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Justiça restaurativa: método adequado de resolução dos conflitos jurídico-penais praticados contra a mulher em ambiente doméstico

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

THAIZE DE CARVALHO CORREIA GUTIERRIZ

JUSTIÇA RESTAURATIVA:

MÉTODO ADEQUADO DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS

JURÍDICO-PENAIS PRATICADOS CONTRA A MULHER EM

AMBIENTE DOMÉSTICO

Salvador

2012

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THAIZE DE CARVALHO CORREIA GUTIERRIZ

JUSTIÇA RESTAURATIVA:

MÉTODO ADEQUADO DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS

JURÍDICO-PENAIS PRATICADOS CONTRA A MULHER EM

AMBIENTE DOMÉSTICO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito, Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito. Orientadora: Prof.ª. Dr.ª Selma Pereira de Santana

Salvador

2012

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G984 Gutierriz, Thaize de Carvalho Correia,

Justiça restaurativa: método adequado de resolução dos conflitos jurídico-penais praticados contra a mulher em ambiente doméstico / por Thaize de Carvalho Correia Gutierriz. – 2012. 180 f.

Orientadora: Profa. Doutora Selma Pereira de Santana. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito, 2012.

1. Justiça restaurativa 2.Violência contra a mulher 3.Violência

familiar I. Universidade Federal da Bahia

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THAIZE DE CARVALHO CORREIA GUTIERRIZ

JUSTIÇA RESTAURATIVA:

MÉTODO ADEQUADO DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS

JURÍDICO-PENAIS PRATICADOS CONTRA A MULHER EM

AMBIENTE DOMÉSTICO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito, Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito.

Aprovada em _____ de _____________ de 2012.

Banca Examinadora

Selma Pereira de Santana – Orientadora ____________________________

Doutora em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Universidade Federal da Bahia

Saulo José Casali Bahia – Examinador ______________________________

Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Universidade Federal da Bahia

Riccardo Cappi – Examinador ______________________________

Doutor em Criminologia pela Université Catholique de Louvain, Bélgica. Universidade Federal de Feira de Santana

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AGRADECIMENTOS

Registro, inicialmente, que este trabalho é dedicado aos meus alunos, pois no dia em que entrei em uma sala de aula, como professora, pela primeira vez, e não fugi nos primeiros segundos, tive a certeza de que é isso que eu quero fazer por esta vida. É como me reconheço, onde me sinto bem, segura e feliz.

Em relação ao trabalho desenvolvido, confesso que, por não ter tido contato com a pesquisa, nem com a elaboração de trabalhos científicos na graduação, (e também, na especialização, não nos moldes adequados), escrever esta dissertação foi uma mistura de desafio, superação e, muitas vezes, angustia.

Porém, a vontade de lecionar sempre é muito maior, e foi em nome dessa paixão que entrei no programa de Pós-graduação da Universidade Federal da Bahia, local, até então, completamente desconhecido para mim. E acreditem, valeu a pena cada passo, por mais longe que parecesse estar o fim.

Pela decisiva passagem que enfrentei nesta casa, rendo meus cumprimentos àqueles que fazem do curso de extensão um período de dedicação, aprofundamento e ruptura paradigmática de vida, pois, depois de passar por aqui, posso afirmar que sou outra pessoa, em todos os aspectos, e, especialmente, em relação ao Direito e ao ensino jurídico.

Os encontros foram acalentadores e, na mesma intensidade, reveladores. Primeiro em relação aos colegas penalistas, que me deram a certeza, desde a primeira aula, que para nos enquadrarmos em tal designação é preciso acreditar que trabalhar em prol do ser humano vale a pena, e que é preciso algo mais do que pena e castigo para melhorar a intervenção estatal. É preciso um pouco mais de humanidade para acreditar nisso.

Preciso, ainda, registrar o encantamento e a perturbação vivenciados nas aulas da enorme Professora Marília Murici, que rompeu, de vez, com a minha arcaica e cartesiana visão do Direito.

Não poderia, também, deixar de mencionar o quanto a disciplina Metodologia da Pesquisa influenciou a minha forma de pensar, pois os professores Nelson Cerqueira e Rodolfo Pamplona são capazes de tocar fundo na nossa consciência,

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além de acabar com nossos finais de semanas, madrugadas e intervalos, sempre no sentido de fazer com que, revisitando os clássicos, entendêssemos que não existe a melhor forma de pesquisar, devendo prevalecer, sempre, a produção científica.

Com igual zelo e admiração, registro meu muito obrigada ao professor Saulo Casali que, de forma peculiar, contribuiu para o meu ciclo de aprendizado, ao tecer considerações decisivas sobre este trabalho quando da pré-banca.

Lembrando, ainda, a importância da amizade, essa forma de amor atemporal e gratuita, não poderia deixar de dedicar o meu muitíssimo obrigada ao filósofo, professor e querido amigo Thiago Anton Alban, que esteve à minha disposição, não só para me indicar referências e ouvir as minhas impressões sobre o que havia lido, mas por apontar o capítulo da obra que deveria ser consultado, com uma precisão cirúrgica, própria dos estudiosos e atentos pesquisadores.

Agradeço, ainda, e de maneira muito especial, à minha orientadora, Selma Santana, que no decorrer do curso, e mesmo antes dele, se mostrou uma verdadeira amiga, que, tenho certeza, não passou pela minha vida apenas neste caminho acadêmico, devendo permanecer, pelo menos, por esta encarnação. Minha gratidão por me proporcionar o contato com a Justiça Restaurativa, me fazendo acreditar que algo diferente do que está posto pode acontecer.

Agradeço também ao meu marido, Ives Gutierriz, por me entender, muitas vezes só com um olhar ou com um silêncio, e me mostrar que o amor é um sentimento único e inquebrantável se embasado na admiração, ternura e uma dose de bom humor, sempre pela manhã e pela noite.

Por fim, e sempre, meu eterno carinho à minha mainha, Odete Lima, pela dedicação e por me ensinar, a cada dia, o valor das pequenas coisas, me fazendo crer que o universo conspira sempre a favor, e que é preciso acreditar em dias e pessoas melhores. Um beijo do tamanho do globo terrestre mãe e obrigada, sempre, pelo companheirismo, também, nesta empreitada.

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Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.

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GUTIERRIZ, Thaize de Carvalho Correia. Justiça restaurativa: método adequado de resolução dos conflitos jurídico-penais praticados contra a mulher em ambiente doméstico. 2012. 174 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012.

