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Ética e deontologia do fotojornalismo: estudo de caso sobre a prática fotojornalística contemporânea nos conflitos do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (AM) e da Penitenciária Estadual de Alcaçuz (RN)

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA MÍDIA

EMANUELE DE FREITAS BAZÍLIO

ÉTICA E DEONTOLOGIA DO FOTOJORNALISMO:

ESTUDO DE CASO SOBRE A PRÁTICA FOTOJORNALÍSTICA

CONTEMPORÂNEA NOS CONFLITOS DO COMPLEXO PENITENCIÁRIO ANÍSIO JOBIM (AM) E DA PENITENCIÁRIA ESTADUAL DE ALCAÇUZ (RN)

NATAL/RN 2020

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2 EMANUELE DE FREITAS BAZÍLIO

ÉTICA E DEONTOLOGIA DO FOTOJORNALISMO:

ESTUDO DE CASO SOBRE A PRÁTICA FOTOJORNALÍSTICA

CONTEMPORÂNEA NOS CONFLITOS DO COMPLEXO PENITENCIÁRIO ANÍSIO JOBIM (AM) E DA PENITENCIÁRIA ESTADUAL DE ALCAÇUZ (RN)

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, área de concentração: Comunicação Midiática.

LINHA DE PESQUISA: ESTUDOS DA MÍDIA

E PRÁTICAS SOCIAIS.

ORIENTADOR: PROF. DR. ITAMAR DE

MORAIS NOBRE.

CO-ORIENTADORA: PROFA. DRA. DENISE

CARVALHO DOS SANTOS RODRIGUES

NATAL/RN 2020

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3 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA

Bazilio, Emanuele de Freitas.

Ética e deontologia do fotojornalismo: estudo de caso sobre a prática fotojornalística contemporânea nos conflitos do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (AM) e da Penitenciária Estadual de Alcaçuz (RN) / Emanuele de Freitas Bazilio. - Natal, 2020.

167f.: il. color.

Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2020.

Orientador: Prof. Dr. Itamar de Morais Nobre.

Coorientador: Profa. Dra. Denise Carvalho dos Santos Rodrigues.

1. Mídia - Dissertação. 2. Fotojornalismo - Dissertação. 3. Direitos -

Dissertação. 4. Conflito - Dissertação. 5. Privados de Liberdade - Dissertação. I. Nobre, Itamar de Morais. II. Rodrigues, Denise Carvalho dos Santos. III. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 77.044

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4 EMANUELE DE FREITAS BAZÍLIO

ÉTICA E DEONTOLOGIA DO FOTOJORNALISMO:

ESTUDO DE CASO SOBRE A PRÁTICA FOTOJORNALÍSTICA

CONTEMPORÂNEA NOS CONFLITOS DO COMPLEXO PENITENCIÁRIO ANÍSIO JOBIM (AM) E DA PENITENCIÁRIA ESTADUAL DE ALCAÇUZ (RN)

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestra pelo Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, na linha de pesquisa Estudos da Mídia e Práticas Sociais.

Dissertação apresentada e _____________________ em _____/_____/_______, pela banca examinadora composta dos seguintes membros:

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________ Prof. Dr. Itamar de Morais Nobre (Orientador)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) - Presidente

___________________________________________________________

Profa. Dra. Lívia Cirne de Azevedo Pereira

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) – Examinadora interna ___________________________________________________________

Prof. Dr. José Afonso da Silva Junior

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DEDICATÓRIA

Ao meu pai Manoel do Coco (in memorian), fonte de inspiração e força espiritual.

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AGRADECIMENTOS

Quero começar agradecendo a Deus e a espiritualidade que me sustentaram em tantos momentos, enviando forças, mensagens e inspirações. Tenho um bom time de anjos da guarda, que tão bem me conduziram até aqui. Sinto-os comigo a todo instante. Sei também que junto a eles está meu pai, Manoel do Coco, o primeiro pesquisador a me inspirar, tem muito dele em mim: um tanto de poesia e curiosidade. A vida acadêmica não é fácil, são noites mal dormidas ou em claro, e a ansiedade corrói tudo por dentro, tem dias que a única coisa que produzimos são lágrimas. Para quem vê de fora é difícil entender, e é por isso que eu agradeço imensamente ao meu amor, Alcimar, por todo apoio, carinho, afeto, força e compreensão, peço desculpas por tantas noites em que não amanheci ao seu lado, mas sei que você sempre entendeu esse processo.

Agradeço à minha mãe, Elisabete, pelo brilho nos olhos que carrega quando me vê alcançando meus objetivos e por ser minha maior admiradora. Como também á Eriane, minha madrinha e segunda mãe que sempre acende uma velinha e reza pelos meus sonhos e pela minha vida. À minha sogra, Gessimar, pelo apoio e carinho de sempre. À João, Julia e Lia, minhas fontes de amor a quem dedico todas às minhas conquistas.

Durante o mestrado, eu tive o privilégio de ter ao meu lado três grandes amigas, Alice, Andriellle e Luciana, não canso de dizer que vocês são a minha sorte. Foram muitos cafés, estudos, desabafos, demonstrações de carinho e muito empenho em sermos sempre força umas das outras, eu não teria conseguido sem vocês, obrigada.

Agradeço também aos colegas do programa que se tornaram amigos, Erick, Danilo, Gunther, Larissa, Sarah, João Paulo, Madja, Lucas e Emily, em vários momentos vocês foram inspiração e força, assim como os demais colegas com quem dividi momentos acadêmicos importantes para o meu desenvolvimento.

Às amigas da vida toda, Cris, Luana e Nanda, obrigada por tantas vezes que me ouviram desabafar e não desistiram de mim, por sempre terem as mais belas

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7 palavras de incentivo e torcerem pelo meu sucesso. À Thiago, meu amigo querido, apoiador e conselheiro com quem dividi minhas angústias em tantos momentos.

Toda a minha gratidão e admiração à Profa. Dra. Denise Carvalho, coorientadora dessa dissertação, mas, principalmente, minha maior inspiração nesse mestrado, mulher, negra, pesquisadora e dona de uma gentileza que a faz ser meu referencial na docência. Agradeço ao meu orientador, o Prof. Dr. Itamar de Morais Nobre, pelo caminho percorrido até aqui, desde a graduação.

Aos professores que aceitaram compor a minha banca de defesa, a Profa. Lívia Cirne de Azevêdo Pereira e o Prof. José Afonso da Silva Jr. Agradeço também à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão de uma bolsa de estudos que me possibilitou dedicação à vida acadêmica. À UFRN, minha segunda casa, lugar que me faz alcançar caminhos inimagináveis. Aos professores e professoras do Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia por todo aprendizado e evolução, assim como aos servidores que compõem o PPGEM.

E por fim, espero que a minha dissertação possa servir de inspiração na luta pelos direitos humanos, pela ética, pela manutenção da dignidade humana e por uma prática fotográfica não violadora de direitos. Essa pesquisa me levou à realidade carcerária brasileira e despertou a vontade de seguir na linha da comunicação responsável e reflexiva. Nenhuma imagem vale mais do que a dignidade humana. Nenhuma vida vale mais do que a outra.

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EPÍGRAFE

“A foto deixou de ser um testemunho para fazer parte da cenografia que nos cerca”.

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RESUMO

Este trabalho apresenta um estudo de caso sobre a conduta profissional dos fotojornalistas, à luz dos direitos e preceitos éticos envolvidos nos conflitos, nas unidades prisionais Complexo Penal Anísio Jobim (AM) e Penitenciária Estadual de Alcaçuz (RN), ocorridos em janeiro de 2017. Contextualizam-se os dois casos estudados (AM e RN) e reflete-se a partir dos códigos, leis e condutas que envolvem a profissão do fotojornalista. Propõe-se uma contribuição à deontologia do fotojornalismo, contribuição inédita nos estudos da área, com base na análise das questões éticas e dos direitos que envolvem a imprensa, a população carcerária e seus familiares. Na coleta de dados, foram entrevistados seis fotojornalistas e um jornalista a fim de estruturar material suficiente para o entendimento da conduta dos profissionais. Metodologicamente, baseou-se no estudo de caso descritivo (GIL, 2008) e como resultado percebeu-se a evidência de práticas fotojornalísticas tanto transgressoras de direitos quanto preocupadas com a imagem e com a exposição do outro. Em vista disso, observou-se a ausência do Estado na manutenção dos direitos dos privados de liberdade e de suas respectivas imagens. Infere-se que a contemporaneidade provoca a pensar novos modos de atuação profissional na mídia, nos quais a ética e os direitos básicos devem ser garantidos para manutenção da dignidade humana.

