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ALTERAÇÕES OPERADAS PELO ESTATUTO NA LEGISLAÇÃO E SEUS

3 O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E SUA REPERCUSSÃO NA

3.5 ALTERAÇÕES OPERADAS PELO ESTATUTO NA LEGISLAÇÃO E SEUS

Nos moldes atuais, depois de sancionado o EPD, cuja fundamentação imediata está na CDPD, à pessoa com deficiência não mais é considerada incapaz. No dizer de Azevedo (2016, p. 309): “Nem pode sê-lo [...]. Tratá-la dessa maneira, na visão ideológica que permeia o Estatuto, seria como estabelecer para ela um rótulo idôneo a provocar uma discriminação injustificada, com aptidão para diminuí-la em sua personalidade e fomentar uma barreira social atitudinal”.

Na perspectiva de que o principal efeito da Convenção sobre a sistemática tradicional da capacidade civil está em denunciar seu viés discriminatório e patrimonialista Menezes (2014, p. 59-60) considera que:

A disciplina da capacidade civil na legislação civil é, atualmente, incompatível com a sistemática dos direitos humanos, na medida em que pode prejudicar o exercício escorreito dos direitos da personalidade por aqueles que sofrem uma limitação de ordem psíquica ou intelectual. E é para assegurar os interesses das pessoas com deficiência que a Convenção enfatiza a necessidade de se respeitarem-lhe a dignidade e a personalidade, utilizando-se de várias estratégias, entre as quais, o reconhecimento de sua capacidade de agir.

Em análise cuidadosa sobre as mudanças trazidas com o EPD em relação à teoria das incapacidades, Farias e Rosenvald (2016, p. 927) observam que: “existem pessoas humanas que possuem algum tipo de deficiência, mas que podem exprimir vontade – o que afasta, decisivamente, a incidência da incapacidade relativa”.

A partir de sua entrada em vigor, determinou revogação e alterações de alguns artigos do CC/2002 e, nos termos do seu art. 2º - a pessoa com deficiência não deve ser mais tecnicamente considerada civilmente incapaz, considerando-se, inclusive, uma grande inovação, os artigos 6º e 84, que deixam claro que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa. (TARTUCE, 2017).

Art. 6º. A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: I - casar-se e constituir união estável;

II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;

III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;

IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e

VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

[...]

Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas. (BRASIL, 2015, grifo nosso).

Em uma visão histórica no direito brasileiro, tendo em vista a pessoa com deficiência sempre ter sido tratada como incapaz, as alterações trazidas pelo Estatuto no que se refere ao regime de incapacidades, romperam uma tradição, pois utilizava-se o argumento de proteção, em prejuízo da sua autonomia e, por vezes, da sua dignidade (RIBEIRO, 2015, p. 60). Portanto, o EPD fez uma reformulação no regime das incapacidades, tanto relativa quanto absoluta, que, para melhor esclarecimento é apresentada nos Quadros 2 e 3 a seguir:

Quadro 2 – Mudanças ocorridas com os absolutamente incapazes Absolutamente incapazes (Art. 3º do

CC/2002) Redação original

Absolutamente incapazes (Art. 3º do CC/2002)

Redação após o EPD Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer

pessoalmente os atos da vida civil: I – os menores de 16 (dezesseis) anos;

II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade;

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

Fonte: Tartuce (2018, p. 84-85).

Quadro 3 – Mudanças ocorridas com os relativamente incapazes Relativamente incapazes (Art. 4º do

CC/2002) Redação original

Relativamente incapazes (Art. 4º do CC/2002)

Redação após o EPD Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou

à maneira de os exercer:

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;

IV - os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;

IV - os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.

Fonte: Tartuce (2018, p. 84-85).

Pelas alterações expressas nos quadros supracitados, fica claro que, independentemente da deficiência, seja ela física ou mental, as únicas pessoas legalmente determinadas como sendo totalmente incapazes são os menores de 16 anos, não havendo maiores absolutamente incapazes.

No entendimento de Tartuce (2015): “Não há um novo conceito voltado às pessoas com deficiência paralelo ao conceito geral do CC/2002. Se assim o fosse, haveria um viés

discriminatório que a nova lei exatamente pretende acabar. Em verdade, o conceito de capacidade civil foi reconstruído e ampliado”.

Os grandes debates civilistas têm ocorrido em torno dessa nova ótica de incapacidade trazida pelo novel diploma. Todavia, os críticos deixam de observar o que Assumpção (2015) ressalta:

Fala-se de uma lei fruto de CDPD, da qual o Brasil é um Estado signatário. Assim, não deveria haver estranhamento quanto às questões constantes da Lei nº 13.146/2015, mas sim alteração da visão que hoje vige na sociedade. E para melhor aceitar as mudanças, é necessário compreendê-las.

As novas mudanças, sem dúvida demandarão esforços reiterados da doutrina e da jurisprudência, explica Pereira (2017, p. 228-229): “Para que no afã de se adotar terminologia e tratamento não discriminatórios, não se exponham tais pessoas a toda sorte de riscos, perigos, e golpes, supostamente chancelados pela reforma legislativa”.

Sobre o assunto, lecionam Farias e Rosenvald (2017, p. 339):

Toda pessoa humana é especial pela sua simples humanidade, tenha, ou não, algum tipo de deficiência. Não se justifica, em absoluto, impor a uma pessoa com deficiência o enquadramento jurídico como incapaz, por conta de um impedimento físico, mental, intelectual ou sensorial. Toda pessoa é capaz, em si mesma. E, agora, o sistema jurídico reconhece essa assertiva. Até porque, de fato, evidencia-se discriminatório e ofensivo chamar um humano de incapaz somente por conta de uma deficiência física ou mental.

O Estatuto rompeu definitivamente com a principiologia da pessoa com deficiência e, por não serem mais incapazes, para assegurar-lhes autonomia protetiva, foi implantado um novo instituto que será estudado na sequência.