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4. ESTUDO DE CASO AMAZONAS E RIO GRANDE DO NORTE: ESTADOS EM GUERRA

4.4. Análise da conduta profissional nos casos estudados

4.4.2. Caso RN – Penitenciária Estadual de Alcaçuz

A Penitenciária Estadual de Alcaçuz tem o nome de Dr. Francisco Nogueira Fernandes, mas é conhecida popularmente como Alcaçuz. O conflito ocorrido em Janeiro de 2017, poucos dias depois das mortes no Compaj, deixou, oficialmente, 26 mortos e mais de 70 desaparecidos. Até o início do ano de 2020, o Governo do Rio Grande do Norte não esclareceu esses desaparecimentos. No momento do conflito, Alcaçuz estava superlotada, problema recorrente em unidades prisionais brasileiras, e foi o cenário para a cobertura fotojornalística das piores cenas do sistema carcerário norte-riograndense.

Entre muitos pontos que favoreceram o trabalho dos fotojornalistas, a localização da penitenciária foi destacada em todas as entrevistas do caso RN. Construída em meio à dunas, tornou-se o palco dos massacres entre facções rivais – PCC e Sindicato do Crime do RN – que objetivavam, assim como no caso AM, alcançar o poderio do mundo do crime. As dunas foram as “arquibancadas” e davam acesso visual às cenas dos combates entre os privados de liberdade. Entenda a localização pelo mapa a seguir:

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Figura 17 - Print da localização da Penitenciária Estadual de Alcaçuz (RN)

Fonte: Google Maps47

A formação de dunas, que cerca a unidade prisional, foi usada pela imprensa para ter acesso visual aos embates entre os encarcerados no interior do estabelecimento, como afirma o RN01 (2019) “a gente ia lá para o morro, que permitia ter uma visão geral do presídio”, esse foi o grande diferencial entre as coberturas e, por conseguinte, as condutas profissionais dos fotojornalistas dos casos estudados nessa dissertação. Dessa forma, há uma predominância, nas imagens do caso RN, de fotografias do conflito entre os privados de liberdade, as quais eram compostas por registros das lutas entre eles, das armas que foram utilizadas, da exibição de pedaços de corpos, mensagens escritas em paredes etc.

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Figura 18 - Conflito entre facções

Autor: Andressa Anholete

“A gente ficou em um ponto alto, então isso favoreceu demais. Dentro do mato mesmo a gente conseguia ver lá de cima, eu consegui fazer aquilo, como é que a gente ia fazer aquilo nunca?”, RN01 (2019) referindo-se às imagens captadas de cima das dunas. É importante frisar que, se não fossem as dunas os registros se limitariam apenas aos familiares e agentes de segurança que encontravam-se em frente a penitenciária, pois entrada de fotojornalistas no presídio foi proibida. Por isso, as dunas foram alvo dos profissionais de imprensa que se arriscavam em busca de imagens dos conflitos, como conta RN01:

Tiveram até umas plantas que ficavam lá na sombra, tirei até uns cochilos lá, tem até foto, tem foto da galera lá, da imprensa, dos colegas daqui, de fora... Então não teve por isso, né, porque normalmente você tem muita dificuldade em trabalhar em uma situação dessas, porque tá todo mundo querendo impedir, ninguém consegue chegar perto, a dificuldade é muito grande. E lá foi o contrário, a gente foi lá para a duna e lá não teve problema nenhum. A dificuldade era normal de subir a duna, de ficar lá em um lugar isolado, sem,

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que não tinha, que você tinha que trazer água, levar lanche ... Basicamente isso. Mas foi uma das coberturas muito legais por essa questão (RN01, 2019).

Apesar de ser um fator positivo para a prática do fotojornalismo, as dunas também foram apontadas como uma dificuldade: “tinha que subir com os equipamentos pesados. Você tem que descobrir por onde subir, como chegar la em cima, descobrir os pontos bons para ver (...) era ali um buraquinho entre as arvores, era ali que rolava foto.”, enfatizou RN02 (2019).

Figura 19 - Fotojornalistas e jornalistas em cima das dunas de Alcaçuz (RN)

Autor: Geosafá da Rocha

Outro ponto relatado foi a dificuldade em transportar toda aparelhagem técnica, equipamento fotográfico, lentes, notebook etc. “tem que mandar fotos de lá. Se a foto ficava muito boa tinha que mandar na hora. Tem que cortar, porque é longe”, concluiu RN02 (2019). As autoridades de segurança também foram citadas nas entrevistas do caso RN como dificuldade, de acordo com o fotojornalista RN03 pouco tempo depois que eles chegaram às dunas – e essas eram localizadas mais próximas à penitenciária do que as outras mencionadas, as quais foram utilizadas pelos fotojornalistas durante todo o trabalho de registro –, ainda no primeiro dia de cobertura, foram supreendidos

96 por policiais militares, que disseram a eles para descer daquele lugar, “a gente desceu a pé e eles lá escalando a gente com a arma” (RN03, 2019).