PALAVRAS-CHAVES:

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ABSTRACT

This work presents a case study on the professional conduct of photojournalists, in the light of the rights and ethical precepts involved in conflicts, in the prison units Complexo Penal Anísio Jobim (AM) and Peniteciária Estadual de Alcaçuz (RN), which took place in January 2017. The two cases studied (AM and RN) are contextualized and reflected from the codes, laws and conducts that involve the photojournalist's profession. A contribution to the deontology of photojournalism is proposed, unprecedented contribution to studies in the area, based on the analysis of ethical questions and rights involving the press, the prison population and their familiars. In data collection, six photojournalists and a journalist were interviewed in order to structure enough material to understand the professionals' conduct. Methodologically, it was based on a descriptive case study (GIL, 2008) and as a result the evidence of photojournalistic practices that were both violating rights and concerned with the image and exposure of the other was perceived. In view of this, the absence of the State in maintaining the rights of the deprived of liberty and their respective images was observed. It is inferred that contemporaneity provokes to think about new ways of professional performance in the media, in which ethics and basic rights must be guaranteed to maintain human dignity.

KEYWORDS:

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Soldados britânicos em momentos de distração 28

Figura 2 – Menino sírio em ambulância 33

Figura 3 - Privado de liberdade segura pedaço de braço carbonizado 34

Figura 4 - Presos mortos são levados pelo ITEP 37

Figura 5 - Esquema de representação da realidade exterior e interior das imagens 38

Figura 6 - Mãe de privado de liberdade em momento de sofrimento (Caso RN) 40

Figura 7 - Covas das vítimas do conflito caso AM 42

Figura 8 - Familiares apreensivos por notícias dos privados de liberdade (caso AM) 44 Figura 9 - Mulher aflita por notícias do filho privado de liberdade (Caso AM) 44

Figura 10 - Ex-presidente Lula em palestra 56

Figura 11 - Organograma metodológico 59

Figura 12 - Etnia/cor das pessoas privadas de liberdade e da população total 78

Figura 13 - Déficit e vagas da população em unidades prisionais 79

Figura 14 – Print da localização do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (AM) 86

Figura 15 - Print de vídeo feito de dentro do Compaj por encarcerados 87

Figura 16 - Preparação de covas para vítimas do conflito no Compaj 88

Figura 17 - Print da localização da Penitenciária Estadual de Alcaçuz (RN) 93

Figura 18 - Conflito entre facções 94

Figura 19 - Fotojornalistas e jornalistas em cima das dunas de Alcaçuz (RN) 95

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 13

2. FOTOJORNALISMO, IMAGEM E CONDUTA PROFISSIONAL ... 25

2.1. Da fotografia de imprensa à legitimação do fotojornalismo ... 25

2.2. Exploração da imagem, fotojornalismo e contemporaneidade ... 35

2.3. Conduta profissional e ética do fotojornalista ... 45

2.4. Responsabilidade social da imprensa ... 50

2.4.1. Até onde vai a liberdade de expressão e de imprensa? ... 51

2.4.2. Direitos relacionados à informação, à comunicação e à imagem ... 52

3. DEONTOLOGIA DO FOTOJORNALISMO ... 55

3.1. Questões éticas e deontológicas reguladoras da profissão ... 55

3.2. Liberdades de imprensa e de expressão e o direito à imagem ... 60

3.3. Direitos dos fotografados em rebeliões e conflitos ... 65

3.3.1. Sensacionalismo no fotojornalismo e a lei de execução penal... 66

4. ESTUDO DE CASO AMAZONAS E RIO GRANDE DO NORTE: ESTADOS EM GUERRA CARCERÁRIA ... 70

4.1. Trajetória metodológica da pesquisa ... 70

4.2. Perfil dos fotojornalistas do caso am e rn ... 73

4.3. Crise do sistema carcerário brasileiro ... 76

4.4. Análise da conduta profissional nos casos estudados ... 84

4.4.1. Caso AM – Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) ... 85

4.4.2. Caso RN – Penitenciária Estadual de Alcaçuz ... 92

4.5. A FUNÇÃO SOCIAL DO FOTOJORNALISMO CONTEMPORÂNEO EM REBELIÕES ... 99

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 102

REFERÊNCIAS ... 105

APÊNDICES ... 109

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1. INTRODUÇÃO

No mês de janeiro de 2017, o sistema prisional brasileiro teve suas estruturas abaladas por dois dos maiores conflitos/rebeliões penitenciárias da história do país. Tudo começou quando no dia primeiro, tarde de um domingo, seis corpos foram jogados para fora do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj)1, localizado em Manaus, Amazonas, região Norte do Brasil. De acordo com o portal de notícias G1 AM2, o conflito3 durou mais de 17 horas e terminou com 56 mortes, considerado o maior massacre do sistema prisional do Estado. O Compaj abrigava 1.224 detentos, mas tinha capacidade para 454, naquele momento estava superlotado. Motivados por uma briga entre facções, os presos iniciaram o motim e fizeram 12 agentes carcerários de reféns.

Segundo os fotojornalistas entrevistados4 para essa pesquisa, era dia de visita. Pais, mães, filhos, esposas estavam à espera de confraternizar junto aos seus familiares o ano que se iniciava. Na entrada, muitas pessoas esperavam a hora de entrar, enquanto outras já estavam no interior do presídio. Nesse momento, ouviram-se tiros e bombas que vinha de dentro do Complexo Penitenciário Anísio Jobim. Fecharam-se os portões, quem estava do lado de fora ficou impossibilitado de entrar e os que estavam dentro, de sair. Começou, então, o tumulto, foco da cobertura fotojornalística desse caso, que envolveu agentes de segurança e familiares dos privados de liberdade – a escolha do uso desse termo se dá pelo significado da palavra e pela inserção desses indivíduos no sistema prisional que os priva de liberdade, já que as outras denominações caracterizam pessoas que são condicionadas à punição.

Na semana seguinte ao acontecido em Manaus, o Estado do Rio Grande do Norte, localizado na região Nordeste do país, ganhou destaque na mídia nacional com

1 Utilizaremos ao longo do texto a denominação Caso AM para nos referirmos ao conflito no Compaj. 2 Disponível em: <https://glo.bo/2yvlPD1>. Acesso em: 26 de julho de 2018.

3Optamos, a partir dos aprofundamentos deste estudo, por escolher o termo ‘conflito’ ao invés de

‘rebelião’, pois os aprisionados não se rebelaram contra o estado, mas sim entraram em conflito entre eles.

4 As entrevistas com os seis jornalistas, três de cada caso, serão analisadas e disponibilizadas no

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14 o conflito na Penitenciária Estadual de Alcaçuz – Dr. Francisco Nogueira Fernandes5, no município de Nísia Floresta, inaugurada em março de 1998, detentora de estrutura de segurança máxima, considerada o maior presídio do estado, com capacidade para 600 presos, segundo a Secretaria de Justiça e Cidadania do RN (SEJUC). O conflito começou em 14 de janeiro de 2017, 1.150 detentos ocupavam os pavilhões do estabelecimento prisional, o qual já havia sido alvo constante de fugas e depredações cometidas pelos privados de liberdade. Esse era o cenário de Alcaçuz quando se instalou a maior guerra de facções em uma unidade prisional já vista pelos norte-rio-grandenses6, a qual durou mais de 14 horas e terminou com 26 mortos e mais de 70 desaparecidos7.

