgado. Esta Convenção Internacional sobre Direitos Humanos incorporou-se ao ordenamento jurídico brasileiro com força de Emenda Constitucional sob o nº 45/2004, nos termos do Artigo 5º, §3º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), trazendo um novo paradigma ao conceito de deficiência. O Art. 12 da referida Convenção prevê que as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida. Com esse novo entendimento, revogou-se e alterou-se alguns dispositivos do Código Civil de 2002, particularmente os relacionados à teoria das incapacidades, e trazendo o instituto da tomada de decisão apoiada. Com relação aos objetivos específicos, dividem-se no estudo da evolução histórica das incapacidades no direito brasileiro; na identificação das principais alterações e dos efeitos práticos que a novel legislação trouxe consigo e, por fim, a verificação da curatela frente às alterações propostas pelo EPD. Para isso, utiliza-se pesquisa qualitativa, realizada por meio de método dedutivo e de procedimento técnico bibliográfico e documental. Nesse sentido, conclui-se que não existe mais no sistema jurídico brasileiro pessoa maior de idade que seja absolutamente incapaz. Consequentemente, não há que se falar mais em ação de interdição absoluta, tendo em vista os menores não serem interditados. Assim, todas as pessoas com deficiência passam a ser plenamente capazes para o Direito Civil, visando ao exercício de seus direitos humanos e de suas liberdades fundamentais, sobretudo, o direito de viver em igualdade com os demais.

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LISTA DE SIGLAS

ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade CCJ Comissão de Constituição e Justiça

CDPD Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência CONFENEN Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 CC/2002 Código Civil de 2002

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

LBI Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência LOAS Lei Orgânica da Assistência Social

MS Ministério da Saúde

OAB Ordem dos Advogados do Brasil PLS Projeto de Lei do Senado

STF Supremo Tribunal Federal TDA Tomada de Decisão Apoiada

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Comparação sumária do modelo médico e do modelo social da deficiência ... 35 Quadro 2 – Mudanças ocorridas com os absolutamente incapazes ... 39 Quadro 3 - Mudanças ocorridas com os relativamente incapazes ... 39

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 13

2 HISTÓRICO DO SISTEMA BRASILEIRO DE INCAPACIDADE CIVIL ... 15

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS INCAPACIDADES NO DIREITO BRASILEIRO .. 15

2.2 NOTAS TEÓRICAS SOBRE A PESSOA NATURAL ... 17

2.3 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE A CAPACIDADE JURÍDICA ... 18

2.3.1 A dessemelhança entre capacidade jurídica e legitimação ... 19

2.3.2 Capacidade de direito e capacidade de fato: aspectos específicos ... 20

2.4 O SISTEMA DAS INCAPACIDADES ... 21

2.4.1 Os absolutamente incapazes ... 22

2.4.2 Os relativamente incapazes ... 24

2.4.3 Sistema de proteção aos incapazes ... 26

2.4.4 Cessação da incapacidade ... 27

3 O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E SUA REPERCUSSÃO NA TEORIA DA INCAPACIDADE CIVIL PÁTRIA ... 29

3.1 A CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA ... 29

3.2 A O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E O SISTEMA GLOBAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS... 32

3.3 A JUSTIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA ... 34

3.4 O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA COMO FORMA DE PROMOÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ... 36

3.5 ALTERAÇÕES OPERADAS PELO ESTATUTO NA LEGISLAÇÃO E SEUS REFLEXOS NA TEORIA DA INCAPACIDADE ... 38

3.6 O NOVO INSTITUTO DA TOMADA DE DECISÃO APOIADA ... 40

4 A CURATELA FRENTE ÀS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA ... 44

4.1 O CARÁTER PATRIMONIALISTA DA LEGISLAÇÃO E SUA MUDANÇA PARADIGMÁTICA ... 44

4.2 O ESTATUTO E A CURATELA ... 45

4.3 O EFEITO ESTRUTURAL CAUSADO PELO ESTATUTO ... 46

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4.3.2 O Estatuto e as interdições em curso ... 50

4.3.3 Os efeitos do estatuto sobre o instituto da curatela ... 53

4.4 O POSICIONAMENTO DA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA ... 55

5 CONCLUSÃO ... 59

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1 INTRODUÇÃO

Em 30 de março de 2007, na cidade de Nova Iorque, o Brasil tornou-se signatário da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) e de seu protocolo facultativo, primeiro e único diploma internacional que versa sobre Direitos Humanos, aprovado pelo Congresso Nacional com força de Emenda Constitucional, em 25 de agosto de 2009, tornando-se o fundamento do Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146, instituído no dia 6 de julho de 2015.

O Estatuto reflete a mais moderna visão inclusiva que dá concretude à dignidade da pessoa humana. O caminho da inclusão é longo, e a pessoa com deficiência tem sua história permeada de preconceitos, abandono, sacrifício e até mesmo eliminação. Em seu Artigo 1º está expresso sua destinação, fundamentando-se em assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.

Nesse novo contexto, a deficiência pertence à sociedade, que por meio das mais diversas barreiras, principalmente comportamentais, impede a inclusão social desses indivíduos. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), elaborados em parceria com o Ministério da Saúde (MS) no ano de 2010, revelaram que 6,2% dos brasileiros têm algum tipo de deficiência, traduzindo-se em um número quase cinco vezes maior do que a população de países como Bolívia e Cuba, levando -se em consideração o número de habitantes dos países no mesmo ano.

A motivação da pesquisadora surgiu da experiência vivida como primeira brasileira a levar a equipe de atletas na época rotulados como excepcionais para o Special Olympics

Games, em Notre Dame e South Bend, Estados Unidos, representando o Brasil. Por mais de três

meses, ela foi responsável por todos os preparativos da viagem e da participação dos atletas no evento; após retornar para o Brasil, elaborou um projeto no qual toda e qualquer pessoa com deficiência pudesse se desenvolver no esporte com o patrocínio da empresa onde trabalhava, garantindo, assim, ajuda de custo, passagens e material necessário para a prática de cada modalidade.

A relevância do tema justifica-se pelas razões que antecedem este estudo e pelas significativas alterações no sistema brasileiro das incapacidades e os efeitos causados em várias áreas do Direito, além das contribuições no ambiente acadêmico, que, espera-se, possam servir de subsídio teórico para outros pesquisadores que entendam a importância deste assunto e sintam-se motivados a ampliar as investigações aqui apresentadas.

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Com relação aos objetivos específicos, estes dividem-se no estudo da evolução histórica do sistema das incapacidades vigente; na identificação das principais alterações e efeitos práticos que a nova legislação promoveu e, por fim, a verificação da curatela frente às alterações trazidas pela referida Lei nº 13.146/2015. Já a problematização proposta neste estudo versa sobre quais as mudanças trazidas no instituto da curatela após a promulgação do EPD.

É possível afirmar que a grande intervenção legislativa do Estatuto ocorreu a partir de sua promulgação, quando não há mais que se falar em pessoa com deficiência absolutamente incapaz maior de idade, tendo, portanto, esta capacidade legal plena, o que gera inúmeras consequências nos vários ramos do Direito, buscando, assim, o exercício da capacidade legal da pessoa com deficiência em igualdade de condições com as demais pessoas. Até o momento, não há consenso na doutrina sobre as consequências da vigência do Estatuto da Pessoa com Deficiência.

O método de abordagem utilizado na pesquisa é de pensamento dedutivo, pois parte do histórico do sistema brasileiro de incapacidade civil para a curatela frente às alterações trazidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, sendo de natureza qualitativa, desenvolvida sob o método de procedimento monográfico, realizado por meio de técnica bibliográfica, com base em legislação, doutrina, jurisprudência, revistas especializadas, periódicos e artigos científicos.

