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Os efeitos do estatuto sobre o instituto da curatela

4 A CURATELA FRENTE ÀS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELO ESTATUTO DA

4.3 O EFEITO ESTRUTURAL CAUSADO PELO ESTATUTO

4.3.3 Os efeitos do estatuto sobre o instituto da curatela

Nos novos moldes da Lei nº 13.146/2015, a curatela enquanto medida judicial de cunho protecionista, fundada na proteção da dignidade da pessoa humana, determina que, para retirar ou limitar a capacidade, não importa apenas presumir, exige-se a comprovação por meio de decisão judicial em procedimento especial próprio para que ela seja deferida, garantindo, assim, a autonomia da pessoa com deficiência.

Sobre tal decisão judicial, no dizer de Farias e Rosenvald (2017, p. 936): “Não pode infringir valores constitucionalmente preservados em favor da pessoa, como a liberdade e a intimidade. [...] Com o advento da norma estatutária não é possível para a curatela de uma pessoa, a pura e simples existência de uma deficiência”.

Portanto, nessa perspectiva civil-constitucional, o Estatuto ocasionou mudanças expressivas no ordenamento jurídico brasileiro, e o instituto da curatela tornou-se um instrumento suplementar que só deverá ser utilizado em situações extremas. Sua concepção define poderes e deveres do curador, que, a partir do Estatuto, passa em regra a ter que respeitar a vontade do curatelado, preservando a esfera personalíssima do relativamente incapaz. (KIM; BOLZAM, 2016, p. 223-224).

Visto que a curatela deve afetar tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, Menezes (2015, p. 18) acrescenta que a curatela perde o fôlego enquanto medida de substituição de vontade e:

No seu estabelecimento, passa-se a atribuir maior relevo às circunstâncias pessoais do próprio curatelado, notadamente às suas preferências, aos seus vínculos de afetividade e aos seus interesses fundamentais. Consolida-se aquele perfil funcional que determina o respeito às escolhas de vida que o deficiente psíquico for capaz, concretamente, de exprimir, ou em relação às quais manifesta notável propensão. Logo, o instituto da curatela segue a partir da nova ótica imposta pela Lei nº 13.146/2015, o que disciplina seu art. 84, in verbis:

Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

§ 1º Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei.

§ 2º É facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada.

§ 3º A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível.

Nesse sentido, na novel legislação, preferiu-se o termo curatela, destinando-se à proteção da pessoa e à prática de determinados atos, que devem se restringir aos patrimoniais, negociais e a interdição, como medida de proibição do exercício de direitos. Nas palavras de Oliveira (2016): “Não se mostra consentânea com a atual tendência de modernização das normas, que vem buscando a inclusão de todas essas pessoas e a busca da autonomia da vontade por elas”.

Enquanto mecanismo protetivo extremo e extraordinário, a curatela não implica, necessariamente, a interdição da pessoa, mas a viabilização de um cuidado especial. Entretanto, ainda que pelas determinações impostas pelo Estatuto a pessoa com deficiência tenha capacidade jurídica plena, inclusive para decidir sobre questões existenciais, não se pode ignorar a possibilidade de existir uma pessoa com deficiência que não detenha o discernimento necessário para atuar nas questões personalíssimas. (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 938- 939).

Sob esta nova ordem, se o sujeito estiver com dificuldades concretas para o exercício de sua capacidade legal, antes de ver ceifada a sua autonomia, leciona Menezes (2015, p. 15) que:

Poderá adotar o processo de tomada de decisão apoiada, medida de apoio mais branda. Excepcionalmente, verificada a ausência do discernimento, por meio das cautelas devidas e, no âmbito do devido processo legal, é que será possível restringir-lhe a autonomia e fixar-lhe a curatela. Aqui teríamos uma medida protetiva mais extremada com o efeito de restringir a capacidade para a prática dos atos civis. No entanto, será sempre proporcional à demanda específica do curatelado e durará pelo menor tempo possível.

Na atual sistematização do EPD, o curador passa a ter função assistencial e não representativa como ocorria anteriormente à sua promulgação, quando este detinha todos os poderes para representar o indivíduo tido como incapaz. Desde a vigência do Estatuto, há apenas o auxílio de um representante legal para auxiliar o incapaz na prática do ato civil, sem, contudo, autorizar a prática do ato sem a participação da pessoa com deficiência. (TOMASEVICIUS FILHO, 2017).

Nos casos em que a pessoa com deficiência não tiver entendimento para decidir uma questão personalíssima, pois a curatela, por uma questão formal, não pode mais assumir o encargo de representação. Restará, então, a proteção assegurada no art. 84, § 3º, que autoriza a indicação de uma curatela menos ampla, podendo o magistrado, desde que movido pelo

convencimento da necessidade da medida, atribuir poderes mais amplos ao curador, na medida da necessidade do curatelado, observando-se sempre a proporcionalidade e as particularidades do caso sob exame. (MENEZES, 2015, p. 22).

Em relação à intervenção sobre os interesses existenciais, o Estatuto disciplina em seu art. 85, § 1º: “Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial. § 1o A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto”. (BRASIL, 2015).

Enquanto mecanismo protetivo extremo e extraordinário, a curatela não implica, necessariamente, a interdição da pessoa, mas a viabilização de um cuidado especial. Ainda assim, o curatelado terá direito a que as decisões praticadas em seu nome visem a alcançar os seus interesses fundamentais. Já em vigor há mais de três anos, resta saber se o Estatuto da Pessoa com Deficiência já refletiu mudanças na jurisprudência brasileira, tema que será abordado no próximo item.