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3. DEONTOLOGIA DO FOTOJORNALISMO

3.3. Direitos dos fotografados em rebeliões e conflitos

É no princípio da dignidade humana, que se garantem os direitos dos privados de liberdade e seus familiares. Todo cidadão tem como garantia constitucional a defesa da sua dignidade, a qual assume função mantenedora do Estado Democrático de Direito, como consta no art. 1º, inciso III, dos Princípios Fundamentais da Constituição (BRASIL, 1988). Com isso reiteramos, em consonância com Pinheiro (2016, p. 19), que todo privado de liberdade ou, até mesmo, qualquer indivíduo sob invetigação policial “merece respeito, no decorrer de toda a persecução penal, uma vez que o direito à imagem preserva a sua dignidade, característica humana que deve ser atentada, mesmo pela pena mais severa”. Isso porque,

Um dos princípios básicos de defesa dos direitos fundamentais do homem é o respeito à sua dignidade, cuja proteção e promoção representam direito constitucional nas sociedades democráticas. Inicialmente concebida no plano filosófico, a ideia de dignidade consagrou-se como valor moral e, posteriormente, jurídico. Na antiguidade clássica, já se discutia que o ser humano possui uma qualidade que o distingue de outras criaturas e que independe de diferenças sociais, culturais ou individuais (BARCELOS, 2014, p. 115).

Outro importante documento na garantia desse direito é a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), que no ano de 1948, estabeleceu a dignidade da pessoa humana como atributo do cidadão o que lhe garante o exercpicio da liberdade e dos direitos devidos. Desta forma, “o direito à dignidade passa a ter amparo, constituindo-se objetivo e necessidade de toda a humanidade, responsabilidade de governos, instituições e indivíduos” (BARCELOS, 2009, p. 71). O respeito e a manutenção da dignidade humana já vinham sendo discutidos na França após a Revolução, em meados de 1789, e foi dos ideais e filosofias desse período que orginou-se a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, a qual também tinha como principal bandeira preservar a dignidade humana. Guerra (2004) frisou um aspecto relevante no que se refere a manutenção desses direitos na sociedade ao afirmar que “o verdadeiro Estado de Direito é aquele que reconhece o direito de todos e não apenas o de alguns” (2004, p. 3). A partir disso, refletiremos brevemente sobre os direitos, garantidos a todos os cidadãos livres ou privados de liberdade, que são corriqueiramente transgredidos pela mídia com a

66 exposição indevida da imagem dos fotografados em conflitos penitenciários, sejam eles privados de liberdade ou familiares.

“As mídias permanentemente representaram uma relevante atuação como propagadora de pensamentos e ao mesmo tempo como dominadora no processo de construção da opinião pública” (PINHEIRO, 2016, p. 48), e é por isso que os fotojornalistas devem considerar essas garantias que resguardam a dignidade humana quando forem realizar coberturas fotográficas em rebeliões ou conflitos penitenciários.

Como foi observado, a partir das teorias apresentadas no tópico anterior – Liberdades de imprensa e de expressão e o direito à imagem –, o uso sem autorização das imagens dos privados de liberdade ou de seus familiares pela mídia, compreende a colisão entre o direito de informação, assegurado à imprensa pelo inciso IX, e o direito à imagem, garantido a todo cidadão brasileiro pelo inciso X, ambos direitos e garantias fundamentais do artigo 5º da Constituição (1988) – a qual salvaguarda a dignidade da pessoa humana, a inviolabilidade da intimidade, a honra e a imagem (PINHEIRO, 2016). Tal medida constitucional é também aplicada aos privados de liberdade, já que o inciso XLIX, do mesmo artigo, garante a eles o respeito à integridade física e moral.

Outro documento legal que garante aos privados de liberdade à proteção de suas imagens é a lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, que institui a Lei de Execução Penal, sob a qual estão protegidos os direitos e deveres dos privados de liberdades. Um, em especial, nos é importante quando se trata de fotojornalismo ou da mídia em geral, o inciso VIII do artigo 41, que garante a proteção contra qualquer forma de sensacionalismo, como veremos a seguir.

3.3.1. Sensacionalismo no fotojornalismo e a Lei de Execução Penal

O sensacionalismo está presente na mídia como prática constante na busca por audiência, seja nos jornais, nos programas policiais de televisão, nos portais de notícias na internet ou no fotojornalismo. As fotografias jornalísticas que servem para ilustrar as matérias são também retratos de realidades exploradas, como é o caso das

67 imagens dos conflitos em Alcaçuz e no Compaj. Antes de discutirmos um pouco sobre o sensacionalismo cabe conceituá-lo:

O sensacionalismo é a forma exagerada de transmitir a notícia, com o intuito de chamar a atenção do telespectador, de fazer com que ele se veja naquela situação, se mobilize diante aquela matéria, se interesse por aquilo que está sendo dito, nada mais é do que uma estratégia de comunicação (LUGÃO, 2010, p 12).

O fotojornalismo carrega ao longo de sua história a marca de fotografias voltadas ao choque, ao horror, a dor do outro. Com isso, o sensacionalismo encontrou espaço para legitimar a imagem como testemunho visual dos fatos de violência, dor etc. A palavra sensacionalismo25 traduz o interesse da mídia/imprensa pela busca dos assuntos que causam escândalos ou chocam a sociedade, como os conflitos ocorridos em Alcaçuz e no Compaj – os quais serão analisados no próximo capítulo (4. Amazonas e Rio Grande do Norte: estados em guerra carcerária).