Buscando promover um esclarecimento sobre o tema, este trabalho monográfico está dividido em três capítulos de desenvolvimento.

O primeiro capítulo apresenta um estudo sobre o histórico do sistema brasileiro de incapacidade civil, abordando as singularidades do tema, desde as Ordenações Filipinas até o Código Civil vigente, delimitando o conceito e as espécies de incapacidades e, sequencialmente, verificando o sistema das incapacidades adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro.

No segundo capítulo, serão demonstrados os direitos das pessoas com deficiências, promovidos pela CDPD e sua justificação, o Estatuto como forma de promoção da dignidade da pessoa humana, seguindo o estudo das alterações operadas por ele e seus reflexos no direito pátrio, além de verificar o novo instituto da tomada de decisão apoiada.

O terceiro capítulo delimita a mudança paradigmática do caráter patrimonialista da legislação, estudando as mudanças ocorridas no instituto da curatela, identificando as consequências que incidirão no direito material. Por fim, faz-se uma análise sobre o posicionamento jurisprudencial do tema.

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2 HISTÓRICO DO SISTEMA BRASILEIRO DE INCAPACIDADE CIVIL

Neste primeiro capítulo, antes de conferir uma resposta ao problema proposto pelo trabalho, que tem como objeto verificar as mudanças ocorridas no instituto da curatela após a promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD), é fundamental apresentar a evolução histórica das incapacidades no direito brasileiro, tecendo notas teóricas sobre a pessoa natural e sequencialmente elaborar uma breve introdução sobre a capacidade jurídica. Por fim, será abordado o sistema de incapacidades, possibilitando, assim, uma melhor compreensão do tema.

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS INCAPACIDADES NO DIREITO BRASILEIRO

No período anterior às codificações nacionais, o principal documento no Direito Civil foram as Ordenações Filipinas, que vigoraram em solo brasileiro até mesmo após a Independência e, mesmo que pareça surpreendente, posteriormente à sua própria revogação em Portugal. Em dezembro de 1858, deu-se a Consolidação das Leis Civis, de Teixeira de Freitas, que supriu a ausência de um Código Civil até 1916 (BORGES, 2007, p. 76).

Informa ainda a mesma autora que:

A observação destes dois diplomas traz informações curiosas sobre a incapacidade. No que tange à Consolidação, era apenas limitado à cessação da menoridade aos vinte e um anos, enquanto as Ordenações Filipinas fixava aos vinte e cinco. As Ordenações Filipinas dispõem sobre os loucos e os pródigos, além de delinear um regime específico de curatela para ambos. Nas Ordenações são inúmeros os adjetivos para referir o portador de transtorno mental, em que pese muitas vezes dando a eles sentidos diversos. (BORGES, 2007, p. 77).

Ademais, um dos capítulos mais intrigantes da história do Direito brasileiro é o da codificação civil que sofreu influência direta dos códigos francês e alemão. Instituído por Clóvis Beviláqua, o Código Civil de 1916 (CC/1916) trouxe de modo sistematizado a questão da incapacidade. (TOMASEVICIUS FILHO, 2016, p. 85-89).

Embora representasse o que de mais completo se conhecia no campo do Direito, Venosa (2017, p. 111) pondera que: “Suas ideias eram, de fato, piegas e burguesas, como fruto da cultura da época, refletindo as concepções do fim do século XIX”.

Neste código, delimitaram-se três pilares: a família, a propriedade e o contrato. Considerado um sistema fechado, não foram codificados institutos que a sociedade da época não desejava ver disciplinados. Por isso, ser sujeito de direito significava ser sujeito com patrimônio, sendo, portanto, uma legislação patrimonialista. (FACHIN, 2012, p. 18).

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Devido à concepção individualista e patrimonialista do CC/1916, a pessoa que fosse declarada incapaz não podia praticar atos que gerassem efeitos no seu patrimônio. Nesse sentido, foi conferido ao patrimônio maior valoração do que as questões inerentes à própria existência do ser humano. (LIMONGI, 2017, p. 40-41).

No texto do referido código a incapacidade era dividida em dois níveis dispostos nos arts. 5º e 6º, os absolutamente e os relativamente incapazes, in verbis:

Art. 5º. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I. Os menores de dezesseis anos.

II. Os loucos de todo o gênero.

III. Os surdos-mudos, que não puderem exprimir a sua vontade. IV. Os ausentes, declarados tais por ato do juiz.

Art. 6º. São incapazes, relativamente a certos atos (art. 147, n. 1), ou à maneira de os exercer:

I. Os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos (arts. 154 a 156). II. As mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade conjugal.

III. Os pródigos.

IV. Os silvícolas (BRASIL, 1916).

Ainda com o Código Civil de 1916 em vigor, foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), que trouxe em seu texto a previsão dos direitos fundamentais, promovendo a constitucionalização do Direito Civil e mostrando que a ótica patrimonialista defendida pelo CC/1916 já estava ultrapassada. (CARLUCCI, 2018).

Em 2002, foi promulgado o Código Civil (CC/2002) que, em relação à incapacidade, as alterações ocorridas versaram sobre os absolutamente e relativamente incapazes. (FRANÇA, 2016).

No que diz respeito a estas mudanças, Rosenvald (2014, p. 15) tece a seguinte crítica: “Nosso estatuto da cidadania não alterou o panorama técnico e essencialmente excludente da teoria das incapacidades. No máximo percebemos sutis mudanças no vocabulário normativo”.

Pereira (2017, p. 92) também critica, afirmando que: “Para a grande parte da doutrina civilista, contudo, o Código de 2002 não foi devidamente discutido nem tampouco correspondeu aos anseios de modernização que deveriam ser a prioridade mesma de uma recodificação”.

Com as mudanças trazidas pela CRFB/88 a evolução histórica das incapacidades no direito brasileiro vem dando um tratamento mais digno e humanizado às pessoas incapazes, principalmente, com a chegada do Estatuto da Pessoa com Deficiência, o qual tem força de emenda constitucional.

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2.2 NOTAS TEÓRICAS SOBRE A PESSOA NATURAL

O art. 1º do CC/2002 dispõe sobre o conceito de pessoa natural da seguinte forma: “Art. 1º Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil” (BRASIL, 2002). Rizzardo (2015, p. 184) ensina que o sentido de toda pessoa é: “Pessoa no aspecto físico, como todo ser humano dotado de inteligência, abrangendo homens e mulheres, independentemente de raça, cor, credo religioso, tendência política, nacionalidade e outras notas particularizadoras, normais ou não”.

Para que qualquer pessoa seja assim designada, ou seja, um sujeito de direitos e deveres, basta apenas nascer com vida e, assim, adquirir personalidade (GONÇALVES, 2017, p. 100).

Nesse contexto, Tartuce (2018, p. 74) explica que: “A norma em questão tem um sentido de sociabilidade”. Entretanto, é importante observar que a disposição dada ao art. 1º não faz distinção entre pessoas. Logo, a personalidade é conferida tanto à pessoa natural ou física quanto à pessoa jurídica. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 41).

Também chamada de pessoa física por alguns doutrinadores, mas bastante criticada por desprezar as qualidades morais e espirituais do homem que integram sua personalidade, destacando apenas o seu aspecto material e físico (DINIZ, 2014, p.164).