Conforme divulgado pelo G1 e apurado durante as entrevistas desta pesquisa, era dia de visita social quando os internos do pavilhão quatro, que possuíam ligação com o Sindicato do Crime do RN, perceberam algo errado. Viram que, por pequenos buracos escavacados nas paredes das celas, os outros detentos, da facção rival, o Primeiro Comando da Capital (PCC), circulavam livremente de rostos cobertos, com armas de fogo, coletes à prova de bala e bombas de efeito moral, material que teria sido saqueado do próprio sistema prisional. Deu-se início ao maior e mais violento conflito em unidades prisionais da história do estado, que contou com presos mutilados, esquartejados e decapitados.

Os momentos críticos desses episódios de medo, violência e dor que assombraram não só os potiguares e manauaras, como todo o país, foram divulgados na mídia local, nacional e internacional como símbolo do caos carcerário existente no Brasil8. Jornais, emissoras de TV, rádios, sites de notícias e páginas de redes sociais enviaram seus correspondentes, repórteres, cinegrafistas e fotojornalistas para cobrir um dos acontecimentos mais midiatizados já registrados no AM e no RN.

5 Utilizaremos ao longo do texto a denominação Caso RN para nos referirmos ao conflito em Alcaçuz. 6 Disponível em: <https://bit.ly/2zhN9VO>. Acesso em 27 de julho de 2018.

7 Disponível em: <https://bit.ly/3c05HXM>. Acesso em 08 de agosto de 2018. 8 Disponível em: <https://bit.ly/2LXsRDr>. Acesso em 18 de outubro de 2018.

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15 O fato de a Penitenciária de Alcaçuz ter sido construída em meio às dunas9 favoreceu a prática fotojornalística, já que os profissionais se instalaram nelas para obterem acesso ao que acontecia dentro da penitenciária. Diferentemente do que ocorreu no caso da cobertura do conflito no complexo penal de Manaus, na qual os muros e a falta de locais próximos que permitissem a visão do que acontecia dentro do presídio impediram o registro da parte interior do prédio. As fotografias, no caso do RN, foram mais impactantes e mostraram os confrontos e os acordos do conflito. Em contrapartida, as produções no caso do AM referiam-se às expressões e os protestos das famílias dos privados de liberdade em frente ao complexo, dada a impossibilidade de fotografar o que acontecia internamente.

Conflitos como esses refletem em grandes coberturas jornalísticas, porque a mídia está presente em todos os aspectos da vida cotidiana. Por meio da mediação – processo de produção coletiva de significados, dos quais participam os meios de comunicação, os espectadores, tecnologias e instituições sociais – criamos nossas impressões e entendimentos sobre dada situação (SILVERSTONE, 2002). Nos casos dos dois conflitos, houve divulgação das imagens pelos próprios privados de liberdade que, portando celulares, comunicavam-se com a sociedade por meio de seus aplicativos de conversa. Havia um interesse em mostrar o que acontecia no interior dos presídios e, por outro lado, uma demanda por essas informações de quem estava fora.

Sobre o interesse da sociedade a respeito de temas de conflitos como rebeliões, massacres ou desastres, têm-se as contribuições de Sontag (2003):

As informações sobre o que se passa longe de casa, chamadas de notícias, sublinham conflito e violência – “Se tem sangue, vira manchete” – [...] aos quais se reagem com compaixão, ou indignação, ou excitação, ou aprovação, à medida que cada desgraça se apresenta (grifo da autora) (2003, p. 20).

A partir disso, compreende-se o trabalho da mídia objetivando noticiar e registrar esse episódio. E, nesse cenário midiático, ressalta-se a prática do

9 As dunas são uma espécie de montanha de areia modificada a partir do vento. A Penitenciária

Estadual de Alcaçuz está rodeada de dunas. Durante a cobertura, os fotojornalistas se posicionam em cima das dunas para obter registros fotográficos do conflito em Alcaçuz.

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16 fotojornalismo de conflito, escolhida como recorte de estudo sobre o qual desenvolve-se esta pesquisa científica, incorporando-a às questões éticas, aos direitos humanos e civis, como também dos riscos profissionais enfrentados em situações como os conflitos acontecidos no Amazonas e no Rio Grande do Norte, nas quais os profissionais são colocados frente a frente ao confronto.

Sontag (2003, p. 32) menciona o papel desempenhado pelo fotojornalismo de conflito durante a segunda guerra mundial: “a guerra de 45 conferiu aos fotojornalistas uma nova legitimidade”. A autora refere-se a credibilidade e confiança empregada nas fotografias do conflito, visto que a sociedade recebia essas imagens como retrato do que acontecia nos combates, muito embora o fotojornalismo de conflito tenha sido iniciado no período da guerra da Crimeia (1854-1856), quando, com o objetivo de fazer registros topográficos10, dois jovens oficiais, Brandon e Dawson, são enviados juntos às tropas para registrarem os momentos do conflito (SOUGEZ, 2001).

Mas só em 1880 que a primeira fotografia foi publicada em um jornal, pelo Daily Graphic em Nova York. A partir disso, avanços tecnológicos contribuíram para o desenvolvimento da fotografia de imprensa. Desde então, o fotojornalismo foi ganhando espaço na sociedade como forma representação de um mundo novo às massas, as quais só tinham acesso, até então, ao que acontecia próximo a elas, em suas ruas, vilarejos e povoados (FREUND, 1995)11.

O mundo passou a ser registrado e estampado em capas de jornais e revistas. Por isso, a autora defende a tese de que a inserção da fotografia na imprensa muda a visão das massas, “abre-se uma janela para o mundo. Os rostos das personagens políticas, os acontecimentos que têm lugar no próprio país ou fora de fronteiras tornam-se familiares” (FREUND, 1995, p. 107). Ainda de acordo com ela, a fotografia “inaugura o mass media visuais quando o retrato individual é substituído pelo retrato coletivo. Ela torna-se ao mesmo tempo num poderoso meio de propaganda e de manipulação” (1995, p. 107).

10 Registros que demonstram como é a área/superfície de determinado local.

11 Dissertaremos sobre o início da fotografia de imprensa de forma mais aprofundada no próximo

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17 Apesar da ideia que persegue a fotografia desde sua criação – de que as imagens obtidas pelas câmaras são o reflexo do real, a verdade visual de uma cena, o testemunho ocular dos fatos – é fato que no final do século XIX a manipulação já era uma realidade. Além da manipulação mecânica e tecnológica, há a manipulação intelectual, isso porque, ao fazer um registro, o fotojornalista “tem de discernir a ocasião em que os elementos representativos que observa adquirem um posicionamento tal que permitirão ao observador atribuir claramente à mensagem fotográfica o sentido desejado pelo fotojornalista” (SOUSA, 2002, p. 10). Nesses instantes, a verdade, representada pela fotografia obtida, passa a ser aquilo que deseja ser mostrado pelo fotógrafo, não necessariamente o real da cena.

Notamos, assim, que o fotojornalista em seu ofício se relaciona a todo momento tanto com a sociedade quanto com suas próprias impressões. Dessa forma, precisamos refletir sobre a conduta desses profissionais e os fatores envolvidos no fazer fotográfico. Por isso, ao longo deste estudo, buscaremos responder aos seguintes questionamentos: como se deu a prática fotojornalística nos casos AM e RN? Quais os códigos relacionados à prática do fotojornalismo? Quando colocados diante de situações equiparadas aos referentes conflitos, quais são os direitos e os limites éticos dos fotojornalistas? Quanto aos fotografados, quais os direitos a eles garantidos? A fim de responder e entender essas indagações, optou-se por empreender o método do estudo de caso para os dois conflitos, AM e RN.

Nesse contexto, apresenta-se necessária a promoção e o debate sobre prática fotojornalística a partir de uma ótica contemporânea que tende a ser mais reflexiva, ética e preocupada com o fotografado e com os processos envolvidos na captura de uma fotografia. Objetivamos, dessa forma, verificar as práticas e as condutas profissionais dos fotojornalistas, as leis, códigos e normas que regem a profissão, além dos direitos constitucionais relacionados à imagem, a fim de compreender as práticas enraizadas no fazer fotojornalístico.

Os dois conflitos ocorridos nas unidades prisionais do AM e do RN possuem particularidades e semelhanças passíveis de estudo e aprofundamento. Diante disso, a prática fotojornalística nesses dois conflitos compreende o objeto de estudo desta

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18 pesquisa, junto aos diretos comunicacionais e institucionais envolvidos no dia a dia desses profissionais e dos fotografados.