RESUMO

Junto com a Teoria do Delito e o estudo propedêutico, a Teoria da Pena forma o tríplice alicerce da parte geral do Direito Penal. As críticas que brotam em torno deste ramo do ordenamento jurídico são mais contundentes quando se referem à sanção penal, sua forma de aplicação e execução. Por isso, revisitar as razões que fundamentam a pena é o primeiro passo para apresentar novas formas de tratamento dos eventos rotulados como criminosos. O Estado atua baseando-se em uma racionalidade aflitiva, justificando o seu modo de intervir na prevenção de infrações penais. São as Teorias Relativas que legitimam a sanção penal atual, sob o argumento de prevenir novos conflitos jurídico-penais. Este paradigma dominante está em crise, pois os fins propostos não conseguem ser alcançados. A forma atual de responder aos delitos não é capaz de atender aos anseios de uma sociedade complexa e plural. As causas e as consequências do crime são diversas, como também são os desejos dos envolvidos. Por isso, as partes podem, se assim entenderem, participar da solução do problema, democratizando a resposta aos conflitos rotulados como criminosos. Assim, em observância à Intervenção Mínima, os conflitos podem ser tratados pela Justiça Restaurativa, especialmente os que envolvem relações paritárias, como os são os decorrentes da violência doméstica. Mas não só esta modalidade de violência contra a mulher precisa ser tratada, pois há uma brutalidade estrutural contra as mulheres que também deve ser abordada de forma séria, e até de maneira mais densa do que a doméstica. Nesse contexto, atendendo a uma urgência democrática, apresenta-se a Justiça Restaurativa, um conjunto de práticas em busca de uma teoria, que, através da voluntariedade e do enfrentamento, devolve o conflito às partes. Juntos os envolvidos encontrarão a adequada resposta para aquele conflito. Esta forma de tratar os delitos é mais eficaz porque as partes participam da resolução do conflito, defendendo-se, nesta premissa, a importância autônoma deste procedimento. Dando o alinhamento à pesquisa, investiga-se, ainda, algumas questões relacionadas à construção social dos gêneros feminino e masculino, a fim de demonstrar que as questões relacionadas à violência doméstica são, antes de tudo, problemas de base, para só depois analisar a Lei 11.340/2006, chegando-se, por derradeiro, à conclusão de que o novo paradigma restaurador é muito mais adequado do que o atual paradigma hermético e aflitivo com que o Estado trata esses crimes e os envolvidos neles. Palavras-Chave: Justiça restaurativa. Resposta adequada. Violência contra mulher. Ambiente doméstico.

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GUTIERRIZ, Thaize de Carvalho Correia. Restorative justice: adequate method of resolving criminal-legal conflicts practiced against women in domestic environment. 2012. 174 pp. Master Dissertation – Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012.

ABSTRACT

Along with Criminal Offence Theory and the propaedeutic study, the Crime Theory creates the triple foundation of Criminal Law general part .The criticism around this portion of law are stronger when they refer to criminal sanction, its form of implementation and enforcement. That is why is important to review the reasons that substantiate the penalty. This is the first step to introduce new forms of treatment to events described as criminals. The state operates based on a distressing rationality, justifying its intervening in preventing criminal offences way. There are the Relating Theories that legitimize the current criminal penalty under the argument to prevent new conflicts legal-criminal. But this dominant paradigm is in crisis, because the final purpose can not be achieved. The current way to respond to crimes is not able to attend the needs of a plural and complex society. The causes and consequences of crime are diverse, the involved desires are diverse as well. Victim, offender and society can find out the solution to the problem by themselves, using democracy to respond conflicts described as criminals. In observance to the Minimum Intervention, conflicts can be dealt by Restorative Justice, especially those relationships which involve parity such as domestic violence. Not only this form of violence against women needs to be treated, there is a structural brutality against women that must also be addressed seriously, and even denser than the domestic violence. In this context, attending a democratic urgency, Restorative Justice appears, a set of practices in searching of a theory, which through the willingness and confrontation, conflict returns to the parties. The involved find the proper response to that conflict together and extrajudicially. This method of treating the offences is more effective because the parties involved in the conflict defend themselves, on this premise, the importance of an independent process. Continuing and investigating this research, some of social construction about female and male genders in order to demonstrate issues related to domestic violence are basis problems, for only then analyze the law 11.340/2006, coming up to the conclusion that the new restorer paradigm is more appropriate than the current airtight and distressing paradigm which the State treats these crimes and the involved.

Keywords: Restorative justice. Appropriate response. Violence against women. Domestic environment.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...10

2 A (R) EVOLUÇÃO DO PODER DE PUNIR ...15

2.1 O AUTISMO ESTATAL E A HERMETIZAÇÃO DO JUS PUNIENDI ...15

2.1.1 O Atuar Estatal em Nome da Proteção de Bens ...18

2.1.2 As Teorias Legitimadoras da Pena como Sanção Pública Soberana ....21

2.1.3 Breve Visão Criminológica da Pena ...28

2.1.4 Constatando Problemas e Verificando a Necessidade de Flexibilização do Atuar Estatal ...34

2.2 A ABERTURA DIALÓGICA NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA RESPOSTA PENAL...39

2.2.1 A Difícil Tarefa entre a Ordem e a Dinâmica Social ...40

2.2.2 Adaptando o Paradigma Atual aos Novos Anseios Democráticos ...43

2.2.3 O Delito Não Existe Fora da Linguagem ...49

2.2.4 Justiça Intersubjetiva: Uma Releitura Paradigmática...53

3 A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO RESPOSTA ADEQUADA A SITUAÇÃO ATUAL ...57

3.1 A CONTRIBUIÇÃO DOS ABOLICIONISTAS ...58

3.2 A NECESSÁRIA DIVERSIFICAÇÃO NO SISTEMA PENAL ...63

3.2.1 O Delito como Problema de Dois Antes de Ser Problema de Todos ...65

3.2.2 A Promessa Estatal e a Realidade Alcançada ...67

3.2.3 A Interpretação dos Princípios Penais a partir da Releitura Paradigmática ...71

3.3 O PROCESSO RESTAURATIVO ...75

3.3.1 Histórico e Conceito da Justiça Restaurativa ...75

3.3.2 Princípios Relacionados ao Tema ...77

3.3.3 A Mediação na Ótica Restaurativa ...84

(11)

4 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: AMPLIANDO O DEBATE PARA ACERTAR NA

PROTEÇÃO ...100

4.1 UMA QUESTÃO DE GENÊRO ...101

4.2 A PROTEÇÃO PENAL ATRAVÉS DA LEI MARIA DA PENHA ...107

4.2.1 A Lei 11.340/2006 ...108

4.2.2 A Mulher Destinatária da Proteção e as Espécies de Violência ...114

4.2.3 Tratamento Dispensado às Vítimas ...116

4.2.4 A Estigmatização da Mulher como Sexo Frágil ...122

4.3 A NECESSIDADE DE DIVERSIFICAR AS RESPOSTAS AOS DELITOS QUE ENVOLVEM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA...130

4.3.1 A Mulher como Agente Transformador ...131

4.3.2 Por um Processo Duplo de Descontinuidade ...136

4.3.3 E Agora? Efeitos Permanentes do Processo Restaurativo ...141

5 A ADEQUAÇÃO DOS MÉTODOS RESTAURATIVOS NOS CONFLITOS ENVOLVENDO VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER ...143

5.1 OS DESEJOS DOS ENVOLVIDOS E AS POSSIBLIDADES NOS MOLDES ATUAIS ...145

5.2 OS MÉTODOS RESTAURATIVOS COMO FORMA ADEQUADA DE TRATAMENTO PENAL ...152

5.2.1 Delitos que Comportam o Diálogo ...156

5.2.2 Método Restaurativo Eleito: A Mediação ...158

5.3 CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS DO PROCESSO RESTAURADOR ...161

5.4 ENFIM, A EMANCIPAÇÃO FEMININA ...164

6 CONCLUSÃO ...168

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1 INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é apresentar a Justiça Restaurativa como caminho adequado na busca pela prevenção do delito, de forma efetiva e adequada no tratamento dos conflitos que envolvem a violência contra a mulher em ambiente doméstico.