De uma forma mais profunda, Amaral (1991 apud RIZZARDO, 2015, p. 184) certifica que:

Por coerência lógica e por precisão técnica, só pode ser sujeito de direito, ou seja, da relação jurídica, quem seja dotado do atributo básico da personalidade (constitutivo/pressuposto lógico da pessoa), isto é, somente quem é considerado, em direito, pessoa, pode ser sujeito de direito e logo ter direito, ser titular de direitos. Mostrando a relevância do fator social da pessoa natural, Nader (2016, p. 183) leciona: “Pessoa física ou natural é o ser dotado de razão e portador de sociabilidade condição que o leva à convivência. É o ponto de partida e o alvo, direto ou indireto, de todas as construções jurídicas”.

Por fim, é importante ressaltar que, em se tratando de uma relação jurídica não há que se falar em ajuizamento de ação contra um bem ou um animal, pois estes podem ser apenas objeto desta. Da mesma forma, não se admite a relação com entes inanimados, metafísicos, celestiais, místicos ou presumidamente sitos em outras esferas, em outros mundos (RIZZARDO, 2015, p. 185).

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Sendo a pessoa o único sujeito de Direito no ordenamento jurídico brasileiro, consequentemente, é o ponto fundamental das relações jurídicas, e, por isso, essencial seu estudo e conhecimento.

2.3 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE A CAPACIDADE JURÍDICA

A capacidade jurídica está ligada à aptidão para adquirir direitos e assumir deveres pessoalmente. O ordenamento jurídico brasileiro, conforme Farias e Rosenvald (2017, p. 903), dissertam: “Elegeu os seres humanos, as pessoas naturais, como potenciais titulares das relações jurídicas (ao lado das pessoas jurídicas), dando-lhes aptidão genérica para a prática de ato da vida civil”.

Sobre esta aptidão, Diniz (2014, p. 169) ensina que: “Oriunda da personalidade, para adquirir direitos e contrair deveres na vida civil, dá-se o nome de capacidade de gozo ou de direito. Essa capacidade não pode ser recusada ao indivíduo”.

Ainda sobre o assunto, Pereira (2017, p. 222) assevera:

Esta aptidão é oriunda da personalidade para adquirir os direitos na vida civil, dá-se o nome de capacidade de direito, e se distingue da capacidade de fato, que é a aptidão para utilizá-los e exercê-los por si mesmo, que algumas pessoas não têm, e por isso, são denominadas de incapazes.

Já Gonçalves (2017, p. 95) defende a ideia de que: “Pode-se falar que a capacidade é a medida da personalidade, pois para uns ela é plena e, para outros, limitada. [...] Personalidade e capacidade complementam-se: de nada valeria a personalidade sem a capacidade jurídica”.

Em razão de limitações orgânicas ou psicológicas, nem toda pessoa possui aptidão para exercer pessoalmente os seus direitos praticando atos jurídicos. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 46).

Subdivide-se, assim, a capacidade jurídica em capacidade de fato e de direito, que Venosa (2017, p. 134) distingue da seguinte maneira: “Capacidade de direito ou jurídica, aquela que gera a aptidão para exercer direitos e contrair obrigações da capacidade de fato, que é a aptidão ‘pessoal’ para praticar atos com efeitos jurídicos”.

Prossegue o mesmo autor exemplificando:

O homem maior de 18 anos entre nós, na plenitude de sua capacidade mental, tem ambas as capacidades, a de direito e a de fato, pode ser sujeito de direito, podendo praticar pessoalmente atos da vida civil; já o alienado mental, interdito por decisão judicial, não deixa de ter personalidade, como ser humano que é, possuindo capacidade jurídica, podendo figurar como sujeito de direito, porém necessita de que alguém, por ele, exercite a capacidade de fato que não possui, por lhe faltar o devido

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discernimento. Seus atos da vida civil são praticados por curador. (VENOSA, 2017, p. 134).

Então, a capacidade jurídica está ligada à atribuição da personalidade, embora sejam distintas uma da outra.

2.3.1 A dessemelhança entre capacidade jurídica e legitimação

Apesar de similares, a diferenciação entre a capacidade jurídica e legitimação é pontual e, por isso, essencial entendê-la, não sendo possível, pois, confundi-las. Como observam Farias e Rosenvald (2017, p. 904):

Legitimação significa uma inibição para a prática de determinados atos jurídicos, em virtude da posição especial do sujeito em relação a certos bens, pessoas ou interesses enquanto a capacidade jurídica diz respeito à possibilidade genérica de praticar atos jurídicos pessoalmente.

Além disso, a legitimação tem como objeto avaliar se uma pessoa, diante de uma determinada situação jurídica, tem ou não capacidade para instituí-la. É uma forma específica de capacidade para determinados atos da vida civil, isto é, alguns atos jurídicos prescrevem uma capacidade especial para que possam ser realizados e, caso o indivíduo não possua legitimação, estará impedido de efetivá-los. (VIEGAS; CRUZ, 2018).

Por outro lado, Machado (2016, p. 51-52) define a capacidade jurídica como: “A aptidão que o ordenamento jurídico atribui às pessoas, em geral, e a certos entes, em particular, estes formados por grupos de pessoas ou universalidades patrimoniais, para serem titulares de uma situação jurídica”.

Ao lecionar sobre a diferenciação dos referidos institutos, Venosa (2017, p. 373) sustenta que:

É possível enfocar a legitimidade e a capacidade como duas formas de aptidão para realizar negócios jurídicos, entendendo a capacidade como a idoneidade adquirida. Ambos os conceitos, contudo, são expressos sob forma negativa de incapacidade e ilegitimidade, uma vez que os conceitos positivos são a regra, e os negativos a exceção, dentro do sistema.

Complementando o entendimento, e deixando claro que capacidade jurídica e legitimação não são sinônimos, Gonçalves (2018, p. 128) alerta que: “Embora se interpenetrem, tais atributos não se confundem, uma vez que a capacidade pode sofrer limitação e, a legitimação é uma forma específica de capacidade para determinados atos da vida civil”.

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Do ponto de vista de Farias e Rosenvald (2017, p. 904): “A legitimação é, então, um plus na capacidade. Trata-se de um requisito específico, extra, exigido para a prática de determinados atos específicos da vida civil”.

Logo, não se confunde o conceito de capacidade com o de legitimação.

2.3.2 Capacidade de direito e capacidade de fato: aspectos específicos

A capacidade é um tema de discussão em várias searas do conhecimento. No que se refere ao mundo jurídico, a doutrina subdivide a capacidade como explica Tartuce (2018, p. 74):

Capacidade de direito e de gozo, que é aquela para ser sujeito de direitos e deveres na ordem privada e que todas as pessoas têm sem distinção. Em suma, havendo pessoa, está presente tal capacidade, não importando questões formais como ausência de certidão de nascimento ou de documentos e, a capacidade para exercer direitos, denominada capacidade de fato e que algumas pessoas não têm. São os incapazes, especificados pelos arts. 3º e 4º do CC/2002.

No dizer de Farias e Rosenvalt (2017, p. 905), a capacidade de direito confunde-se com a personalidade, isto porque: “A capacidade de direito é a própria aptidão genérica reconhecida universalmente, para alguém ser titular de direitos e obrigações”.

Em contrapartida, para Diniz (2016, p. 265-266), a capacidade de exercício é uma aptidão de exercer por si só os atos da vida civil: “Dependendo, portanto, do discernimento que é critério, prudência, juízo, tino, inteligência, e sob o prisma jurídico, a aptidão que tem a pessoa de distinguir o lícito do ilícito, o conveniente do prejudicial”.

