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4 A CURATELA FRENTE ÀS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELO ESTATUTO DA

4.4 O POSICIONAMENTO DA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA

Na busca por julgados que versem sobre o tema estudado, abrangendo o novo paradigma esculpido no Estatuto da Pessoa com Deficiência, ou seja, um novo contexto no que se refere ao regime das incapacidades que consequentemente se reflete nos institutos da interdição e curatela, observa-se que as divergências doutrinárias também estão nas decisões dos julgados dos tribunais brasileiros, demonstrando claramente os pontos positivos e negativos em suas sentenças.

Sendo assim, no entendimento de Menezes (2015, p. 19): “A jurisprudência haverá de construir uma solução conforme os direitos fundamentais da pessoa com deficiência. E, repita-se, o parâmetro oferecido pelo Estatuto continuará sendo uma alternativa jurídica adequada à plataforma dos direitos humanos e fundamentais”.

Nesse contexto, confirma-se o parâmetro supramencionado, por meio da decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, dada pelo Desembargador Elcio Trucillo, que negou provimento em ação de interdição, fundamentando-se na máxima da Lei nº 13.146/2015, de que a deficiência não afeta a plena capacidade, a saber:

CURATELA − AÇÃO DE INTERDIÇÃO − PEDIDO FORMULADO PELA GENITORA EM FACE DA FILHA, SOB A ALEGAÇÃO DE QUE ESTA É PORTADORA DE DOENÇA MENTAL QUE A INCAPACITA PARA GERIR OS ATOS DA VIDA CIVIL − COM O ADVENTO DA LEI 13.146/2015

DEFICIÊNCIA MENTAL OU INTELECTUAL DEIXOU DE SER

CONSIDERADA ABSOLUTAMENTE INCAPAZ, PORQUANTO A

DEFICIÊNCIA NÃO AFETA A PLENA CAPACIDADE – MEDIDA

EXCEPCIONAL E RESTRITA A DIREITOS DE NATUREZA PATRIMONIAL E NEGOCIAL − LAUDO PERICIAL A CONSIGNAR QUE, APESAR DOS PROBLEMAS DE SAÚDE QUE ACOMETEM A RÉ, ELA TEM CONDIÇÕES DE EXERCER OS ATOS DA VIDA CIVIL E GERIR SUA PESSOA E SEUS BENS − CURATELA NÃO CONCEDIDA – SENTENÇA MANTIDA − RECURSO NÃO PROVIDO. (SÃO PAULO, 2017, grifo nosso).

Ademais, Oliveira (2016) explica que: “O juiz nomeará curador, fixará expressamente os limites da curatela, não podendo mais declarar genericamente que esta será total ou parcial, até mesmo porque a incapacidade absoluta agora se restringe aos menores de 16 anos”.

De modo semelhante, também tem decidido o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, inclinando-se ao princípio da dignidade da pessoa humana, conforme recente decisão proferida pelo Desembargador Ricardo Fontes, in verbis:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INTERDIÇÃO. IMPROCEDÊNCIA À ORIGEM. RECURSO DA PARTE AUTORA. INOVAÇÃO LEGISLATIVA. LEI

13.156/2015 − ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ALTERAÇÃO AXIOLÓGICA. PROTEÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ADOÇÃO DA CONCEPÇÃO DIGNIDADE-LIBERDADE. DEFICIENTES. INDIVÍDUOS PLENAMENTE CAPAZES. INTERDIÇÃO

COMO MEDIDA EXTRAORDINÁRIA. INTERDITANDO DIAGNOSTICADO COM RETARDO MENTAL MODERADO E ESQUIZOFRENIA PARANOIDE. DIFICULDADE NA FALA E NA AUDIÇÃO. COMPREENSÃO DO MODO DE VIDA EM SOCIEDADE. RESPOSTA CONCATENADA A TODAS INDAGAÇÕES EFETUADAS DURANTE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. DEPOIMENTO MÉDICO, O QUAL ACOMPANHA O INTERDITADO HÁ 4 ANOS, NO SENTIDO DE EXISTÊNCIA DE CAPACIDADE PARA DISCERNIR ACONTECIMENTOS, ORIENTAR -SE ESPACIALMENTE E PRATICAR ATOS DA VIDA CIVIL. AUSÊNCIA DE DÉFICIT COGNITIVO CAPAZ DE AFETAR A CAPACIDADE DE EXPRESSÃO DA PRÓPRIA VONTADE. MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL PELO DESPROVIMENTO DO RECLAMO. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (SANTA CATARINA, 2018, grifo nosso).