Para tanto, é indispensável entender as bases que sustentam a sanção aflitiva, imposta hermeticamente pelo Estado, sem considerar as peculiaridades do caso concreto de forma ampla, impondo uma resposta idêntica e, muitas vezes, ineficiente ao comportamento rotulado como criminoso, sem se perquirir as causas, as consequências e, especialmente, os desejos dos envolvidos na situação problemática.

Nesse contexto, o primeiro capítulo de desenvolvimento se destina a apresentar as bases nas quais se edificam as justificativas para a conformação da atual justiça penal. A hipótese básica desta intervenção se dá em nome da proteção de bens jurídicos.

Torna-se necessário, ainda, revisitar as teorias que sustentam a existência da pena nos moldes contemporâneos, revelando que as doutrinas preventivas ocupam, de forma adequada, o espaço democrático, na medida em que demonstram que a punição só pode se justificar quando objetivarem fins mais amplos do que a mera retribuição. Nesse contexto, defender-se-á a imposição de pena privativa de liberdade àquele que praticou uma conduta descrita como criminosa só quando extremamente necessário, devendo o Estado atuar, sempre, no sentido de reintegrar o cidadão à sociedade.

Esta finalidade acolhedora não encontra consonância, nem na forma com que o Estado aplica esta sanção, nem na consciência da sociedade atual, que deseja, na grande maioria das vezes, que aquele que ofendeu seu bem jurídico “pague pelo que fez”, seja preso, e fique na cadeia o maior tempo possível, baseando-se em um sentimento retributivo que cega e desvirtua o aparelho estatal e os membros coletivos.

Assim, o que se vê, na prática, é um afastamento abismal entre a teoria e a realidade. A intervenção estatal mediante o Direito Penal, especialmente em países

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periféricos e de tamanha desigualdade social, como o Brasil, não pode ser no sentido de excluir e estigmatizar o cidadão que praticou uma conduta rotulada como criminosa.

A intenção precípua da sanção penal deve ser pautada na ressocialização social do condenado, associada à tentativa de fazê-lo escolher outro caminho, não criminoso. Tudo em harmonia com as doutrinas que fundam as Teorias Relativas da pena, também apresentadas no primeiro capítulo.

Se as promessas preventivas não estão sendo cumpridas, é dever de todos investigar caminhos que as efetivem. A justificativa da intervenção está nas teorias preventivas, as práticas eleitas pela Política Criminal devem se adequar à esta doutrina. Se os métodos atuais não vem dando resultado, que sejam alterados, até que os objetivos sejam, enfim, alcançados. A obrigação é de todos, e ainda mais densa daqueles que participam desse fazer penal. A pesquisa leva à estas conclusões, devendo as investigações se inclinarem para alterar os paradigmas, sempre no sentido de atender às demandas sociais com efetividade, respeitando a Carta Magna deste país e suas diretrizes básicas.

Este sentido deve pautar as obrigações estatais, no intuito de garantir a convivência pacífica entre os cidadãos, alterando sua maneira de atuar quando os antigos métodos se mostrarem desatualizados, observando que certos paradigmas só são mantidos por uma questão de costume, de acomodação.

Se a pena, nos atuais moldes aflitivos, não atende às finalidades propostas, é preciso alterá-la. Isso não significa que o Direito Penal será abolido, mas, em nome do princípio da Intervenção Mínima, que outras formas não aflitivas e democráticas de solucionar os conflitos são capazes de atender, de maneira muito mais adequada, as necessidades das partes e também da coletividade.

Sair do conforto, apresentar outra via dialógica aos conflitos é sempre uma tarefa incômoda, pois ocasiona desconfiança e medo. Por isso, é preciso entender as limitações humanas, presas a convicções que, muitas vezes, não se justificam, pois edificadas no terreno frágil de preconceitos e amarras que se desfazem no ar, pela insustentabilidade dos argumentos.

Diante desta realidade, os preconceitos são apresentados através da filosofia de Francis Bacon, seguida da necessidade de transmutação de paradigmas em

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crise, nas raízes filosóficas de Thomas Kuhn. Dois autores que, junto com Boaventura de Sousa Santos, regem a defesa da possibilidade de troca da racionalidade aflitiva da sanção penal atual, caracterizada pela univocidade da mesma, por uma Justiça dialógica, onde todos os envolvidos podem falar e ser ouvidos, dando relevância ao processo e não só ao seu resultado.

Preparando o terreno para o novo paradigma, ressalta-se, também, a inexistência do delito fora da comunicação, da valoração, pois essencialmente o delito não existe, já que é sempre aquilo que a sociedade disse que é, em determinado tempo, dependendo da intervenção humana. Nesse prisma, as razões e as consequências, bem como a forma de enxergar aquele que cometeu um crime são sempre variáveis, devendo ser assim também, a resposta a tal comportamento.

Verifica-se, ainda, que as promessas preventivas que justificam (ou tentam justificar) a existência de uma sanção aflitiva não foram alcançadas, devendo o Estado adequar sua atuação à dinâmica social, que exige mudanças para atendimento dos novos anseios.

Assim, no capítulo seguinte, a Justiça Restaurativa é apresentada como forma de oxigenar o sistema penal, ressaltando que este conjunto de métodos ainda não conta com uma conceituação fechada, sendo muito mais uma prática do que uma teoria, situação que não traz grandes problemas, diante, especialmente, do esvaziamento das teorias que legitimam as atuais formas de intervenção penal.

Na continuação, são apresentados os princípios que sustentam a Justiça Restaurativa, que tem, por escopo, o refazimento dos elos partidos pelo evento danoso, oferecendo especial atenção à reparação material e moral do conflito, possibilitando, em um ambiente negocial, que as partes sejam ouvidas e enfrentem seus problemas de maneira pessoal, dando a solução que entenderam mais adequadas.

Colaciona-se, ainda, algumas experiências da aplicação dos métodos da Justiça Restaurativa no mundo, demonstrando a eficácia desta espécie de justiça reparadora, que considera o delito, primeiramente, um problema de dois, antes de ser tratado como um ataque à sociedade, como se considera no paradigma atual, tornando-o um problema a ser solucionado pelas partes diretamente envolvidas e pela coletividade circunscrita.