Partindo desse pressuposto, a capacidade de direito é presumida pela capacidade de fato, pois se o indivíduo não tem capacidade para adquirir um direito compreende-se que ele não pode lo. Em contraposição, é possível ter capacidade de direito sem poder exercê-lo pessoalmente. A incapacidade surge da impossibilidade do exercício de um direito (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p.138).

Em Venosa (2017, p. 141), encontra-se o mesmo entendimento:

Se a capacidade é plena, o indivíduo conjuga tanto a capacidade de direito como a capacidade de fato; se é limitada, o indivíduo tem capacidade de direito, como todo ser humano, mas sua capacidade de exercício está mitigada; nesse caso, a lei lhe restringe alguns ou todos os atos da vida civil.

Portanto, supõe-se que as pessoas têm condições de zelar por seus próprios interesses, não importando que eles sejam patrimoniais ou existenciais. Quando esta presunção não se confirma, faz-se necessário que um terceiro passe a auxiliar aquele que não consegue fazê-lo (LAGO JÚNIOR; BARBOSA, 2016, p. 7).

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Na ausência da capacidade de fato, surge a incapacidade civil, isto é, a restrição legal ao exercício da vida civil, a qual pode ser de duas espécies: absoluta e relativa que serão abordadas a seguir no sistema de incapacidades.

2.4 O SISTEMA DAS INCAPACIDADES

Concretizado nos reflexos que surgiram pelos movimentos humanistas, o ser humano vem conquistando uma nova condição de cidadão e sujeito de direito. Por isso, o sistema das incapacidades vem sofrendo alterações relevantes que trazem à tona inúmeras indagações e discussões sobre o sistema das incapacidades (BRAZZALLE, 2017, p. 24).

Ademais, Farias e Rosenvald (2017, p. 906) pontuam que:

Partindo da ideia preliminar e fundamental de que a capacidade é a regra e a incapacidade, a exceção, veio o direito positivo a contemplar, objetivamente, as hipóteses de restrição da plena capacidade, esclarecendo ser excepcional a limitação ao exercício dos atos civis.

Nesse contexto, Pereira (2017, p. 227) assim expõe sua opinião: “Como a incapacidade é uma restrição ao poder de agir, deve ser sempre encarada stricti iuris1 e sob a iluminação do princípio segundo o qual a capacidade é a regra, e a incapacidade, a exceção”.

O sistema das incapacidades é uma verdadeira medida protetiva. Por óbvio, a proteção do incapaz é o seu fundamento. De acordo com Kümpel e Borgarelli (2015):

Protege-se o indivíduo que não tem idade suficiente ou que padece de algum mal que lhe impede de discernir bem sua conduta. Essa proteção não se dá apenas em relação aos outros indivíduos e contra as situações da vida, mas, e talvez, sobretudo, em relação ao próprio ser incapaz. Ele pode ser um risco a si mesmo. No entanto, é preciso esclarecer que a incapacidade de agir não gera incapacidade de gozo e de direitos. Trata-se apenas de impedimento pessoal, pois os incapazes, quando representados ou assistidos, podem adquirir direitos e deveres. (LIMONGI, 2017, p. 67).

Na visão de Pereira (2017, p. 227):

Toda incapacidade é legal, independentemente da indagação de sua causa próxima ou remota. É sempre a lei que estabelece, com caráter de ordem pública, os casos em que o indivíduo é privado, total ou parcialmente, do poder de ação pessoal, abrindo, na presunção de capacidade genérica, a exceção correspondente estritamente às hipóteses previstas.

Por entender que os incapazes necessitam de um tratamento diferenciado, o legislador pátrio criou um sistema de proteção para essas pessoas, concedendo-lhes um regime

1 STRICTI IURIS - De direito estrito, aquilo que deve ser feito dentro da rigorosa expressão da lei. Dicionário

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legal privilegiado para que, assim, seus interesses possam ser preservados, ao que se chama sistema das incapacidades. (MENEZES; TEIXEIRA, 2016).

Vale destacar que não se pode confundir incapacidade com vulnerabilidade. Ambas prescrevem proteção jurídica, porém a primeira trata da falta de discernimento para a prática de atos jurídicos, enquanto a segunda é um estado de risco que torna fraca uma das partes da relação jurídica. (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 906).

Sendo assim, resta claro que o sistema das incapacidades do direito brasileiro tem como prioridade a proteção daqueles que, por si só, não podem exprimir sua vontade.

2.4.1 Os absolutamente incapazes

Absolutamente incapazes são aqueles totalmente inaptos ao exercício das atividades da vida civil. Apesar de terem direitos e também a possibilidade de adquiri-los, não têm habilidade para exercê-los. Por isso, não participam direta e pessoalmente de qualquer negócio jurídico. (PEREIRA, 2017, p. 229).

Disciplinados no art. 3º do CC/2002, são eles: “Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de dezesseis anos”. (BRASIL, 2002).

São apartados das atividades civis; não participam direta e pessoalmente de qualquer negócio jurídico, sendo, pois representados. Segundo Gonçalves (2018, p. 110), esta espécie de incapacidade acarreta: “A proibição total do exercício, por si só, do direito. O ato somente poderá ser praticado pelo representante legal do absolutamente incapaz”.

Nos casos dos absolutamente incapazes, Diniz (2016, p. 266) assevera que: “A capacidade jurídica da pessoa natural é limitada, pois uma pessoa pode ter o gozo de um direito, sem ter o seu exercício por ser incapaz, logo seu representante legal é que o exerce em seu nome ou, então, presta-lhe assistência”.

A inobservância desta regra provoca nulidade do ato conforme previsão do art. 166, I do CC/2002, que determina que: “Art. 166, I. É nulo o negócio jurídico quando: I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz; [...]”. (BRASIL, 2002).

Nesse sentido, Rizzardo (2015, p. 257) alega que:

As pessoas absolutamente incapazes não podem realizar os atos da vida civil sem a devida representação, que significa a colocação de alguém para decidir por elas. Não possuem as mesmas nenhum discernimento para a decisão de um ato da vida civil. Ou, se alguma clarividência está presente, não é plena e em grau suficiente para discernir entre o correto e o incorreto. Todavia, desde que devidamente representadas, e se o contrato não lhes trouxer prejuízo, podem contrair direitos e obrigações.

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Não existe uma ligação direta entre os absolutamente incapazes e a vida jurídica, pois esta é realizada por um representante que age em seu nome, fala, pensa e quer por eles, sobretudo, no que se refere aos seus interesses. (PEREIRA, 2017, p. 229-230).

A representação, segundo Nader (2016, p. 417): “É uma criação jurídica que torna possível ou contribui para o exercício dos direitos subjetivos e deveres jurídicos daqueles que estão impedidos, por um motivo ou por outro, de praticarem diretamente atos negociais”.

Os absolutamente incapazes estão no art. 3º do CC/2002 que, antes da reforma da Lei nº 13.146/2015, eram assim disciplinados:

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores de dezesseis anos;

II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade (BRASIL, 2002).

Como descrito por Venosa (2017, p. 146): “Ao estabelecer essa idade de 16 anos, o legislador considerou não a simples aptidão genética, isto é, de procriação, porém o desenvolvimento intelectual que, em tese, torna o indivíduo plenamente apto para reger sua vida”.

Sobre o inciso II Azevedo (2016, p. 278) esclarece que:

No referido rol constata-se que as pessoas com deficiência ou enfermidade mental, que não tivessem o necessário discernimento para a prática dos atos jurídicos, assim como os excepcionais, sem desenvolvimento, eram destituídas desde logo da capacidade plena de exercício, ou seja, a priori não poderiam exercer todos os direitos de que viessem a ser titular, nem a contrair deveres que considerassem relevantes para a sua vida.