Por outro lado, no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a interdição foi homologada frente ao seu pedido, com fundamento na incapacidade absoluta, violando a imposição do Estatuto da Pessoa com Deficiência que, após sua promulgação, assegura a não existência de pessoas maiores de idade absolutamente incapazes, como decidiu o Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, nestes termos:

INTERDIÇÃO. PESSOA QUE APRESENTA PATOLOGIA QUE A INCAPACITA PARCIAL E PERMANENTEMENTE PARA OS ATOS DA VIDA CIVIL. NECESSIDADE DE PROTEÇÃO. INTERDIÇÃO TOTAL. 1. A interdição é um instituto com caráter nitidamente protetivo da pessoa, não se podendo ignorar que constitui também uma medida extremamente drástica, e, por essa razão, é imperiosa a adoção de todas as cautelas para agasalhar a decisão de

privar alguém da capacidade civil, ou deixar de dar tal amparo quando é incapaz. 2. Como o interditando apresenta quadro com inequívocas e severas limitações e não possuindo condições de exercer as atividades da vida civil, não tendo capacidade para defender adequadamente os seus interesses, nem de consentir com o casamento, nem de cuidar do próprio tratamento, é cabível a interdição para todos os atos. Recurso provido. (RIO GRANDE DO SUL, 2018, grifo nosso).

Na mesma linha de entendimento, no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, o Desembargador Sandoval de Oliveira, apesar de aludir o que disciplina o art. 84, § 3º, do EPD, isto é, decretou a curatela integral por entender ser a pessoa com deficiência no caso em tela incapaz para todos os atos, ferindo diretamente o que prevê o art. 85 da mesma Lei:

CIVIL. AÇÃO DE INTERDIÇÃO. ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. REGIME DE INCAPACIDADES. PESSOA MAIOR. INCAPACIDADE RELATIVA. CURATELA. MEDIDA EXCEPCIONAL. REPRESENTAÇÃO. ATOS DE NATUREZA NEGOCIAL E PATRIMONIAL. 1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedente o pedido para decretar a curatela integral da apelante, sem quaisquer limites, declarando-a absolutamente incapaz de praticar os atos da vida civil, nomeando-lhe curadora a sua filha, autora, com poderes integrais para representá-la. 2. Inexiste interesse recursal quanto ao pedido de concessão da gratuidade de justiça, pois concedido na origem. 3. Com a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/2015), há de se respeitar a capacidade remanescente do deficiente, havendo o curador de representá-lo apenas nos atos em que esteja efetivamente incapaz de realizar. 4. A ação de interdição tem por fim a declaração de incapacidade de determinada pessoa, por meio da qual o interditado não mais poderá praticar atos da vida civil por si só, sendo necessária a nomeação de um curador para representá-la. 5. No tocante à curatela, o Estatuto passa a restringi-la a atos relacionados aos direitos de natureza

patrimonial e negocial, devendo ser aplicada como medida excepcional, proporcional às necessidades do curatelado. 6. No caso em apreço, a interditanda

não mais possui capacidade de autodeterminação suficiente para gerir sua própria vida ou administrar os seus bens, necessitando de cuidados permanentes e contínuos.

Todavia, seguindo a lógica do Estatuto da Pessoa com Deficiência, conjugado com o Código Civil, não poderá ser considerada absolutamente incapaz, por se tratar de hipótese de incapacidade relativa. 7. Apesar da incapacidade relativa, descabe falar em mera assistência, pois insuficiente para suprir às necessidades da requerida. 8. Recurso parcialmente conhecido e parcialmente provido.

(DISTRITO FEDERAL, 2018, grifo nosso).

Por conseguinte, pontuam Pinheiro e Both (2017, p. 230): “A solução que melhor se coaduna com a Lei nº 13.146/2015 é a gradação da curatela, na exata medida da ausência de discernimento, reservando-se somente aos atos patrimoniais”. No entanto, nos casos em que comprovadamente o curador não lhe presta assistência, deixando o curatelado à margem de cuidados fundamentais à sua saúde e ao desenvolvimento enquanto pessoa humana, este poderá ser destituído do encargo, como ocorreu no julgado em que o Desembargador Ricardo Moreira

Lins Pastl, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, deferiu a manutenção da sentença em que foi determinada a remoção do curador, in verbis:

APELAÇÃO CÍVEL. SUBSTITUIÇÃO DE CURADOR. MAUS TRATOS. CONFIGURAÇÃO. REMOÇÃO DO ENCARGO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. Irretocável a sentença que destituiu o apelante do encargo de curador de seu irmão, pois amplamente comprovado que, além de agredi-lo fisicamente, sequer atendia as suas necessidades básicas (alimentação, moradia, vestuário, higiene). APELAÇÃO DESPROVIDA. (RIO GRANDE DO SUL, 2018).

O que se apreende é que, os tribunais brasileiros não são uníssonos sobre as decisões no que tange à capacidade civil da pessoa com deficiência, decidindo tanto na forma da teoria da capacidade vigente antes da Lei nº 13.146/2015, quanto nos ditames após a promulgação da novel legislação e, por conseguinte, a curatela é viabilizada fora dos moldes impostos pelo Estatuto. A jurisprudência caminha timidamente, a passos pequenos, na adequação do novo paradigma instituído pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, construção de uma cultura arraigada no pensamento patrimonialista em detrimento aos direitos personalíssimos da pessoa com deficiência.