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Esta forma de encarar o crime possibilita que os atores do evento danoso aproximem-se, participem da construção da resposta e não apenas assistam suas vidas sendo tratadas e interpretadas de forma artificial e, muitas vezes, em descompasso com a realidade e seus desejos.

Democratizando a resposta ao crime, previne-se o delito de forma muito mais densa, pois todos experimentam a justiça, porque participam da sua realização.

Dando recorte ao tema, no terceiro capítulo de desenvolvimento, analisa-se a violência doméstica, conflitos ocorridos no seio de relações paritárias, ou seja, as partes envolvidas no problema continuarão, na grande maioria das vezes, a conviver, especialmente quando desta relação advierem filhos. Estes problemas precisam ser tratados com especial atenção, pois a relação entre os envolvidos não é pontual, eles se conhecem, estão envoltos em sentimentos e histórias que superam a vida dos autos, necessitando de tratamento diverso, pois, provavelmente, continuarão a conviver após o encerramento de mais um caso penal.

Nesse sentido, analisando as nuances desta modalidade de violência, apresenta-se o tratamento dispensado à violência doméstica cometida contra a mulher pelo ordenamento jurídico brasileiro, sopesando-se a legislação pátria, a conformação histórica que a originou, especialmente a história da farmacêutica Maria da Penha Fernandes, e a interpretação jurídica dada à Lei 11.340, de 2006.

O trabalho foi além da história e da análise da legislação acerca da violência doméstica, pois esta forma de agressão, muitas vezes, deriva de um comportamento social violento para com o gênero feminino. A violência estrutural contra a mulher é mais ampla, e, muitas vezes, tão cruel quanto a violência doméstica, pois, muitas vezes, todos (inclusive a própria mulher) dispensam tratamento preconceituoso e agressivo às mesmas, mantendo-as vítimas de um destino e de um sistema socialmente impostos.

Esta forma velada de agredir, mediante olhares animalescos, comentários que reduzem as mulheres a um mero objeto de desejo sexual, também precisa ser abordada, pois este comportamento repugnante acaba por incentivar, quando não corrobora, com a prática da violência entre companheiros e cônjuges.

A normalidade desta forma de violência assusta tanto quanto àquela agressão que ocorre no seio da família, praticada pelo companheiro, por quem já lhe deu

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amor, carinho e sustento.

Nesse prisma, ampliando o debate sobre a violência contra a mulher, se defende, já no capítulo final de desenvolvimento, a aplicação dos métodos restaurativos, como forma de empoderar esta mulher vítima de violência, que precisa retomar as rédeas da sua vida, assumir o comando, sair do papel de submissa e se tornar agente transformadora da sua própria história, revelando que a participação dela em um procedimento restaurativo auxilia nesse processo de resolução participativa de conflitos.

Assim, acreditando que todos os envolvidos no conflito precisam de ajuda e podem intervir de maneira ativa na construção da resposta ao problema, é que a proposta pela aplicação da mediação, como forma adequada de tratar problemas advindos dos conflitos domésticos, é defendida, pois se entende mais equânime e satisfatória, uma vez que possibilita o debate, dirigido por um terceiro preparado para tal fim, mediante o qual todos – vítima, agressor e sociedade –, juntos, alcançam a melhor solução para o problema.

Por derradeiro, faz-se uma análise do momento que estes conflitos serão encaminhados a um procedimento restaurativo, revelando, ainda, os benefícios dessa técnica e consequências judiciais do acordo celebrado na mediação, e homologado posteriormente pelo Judiciário, considerando, para tanto, a gravidade do delito, entre outros fatores como a reincidência.

Revelando a importância central do processo restaurativo, dada à suficiência no trato de delitos que envolvem violência contra mulher no ambiente doméstico, pondera-se, aduz-se, também, uma importância transcendental desses procedimentos, pois esta especial vítima, submissa ao sistema, dependendo sempre da proteção do outro (do masculino), passa a assumir um papel de agente, oportunizando-se, assim, a efetiva igualdade entre os gêneros.

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2 A (R) EVOLUÇÃO DO PODER DE PUNIR

Se eu fosse príncipe ou legislador, não perderia meu tempo em dizer o que é preciso fazer; eu o faria ou me calaria.

Jean-Jacques Rousseau

Para questionar o atual sistema penal e apresentar uma nova roupagem à atuação Estatal no que se refere a esta forma de intervenção, é necessário expor as bases que o legitimam. Isso porque são as promessas estatais que irão sustentar a nova opção no tratamento dos problemas rotulados como criminosos.

Assim, para manter legítimo o sistema penal atual, é imprescindível trazer à baila as bases que esse conjunto de regras e princípios se funda, para, após, defender a Justiça Restaurativa como opção adequada de reação penal aos problemas jurídicos desta natureza, especialmente, aos delitos cometidos dentro da vida privada das pessoas.

Esta transição atende aos novos anseios sociais, diante da necessidade de articulação entre o Direito e as novas estruturas que emergem da coletividade e clamam por novas formas de atuação estatal.

Destarte, passa-se a expor os fundamentos da sanção penal e as justificativas da sua existência, sendo indispensável tal sintetização para a defesa de novos rumos, dentro, ainda, destas mesmas bases, porém, de forma a atender, com eficiência, aos atuais problemas penais, diante dos resultados desastrosos das presentes formas de intervenção penal.

2.1 O AUTISMO ESTATAL E A HERMETIZAÇÃO DO JUS PUNIENDI

Entre as mais diversas condutas humanas, algumas delas são consideradas criminosas, e o são aquelas que determinado órgão1 assim determinou, no caso brasileiro, o Congresso Nacional, mediante uma lei com características próprias.

Porém, nem sempre foi o Estado o responsável por esta seleção. Ao longo da

1

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história, tal poder esteve nas mãos dos particulares, da Igreja, e, por fim, quando da ascensão do Estado Absoluto, este poder passou a ser exercido pela coroa, tornando-se, a partir de então, exclusivamente pública tal decisão.

Este sistema penal, por meio do qual o Poder Público domina o direito de punir, e o faz de forma hermética e automática, não é questionado de maneira adequada, isto porque a racionalidade penal moderna, nas palavras de Álvaro Pires, impõe uma equação, linear e simplificada, que privilegia uma linha de pensamento medieval: “segundo a qual é a pena aflitiva que comunica o valor da norma de comportamento”2, ou seja: a um comportamento “x” aplica-se uma sanção “y”.

A proposta deste trabalho é também sopesar esta situação posta e poucas vezes contestada. Prega-se que o crime é sempre uma lesão mediata ou imediata à coletividade, e a sanção precisa ser aplicada e executada pelos órgãos do Poder Público, sem a participação ativa dos envolvidos.