No que diz respeito ao inciso III, discrimina-se aqueles que não puderem exprimir totalmente sua vontade por causa transitória ou permanente, em virtude de alguma patologia que Gonçalves (2018, p. 117-118) exemplifica: “Arteriosclerose, excessiva pressão arterial, paralisia, embriaguez não habitual, uso eventual e excessivo de entorpecentes ou de substâncias alucinógenas, hipnose ou outras causas semelhantes, mesmo não permanentes”.

Nas hipóteses dos incisos supracitados, Limongi (2017, p. 75) justifica que: “A capacidade de agir é suprida por meio de representação, isto é, pessoa autorizada a agir em nome do interesse do incapaz (representante legal ou curador, este último nas hipóteses de maior idade com enfermidade ou deficiência mental)”.

Vê-se que o Código Civil de 2002 tratou a incapacidade da pessoa sob dois critérios: em razão da idade e da saúde mental e sem a representação não haveria a eficácia da personalidade jurídica no exercício dos direitos.

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2.4.2 Os relativamente incapazes

Como o próprio termo sugere, relativamente incapazes são aqueles que não são totalmente privados da capacidade de fato, necessitando apenas da ratificação de seus atos pela pessoa incumbida de sua assistência. (NEVARES; SCHREIBER, 2016, p. 1554).

No ordenamento jurídico brasileiro, de acordo com Pereira (2017, p. 238-239), entende-se que:

Em razão de circunstâncias pessoais ou em função de uma imperfeita coordenação das faculdades psíquicas, deve colocar certas pessoas em um termo médio entre a incapacidade e o livre exercício dos direitos, que se efetiva por não lhes reconhecer a plenitude das atividades civis, nem as privar totalmente de interferir nos atos jurídicos. Isto é, ao contrário dos totalmente, os relativamente incapazes não são privados de interferência ou participação na vida jurídica, suas vontades devem ser levadas em consideração.

Dispostos no CC/2002 em seu art. 4º, in verbis:

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham discernimento reduzido;

III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV - os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial (BRASIL, 2002).

Os relativamente incapazes participam de negócio jurídico desde que estejam assistidos por seus representantes legais. Neste caso, não existe representação, e sim, assistência.

O primeiro inciso do artigo supramencionado descreve a categoria dos relativamente incapazes, na qual estão os maiores de 16 anos e menores de 18 anos. Nesta idade, leciona Nader (2016, p. 261):

O indivíduo, sem dúvida, já atingiu um certo desenvolvimento, sendo que se encontra intelectualmente amadurecido para razoavelmente entender e medir ou aquilatar as consequências de seus atos, mas não em grau suficiente para agir com pl ena autonomia ou independência.

Dentro da ordem do inciso II estão os ébrios habituais e os viciados em tóxicos. Logo, no entendimento de Diniz (2016, p. 268): “Alcoólatras ou dipsômanos2, toxicodependentes, pois podem levar os viciados à ruína econômica pela alteração da sua saúde mental, devem ser assistidos”.

2 DIPSÔNAMOS – Que apresenta desejo incontrolável de ingerir bebida alcoólica. Dicionário on-line de

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Do ponto de vista de Gonçalves (2017, p. 116):

Os viciados em tóxico que venham a sofrer redução da capacidade de entendimento, dependendo do grau de intoxicação e dependência, poderão ser, excepcionalmente, colocados sob curatela pelo juiz, que procederá à graduação da medida, na sentença, conforme o nível de intoxicação e comprometimento mental. Assim também procederá o juiz se a embriaguez houver evoluído para um quadro patológico, aniquilando a capacidade de autodeterminação do viciado.

Tal incapacidade tem a premissa da verificação judicial, exigindo-se, para isso, muita cautela. Sobre o tema, Pereira (2017, p. 239) argumenta que o objetivo é: “Evitar distorções, e resguardar a incolumidade das relações jurídicas, máxime se não atingirem proporções de toxicomania crônica, geradora de estado permanente de falta ou deficiência de discernimento”.

Cabe ressaltar que, a partir do momento em que o magistrado decreta a interdição, o interditado fica impedido de comandar os atos da sua vida civil, portanto, faz-se necessário a nomeação de um curador, o que é feito na mesma ação de interdição, instituto que por restringir direitos das pessoas, deve ser visto com reserva, como excepcionalidade e não como regra. (EL-JAICK, 2016, p. 146).

E, no inciso III, os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo, na opinião de Rizzardo (2015, p. 206): “A deficiência de capacidade é menos grave do que na incapacidade absoluta, ou não se revela tão intensamente, posto que estabelecida em favor de quem possui certo grau de entendimento, de compreensão, e, assim, de discernimento”. Ou seja, a causa da incapacidade não é permanente.

A redação original do código em vigor recebia críticas quanto a este dispositivo, pois devido à linha tênue da incapacidade desses indivíduos, só podia ser identificada tecnicamente pela medicina por meio de perícia, o que demandava, de cada caso, um longo tempo para distinção entre deficiência mental e o desenvolvimento incompleto. (PEREIRA, 2017, p. 240).

Quanto aos pródigos relacionados no inciso IV, que nas palavras de Gonçalves (2018, p. 120) são aqueles que: “Por serem portadores de um defeito de personalidade, gastam imoderadamente, dissipando o seu patrimônio com o risco de reduzir-se à miséria”, também são submetidos à curatela.

No entendimento de Nader (2016, p. 270):

Decreta-se a interdição e limita-se a capacidade no tocante aos atos de emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado e praticar, em geral, ações que não sejam de mera administração. Os demais atos não dependem da assistência do curador.

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A particularidade da interdição do pródigo tem como fundamento impedir a dilapidação do patrimônio comum ou da futura herança. No processo de interdição, não há vencedor e vencido, mas apenas a tutela do interesse do incapaz, não se falando em limitações quanto à pessoa, porém sobre o patrimônio. (EL-KAICK, 2016, p. 147-148).

Obviamente, havendo celebração de algum ato jurídico com os relativamente incapazes sem a assistência, restarão anulados.

2.4.3 Sistema de proteção aos incapazes

Para que os incapazes pudessem exercer seus direitos, o legislador criou institutos essenciais que são adequados para promover a proteção destes indivíduos, como a representação e a assistência. Além disso, foram implantados outros institutos de proteção como a tutela e a curatela, por meio das quais é suprida a incapacidade. (CARNACCHIONI, 2014, p.134-135).

O art. 1.690 do CC/2002 determina que os pais, detentores do poder familiar, representarão os menores de 16 anos, assim como, nos casos em que o adolescente tiver entre 16 e 18 anos, estes serão assistidos por eles até a maioridade ou a emancipação. (BRASIL, 2002).

Já o art. 1.747 do mesmo diploma, prevê um tutor quando o menor não estiver sob o referido poder, que o representará até 16 anos e dará assistência após esta idade e até 18 anos, ou até que a emancipação lhe seja outorgada. (BRASIL, 2002).

Os maiores de idade que forem declarados absolutamente incapazes, interditados seja por deficiência mental, por incapacidade de exprimir sua vontade por alcoolismo, toxicomania por desenvolvimento mental incompleto ou por prodigalidade, serão representados, e os relativamente incapazes, assistidos por um curador. (DINIZ, 2016, p. 268-269).