No que se refere à deontologia midiática – composta pelos artigos da Constituição, leis e decretos que regulamentam a comunicação –, que abrange não só a fotografia de imprensa como todos os meios da mídia, apresenta-se a carência de estudos relacionados às normas que envolvem o fotojornalismo, suas leis, regulamentações e condutas éticas. A partir dessa lacuna, relacionamos os códigos e leis que abordam as práticas fotojornalísticas aos dois casos de conflitos estudados a fim de contribuir para uma fundamentação específica da deontologia do fotojornalismo.

Partimos do objetivo geral de investigar a conduta ética e profissional do fotojornalista, baseando-nos na prática laboral dos conflitos ocorridos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (AM) e na Penitenciária Estadual de Alcaçuz (RN). Como consequência, alcançamos três objetivos específicos: primeiramente, desenvolvemos uma pesquisa histórica-teórica sobre o fotojornalismo, a conduta profissional dos fotojornalistas, à luz da ética, dos direitos e da responsabilidade social do fotojornalismo com foco em casos de rebeliões, conflitos, massacres e violências; em seguida, elaboramos e problematizamos a deontologia do fotojornalismo, com base na relação dos direitos dos profissionais fotojornalistas, dos fotografados e do público, associados à ética e à prática reflexiva do fotojornalismo contemporâneo; e, por fim, realizamos um estudo de caso sobre a prática dos fotojornalistas nos conflitos do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (AM) e da Penitenciária Estadual de Alcaçuz (RN), traçando inicialmente um perfil dos fotojornalistas entrevistados, uma crítica ao sistema carcerário brasileiro e finalizando com a apresentação e compreensão dos casos analisados.

Estando os fotojornalistas cercados por indagações éticas relacionadas à conduta profissional e os desafios da profissão, cria-se um ambiente de disputa entre o correto e o errado quanto à violação de direitos. Sabemos que imagens de confrontos trazem realidades duras que nos inquietam a refletir sobre dado instante fotográfico. Nesse ponto, agregam-se a essas reflexões fatores éticos, os quais são violados por determinadas condutas profissionais de fotógrafos de conflitos, como nos

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19 casos do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (AM) e da Penitenciária Estadual de Alcaçuz (RN).

Essas disrrupções, as quais acabam refletindo-se nas produções fotojornalísticas, condizem com a formação e a consciência ética de cada profissional. Além disso, a linha editorial seguida pelo veículo de comunicação também pode interferir na escolha do instante fotográfico. Direitos e ética, relacionados à informação e à conduta dos fotojornalistas, são a fundamentação da deontologia do fotojornalismo, que será desenvolvida no capítulo três.

Por se tratar de uma temática delicada, ao se discutir assuntos como os desta pesquisa, é necessário fundamentação e apuração científicas para tratar com responsabilidade e autoridade os referidos temas, pois trazem questões relevantes sobre a prática profissional dos fotojornalistas e as discussões éticas e sociais em torno dela. Problematizar os direitos de quem é fotografado, associados à conduta profissional dos fotojornalistas, é um dos objetivos deste estudo.

Para entender sobre a prática fotojornalística, é imprescindível saber da importância da fotografia enquanto história imagética do ocorrido durante os conflitos. A relevância dessa prática para a mídia e a sociedade é indiscutível, seu produto é tido como documento fotográfico, sendo ele o resultado final de um processo de criação, que envolve as construções técnicas, estéticas e culturais de cada fotojornalista (KOSSOY, 2007). As fotografias falam, relatam, mostram, são, em harmonia com o proposto por Burke (2004): “assim como textos e testemunhos orais, constituem-se numa forma importante de evidência histórica. Elas registram atos de testemunho ocular” (BURKE, 2004, p. 17).

Kossoy (2009) propõe a ideia de realidades fotográficas – sendo elas a primeira e a segunda – a qual se aplica na explicação e afirmação da fotografia como documento. A segunda realidade é, justamente, a noção do acontecimento registrado, assim, “o assunto representado é, pois, esse fato definitivo que ocorre na dimensão da imagem fotográfica, imutável documento visual da aparência do assunto selecionado no espaço e no tempo” (KOSSOY, 2009, p. 37). Portanto, toda fotografia que nos é apresentada, seja ela física ou digital, caracterizar-se-á como segunda

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20 realidade, e esse assunto que ela apresenta será: “a face aparente e externa de uma micro-história do passado, cristalizada expressivamente” (2009, p. 37).

No entanto, consideramos que há, desde sua invenção, a possibilidade de o fotógrafo interferir na imagem e na própria configuração do contexto fotográfico, como já mencionamos. Nos dias atuais, essas interferências são possibilitadas ainda mais pelo uso de programas e aplicativos de edição e manipulação de imagens. Em uma era de verdades facilmente fraudadas, de fake news12, a imagem assume um poder de afirmação dessas notícias, as quais circulam e disseminam-se ainda mais no meio virtual/digital.

Entender, desse modo, a prática do fotojornalismo relacionada aos fotojornalistas, aos fotografados (no caso desta pesquisa, os privados de liberdade e seus familiares) e as questões sociais envolvidas nos dois casos, torna esta pesquisa necessária para a construção de um debate sobre os limites éticos e legais das fotografias jornalísticas, dos seus produtores e da mídia que as veicula.

Os fotojornalistas registraram os momentos de tensão, violência e dor dos envolvidos nos conflitos e de seus familiares, marcando a história deles e do sistema carcerário do país – vale ressaltar que o último e mais comentado episódio de terror das prisões brasileiras, anterior aos casos de janeiro de 2017, foi o massacre de Carandiru, deixando mais de 100 presos mortos13. E mais recentemente, no dia 27 de maio de 2019, outro conflito no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (AM) terminou com mais 55 mortos14.

As fotografias produzidas em situações críticas podem ser consideradas objetos de “memória indestrutível” – hipótese defendida por Santaella e Nöth (1997, p. 134), na qual afirma-se que: “as fotografias sobrevivem não apenas a nós, mas a muitas gerações”. Compreendemos que esse apontamento é questionado por pesquisadores da área da fotografia, tendo em vista a fragilidade do suporte

12 Neologismo usado para caracterizar notícias falsas, fabricadas, manipuladas.

13Entenda o que aconteceu na Casa de Detenção Carandiru. Disponível em: <https://bit.ly/2X0a9RS>.

Acesso em: 08 de junho 2019.

14Para entender mais sobre esse caso. Disponível em: <https://bit.ly/2A9RkTi> Acesso em: 09 de

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21 fotográfico. Ao longo dos anos e das evoluções tecnológicas, a memória virtual tornou-se vulnerável a possíveis destruições. Ao clicar um botão, tudo pode tornou-ser apagado em milésimos de segundos. Muito embora reconheçamos essas suposições, entendemos a afirmativa dos autores que caminha não apenas para o suporte em si, mas sim para a memória adquirida por quem vê determinada fotografia.

Embasamos essas contribuições, unindo apontamentos sobre fotojornalismo, suas práticas e deontologia – com base nos casos escolhidos – refletindo sobre a conduta ética, os direitos à informação, à comunicação e à imagem, além da função provocadora de discussões sociais concernente às fotografias. Retornarmos à sociedade civil e acadêmica, sob um olhar crítico, um estudo aprofundado dos casos dos conflitos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim e na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, contribuindo para o fomento de debates nas referidas áreas do corpo social. A temática e os estudos fotojornalísticos têm se tornado mais críticos ao longo dos anos. Hoje, pesquisadores da área inclinam-se a repercutir essas novas práticas fotográficas, reflexivas, disruptivas, as quais se empenham na formação e discussão do fotojornalismo contemporâneo, pensado à sombra da ética e dos direitos garantidos aos cidadãos. Assim, o fotojornalista que, segundo Kossoy (2009, p. 34), “a partir do mundo visível, elabora expressivamente o testemunho, o documento”, terá possibilidades de refletir sobre sua prática e conduta profissional. Atualmente, não há estudos que tratem, especificamente, de uma deontologia do fotojornalismo – leis, artigos e códigos profissionais voltados apenasa esses profissionais. Frisamos a importância desta pesquisa para os futuros estudos acadêmicos sobre fotojornalismo contemporâneo.