Sobre o tema sistema penal, é preciso deixar claro o que ele significa, nos termos propostos por Eugênio Raúl Zaffaroni:

Chamamos de “sistema penal” ao controle social punitivo institucionalizado, que na prática abarca a partir de quando se detecta ou supõe detectar-se uma suspeita de delito até que se impõe e executa uma pena, pressupondo uma atividade normativa que cria a lei que institucionaliza o procedimento, a atuação dos funcionários e define os casos e condições para esta atuação. Esta é a ideia de “sistema penal” em um sentido limitado, englobando a atividade do legislador, do público, dos juízes, promotores e funcionários da execução penal3.

Estudar este controle punitivo, institucionalizado e fechado em relação aos anseios dos diretamente envolvidos no conflito, faz-se indispensável, pois é com base nesse caráter público e aflitivo do Direito Penal, e do atuar estatal, que todo conhecimento é construído4.

Esta racionalidade substancial (estrutura telescópica consubstanciada na fórmula: quem prática “x” recebe a pena “y”) causa três problemas, nos dizeres de Álvaro Pires. O primeiro é a que o crime vai ser definido pela pena. Não havendo delito sem a cominação de medida repressiva. Isso impossibilita pensar o sistema

2

PIRES, Álvaro. A racionalidade penal moderna, o público e os direitos humanos. Novos Estudos, São Paulo, n. 68, mar. 2004, p. 41.

3

ZAFFARONI, Eugenio Raul. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. v. 1, p. 65-66.

4

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sem sanção penal5. O segundo é a tentativa de simplificar o trabalho do legislador e do juiz, no momento da escolha: “tender-se-á a crer que eles devem privilegiar a escolha da pena aflitiva, particularmente a de prisão, de modo que ela aparecerá como uma resposta evidente”6

. E o terceiro problema é verificado no plano filosófico, já que crime e pena provocam uma “formidável ilusão” de necessidade e identidade quanto à natureza dessa associação, o que se manifesta sobre dois aspectos: o primeiro é conceber que ambas (norma de comportamento e sanção) são obrigatórias. Enquanto só a primeira o é.

Nessa linha de racionalidade penal, outro problema se estabelece. O de que a sanção seja sempre negativa, vez que o crime é visto como um mal que a ela se aplica outro mal, a pena: “buscando direta e intencionalmente produzir um mal para apagar o primeiro mal ou para efeito de dissuasão”7

.

Dito isso, o autor adverte: “a racionalidade penal moderna constitui, portanto um obstáculo epistemológico ao conhecimento da questão penal e, ao mesmo tempo, à inovação, isto é, à criação de uma nova racionalidade penal e de outra estrutura normativa”8

.

Assim, a forma de tratar os delitos baseia-se em um raciocínio aflitivo, sempre no intuito de impor um mal doloroso àqueles que cometem crimes. E esta forma de resolver os problemas, muitas vezes, não encontra respaldo social, pois as pretensões assumidas pelo Estado, no desenvolvimento da tarefa penal, não estão sendo alcançadas, pois os resultados carcerários são desastrosos. Além do endurecimento das penas não diminuir a criminalidade, a inadequação da execução das sanções impostas pelo Estado não atende às expectativas das partes envolvidas no conflito, além de não atender aos anseios dos demais membros da coletividade, que rogam por sanções mais rigorosas, ao mesmo tempo em que demonstram que não acreditam na intervenção penal.

Diante do contrassenso, faz-se necessário investigar caminhos mais eficazes no tratamento dos comportamentos delitivos.

5 Cf. PIRES, 2004, p. 41. 6 Ibid., p. 42. 7

Ibid., loc. cit.

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2.1.1 O Atuar Estatal em Nome da Proteção de Bens

Estando o jus puniendi sob o controle exclusivo do Estado, será ele quem decidirá quais as condutas devem ser consideradas criminosas, e qual a sanção a ser aplicada àqueles que a praticarem. E como critério deste atuar penal, o Estado elegeu a proteção de bem jurídico9. Assim, baseando-se no valor superior de certos bens da vida, decidirá quais as ações e omissões os violarão se praticadas, situação que justificará a imposição da sanção penal.

Nesse sentido, Luiz Régis Prado, aduz que: “o pensamento jurídico moderno reconhece que o escopo imediato e primordial do Direito Penal radica na proteção de bens jurídicos – essenciais ao indivíduo e a comunidade”10

.

Assim, o Direito Penal existe como instrumento de proteção e pacificação social, possibilitando que a coletividade conviva, de forma harmônica, sem guerras constantes diante da violação de bens da vida, na medida em que oferece um conjunto de regras predefinidas no trato com os problemas considerados penais.

E esse argumento é válido. O Estado precisa intervir na individualidade de cada cidadão, quando este viola a esfera de proteção do outro, isto porque a liberdade humana convive (e até mesmo se revela) na sociabilidade. Nos dizeres de Calmon de Passos:

A abertura para o mundo que somos, enquanto liberdade (ser individual) cumpre-se, portanto, e inevitavelmente, no contexto fechado que é a ordem social. Duas evidências que se impõem e não podem ser ignoradas: uma

dada ordem social precede qualquer desenvolvimento individual orgânico; o

que importa o reconhecimento de que a ordem social apropria-se, previamente e sempre, da abertura para o mundo que somos como liberdade, como individuo, embora esta abertura, esta liberdade sejam intrínsecas à constituição biológica do homem11.

Nessa seara, projetado para ser aplicado dentro do Estado Democrático de

9

Importante deixar registrado que a ideia de proteção de bem jurídico como função precípua do Direito Penal só foi introduzida a partir do século XIX, conforme asseveram Bianchini, Molina e Gomes (Cf. BIANCHINI, Alice; MOLINA, Antonio García-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Direito

penal: introdução e princípios fundamentais. 2. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2009, p. 252-254) e ainda Prado (Cf. PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e

constituição. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 27), quando

afirmam que antes o delito era encarado como uma ofensa a um direito subjetivo, por isso

sancionado. Só a partir da publicação do artigo de Birnbaum (1834) é que nasce a ideia de tutela de bem jurídico, como forma de limitar o atuar penal estatal, restringindo-o a proteção de bens.

10

PRADO, 2009, p. 54-55.

11

PASSOS, José Joaquim Calmon de. Direito, poder, justiça e processo: julgando os que nos julgam. Rio de janeiro: Forense, 2003, p. 42.

(21)

Direito, eleito pela Constituição Federal de 1988, o Direito Penal deve ser limitado por certos princípios12, já que aplicará ao homem uma sanção, em regra, privativa de liberdade, prática que precisa ser abundantemente justificada, na medida em que violará uma garantia individual outorgada aos cidadãos no texto constitucional.

Por esta razão, todos os princípios que fundam o Direito Penal devem ser estritamente observados, sendo tarefa precípua do Estado, rotular, como criminosa, a conduta que lesione, efetivamente, esses bens considerados de maior importância para e pela coletividade.