Desse modo, explicam Souza e Silva (2017, p. 299): “A instituição da curatela, ocorre por meio de um procedimento denominado interdição, que é o ato do poder público pelo qual se declara ou se retira (= desconstitui) a capacidade negocial de alguém”.

Por outro lado, conforme Gonçalves (2018, p. 895): “Curatela é o encargo deferido por lei a alguém capaz, para reger a pessoa e administrar os bens de quem, em regra maior, não pode fazê-lo por si mesmo”.

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No entanto, a proteção dos incapazes não ficou limitada à interdição, já que outros mecanismos também abrangem este amparo que estão dispostos no CC/2002. São eles: arts. 181, 198, I, 588, 814. (BRASIL, 2002).

Além disso, tem-se também, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Estatuto do Idoso, que complementam de forma específica aqueles que neles estão protegidos. Então, percebe-se que a CRFB/88 e a legislação infraconstitucional determinam de forma expressa a proteção dos incapazes por intermédio de vários dispositivos.

2.4.4 Cessação da incapacidade

A incapacidade cessa ao desaparecerem os motivos que a determinaram. Tais motivos estão dispostos no art. 5º do CC/2002. São eles: a maioridade e a emancipação, seja ela voluntária, judicial ou legal, observando-se que a emancipação é um ato irrevogável. (BRASIL, 2002).

Ao completar 18 anos, o indivíduo alcança a maioridade e torna-se apto para as atividades da vida civil. Pereira (2017, p. 243) pontua que: “O legislador civil acolheu as críticas, no sentido de que a vida moderna proporciona aos jovens um volume de conhecimento muito maior do que no passado, justificando a cessação da menoridade aos 18 anos”.

Sobre o assunto, Gonçalves (2018, p. 133) acrescenta: “A menoridade é finalizada no primeiro dia em que o menor completa 18 anos. Se, eventualmente, este nascer no dia 29 de fevereiro de ano bissexto, completará a maioridade no dia primeiro de março”.

Quando o indivíduo é portador de uma das causas de incapacidade discriminadas nos incisos II a IV do art. 4º do CC/2002, de acordo com Nader (2016, p. 197):

O implemento da idade não produz tal resultado, devendo então sujeitar-se ao processo de interdição, excetuados os que se encontram impedidos de expressar a sua vontade por motivo transitório. Conforme entendimento doutrinário, alcança-se a idade básica para a cessação da incapacidade absoluta ou relativa no dia em que a pessoa completa 16 ou 18 anos, ou seja, a zero hora do dia de seu aniversário. Antes de completar a maioridade, outra forma de cessação da incapacidade ocorre por meio da emancipação, que pode ser concedida por ambos os genitores ou por apenas um deles na falta, ausência ou impossibilidade do outro desde que autorizada pelo juiz. Emancipar significa adquirir a capacidade civil antes da idade legal. (VENOSA, 2017, p. 156-157).

Em regra geral, depois de concedida é irrevogável, irretratável e definitiva. Não podem os pais, que voluntariamente emanciparam o filho, voltar atrás. Entretanto, embora o maior deixe de ser incapaz, continua sendo menor. Por isso, não poderá ainda, por exemplo, tirar carteira de habilitação, frequentar lugares proibidos para menores ou ingerir bebidas

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alcoólicas. Isso porque a emancipação refere-se a atos da vida civil e não penal. (TARTUCE, 2018, p. 97).

A emancipação pode ocorrer de maneira voluntária, judicial e legal. Assim ensina Gonçalves (2018, p. 134-137):

Voluntária pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, desde que o menor haja completado dezesseis anos. Judicial quando um dos genitores não concorda com a emancipação e requer via judicial e legal, quando por casamento, que mediante autorização judicial, não há como deixar de reconhecer que poderá ocorrer, em situação excepcional, a emancipação do menor, e também em exercício de emprego público efetivo e quando o maior de dezesseis possuir renda própria por meio de emprego ou da manutenção de estabelecimento comercial.

Só será permitida a anulação da emancipação quando houver comprovação de que houve vício de vontade, por erro ou dolo. Por fim, conforme Lima, Machado e Vieira (2018, p. 33-37):

Também fazem cessar a incapacidade o casamento, o exercício de emprego público efetivo, a colação de grau em curso superior e o estabelecimento civil ou comercial, pela existência de relação empregatícia, contanto que o menor tenha economia própria proveniente desse estabelecimento ou emprego.

Com a promulgação do EPD, houve uma grande mudança da teoria das incapacidades. Por isso, é necessário verificar os dispositivos alterados e se estes promovem o desenvolvimento da pessoa com deficiência, na imposição estabelecida pela novel legislação, que é fundada na dignidade da pessoa humana, o que será feito a seguir.

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3 O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E SUA REPERCUSSÃO NA TEORIA DA INCAPACIDADE CIVIL PÁTRIA

O presente capítulo estudará a mudança de paradigma nas atitudes e abordagens da pessoa com deficiência, provendo a dignidade da pessoa humana, inaugurada pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), conhecendo as alterações operadas na teoria da incapacidade civil no direito brasileiro após promulgação com força de emenda constitucional do EPD.

3.1 A CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Desde a Antiguidade, a história da pessoa com deficiência é permeada por preconceitos, abandono, sacrifício e até mesmo eliminação. Somente na Idade Moderna, final do século XVIII e início do século XIX, deixou-se para trás uma época de ignorância e nasceu uma nova era fundamentada no humanismo, na qual o homem passa a ser visto como um animal racional, trazendo uma nova ótica sobre a deficiência como problema patológico e não espiritual ou moral, que prescrevia medicação e tratamento. (KITAHARA; CUSTÓDIO, 2017, p.82).

Após a II Guerra Mundial, os países abatidos pela barbárie ocorrida e com a intenção de reconstruir o mundo sob uma nova ideologia, elaboraram uma declaração com o objetivo de resguardar a dignidade, o valor da pessoa humana e os direitos fundamentais, chamada de Declaração dos Direitos Humanos, que, apesar de timidamente, promoveu progressos em relação ao cuidado a ser dispensado à pessoa com deficiência. (DICHER; TREVISAM, 2015, p. 14).

No século XXI foi elaborada a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) como um instrumento jurídico internacional de direitos humanos vinculativo da Organização das Nações Unidas (ONU), que estabelece direitos fundamentais das pessoas com deficiência. É o primeiro tratado, embora a negociação deste tenha ocorrido entre 2002 a 2006, ou seja, cinco anos, e este represente um longo período, foi, de fato, o tratado de direitos humanos com a negociação mais rápida da história da ONU. (UNITED NATIONS ORGANIZATIONS, 2018).

Na abertura de sua assinatura, em 30 de março de 2007, conferiu-se o maior número de signatários para uma Convenção da ONU até os dias de hoje, e a cada dia vem ganhando mais reconhecimento internacional. Não só envolveu um alto nível de participação dos

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Estados-Nação, como também da sociedade civil como um todo. Por isso, representa um procedimento revolucionário de desenvolvimento social, tornando-se um marco histórico baseado na mudança de paradigma nas atitudes e abordagens da pessoa com deficiência. (SKARSTAD, 2018).

Nesse contexto Small (2007) destaca que:

A Convenção não define explicitamente o que é deficiência, mas afirma que esta resulta de uma interação entre uma sociedade não inclusiva e indivíduos. Adverte aos países signatários que reconhece em alguns casos limitações de recursos, mas deixa claro que estas limitações não são desculpa para atrasar a implementação, mostrando, assim, a importância da observância dos seus preceitos.

