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4 A CURATELA FRENTE ÀS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELO ESTATUTO DA

4.3 O EFEITO ESTRUTURAL CAUSADO PELO ESTATUTO

4.3.2 O Estatuto e as interdições em curso

As alterações promovidas pelo Estatuto trouxeram uma nova versão do estado individual da pessoa natural, ou seja, a sua capacidade. Desse modo, por incidirem na dimensão existencial da pessoa física, têm eficácia e aplicabilidade imediatas. Por isso, Gagliano (2016) declara que: “Com efeito, estando em curso um procedimento de interdição − ou mesmo findo − o interditando (ou interditado) passa a ser considerado, a partir da entrada em vigor do Estatuto, pessoa legalmente capaz”.

Todavia, não sendo o caso de se converter o procedimento de interdição em rito de tomada de decisão apoiada, a interdição em curso poderá seguir o seu caminho, desde que, advertem Thomasi e Silva (2017, p. 98), sejam observados: “Os limites impostos pelo Estatuto, especialmente no que toca ao termo de curatela, que deverá expressamente consignar os limites de atuação do curador, o qual auxiliará a pessoa com deficiência apenas no que toca à prática de atos com conteúdo negocial ou econômico”.

Complementam ainda os mesmos autores explicando sobre as interdições concluídas que:

Não sendo o caso de se intentar o levantamento da interdição ou se ingressar com novo pedido de tomada de decisão apoiada, os termos de curatela já lavrados e expedidos continuam válidos, embora a sua eficácia esteja limitada aos termos do Estatuto, ou seja, deverão ser interpretados em nova perspectiva, para justificar a legitimidade e autorizar o curador apenas quanto à prática de atos patrimoniais. (THOMASI; SILVA, 2017, p. 98).

O grande problema trazido com o EPD em relação às interdições em curso reside, na reflexão de Tartuce (2017), na dúvida em saber qual a ação cabível em casos de reconhecimento de incapacidade:

Se a ação de interdição – como está no CPC/2015 –, ou se a ação de nomeação de curador – como pretende, na essência, o citado Estatuto. Uma dessas questões pendentes diz respeito à situação das pessoas que se encontram interditadas quando da entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Passam elas a ser automaticamente capazes ou há necessidade de uma ação – e consequente sentença – para o levantamento da interdição?

A doutrina se divide em duas vertentes, sendo uma delas a que as pessoas com deficiência após a vacatio legis da Lei nº 13.146/2015 passam a ser plenamente capazes. Logo, o levantamento da interdição é desnecessário, já que em razão da proposição do EPD ‘a deficiência não afeta a plena capacidade civil’ e, por isso, foram revogados os artigos 3º e 4º do CC/2002, extinguindo-se as capacidades absoluta e relativa. (LÔBO, 2015).

Com efeito, levando-se em consideração a eficácia da Lei de estado que atinge todos que se encontram naquela situação, a automática capacidade está de acordo com as determinações do Estatuto que sequer permite que a interdição subsista e, por fim, não há como se manter decisão com base em lei revogada, impossível se falar em interdição. (SIMÃO, 2017).

De forma esmiuçada, o mesmo autor ainda certifica que:

A interdição leva em conta a incapacidade. Se não há incapacidade em razão de doença ou deficiência, a propositura de uma ação para comprar a revogação do texto de lei seria processo inútil e custoso. Qual seria o contraditório a ser estabelecido? Sobre a revogação dos dispositivos do CC? E seria custoso em termos de esforço do Poder Judiciário para dizer o óbvio: não há mais interdição, nem incapacidade em razão de deficiência. Em suma, não mais qualquer pessoa interditada por deficiência, com base nos incisos II e III do art. 3º do CC, nem com base no art. 4º, III do CC, desde janeiro de 2016, independentemente de nova decisão judicial. (SIMÃO, 2017). Então, devido ao Estatuto impor normas de cunho existencial que alteram o estado de uma pessoa humana, alcança, portanto, as situações jurídicas anteriores e, consequentemente, sua eficácia imediata é plena, independentemente da prática de qualquer ato. (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 932).