De mais a mais, não é qualquer bem jurídico que receberá a proteção penal (só os mais importantes), e nem toda conduta que se subsumir à lei penal será considerada merecedora de sanção penal13, analisando-se, tanto o desvalor da

12

Os princípios estampados ou decorrentes da Constituição Federal devem ser cumpridos com rigor no campo penal, pois é observando essas normas de otimização (nos termos do quanto demonstrado na importante obra de Robert Alexy denominada “Teoria dos Direitos Fundamentais”) que a atuação estatal se legitima. Não é outra a conclusão do movimento chamado Neoconstitucionalista,

manifestação que fortalece a proteção dos direitos fundamentais, nos dizeres de Dirley da Cunha Junior: A esse pensamento dá-se o nome de neoconstitucionalismo e instaura o Estado

Constitucional de Direito. Isso se deu em razão da barbárie do holocausto, ocorrido na Segunda Grande Guerra, “legitimado” pelo Estado Legislativo de Direito. Transmutando o paradigma da legalidade para o da constitucionalidade, condicionando a produção legislativa, tanto formal como material, à Constituição (CUNHA JUNIOR, Dirley da, Curso De Direito Constitucional. 5. ed. ampl.

rev. e atual., Salvador: Juspodivm, 2011, p. 40). Nesse prisma, apresenta-se, como princípio basilar do Direito Penal, a Intervenção Mínima, que limita o sistema na medida em que condiciona sua destinação à proteção de certos bens jurídicos. Outro princípio do sistema penal é a Legalidade, que determina que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Trata-se de orientação vinculante que inaugura a forma como o Estado vai operar, observando a segurança dos cidadãos, que devem conhecer previamente quais as condutas criminosas, com a precisão e clareza (além da anterioridade) necessárias ao atendimento da expectativa gerada pela norma. Nas linhas de Nilo Batista: “o princípio da culpabilidade deve ser entendido, em primeiro lugar, como repúdio a qualquer espécie de responsabilidade pelo resultado, ou responsabilidade objetiva”. Ressalvando, ainda, o autor, que além desse caráter, o analisado princípio: “deve igualmente ser entendido como exigência de que a pena não seja infligida senão quando a conduta do sujeito, mesmo associada causalmente a um resultado, lhe seja reprovável (BATISTA, Nilo. Introdução

Crítica ao Direito Penal Brasileiro, Rio de Janeiro: Revan, 11. ed., 2007, p.103). Na mesma esteira,

elenca-se, ainda, o princípio da Adequação Social, como norteador da tarefa legislativa, devendo se observar quais as demandas sociais clamam por esta proteção penal. Assim, a conduta a ser descrita como criminosa precisa ter relevância social, para ser definida como delituosa. Para tanto, o

legislador deve sopesar aquilo que a sociedade considera como repugnante, não tipificando condutas toleradas ou fomentadas. Traz-se, ainda, à baila o princípio da Ofensividade, decorrente da alteridade que caracteriza o Direito Penal, não podendo ser eleita como delituosa uma conduta interna, imoral ou que não exceda a esfera individual do agente, devendo, portanto, atingir o bem jurídico de terceiro para justificar a etiqueta de criminosa. Assim, a atuação estatal deve se pautar observando esses pilares traçados na Carta Magna deste país, sob pena de deslegitimar sua atuação, ferindo, portanto, o sistema eleito como Democrático de Direito. Nunca é demais frisar a importância da observância dos princípios constitucionalmente eleitos como basilares da atuação estatal, principalmente após a segunda grande guerra, quando surgiu o movimento neoconstitucionalista, orientando que os juristas harmonizassem a lei com as normas programáticas previstas no texto constitucional.

13

Aplicação do princípio da insignificância, por exemplo, que vai afastar a tipicidade material daquela conduta que não ferir, de forma mínima, o bem jurídico tutelado pela lei. Assim, algumas condutas

(22)

conduta, como o desvalor do resultado.

Assim, a atuação estatal que se baseia na proteção de bens jurídicos deve atuar com premissas claras, trilhando um caminho seguro na maneira de intervir, já que elegeu, como juízo de valor, a concretização dessa proteção, devendo pautar-se em três regras básicas, conforme demonstra Luiz Régis Prado.

Primeiro em relação à atuação legiferante, uma vez que o legislador não é livre para elevar a categoria de bem jurídico qualquer juízo de valor, estando ele vinculado às metas traçadas na Constituição Federal14. Segundo, as condições e as funções da sociedade é que vão delimitar, valorativamente, este conteúdo material do bem jurídico e, por fim, (terceira regra) esse tipo penal deve ser, ainda, atingido por ações que efetivamente exponham ou lesionem este bem protegido, para legitimar, assim, a intervenção estatal penal.

Sobre a relação do poder15 e o Direito, Calmon de Passos frisa que esta convivência deve ser pautada por certos limites, lembrando que a atuação estatal funda-se em exercício de força, já que os indivíduos se juntaram para que, em sociedade, vivam melhor, elegendo, consequentemente, um centro que a gerencie16. Nesta seara, faz-se indispensável a criação de mecanismos limitadores, para que aquele que exerce o poder não substitua os interesses coletivos pelos seus particulares, já que, nos dizeres do supracitado autor, o poder, entregue à sua vocação, independente de quem o exerça (não importa a classe social) não concede, não negocia, submete exatamente porque é poder, vez que:

Entregue à sua vocação intrínseca, todo poder é opressor, excludente, apropriador e desigualizador, deixando de ter essa fisionomia na medida em

que se encaixem na descrição formal de um tipo penal, não serão consideradas criminosas, diante da pouca lesividade do resultado danoso. Frise-se que este princípio deriva do sistema, não estando expresso no texto constitucional, porém, sendo abundantemente utilizado, como forma de política criminal. Nesse sentido, ver decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o tema: HC 109.739/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 14.02.2012; HC 110.951, rel. Min. Dias Toffoli, DJe 27.02.2012; HC 108.696 rel. Min. Dias Toffoli, DJe 20.10.2011; e HC 107.674, rel. Min. Carmen Lúcia, DJe 14.9.2011.

Disponível em: <http://www.stf.jus.br/>. Acesso em: 12 jul. 2012.

Da mesma forma, também por opção político criminal, algumas pessoas que agiram praticando crimes considerados graves, não receberão pena, quando o resultado da ação, por si só, já significar uma sanção. É o caso de mães e pais que praticam homicídio culposo contra sua prole. Nesses casos bizarros, o Estado deixará de sancioná-los, pois a dor causada pela ação já é penosa o suficiente, aplicando-se o perdão judicial previsto no art. 107, inciso IX, do Código Penal brasileiro.

14

Cf. PRADO, 2009, p. 54.

15

Termo utilizado aqui nos moldes descritos por José Joaquim Calmon de Passos que define poder como capacidade, para qualquer instância que seja de levar alguém a fazer (ou não fazer) o que, entregue a si mesmo, ele não faria necessariamente.