No Brasil, a Convenção foi incorporada à legislação em 2008 e ratificada, bem como seu Protocolo Facultativo, com força de Emenda Constitucional (EC), nos termos previstos pelo art. 5º, § 3º da CRFB/88, reconhecendo-a como um instrumento que gera maior respeito aos Direitos Humanos e valorizando a atuação conjunta entre sociedade civil e governo. (RIBEIRO, 2014, p. 111).

Em um estudo fenomenológico, com a intensão de complementar os comentários jurídicos sobre a Convenção, Mladenov (2013) faz a seguinte consideração:

A interpretação dos direitos é influenciada pelas desigualdades materiais e / ou simbólicas que permeiam a sociedade. Alguns grupos exercem mais poder econômico, social e cultural do que outros por causa de suas posições definidas ao longo de eixos como classe, etnia, gênero e deficiência. Aqueles com mais poder são mais propensos a influenciar a interpretação, a ‘dobrá-la’ de acordo com suas próprias posições. Esse aspecto social e político pode permanecer inconspícuo, o que, em seu nome, serve para manter o status quo das desigualdades de poder.

Os direitos civis, por exemplo, baseiam-se na premissa de que o cidadão individual é um ator igual no processo judicial com o poder legal de reparar a injustiça por meio de contestações judiciais à discriminação. Entretanto, quando o indivíduo, devido à sua posição social, não tiver condições de arcar com as custas de um processo ou não possuir educação ou circunstâncias para garantir esses direitos? (MLADENOV, 2013).

Com esse pensamento, de assegurar a igualdade entre as pessoas perante a lei, gozando de capacidade jurídica para a prática de atos da vida civil, a Convenção disciplinou em seu art. 12, este reconhecimento, in verbis:

Art. 12 Reconhecimento igual perante a lei

1. Os Estados Partes reafirmam que as pessoas com deficiência têm o direito de ser reconhecidas em qualquer lugar como pessoas perante a lei.

2. Os Estados Partes reconhecerão que as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida.

3. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para prover o acesso de pessoas com deficiência ao apoio que necessitarem no exercício de sua capacidade legal. 4. Os Estados Partes assegurarão que todas as medidas relativas ao exercício da capacidade legal incluam salvaguardas apropriadas e efetivas para prevenir abusos,

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em conformidade com o direito internacional dos direitos humanos. Essas salvaguardas assegurarão que as medidas relativas ao exercício da capacidade legal respeitem os direitos, a vontade e as preferências da pessoa, sejam isentas de conflito de interesses e de influência indevida, sejam proporcionais e apropriadas às circunstâncias da pessoa, apliquem-se pelo período mais curto possível e sejam submetidas à revisão regular por uma autoridade ou um órgão judiciário competente, independente e imparcial. As salvaguardas serão proporcionais ao grau em que tais medidas afetarem os direitos e interesses da pessoa.

5. Os Estados Partes, sujeitos ao disposto neste Artigo, tomarão todas as medidas apropriadas e efetivas para assegurar às pessoas com deficiência o igual direito de possuir ou herdar bens, de controlar as próprias finanças e de ter igual acesso a empréstimos bancários, hipotecas e outras formas de crédito financeiro, e assegurarão que as pessoas com deficiência não sejam arbitrariamente destituídas de seus bens (UNITED NATIONS ORGANIZATION, 2007).

As reações jurídicas e médicas por parte dos psiquiatras internacionais sobre o art. 12 variam de entusiasmo à forte desaprovação, mas a maioria concorda que a CDPD visa a garantir os direitos humanos, promover a autonomia, garantir tratamento igual e combater a discriminação de pessoas com deficiência. (SCHOLTEN; GATHER, 2018).

Em solos nacionais, Piovesan (2014, p.10) destaca três pontos importantes no que se refere à concepção de igualdade trazida com a Convenção, sendo elas:

a) a igualdade formal, reduzida à fórmula ‘todos são iguais perante a lei’ (que, ao seu tempo, foi crucial para a abolição de privilégios); b) a igualdade material, correspondente ao ideal de justiça social e distributiva (igualdade orientada pelo critério socioeconômico); e c) a igualdade material, correspondente ao ideal de justiça enquanto reconhecimento de identidades (igualdade orientada pelos critérios de gênero, orientação sexual, idade, raça, etnia e demais critérios).

Complementa ainda a mesma autora que: “Ao lado do direito à igualdade, surge, também como direito fundamental, o direito à diferença. Importa o respeito à diferença e à diversidade, o que lhes assegura um tratamento especial”. (PIOVESAN, 2014, p. 10).

A CDPD é uma importante ferramenta para modificar o cenário de exclusão das pessoas com deficiência, uma vez que promove na esfera internacional, segundo Lopes (2014, p. 26): “Maior consciência sobre as potencialidades e o alcance dos seus direitos humanos e liberdades fundamentais, proteger os beneficiários visibilizando suas vulnerabilidades e exigir dos diversos atores da sociedade atitudes concretas para a sua implementação”.

Ao ratificar a Convenção, o Brasil comprometeu-se com uma série de obrigações sociais e legais, suscitando alterações na legislação nacional, para garantir a proteção dos direitos humanos.

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3.2 O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E O SISTEMA GLOBAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

O grande desafio da CDPD é promover uma compreensão de deficiência denominada modelo social, na tentativa de extinguir o equívoco que ainda prevalece até hoje, sobre o entendimento de que a deficiência é um problema médico, residindo no indivíduo, que deve ser tratado ou administrado. Considera-se que esta visão limitada da deficiência impede o pleno reconhecimento dos direitos humanos das pessoas com deficiência. (FERNANDES, 2017, p. 16).

Essa visão equivocada é concebida devido à comparação feita com o que se intitula ser humano normal. Subjacente ao modelo social encontra-se a distinção entre deficiência e capacidade. Apesar de referir-se a uma condição física ou mental, a deficiência assume uma perspectiva mais ampla e faz referência à desvantagem que é imposta a uma pessoa por uma sociedade que não conseguiu acomodar-se a essa deficiência. (MARTINS, 2015, p. 360-361).

Entender o modelo social da deficiência é indispensável para a compreensão dos direitos dessas pessoas. Assim, o art. 1º da CDPD dispõe: “Aqueles que têm deficiências físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais de longo prazo que, em interação com várias barreiras, podem impedir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com os outros”. (UNITED NATIONS ORGANIZATION, 2007).

O novo modelo social, de acordo com Lopes (2014, p. 27): “Determina que a deficiência não está na pessoa como um problema a ser curado, e sim na sociedade, que pode, por meio das barreiras que são impostas às pessoas, agravar uma determinada limitação funcional”.

Esse é, portanto, um processo de universalização dos direitos humanos que segundo Cicco Filho, Velloso e Rocha (2014, p. 41) permite:

A formação de um sistema internacional de proteção destes direitos. Este sistema é integrado por tratados internacionais de proteção que refletem, sobretudo, a consciência ética contemporânea partilhada pelos Estados, na medida em que invocam o consenso internacional acerca de temas centrais aos direitos humanos, na busca da salvaguarda de parâmetros protetivos mínimos – do ‘mínimo ético irredutível’. Ao tornar-se signatário do protocolo facultativo3 da referida Convenção, o Brasil ratificou o protocolo e as suas regras.

3 Protocolo facultativo - Utilizando a analogia dos contratos privados, um protocolo facultativo no Direito

Internacional é um adendo a um tratado que mantém a validade do contexto principal, mas modifica ou complementa-o em alguns aspectos. Muitas vezes, como no caso do Protocolo de Quioto, torna-se mais importante que a própria Convenção. (MAGNOLI, 2012, p. 462).