Quando questionados sobre como veem o fotojornalismo de conflito, o RN01 (2019) afirma: “para a gente que gostamos, digamos, de aventura e de fazer uma pauta, assim, que dê mais emoção, esse é um jornalismo gostoso de fazer, né. Mas não é fácil porque você sai sem saber como vai ser o confronto”. Para RN02 (2019), o fotojornalismo foi a forma que escolheu para contar histórias, “mais fascinante, mais apaixonante”, aifrmou ainda, que “a foto é imagem, e imagem mexe com você, faz você chorar, ela comove e agente é movido na emoção”, defende que o fotojornalismo é “quase um poder (...) as pessoas confiam no nosso olhar e recorte”. O RN03 confirma esse sentimento:

Eu acho que o fotojornalismo é aquela noticia pronta que você ver e tal, o trabalho do fotojornalismo nessa área policial, nessa área de conflito, no meu ponto de vista pode ser mais arriscado mais é muito mais emocionante sabe, aquela coisa que dá mais tesão de você fazer, de você procurar uma imagem legal, por que rende tanta imagem massa você apontar sua máquina consegue fazer uma imagem legal (RN03,2019).

Outro ponto relevante da prática profissional dos fotojornalistas são as orientações que, por vezes, eles recebem do veículo para o qual trabalham. No caso do RN01, ele realizou a cobertura fotojornalística por conta própria, para alimentar seu site e redes socias, dessa forma, não recebeu nenhum direcionamento. De acordo com RN02 (2019), que cobriu para uma agência internacional, “eles querem que você conte bem a história com imagens fortes, bonitas e importantes. Em todo o meu trabalho em agencia internacional nunca teve um pedido de direcionamento”. Quanto ao RN02, o jornal fez o contato e o mandou para o local do conflito: “a única recomendação que a gente recebia era fazer a cobertura: “oh, vão pra lá ver o que vocês pegam lá, ponto”, aí a gente ia pra lá e de lá desenrolava”.

A consciência ética de cada profissional é construída ao longo da vida e das experiências absorvidas em seus trabalhos, com os fotojornalistas não acontece diferente. No decorrer dos anos, o RN01 relatou o amadurecimento do seu olhar e da sua consciência ética. Ele recordou que no início de sua carreira o fotojornalismo passava por um momento de reorganização, o que era permitido tornava-se um

97 atentado à ética. Hoje, ele afirma não expor o corpo de alguém que já morreu, embora já tenha feito. Procura sempre contextualizar a morte de alguma maneira, sem identifficar um corpo ou a vítima na cena. Ao ser indagado sobre um código de ética voltado aos fotojornalistas ele defendeu que:

Deveria, deveria existir para as pessoas de um modo geral. Acho que está todo mundo produzindo imagem, embora não seja fotógrafo ou jornalista, porque as pessoas não têm técnica, e as pessoas hoje estão fotografando pedaços dos corpos e botando nas redes sociais sem nenhuma noção. Então deveria existir, né? E inclusive a lei não permite, né? (RN01, 2019)

Para RN02, “no fundo o que vai valer é a ética da pessoa, o que fica na sua ética como profissional é a ética da pessoa. Se você não é uma pessoa ética o trabalho nao vai ser ético” refletiu. Apontou, ainda, que durante a cobertura do conflito em Alcaçuz “tinham vários familiares, mas algumas não queriam aparecer, eu não vou mostrar. Não preciso mostrar isso. É direito dela” (RN02, 2019).

Conforme o RN03, no que concerne às fotografias de mortos ou de indivíduos em situações de vulnerabilidade, o fotojornalismo precisa se reinventar: “Tem fotos bonitas, excelentes, premiadas aí, que não precisam ser tão apelativas, tão trágicas, tão destrutivas, né? Então eu, particularmente, procuro fazer umas imagens mais diferentes”. No entanto, o mesmo entrevistado declara: “eu faço a foto primeiro e depois pergunto, porque se o cara disser que não pode, você já fez, aí o jornal decide se vai publicar, se não vai” (RN03, 2019), demonstrando seu desrespeito aos direitos de imagem dos cidadãos.

Notamos que a figura do editor de fotografia perdeu espaço nas redações e nas novas configurações da mídia. Esse profissional recebia as imagens de uma reportagem e determinava qual deveria ou não ser publicada. No caso RN, todos os entrevistados citaram a ausência do editor: “acabou-se nas redações a imagem do cara que era o editor de fotografia, que era o cara que dava a orientação para o fotógrafo. Isso não existe mais” (RN03, 2019). De fato, procuramos os veículos de comunicação envolvidos na cobertura midiática do conflito de Alcaçuz, não há mais a figura do editor de fotografia em nenhum deles. Atualmente, o profissional que fica responsável por avaliar essas imagens é o próprio editor de texto.

98 A diminuição do número dos postos de trabalho dos fotojornalistas, também foi apontada nas entrevistas como um fator prejudicial à qualidade das fotografias publicadas pelos jornais, portais de notícias etc. No cenário atual das pautas do cotidiano, os repórteres de texto estão assumindo, munidos de seus smartphone’s, a responsabilidade de produzir as imagens das reportagens que estão desenvolvendo. Isto porque, boa parte dos jornais migraram para as versões onlines que não exigem qualidade de imagem para publicação. Além disso, não uma preparação ética desses profisionais para tratar com os direitos relacionados à imagem dos cidadãos, o que aumenta os casos de exposição de imagem.

O mundo das imagens digitais também possibilitou a cobertura do conflito pelos próprios privados de liberdade, assim como mencionado no caso AM. Fotos do conflito, publicações em redes sociais, divulgações em aplicativos de mensagens e ligações telefônicas foram comuns durante o período do combate na Penitenciária Estadual de Alcaçuz. Enquanto os profissionais de jornalismo produziam suas matérias para relatar o ocorrido à sociedade, encarcerados portando smartphones faziam suas próprias coberturas. Como veremos na figura a seguir, dois privados de liberdade da unidade prisional registraram o momento em que queimavam pedaços de corpos como se fossem churrasco.

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Fonte: Jornal Opção48