Por outro lado, a outra corrente da qual Gagliano (2016) faz parte também defende que deve ser necessária uma ação de reabilitação ou de levantamento da interdição com tais fins, e leciona que:

Não sendo o caso de se intentar o levantamento da interdição ou se ingressar com novo pedido de tomada de decisão apoiada, os termos de curatela já lavrados e expedidos continuam válidos, embora a sua eficácia esteja limitada aos termos do Estatuto, ou seja, deverão ser interpretados em nova perspectiva, para justifi car a legitimidade e autorizar o curador apenas quanto à prática de atos patrimoniais. Seria temerário, com sério risco à segurança jurídica e social, considerar, a partir do Estatuto, ‘automaticamente’ inválidos e ineficazes os milhares − ou milhões − de

termos de curatela existentes no Brasil. Até porque, como já salientei, mesmo após o Estatuto, a curatela não deixa de existir.

Afirmando que a Lei nº 13.146/2015 gerou uma série de problemas jurídicos, principalmente pela ausência de qualquer previsão a respeito de maiores que sejam absolutamente incapazes, Tartuce (2017) também filia-se à segunda posição e é categórico em suas palavras fundamentando-se:“na estabilidade social e na proteção do ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI, da CF/1988), para os casos de pessoas que se encontrarem interditadas na entrada em vigor do EPD, será necessária uma ação de levantamento da interdição, para o retorno da plena capacidade civil”.

Tendo em vista que o Estatuto não admite mais a incapacidade absoluta, Kim e Bolzam (2016, p. 226) advogam a ideia de que: “Toda a interdição já decretada deverá, pela nova sistemática normativa, passar por revisão judicial, ainda que transitada em julgado, posto que o novo ordenamento jurídico exige a necessária adaptação”.

O que se espera é que, entre muitos outros problemas da novel legislação, os das interdições em curso sejam sanados pelo Projeto de Lei nº 757/2015, em curso no Senado Federal.

O projeto foi proposto pelos senadores Antônio Carlos Valadares e Paulo Paim e, em 03/09/2018, a matéria foi entregue à relatora, Senadora Lídice da Mata, para análise das adequações propostas. A justificação segundo os autores encontra-se: “Na gravíssima falha que, causará enormes prejuízos às pessoas que, por qualquer causa, tenham discernimento reduzido ou não tenham plena capacidade de manifestar a própria vontade”. (BRASIL, 2015). O Substitutivo ao Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 757, de 2015, aprovado definitivamente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em 20 de junho de 2018, em caráter terminativo e por unanimidade (19 votos), foi adotado definitivamente em turno suplementar, e nenhum recurso foi apresentado até o término do prazo para que fosse interposto, em 3 de julho de 2018. (BRASIL, 2018).

Seguiu para a Câmara Federal, onde também deverão ser ouvidas, em homenagem ao lema “Nada sobre nós sem nós”, pessoas com deficiência e suas organizações representativas, juristas, especialistas e outras pessoas, entidades e instituições interessadas no aprimoramento ou simples aprovação do texto. (FIGUEIREDO, 2018).

Sobre o assunto, Gagliano (2016) ainda assevera que: “Seria temerário, com sério risco à segurança jurídica e social, considerar, a partir do Estatuto, ‘automaticamente’ inválidos e ineficazes os milhares − ou milhões − de termos de curatela existentes no Brasil. Até porque, mesmo após o Estatuto, a curatela não deixa de existir”.

Até que o PLS nº 757 de 2015 defina se as alterações sugeridas por seus autores serão ou não aprovadas em sua íntegra, e preencha as lacunas que fizeram surgir o silogismo sobre elas, os doutrinadores defenderão cada um seu entendimento, provocando grandes controvérsias sobre a interdição, e, por isso, faz-se necessário entender os efeitos causados no instituto da curatela.