Esse modo de fazer e pensar o fotojornalismo está presente na teoria da “fotografia menor”, que de acordo com Gonçalves (2009) é toda aquela imagem que germina, subverte, descentra, incomoda, provocando pensamento, reflexão. O termo ‘menor’ não traz a fotografia uma condição de inferioridade, pelo contrário, a torna ainda mais forte, isso porque se baseia no conceito de ‘literatura menor’ proposto com Guattari e Deleuze (1977), no qual algo cria ficções e realidades com uma potente capacidade comunicativa, o que nos faz relembrar o conceito de segunda realidade

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22 proposto por Kossoy (2009), no qual o autor refere-se à realidade representada pelo instante fotográfico, o documento do acontecido no passado.

Dessa forma, esse fotojornalismo contemporâneo, baseado na valorização de sua deontologia, não se preocupa apenas com a notícia ou com o fato, mas sobretudo com o que acontece após e antes dela. De acordo com os estudos apontados por Gonçalves (2009), esse tipo de imagem nos faz refletir, parar, observar. O observador não apenas recebe a informação imagética, como também constrói sentido sobre ela, promovendo uma leitura crítica e ativa do que está sendo representado, não sendo este apenas depósito de ideais e pressupostos.

Os estudos contemporâneos do fotojornalismo, trazem também o conceito de “fotojornalismo disruptivo”, que se propõe a romper todos os pactos do fotojornalismo convencional em busca de uma prática ética e reflexiva da imagem, fugindo da ideia de exposição da dor e do sofrimento alheio. Nele, há fatores imagéticos que derrubam “os modelos existentes e avança para uma nova construção visual da atualidade” (LEITÃO, 2016, p. 20).

Essas práticas caminham para a construção de imagens que reflitam, ao invés de expor e julgar outros indivíduos, os quais, em sua maioria, já se encontram em situações de vulnerabilidade, como é o caso das fotografias dos privados de liberdade custodiados pelo estado. Promover o debate sobre práticas sociais éticas faz com que favoreçamos uma conduta profissional amparada na deontologia existente. Este estudo enquadra-se, portanto, na linha de pesquisa Práticas Sociais, do Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia (PPGEM/UFRN).

Justificamos, também, a partir da ótica de que há uma lacuna no campo de estudos deontológicos do fotojornalismo, observada com base numa verificação dos bancos de publicações da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação (Compós), da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), além de buscas em revistas especializadas na temática do fotojornalismo.

Nesse primeiro capítulo, formulamos a introdução e um remumo dos nossos objetivos, da perpectiva metodológica e da justificativa. No capítulo dois, “Reflexões sobre as questões da pesquisa”, propomos uma construção teórico-epistemológica do

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23 fotojornalismo de conflito, relacionada aos temas que abrangem a deontologia do fotojornalismo – códigos, leis, direitos garantidos pela constituição – que agem junto à mídia, regulando e tornando o ambiente midiático ético e profissional. Dissertamos, também, sobre a exploração imagética nos conflitos contemporâneos.

Logo após, no capítulo três, “Deontologia do fotojornalismo”, realizamos uma revisão bibiográfica na qual abordamos os artigos específicos da Constituição, que tratam sobre os direitos do universo imagético e comunicacional, e as leis e decretos que relacionam-se a imagem e comunicação; além de uma explanação acerca dos dispositivos de controles midiático, como os códigos de ética, e da violação de direitos. Refletimos, ainda, sobre a prática fotojornalística à luz da ética e dos direitos constitucionais, destinados aos indivíduos e suas imagens.

No último capítulo, o quatro, “Amazonas e Rio Grande do Norte: Estados em guerra carcerária”, trazemos a metodologia adotada para a realização desta pesquisa; abordamos a crise do sistema carcerário brasileiro que culminou nos dois conflitos (Complexo Anísio Jobim (AM) e Penitenciária Estadual de Alcaçuz (RN)), analisados neste trabalho; desenvolvemos um estudo de caso fundamentado nos depoimentos e entrevistas de cada unidade de análise, levando em consideração suas produções e diferenças, realizando, assim, uma análise da prática profissional dos fotojornalistas nos dois conflitos.

A metodologia foi realizada em algumas etapas, são elas: pesquisas em documentos, notícias e fotografias referentes às duas coberturas fotojornalísticas ocorridas no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Amazonas) e na Penitenciária Estadual de Alcaçuz (Rio Grande do Norte); entrevistas com seis fotojornalistas, três do caso Alcaçuz e três do caso Manaus; e, por fim, será desenvolvida uma reflexão – a partir de um estudo de caso dos dois conflitos – sobre: a ética; os direitos garantidos pela Constituição, relacionados à exposição indevida da imagem e ao direito à liberdade de expressão; os direitos da comunicação e os direitos relacionados à prática profissional fotojornalística. Dissertaremos de forma detalhada sobre as perpectivas metodológicas no capítulo 4 desta dissertação, no tópico 4.1.

Buscamos, portanto, compreender a prática fotojornalística desenvolvida nos conflitos do Complexo Penitenciário Anísio Jobim e da Penitenciária Estadual de

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24 Alcaçuz, considerando as variáveis e levantando discussões inseridas no contexto da conduta e da ética profissional, dos direitos da comunicação e de imagem nos dois conflitos. Para isso, realizamos um estudo de caso a partir dos dois conflitos – caso AM e caso RN15 – sobre a prática profissional dos fotojornalistas. Foram entrevistados três profissionais de cada caso com base em um questionário (ver apêndice) com perguntas sobre a conduta profissional dos fotojornalistas nos conflitos. Analisamos as entrevistas e coletamos dados, imagens e documentos relativos aos casos estudados, o que resultou na análise do capítulo quatro desta dissertação. Optamos por não identificar os entrevistados como forma de não expor suas condutas profissionais. Quanto às fotografias, elaboramos uma lista (ver apêndice) com as fontes de cada registro, para que a identificação dos fotojornalistas não interfira, ao longo do texto, na interpretação do leitor quanto à análise.

A escolha desses dois casos se deu por alguns fatores: pela proximidade e relevância dos acontecimentos – já que 13 dias após o conflito na unidade prisional do Amazonas a unidade do Rio Grande do Norte foi cenário, também, da guerra de facções mais midiatizada dos dois Estados; pela prática fotojornalística, a qual apresentou-se de forma distinta mesmo sendo a mesma situação de conflito entre privados de liberdade; e por fim, pela ausência de uma compilação deontológica nas pesquisas acadêmicas sobre fotojornalismo.

Este trabalho, resulta num aporte relevante acerca da função social do fotojornalismo sob a ótica de uma prática profissional consciente, à luz da ética e dos direitos estabelecidos que regem os fotojornalistas e suas condutas laborais. Contribui para o fomento de discussões sobre a prática profissional, os limites éticos, como também traz um compilado das leis, dos decretos e dos códigos que compõem a deontologia do fotojornalismo.

15 Optamos metodologicamente por nos referir aos conflitos ocorridos no Rio Grande do Norte e no

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2. FOTOJORNALISMO, IMAGEM E CONDUTA PROFISSIONAL 2.1. Da fotografia de imprensa à legitimação do fotojornalismo

A fotografia surgiu no século XIX como resultado de avanços tecnológicos, culturais e sociais. Desde sua invenção, documenta a experiência humana. Posto isso, a memória do ser humano e dos fatos que envolvem a sociedade têm se mantido ao longo dos anos (KOSSOY, 2007). A fotografia documental iniciou-se como registro dos costumes da sociedade, dos avanços capitalistas e das cidades. Quando ela assume a função de relatar, na imprensa, determinado fato social, torna-se fotografia jornalística. As duas, no entanto, servem de registro histórico e documentam um acontecimento, porém cumprem funções sociais diferentes: esta faz de um fato notícia; aquela perpetua a memória de um fato de forma detalhada. De acordo com Jorge Pedro Sousa:

Há ainda um outro traço que pode distinguir o fotojornalismo do fotodocumentalismo. Geralmente, um fotojornalista fotografa assuntos de importância momentânea, assuntos da actualidade ”quente”. Já os temas fotodocumentalísticos são tendencialmente intemporais, abordando todos os assuntos que estejam relacionados com a vida à superfície da Terra e tenham significado para o Homem (Sousa, 2002, p. 9).