16

(23)

que outro poder a ele se contraponha e lhe diminua o espaço da dominação, da apropriação. Donde concluir que a justiça socialmente possível é sempre o resultado do confronto dessas duas forças – o poder dos que comandam e o não-poder dos que obedecem, o que gera sempre um equilíbrio instável, só capaz de manter-se mediante um agir permanente e eficaz tanto de dominadores como de dominados17.

Esse contrapoder é exercido, no caso do Direito Penal, pelos princípios, que atuam como barreira de contenção, devendo, portanto, ser sempre enfatizados, tanto na atividade legiferante, como na atividade jurisdicional18.

Esta restrição é extraída da mesma fonte que legitima o atuar penal: a Constituição Federal, que através dos princípios limita o poder de punir do Estado, condicionando sua atividade a certos rigores, já que a intervenção através do Direito Penal terá sempre uma consequência violenta, pois retirará do cidadão sua liberdade ou, no mínimo, suprimirá certos direitos. De qualquer maneira, a sanção penal significa uma restrição, e, consequentemente, uma cicatriz social indesejada19.

2.1.2 As Teorias Legitimadoras da Pena como Sanção Pública Soberana

A Modernidade apresentou a pena privativa de liberdade como resposta oficial às infrações penais, já que a Antiguidade e a Idade Média não a adotavam como sanção principal.

Assim, quando a pena privativa de liberdade foi eleita como sanção cardeal, nasceu a necessidade de teorizar essa mudança, surgindo, então, as chamadas Teorias da Pena.

Nesse interim, é indispensável apresentar as teorias que justificam a aplicação da pena aos comportamentos taxados como criminosos, baseando-se na ideia de que aquele que realiza a conduta descrita no tipo penal incriminador significa uma ameaça à toda coletividade, justificando, destarte, a atuação exclusiva do aparelho

17

PASSOS, 2003, p. 55-56.

18

Fundamental deixar registrado que todos os aplicadores e construtores do Direito devem pautar seu trabalho para concretizar a harmonia social, não esquecendo que o Direito é apenas um

mecanismo que instrumentaliza essa promessa, não havendo como não relacioná-lo aos fins sociais que o justificam. O conjunto de regras e princípios que destinam-se a cumprir fins extrínsecos a ele, que deve observar os anseios daquela coletividade em determinada época que ele serve.

19

Principalmente da sociedade brasileira que vê o cidadão condenado penalmente como alguém eternamente perigoso, diferente, logo, que vai carregar o estigma da culpa e da delinquência por toda vida.

(24)

estatal, impossibilitando qualquer processo comunicacional entre os envolvidos na contenda.

Frise-se que as teorias apresentadas pela doutrina relacionadas à sanção penal classificam-se em legitimadoras (Absoluta e Relativas), na medida em que embasam o atuar penal nos moldes atuais; e em deslegitimadoras (etiquetamento, manutenção da ordem20, mero exercício de poder), recebendo esta nomenclatura em razão da crítica da doutrina21 que assim as classificam. Serão abordadas, de forma sintética, as principais teorias que legitimam a sanção penal, pois estão relacionadas ao tema.

Jorge de Figueiredo Dias esclarece que, para o grupo de juristas que defende a Teoria denominada Absoluta: “a essência da pena criminal reside na retribuição, expiação, reparação ou compensação do mal do crime e nesta essência se esgota”22

.

Demonstrando o que foi largamente defendido por Hegel e Kant, o autor lembra que, para esta teoria:

a medida concreta da pena com que deve ser punido um certo agente por um determinado facto não pode ser encontrada em função de outros pontos de vista (por mais que eles se revelem socialmente valiosos e desejáveis) que não sejam o da correspondência entre a pena e o facto23.

Também nesse sentido, Roxin aduz que:

La concepción de la pena como retribución compensatoria realmente ya es conocida desde la antigüedad y permanece viva en la conciencia de los profanos con una cierta naturalidad: la pena debe ser justa y eso presupone que se corresponda en su duración e intensidad com la gravedad del delito, que lo compense24.

Para Immanuel Kant, o homem não poderia ser instrumentalizado, devendo ser

20

Como representante desta corrente tem-se Alessandro Baratta, na obra Criminologia Crítica e Crítica do Direito, onde o autor demonstra como o discurso penal e a prática penal não se encaixam, defendendo, nesse interim, uma política criminal alternativa inspirado no conceito de Direito Penal Mínimo.

21

Os abolicionistas, a exemplo de Louk Hulsman, na obra Penas Perdidas (cf. HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas perdidas: o sistema criminal em questão. Tradução de Maria Lúcia Karam. Rio de Janeiro: Luam, 1993) e Nils Christie, na obra A Industria do Controle do Delito (CHRISTIE, Nils. A indústria do controle do crime: a caminho dos gulags em estilo ocidental. Tradução de Luis Leiria. Rio de Janeiro: Forense, 1998). Entre outros, defendem que o Direito Penal não tem por finalidade tutelar os bens jurídicos, mas manter uma sociedade desigual através do Direito Penal, pois, defendem através do empirismo, que só uma parcela dos delitos são de interesse do sistema penal, razão pela qual haveria uma eleição de pessoas a serem controladas, e não de bens jurídicos a serem protegidos.

22

DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Coimbra: Coimbra, 2004, p. 43.

23

Ibid., loc. cit.

24

ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general. Traducción de la 2. edición por Diego-Manuel Luzon Peña, Miguel Díaz y García Conlledo y Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997. t. 1, p. 82.

(25)

punido porque cometeu um crime, apenas por isso: “pois um ser humano nunca pode ser tratado como meio para fins alheios ou ser colocado entre os objetos de direito a coisas: sua personalidade inata o protege disso, ainda que possa ser condenado à perda de sua personalidade civil”25

.

Não se preocupando com a utilidade, Kant entendia que a pena não poderia ser aplicada em nome de outro bem, nem em benefício do culpado, nem da sociedade, mas contra o culpado, pela simples razão de ter delinquido, porque para o autor, o homem não poderia ser tomado como instrumento para outros desígnios. E exemplifica a sua posição retributiva, quando afirma que se uma determinada sociedade resolvesse se desfazer, o último assassino restante na prisão deveria ser executado26.

Esta doutrina coadunava-se com o pensamento contratualista no qual estavam imersos os doutrinadores no momento de sua concepção, e, nesse sentido, à fundamentação da pena como exclusiva retribuição a um mal, a uma ruptura contratual, como lembra Luigi Ferrajoli, baseava-se em uma confusão entre direito e moral, vez que as doutrinas retributivas: “revelam-se idôneas para justificar modelos não liberais de direito penal máximo”27

, frisando, portanto, que eleger como fundamento apenas a teoria absoluta, logo, meramente retributiva: “certamente não seria suficiente para justificar os sofrimentos impostos pela pena, ao menos em um ordenamento dominado por crenças supersticiosas”28

.