As fotografias sensacionalistas não permitem moderação, de acordo com Lugão (2010, p. 12) “a linguagem sensacionalista é a do clichê26; o sensacionalismo não admite distanciamento, neutralidade, busca o envolvimento, busca romper o escudo contra as emoções fortes”. Assim, imagens de conflitos que expõe a identidade dos indivíduos são comuns no dia a dia da imprensa, isto porquê há um interesse por elas:

Deve-se dizer que tanto o leitor do jornal “sóbrio”, quanto aquele que prefere o sensacionalismo, se interessa pelo crime, pelo rapto, pelo acidente, pela catástrofe. O que vai fazer com que o mercado se divida e haja um público exclusivo para o veículo sensacionalista é a linguagem, a linguagem editorial que é a forma de se destacar uma foto, tornar o texto mais atraente, enfim, a busca de um equilíbrio entre ilustração e texto, além da preferência por matérias originadas de fait divers, em detrimento de temas político-

25 Significado do verbete disponível em: <https://bit.ly/3bZ5T9C>. Acesso em 10 de janeiro de 2020. 26De acordo com Marcondes Filho (1988), em sua obra Televisão: a Vida pelo Vídeo, “o clichê retrata

o emocional, que busca insistentemente uma saída para a consciência, caracterizada pela forma repetitiva de agir (...) É também característica do clichê que essas imagens de felicidade, de agressividade, com as quais o receptor se identifica, não se aproximem da experiência real vivida pelas pessoas: no momento de sua expansão elas são interrompidas e desviadas para as imagens ou esquemas convencionais, que descarregam essa tensão” (apud ANGRIMANI, 1995, p. 32).

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econômico-internacionais que servem como estímulo predominante ao jornal informativo comum (ANGRIMANI, 1995, p. 54).

Embora haja essa procura pelo sensacionalismo, não acreditamos que os leitores, telespectadores ou ouvintes, sejam movidos pela vontade de ver a violência, o sangue, os crimes, os cadáveres etc. Eles estão na verdade acostumados a consumir essa linha editorial, a qual por muitos anos foi estampada em jornais, revistas e TV’s de todo país. Essas pessoas foram conduzidas, por muito tempo, a receber notícias sensacionalistas em suas residências como se fossem necessárias para a narrativa de um acontecimento. Por isso,

(...) ao contrário do que se prejulga, o leitor do jornal sensacionalista não é uma espécie de vampiro que sai correndo toda a manhã para comprar seu jornal, como se estivesse buscando seu alimento vital. A diferença de um público para o outro se admite como divisão de mercado. Mas ambos fazem parte da mesma camada de verniz cultural que é rompida todas as manhãs na leitura do jornal diário, quando se é informado dos crimes em série de um canibal, estupros, incestos, crimes passionais (ANGRIMANI, 1995, p. 54).

Essas imagens que carregam em suas composições cenas de crimes, mortes, conflitos etc. são o que Barthes (2013) denominou foto-choque. De acordo com o autor, essas fotografias concebem exageradamente o horror a que o fotográfo nos propõe, unindo ao fato aproximações, contrastes e composições as quais legitimam a linguagem tradicional do horror. Para exemplificar essas imagens, ele descreve como seria “colocar lado a lado uma multidão de soldados e um campo coberto de cabeças de mortos; um outro, apresenta-nos um jovem militar olhando um esqueleto” (BARTHES, 2013, p. 68). Quando essas fotografias jornalísticas são visivelmente produzidas a partir de uma proposta de captação do horror em sua mais terrível versão, “reduz-se ao estado de pura linguagem, não escandaliza, não desorganiza. Se é demasiado intencional, não vibra, não perturba” (BARCELOS, 2009, p. 13).

Sontag (2004) defende que todos esses registros de guerra criaram um enorme catálogo fotográfico das cenas de desgraça e injustiça no mundo e nos trouxeram uma determinada familiaridade com os horrores representados, fazendo com que esses episódios nos pareçam mais comuns. O sensacionalismo empregado em cada imagem de conflito expõe pessoas, familiares e vulnerabilidades. Nas fotografias de

69 conflitos penitenciários não seria diferente, tanto os privados de liberdade quanto os seus familiares são expostos nas mídias impressas, digitais e televisivas.

No entanto, o sensacionalimo esbarra na Lei de Execução Penal – LEP – no que se refere às fotografias de indivíduos encarcerados. A lei é clara e assevera, sendo um dos direitos garantidos a eles, a proteção contra qualquer forma de sensacionalismos, como estabelece o inciso VIII, da lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984. Diante disso, surgem os questionamentos: de quem é a responsabilidade da defesa dos privados de liberdade no tocante ao sensacionalismo?

A LEP foi o marco legal que fundamentou a garantia dos direitos dos indivíduos encacerados, mesmo entando eles em privação de liberdade. Como afirma Teixeira (2009, p.85), essa lei foi estabelecida enquanto “a constituição do preso como sujeito de direitos” (apud BRANCO; QUEIROZ, 2017, p. 387), caberia, então, ao Estado garantir os direitos listados no referenciado documento. Embora saibamos que não há unidade prisional brasileira que corresponda perfeitamente aos ideais da legislação vigente, com base no texto e na interpretação das leis, as quais cobrem os direitos dos privados de liberdade, não é permitido expor a imagem deles na mídia sem autorização do Estado.

Toda essa preocupção com o registro e publicação dos indivíduos se deve ao fato de que uma imagem divulgada pela mídia toma proporções inimagináveis, podendo causar sérios danos a vida social dos encarcerados após cumprimento de suas penas. Nos casos AM e RN, os reclusos captados pelas fotografias jornalísticas tiveram suas identidades e de seus familiares expostas nos meios de comunicação, principalmente na internet – responsável pela rápida disseminação das imagens.

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4. ESTUDO DE CASO AMAZONAS E RIO GRANDE DO NORTE: ESTADOS EM