Sobre o fazer fotojornalístico, tal prática social transformou a imagem e a história da imprensa. No ano de 1880, foi publicada a primeira fotografia no Jornal Daily Graphic, de Nova York. Na época, esse fato causou uma revolução nos jornais e revistas. “Tratava-se da reprodução da imagem fotográfica em escala industrial por meio do processo de meio-tom. Essa nova tecnologia transformou a imprensa” (COSTA; SILVA, 2004, p. 98), o processo meio-tom também é conhecido como Halftone e consiste em “reproduzir uma fotografia através de uma superfície cuja trama a divide numa multiplicidade de pontos. Faz-se em seguida passar numa prensa a imagem (...) ao mesmo tempo que um texto composto” (FREUND, 1995, p. 106). A partir dessa técnica a fotografia desenvolveu-se e ganhou espaço nas páginas dos jornais, como afirma Freund (1995):

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A mecanização da reprodução, a invenção da placa seca de gelatinobrometo que permite a utilização de placas preparadas antecipadamente (1871), a melhoria das objectivas (as primeiras objectivas anastigmáticas são construídas em 1884), a película em rolos (1884), o aperfeiçoamento da transmição de uma imagem por telegrafia (1882) e mais tarde por belinografia abriram caminho a fotografia de imprensa (FREUND, 1995, p 106).

Cinco anos depois, alguns jornais semanais e revistas mensais passaram a publicar fotografias, isto porquê havia nesses tipos de periódicos um intervalo de tempo maior de preparação. Já no ano de 1904, o Daily Mirror, da Inglaterra, ilustrou suas páginas utilizando-se apenas de fotografias. A inserção da fotografia na imprensa modifica o modo de ver da sociedade (FREUND, 1995). Apesar de todas as circunstâncias, a fotografia de imprensa ainda não se caracterizava como fotojornalismo, as imagens eram utilizadas apenas para ilustrar os textos jornalísticos. A evolução do fotojornalismo ultrapassou várias barreiras ao longo dos anos,

O exercício do fotojornalismo ocidental não começa logo após a invenção da fotografia, na primeira metade do século XIX. Foram necessárias mudanças tecnológicas, sociais, históricas e culturais para que a fotografia ganhasse espaço e importância na imprensa, e a atividade do fotojornalista fosse reconhecida e valorizada (BARCELOS, 2009, p. 4).

As guerras, revoluções industriais e avanços tecnológicos contribuíram para o reconhecimento e a evolução da prática do fotojornalismo. No início, os fotógrafos tinham acesso a equipamentos pesados, o que dificultava a locomoção, e de difícil utilização, tornando-os inaptos a captar os fatos prontamente. Se o ambiente a ser fotografado fosse interno, fechado, eles faziam uso de flashes de magnésio, que causavam uma cegueira momentânea nos fotografados. Assim, as cenas retratadas eram sempre repletas de poses e de semblantes franzidos, por causa do uso dos flashes (COSTA; SILVA, 2004).

Mesmo com todos esses obstáculos, William Russell, considerado o primeiro correspondente de guerra, publicou fotografias no jornal The Times16 e impactou a opinião pública da Inglaterra com os horrores da guerra. De acordo com Almeida e

16 As fotos de Russell não estão disponíveis, mas o jornal está disponível em:

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27 Peixoto (2014), com o resultado das fotografias de Russell e pressionados pela sociedade, que cobrava notícias da guerra, “o governo britânico aceitou a proposta do editor Thomas Agnew de enviar um fotógrafo para Criméia para registrar situações que abrandariam as notícias que tanto chocaram a opinião pública inglesa” (ALMEIDA; PEIXOTO, 2014, p. 248), com isso Roger Fenton, fotografo oficial do museu britânico, foi contratado e enviado a Criméia.

A produção fotográfica de Fenton ganhou reconhecimento junto as autoridades e sociedade civil, como afirmam Almeida e Peixoto (2014): “as fotografias consagradas como fundantes da história do fotojornalismo ocidental foram as imagens da Guerra da Criméia produzidas pelo fotógrafo Roger Fenton para o governo britânico, em 1855” (ALMEIDA; PEIXOTO, 2014, p. 247). Por isso, Fenton ficou conhecido com o primeiro fotógrafo de guerra (SOUGEZ, 2001).

No mesmo período em que Roger Fenton foi enviado a Criméia, dois jovens oficiais, Brandon e Dawson, também são enviados para fazer registros fotográficos dos soldados e oficiais (SOUGEZ, 2001, p. 130)

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Os dois acompanharam e registraram o dia a dia das tropas em guerra. As imagens captadas serviram de memória para o governo e os combatentes, e não foram publicadas em jornais.

Quanto às imagens de Fenton, o Governo britânico recomendou que não fossem feitos registros de mortos, dos corpos mutilados, dos combates, pois essas imagens poderiam tomar uma proporção não desejada pelo Governo, deixariam a sociedade britânica ainda mais chocada com o que acontecia na guerra. As imagens produzidas pelo fotógrafo, como vemos na figura 1, a partir dessas recomendações, são compostas por soldados fazendo poses, em momentos de lazer, fora dos combates etc. (FREUND, 1995).

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Figura 1 – Soldados britânicos em momentos de distração

Autor: Roger Fenton / Fonte: Getty Imagens

Essa regulação da representação da guerra nas fotografias refletia uma preocupação dos Governos com o que podia ser visto pela sociedade, era uma forma de “regular os modos visuais de participação na guerra” (BUTLER, 2017, p. 102). Dessa forma, os Governos criavam suas próprias realidades a partir de cenas orquestradas. A prática fotográfica em guerras, conflitos e massacres, seja ela controlada ou não, tornou-se indispensável. Todos os grandes conflitos, de agora em diante, foram registrados por fotojornalistas e disseminados na sociedade, contribuindo, ao longo dos anos, com uma vasta produção imagética sobre esses conflitos.

Além disso, tendo a imagem como dispositivo de controle social – dado o poder presente nas fotografias –, a sociedade, seus líderes e governos utilizam-se da força

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29 ideológica17 dos registros fotográficos na construção de estigmas e verdades/inverdades. Butler (2017) faz referência ao controle dos Estados Unidos na cobertura fotográfica das guerras, e também critica seus moldes de controle:

A própria ação da guerra, suas práticas e seus efeitos, devem ser determinados pela perspectiva que o Departamento de Defesa organiza e permite, ilustrando assim o poder de orquestração dos Estado para ratificar o que será chamado de realidade: o alcance do que vai ser percebido como existente (BUTLER, 2017, p. 103).

O fotojornalismo de conflito estabeleceu-se, a princípio, e seguindo as recomendações e permissões dos governos, a fim de documentar o cotidiano das tropas, assumindo o ofício de registrar soldados e oficiais (SOUGEZ, 2001). Com a função de conferir credibilidade, elas aproximaram os militares dos civis. Ir para os conflitos armados lutar pela pátria e pelo seu povo tornou diversos combatentes alvos de admiração e reconhecimento por parte da sociedade. Eles não apenas iam para a linha de frente dos conflitos, como também pousavam para fotojornalistas, os quais divulgavam suas imagens pelo mundo.

O “ser visto” – termo criado a partir dos estudos desta dissertação, adotado ao longo desta pesquisa, está relacionado ao comportamento daqueles que desejam ser vistos pela sociedade e para isso expõem suas vidas frente às câmeras, característica humana surgida a partir do fenômeno de criação das fotografias – transformou-se em vaidade e, cada vez mais, fotojornalistas estavam juntos às tropas nas linhas de combate para fotografar o cotidiano dos soldados e oficias.