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A CDPD estabeleceu direitos e obrigações a todos os países que a ratificaram. Entre as obrigações, está expresso no parágrafo 1º do art. 35, que os Estados Partes ficam sujeitos a prestar informações periódicas, e sob demanda e implementação das conquistas celebradas naquele tratado internacional. (JAYME, 2014, p.223-224).

Logo, os Estados Partes devem apresentar ao Secretário-Geral das Nações Unidas por intermédio do Comitê dos Direitos da Pessoa com Deficiência:

a) primeiro relatório dois anos após a entrada em vigor da Convenção no respectivo país;

b) relatórios periódicos, pelo menos a cada quatro anos e,

c) outros informes sempre que solicitado, conforme estabelece o parágrafo 1º do Art. 36 da Convenção (BRASIL, 2017a).

Em 2012, o Brasil entregou seu primeiro relatório, cuja análise foi postergada pelo Comitê para 2015, quando, então, por meio de documento intitulado Observações Conclusivas, o Comitê exaltou os avanços brasileiros em relação à implementação da Convenção e expressa as recomendações sobre os desafios a serem superados pelo Brasil. (BRASIL, 2017a).

Entretanto, o Comitê mostrou-se preocupado com a falta de uma estratégia coerente e abrangente em matéria de deficiência para implementar o modelo de direitos humanos da deficiência estabelecido na Convenção e para harmonizar a legislação, as políticas e os programas do Estado Parte. (UNITED NATIONS ORGANIZATION, 2015, p. 2).

Além da grande preocupação com a discriminação contra indígenas, afrodescendentes, mulheres com deficiência, assim como a violência contra a mulher e a acessibilidade entre outros. Sobre reconhecimento igual perante a lei (art. 12), sugeriu ao Brasil que inicie uma revisão sistemática da legislação, políticas públicas e programas e, se necessário, alinhe-os à Convenção elaborando um relatório completar, in fine:

O Comitê está preocupado com o fato de que algumas leis do Estado Parte ainda prevejam a curatela em determinadas circunstâncias. Isso é contrário ao artigo 12

da Convenção [...] O Comitê também está preocupado com o fato de que os procedimentos de tomada de decisão apoiada requerem aprovação judicial e não dão primazia à autonomia, vontade e preferências das pessoas com deficiência;

O Comitê insta o Estado Parte a revogar toda previsão legal que perpetre o sistema de substituição de tomada de decisão. O Comitê também recomenda que,

consultando as organizações de pessoas com deficiência e outros prestadores de serviços, o Estado parte tome medidas tangíveis para trocar o sistema de substituição de tomada de decisão por um sistema no qual a autonomia, a vontade e as preferências das pessoas com deficiência prevaleçam, conforme o artigo 12 da Convenção. Além disso, o Comitê recomenda que toda pessoa com deficiência atualmente sob

curatela seja devidamente informada sobre o novo sistema legal e o exercício do direito de tomada de decisão assistida deverá ser garantido em qualquer caso.

(UNITED NATIONS ORGANIZATION, 2015, p. 4-7, grifo nosso).

Em 2017, foi enviado o Relatório Complementar em resposta às observações pontuais do Comitê quanto à implementação da respectiva Convenção pelo Brasil, e, no que se

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refere à tomada de decisão apoiada e a curatela, ficou evidenciado que a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, alterou o Código Civil no tocante à capacidade civil. Este assevera que as pessoas com deficiência são consideradas plenamente capazes, e o instituto da curatela passou a ser uma medida extraordinária, e à tomada de decisão apoiada foi incluída no Código Civil. (BRASIL, 2017b).

O Estatuto desconstrói a ideia de homem padrão emergindo uma nova perspectiva inclusiva da pessoa com deficiência. Tartuce (2016, p. 52) considera que o Estatuto é uma obra destinada a: “Assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e à sua cidadania”.

Sendo assim, fica claro que a representatividade do Estatuto está diretamente ligada à instrumentalização das determinações da CDPD que tem como premissa a proteção dos direitos humanos da pessoa com deficiência.

3.3 A JUSTIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

O modelo social adotado pela CDPD exige que se repense a deficiência em uma visão psicossocial, inclusiva e, sem dúvida, tem sido fundamental para desafiar aqueles que procuram definir as pessoas com deficiência de acordo com o que lhes falta, em oposição à sua igual dignidade e status como seres humanos. (MARTINS, 2015, p. 47-49).

Por esse modelo, explica Rosenvald (2015) que a deficiência: “Não pode se justificar pelas limitações pessoais decorrentes de uma patologia. Redireciona-se o problema para o cenário social, que gera entraves, exclui e discrimina, sendo necessária uma estratégia social que promova o pleno desenvolvimento da pessoa com deficiência”.

Prossegue ainda o mesmo autor afirmando que:

Por tais razões, reconhece o Preâmbulo da CDPD que a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. (ROSENVALD, 2015).

Trata-se de conceito muito novo, ainda em constituição e que requer esforço para sua efetividade, principalmente por parte das pessoas sem deficiência e/ou incapacidade, porém é fato que a ideologia da CDPD deixa claro que a segregação sistemática de qualquer grupo deve ser vista como uma prática intolerável. (BISOL; PEGORINI; VALNTINI, 2017, p. 93-94).

(35)

Para a promoção do modelo social é fundamental dirimir o olhar da pessoa com deficiência no modelo médico e, para entender tão importante distinção, apresenta-se no Quadro 1, uma comparação sumária entre os modelos médico e social. (MARTINS, 2015, p. 49-51).

Quadro 1- Comparação sumária do modelo médico e do modelo social da deficiência Modelo Médico Modelo Social

A deficiência é um problema Pessoal / Individual/ Privado Social / Coletivo

O eixo da intervenção é O tratamento médico / a

reabilitação

A ação e a integração social

As soluções surgem ao redor da Intervenção profissional Responsabilidade individual e

coletiva

Adapta(m)-se A pessoa com deficiência Os ambientes às pessoas

Registra (m)-se Os desvios da norma / os sintomas Os preconceitos / A discriminação

/ O incumprimento dos direitos

A ação mais importante é O cuidado / a cura A promoção dos direitos humanos

Fonte: Martins (2015, p. 52).

Então, fica clara a necessidade da implementação no novo modelo para que se possam promover as propostas da CDPD.

Da abordagem funcional, consagram-se três princípios que assim se definem: in

dubio pro capacitas, ou seja, prioridade da prevalência da capacidade civil plena da pessoa com

deficiência psíquica ou intelectual; o da intervenção mínima que significa dizer que nos casos em que houver intervenção para suprimir a vontade da pessoa com deficiência, deve-se pontualmente especificar sobre quais atos ela não poderá faticamente expor suas preferências e, por fim, o da beneficência que é a diretriz para que as decisões sobre a vida e os bens da pessoa com deficiência sejam tomados pelo seu melhor interesse, sem, contudo, tirar-lhes o direito de errar. (NILSSON, 2012, p. 12).

Além disso, a CDPD estabelece oito princípios orientadores que traduzem seus fundamentos e estão dispostos em seu Art. 3º. São eles:

1. Respeito pela dignidade inerente, autonomia individual, incluindo a liberdade de fazer as próprias escolhas e independência de pessoas.

2. Não discriminação.

3. Participação plena e efetiva e inclusão na sociedade.

4. Respeito pela diferença e aceitação de pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade.

5. Igualdade de oportunidade. 6. Acessibilidade.

Referências

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