Com o passar dos anos, manifestou-se a necessidade e o interesse por registros mais reais dos confrontos. Assim, não era preciso ir às guerras para tomar conhecimento do horror que elas promoviam. Bastavam as imagens. Porém, embora reconheçamos a potência desses registros, o avanço tecnológico é tido como principal fator favorecedor da fotografia, em especial do fotojornalismo. Com a tecnologia, fotografias de conflitos e guerras foram divulgadas e documentadas como memória

17 Quando nos referimos a força ideológica, optamos por assim dizer objetivando refletir quanto ao

poder da imagem na construção e manutenção de uma ideologia. As imagens falam e agem no imaginário individual e coletivo.

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30 coletiva em todo mundo, tornando-se, dessa maneira, mais fácil/rápido colaborar para conduzir a opinião pública às conclusões desejadas, a partir dos registros fotográficos. Quanto à essa afirmativa,

Desde o surgimento da perspectiva o homem passou a tentar sistematicamente aumentar o seu grau de veracidade. Para isso lançou mão de inúmeros procedimentos que visavam aperfeiçoar cada vez mais a objetividade da tarefa de representação. A utilização da máquina como mediadora dessa tarefa marcou o aparecimento da fotografia e favoreceu a realização de seu propósito, de maneira até então nunca imaginada, uma vez que na sociedade capitalista do século XIX a máquina era sinônimo de imparcialidade e precisão científica. Acreditava-se que a fotografia determinava a alienação total do homem do processo de representação (COSTA; SILVA, 2004, p. 17).

No Brasil, com a abertura do mercado brasileiro aos estrangeiros e o crescente desenvolvimento industrial, a fotografia passou a interessar os brasileiros. Inicialmente a fotografia servia para ilustrar os textos, tornando mais agradável a leitura. Logo após, passou a assumir a função de relatar o acontecimento (COSTA; SILVA, 2004). A primeira fotografia na imprensa brasileira foi publicada em 1900, na Revista da Semana. Em seguida, na Ilustração Brasileira, 1901, e em 1904 na Kosmos. De acordo com Costa e Silva (2004, p. 103), junto a essas fotografias, “apareceram as primeiras fotos de publicidade, ligadas ao crescimento do mercado interno e à estruturação do setor terciário da nossa economia”.

As fotografias de imprensa só ganharam notoriedade a partir dos anos 1940, no pós-guerra, quando os jornais passavam por intensas mudanças e adaptavam-se ao mercado tornando-se empresas jornalísticas. Um importante aliado na construção dessa nova realidade da fotografia jornalística no Brasil foi a revista O Cruzeiro (COSTA; SILVA, 2004). A fotografia passou a ser usada como elemento importante na divulgação de um acontecimento. Com reportagens que agradavam a classe média brasileira, O Cruzeiro ganhou expressiva relevância, “Em 1952 explodiram as vendagens dessa revista: 700 mil exemplares vendidos” (COSTA; SILVA, 2004, p. 104). Assim,

A imagem fotográfica passou a ser um elemento ativo, contendo a mensagem ideológica do autor, direcionada pela linha editorial do periódico. É interessante notar que muitas vezes era o próprio fotógrafo quem escrevia os textos e as legendas de suas reportagens. Estabeleceu-se uma dinâmica

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entre a fotografia e o texto, cada um tentando deter para si o privilégio da definição dos acontecimentos. Essa muda disputa caracterizou o nosso moderno jornalismo que fez do leito um co-participante (COSTA; SILVA, 2004, p. 104-105).

Na história das fotografias de guerra/conflitos o registro fotográfico das cenas também funcionou como definição dos acontecimentos, como registro do real, testemunho ocular, já que a representação da cena era a única realidade dos conflitos conhecida pela sociedade. As imagens fotojornalísticas nos proporcionam conhecer a história da humanidade, seus costumes, estilos, crenças, culturas e conflitos. Estas fotografias integram, em consonância com o proposto por Kossoy (2009), a segunda realidade:

É a realidade fotográfica do documento, referência sempre presente de um passado inacessível. Toda e qualquer fotografia que vemos, seja o artefato fotográfico original obtido na época em que foi produzido, seja a imagem dele reproduzida por qualquer meio (fotográfico, gráfico, eletrônico etc.), será sempre uma segunda realidade (KOSSOY, 2009, p. 37).

Essa relação das fotografias de conflito/guerra com o testemunho ocular dos fatos, contribuiu para que a prática fotográfica em conflitos se tornasse um mercado lucrativo a fotógrafos e autoridades. O real da fotografia era encarado, em uma sociedade positivista, como verdade absoluta, e ainda assume forte influência social atualmente, como vemos:

O fotojornalismo surgiu com a necessidade de se documentar um acontecimento, em muitos casos, imediatos. A imagem era a prova da notícia, o testemunho ocular [...]. Na era digital, ela se tornou mais democrática e acessível [...]. Agora, tudo é calcado em imagens, que, muitas vezes, impressionam (COELHO; CARVALHO, 2011, p. 53).

A era digital, citada pelo autor, não trouxe avanços apenas para a fotografia, mas também, colocou à prova o estatuto da verdade instaurado no fotojornalismo. Porém, desde a fotografia analógica, existia a possibilidade de o fotógrafo interferir na imagem e na própria configuração do contexto fotográfico, “dramatizando ou valorizando esteticamente os cenários [...], omitindo ou introduzindo detalhes, o fotógrafo sempre manipulou seus temas de alguma forma” (KOSSOY, p. 30, 2009).

Isso se deve ao fato de que há, no momento fotográfico, uma sucessão de mediações – culturais, técnicas, éticas etc. – que modificam a informação real,

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32 instituindo, portanto, o registro fotográfico enquanto objeto facilmente manipulável, tanto pelo fotógrafo – durante a captura da cena – quanto por técnicas manuais e/ou virtuais de edição. Como enfatiza Sousa (2002),

[...] parte dos processos de tratamento de fotografias que hoje em dia se desenvolvem usando computadores –e que estão no centro de um intenso debate ético-deontológico- foram amplamente usados nos velhos laboratórios a preto-e-branco: reenquadramentos, acentuação ou diminuição do contraste, variações na exposição, reversão da imagem, dissimulação de objetos e pessoas etc. Em qualquer caso, deve ser o conteúdo a determinar o tratamento que uma fotografia pode sofrer (SOUSA, 2002, p. 137-138).

Apesar dos avanços éticos e profissionais, produções fotográficas ainda refletem o sofrimento e a estetização da violência. Essas imagens expõem episódios de dor, como podemos observar nas fotografias dos conflitos na Síria; no Sri Lanka; nos conflitos armados entre facções nos presídios de segurança máxima brasileiros; e na guerra violenta que acontece entre bandidos e policiais militares nas comunidades periféricas do Brasil. A dor do outro é exposta como mercadoria em capas de sites, jornais e revistas; a violência continua sendo explorada, estigmatizada e imposta a cidadãos vulnerabilizados socialmente nas fotografias de conflitos; a ética, conduta maior de toda e qualquer profissão, tem seus limites ultrapassados na busca pelos ‘melhores’ ângulos.

No geral, as fotografias de guerras, violência ou conflitos estigmatizam os indivíduos presentes no quadro fotográfico, colocando-os em posição de vulnerabilidade ou lhes conferindo a condição de não humanidade. Com relação à condição de não humanidade, ela surge nesta pesquisa como característica dos fotografados em conflitos. Isso nos ocorreu, após a leitura de um trecho do livro “Quadros de Guerra”, de Judith Butler (2017), no qual a autora faz uma crítica ao afirmar que indivíduos fora das normas sociais, vulneráveis socialmente, não são qualificados enquanto humanos na sociedade contemporânea.

O que a autora quer nos mostrar com essa condição de não humanidade está intimamente ligado à forma como reagimos às fotografias dos privados de liberdade em situações de conflitos ou exposição indevida. Para ela, existem formas de enquadramento – escolha, feita pelo fotógrafo, da captura de determinado quadro

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33 fotográfico para uma cena – que determinam a forma como interpretaremos a humanidade de outros indivíduos. Segundo ela,

Existem maneiras de enquadrar que mostram o humano em sua fragilidade e precariedade, que nos permitem defender o valor e a dignidade da vida humana, reagir com indignação quando vidas são degradadas ou dilaceradas sem que se leve em conta seu valor enquanto vidas. E há enquadramentos que impedem a capacidade de resposta, nos quais essa atividade de impedimento é realizada pelo próprio enquadramento efetiva e repetidamente – sua própria ação negativa, por assim dizer, sobre o que não será explicitamente representado (BUTLER, 2017. P. 118-119).

Esse ideal de humanidade fez com que os Governos que permitiam a cobertura fotojornalística das guerras definissem alguns enquadramentos possíveis das fotografias as quais retratavam os conflitos. Não mostrar os horrores da guerra era uma escolha que manipulava a opinião pública, como afirma Butler: “a existência de enquadramentos alternativos que permitam outro tipo de conteúdo talvez comunicasse um sofrimento que poderia levar a uma alteração de nossa avaliação política das guerras em curso” (BUTLER, 2017, p. 119), no entanto, não expunham as condições não-humanas dos indivíduos vítimas dos conflitos.

Figura 2 – Menino sírio em ambulância

Autor: Mahmoud Rslan

Quando essa condição é exposta, como na figura 2 acima, os indivíduos categorizados como não-humanos, em que se encontram pessoas em situações de

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34 vulnerabilidade, sofrimento, dor e violência, têm suas imagens disseminadas em jornais, revistas e veículos de comunicação. Para Butler (2017), essas fotografias, ao invés de expor, deveria despertar um sentimento que nos traga a capacidade de responder de forma ética a cada registro.

Trazendo essa condição para a realidade do Brasil, podemos percebê-la nas fotografias de rebeliões ou conflitos entre organizações criminosas nos presídios do país. Além da exposição indevida dos privados de liberdade e seus familiares, há uma legitimação da condição marginal em que estão inseridos tais indivíduos, os quais são enquadrados socialmente na não-humanidade por terem cometido algum crime. É comum nos depararmos com imagens que identificam seus rostos e, consequentemente, suas identidades; com cenas violentas, as quais expõem atos impetuosos e reprovados socialmente, reafirmando a busca por fotografias que comovam e demonstrem os atos estigmatizados.

Figura 3 - Privado de liberdade segura pedaço de braço carbonizado

Autor: Andressa Anholete

Devemos atentar ao fato de que a mídia tem a potencialidade de representar, dar voz e visibilidade às ideias a que se propõe construir. Apoiada pela força das

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35 imagens, ela segue o ímpeto de estar onde os cidadãos comuns não podem chegar. Funciona como a extensão dos nossos olhos. Basta ter acesso aos dispositivos midiáticos – celulares, notebooks, jornais, televisões, etc.. Essa capacidade está fortemente ligada ao testemunho fornecido pelas fotografias.

O que resta dessas fotografias – nesses casos – além do instante fotográfico, está ligado à exposição da dor e do sofrimento do outro, especialmente em coberturas fotográficas de conflitos entre facções, comuns nos presídios brasileiros. A exposição exacerbada e controlada das atitudes e dos indivíduos envolvidos – privados de liberdade e familiares –, em meio ao caos da situação de conflito, revela uma prática profissional que privilegia imagens com conteúdo exploratório e violador de direitos individuais.

Os registros fotojornalísticos têm função decisiva na construção de verdades, a qual é confirmada pelas cenas retratadas em cada fotografia. No entanto, as imagens podem ser construídas de acordo com o que se pretende atestar, como percebemos nas palavras de Biondi:

As imagens de sofrimento são apresentadas pela mídia com superficialidade e padecendo de distorções e desvios com fins políticos ou morais, todas elas hierarquizadas ou estigmatizadas, propondo uma distância necessária entre os que sofreram e os que veem tais situações de sofrimento (BIONDI, 2010, p. 6).

Por trás das fotografias, há dramatização, exploração e estigmatização do sofrimento alheio. Há, no entanto, inciativas contemporâneas para a construção de um fotojornalismo preocupado com a ética, a reflexão e a não violação de direitos, o qual preza pelo cuidado e respeito à integridade da imagem do outro, sobre as quais dissertaremos no próximo tópico.

2.2. Exploração da imagem, fotojornalismo e contemporaneidade

O fotojornalismo contribui para a construção de imagens e ideais. Isso aconteceu nas guerras – onde os governos autorizavam apenas registros que os auxiliassem na formação da apresentação controlada dos conflitos à sociedade – e

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36 acontece até os dias presentes, quando um sistema carcerário em crise coloca em ênfase a conduta selvagem dos detentos.

Percebemos que, ao longo dos anos, “as fotografias de imprensa não só revelam a história e o contexto do sofrimento de alguém, mas revelam a maneira exemplar de experimentar e de se apropriar deste sofrimento” (BIONDI, 2010, p. 4). Tal postura, contribui para uma experimentação quase-mediada – conceito proposto por Thompson (2009) – na qual indivíduos podem vivenciar momentos alheios às suas realidades. As fotografias jornalísticas não apenas favorecem a construção do imaginário social – a partir das cenas retratadas que povoam nossas memórias – acerca dos conflitos, como também fazem com que a sociedade possa testemunhá-los de suas residências.

Esse fotojornalismo – de guerras, massacres e rebeliões – está carregado de violência e dor, retratando em suas construções imagéticas a condição de não humanidade de vários indivíduos (BUTLER, 2017). As vidas representadas nas fotografias jornalísticas dos conflitos brasileiros são, em consonância com o proposto por Giorgio Agamben (2010), “vidas nuas” perante às leis – este termo refere-se aos indivíduos dotados de conduta fora das leis, da justiça, do denominado poder soberano, e que, por isso, são excluídos dos direitos garantidos aos cidadãos, esse é o caso dos privados de liberdade.

Assim, as situações de destrutibilidades, asseguradas a eles, são exploradas imageticamente pelo fotojornalismo e reproduzidas na mídia. As vidas nuas, representadas nesta análise pelos privados de liberdade dos casos AM e RN, não dispõem da defesa do Estado quanto aos seus direitos – de imagem, à dignidade humana e outros direitos garantidos constitucionalmente, mas que são negados a eles quando se encontram encarcerados.

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Figura 4 - Presos mortos são levados pelo ITEP

Autor: Canindé Soares

As imagens resultantes de conflitos, como a figura 4, declaram a vulnerabilidade de pessoas, as quais se encontram em cenas de destruição, nudez, morte, exposição, e, de acordo com Sontag (2004), é justamente essa ligação entre fotografia e morte que assombra todas as pessoas. Dessa forma, a dor e a violência são representadas nessas imagens e constroem formas visuais de participação. Essas construções conduzem o olhar dos indivíduos ao que se pretende mostrar desses conflitos, não necessariamente a sua realidade.

Como propõe Kossoy (2009), a fotografia já não é mais a verdade fiel sobre a cena retratada, e, sim, a segunda realidade, a realidade do documento, a memória do passado contada a partir do suporte fotográfico. Por isto, é imprescindível refletir sobre a representação fotográfica, visto que essa “não corresponde necessariamente à verdade histórica, apenas ao registro expressivo da aparência. Suas informações se abrem às diferentes leituras que cada receptor dela faz” (KOSSOY, 2009, p. 38).

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38 Podemos compreender melhor como se dão essas realidades das imagens no esquema abaixo:

Fonte: Boris Kossoy, 2009, p. 39.

A sociedade consome essas imagens, ou que resta delas, e as reproduz em seus discursos e atitudes. Com isso, é necessário refletir sobre o uso indevido dessas imagens. Os conflitos são constituídos de pessoas que têm suas histórias, famílias e situações sociais próprias. Cada um com sua particularidade está vulnerável à exposição, que não atinge apenas os envolvidos, como também seus familiares. Ver a dor e a imagem do outro evidenciadas em uma fotografia jornalística precisa nos mover. Não se pode olhar de forma impune (SONTAG, 2003).

Toda imagem fala. Estão imbuídas de pressupostos, afirmativas, negações, preconceitos, impressões cristalizadas na mídia e na sociedade. Dessa forma, tornam-se poderosas armas de convencimento e persuasão, quando nos enquadram em pensamentos alheios até às nossas próprias concepções. As imagens falam, alto e poderosamente. E, para além disso, ecoam em nossas mentes, perturbam e nos

Referências

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