Porém, os argumentos apresentados pela teoria retributiva (que admite a pena exclusivamente como retribuição a um mal) não encontram ressonância com um Estado Constitucional e Democrático de Direito, conforme salienta Roxin, frisando que: “No obstante, la teoría de la retribución ya no se puede sostener hoy cientificamente”, pois: “la finalidad del Derecho penal consiste en la protección subsidiaria de bienes jurídicos, entonces, para el cumplimiento de este cometido, no está permitido servirse de una pena que de forma expresa prescinda de todos los fines sociales”29

.

25

KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. Tradução de Edson Bini. Bauru: Edipro, 2003, p. 174-175.

26

Cf. KANT, 2003, p. 176.

27

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 240.

28

Ibid., loc. cit.

29

(26)

Verifica-se, desta forma, que a doutrina retributiva perdeu espaço, na tentativa de fundamentar a pena, inclusive, no que se refere à vantagem de restringir a sanção à culpa do agente, limitando-a.

Aceitar que a pena seja auferida, considerando exclusivamente a culpabilidade do agente, mantendo o caráter meramente retributivo, implica em castigar por castigar, sem atender a fins coletivos, que baseiam a formação e legitimação do Estado, devendo, portanto, ser afastada a teoria meramente retributiva, pois não atende a um desígnio comunitário, de maneira ampla e satisfatória, em consonância com a essência do Estado.

Isto porque o Estado tem, por objetivo, propiciar as condições para a existência em sociedade, protegendo os bens jurídicos de fundamental importância, contra os ataques de maior gravidade.

Esta medida social negativa, imposta sem outras finalidades, não pode ser utilizada para justificar a intervenção estatal. A Teoria Absoluta não se ampara.

De outra banda, nascem as Teorias Relativas, defendendo que as penas referem-se a um fim, pois as sanções dirigem-se também a outros objetivos diversos da simples retribuição do mal cometido, nos termos definidos por Roxin: “La posición diametralmente opuesta a la teoría de la retribución se encuen tra en la interpretación de que la misión de la pena consiste únicamente em hacer desistir al autor de futuros delitos”30

. Abordando, particularmente, a teoria da prevenção especial, o autor sustenta:

En tanto la teoría preventivo especial sigue el principio de resocialización, que entre sus partidarios se encuentra hoy en primer plano, sus méritos teóricos y prácticos resultan evidentes. Cumple extraordinariamente bien con el cometido del Derecho penal31.

A doutrina referenciada defende a pena como um instrumento destinado ao delinquente, com o fim de evitar futuros delitos, não pela neutralização causada pelo encarceramento, mas pela alteração de consciência, provocada pela intervenção estatal.

Neste prisma, a Teoria da Prevenção Especial consiste na tentativa de evitar que aquele que cometeu um ato ilícito volte a fazê-lo, através de uma atuação psíquica, intervindo na esfera interna do apenado, possibilitando que opte por não

30

ROXIN, 1997, p. 85.

31

(27)

mais cometer crimes, diferente, portanto, da Teoria Absoluta, que até defende a ideia de inocuização do criminoso, mas só por via oblíqua, porque o objetivo declarado é compensar um mal.

Já para a Teoria da Prevenção Geral, a aplicação da pena tem, por objetivo, prevenir delitos através de uma destinação à coletividade, ou seja, evita-se a prática de infrações aplicando uma reprimenda, porém, com o objetivo de alcançar os membros da comunidade, que não participaram na empreitada criminosa. Nos dizeres de Claus Roxin a pena: “en la retribución ni en su influencia sobre el autor, sino en la influencia sobre la comunidad, que mediante las amenazas penales y la ejecución de la pena debe ser instruida sobre las prohibiciones legales y apartada de su violación”32

.

Ainda fazendo referência às Teorias Relativas, particularmente na seara da prevenção geral, Gunther Jakobs contrapondo-se à Teoria Absoluta, defende: “no puede considerarse misión de la pena evitar lesiones de bienes jurídicos. Su misión es más bien reafirmar la vigência de la norma”33

.

Assim, para os adeptos da Teoria da Prevenção Geral, a pena se destina à coletividade, pune-se alguém com objetivo de atingir os seus pares, podendo-se, também, classificá-la em Prevenção Geral Negativa, que teve como representante Feuerbach, que acreditava que a aplicação da pena sobre aquele que cometeu crime, intimidaria os demais membros da coletividade, como lembra Claus Roxin:

Fue desarrollada en su forma más eficaz históricamente por Paul Johann Anselm v. Feuerbach (1775-1833), quien es considerado como el fundador de la moderna ciencia del Derecho penal alemán. Feuerbach derivaba su doctrina de prevención general de la llamada ‘teoría psicológica de la coacción’, desarrollada por él34

.

Prega-se que a ameaça da pena, e a sua aplicação, quando necessária, amedronta os membros da comunidade, e impede que eles pratiquem crimes, pois acredita-se: “que muchas personas sólo contienen sus impulsos antijurídicos cuando ven que aquel que se permite su satisfacción por medios extralegales no consegue éxito con ello, sino que sufre graves inconvenientes”35

.

32

ROXIN, 1997, p. 89.

33

JAKOBS, Günther. Derecho penal: parte geral. Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 14. Importante registrar que para Jakobs a função do Direito Penal é a estabilidade normativa e não a tutela de bens jurídicos.

34

ROXIN, op. cit., p. 89-90.

35

(28)

No tocante, ainda, à Teoria da Prevenção Geral, agora no seu aspecto positivo, defende-se a pena, como forma de estabilização dos elos sociais afetados pelo delito, reafirmando-se, portanto, a norma infringida através da prática de um comportamento criminoso, nas lições de Gunther Jakobs acima aduzidas.

Em termos teóricos, as Teorias Relativas encontram consonância com o Estado Democrático de Direito, justificando a atuação estatal, na medida em que pregam efeitos transcendentes à mera retribuição.

Importante, ainda, apresentar a chamada Teoria Unificadora, defensora de que a pena atende, tanto a um fim retributivo, como preventivo. Nesse sentido, Claus Roxin apresenta esta corrente: “Consideran la retribución, la prevención especial y la prevención general como fines de la pena que se persiguen simultaneamente”36

. Acrescente-se, também, que o Código Penal brasileiro consagrou esta fundamentação híbrida, expressamente no seu artigo 59, ao dispor:

O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime37. (grifo nosso).

Claus Roxin afirma que esta sobreposição resta natural, na medida em que nenhuma das teorias anteriormente apresentadas consagrou uma justificativa plausível ao fundamentar a sanção penal.

Una teoría mixta de este tenor parte del correcto entendimiento de que ni la teoría de la retribución ni ninguna de las teorías preventivas pueden determinar justamente por sí solas el contenido y los límites de la pena. Pero le falta el fundamento teórico en cuanto sus defensores se contentan con poner sencillamente uno al lado del otro, como fines de la pena, la compensación de la culpabilidad y la prevención especial y general.38

Para o autor, porém, a tentativa de unir as Teorias Relativas à Teoria Absoluta não encontra legitimidade, pois o Estado não pode defender a retribuição como argumento válido para a aplicação da pena. Isso não implica dizer que a sanção penal não é, essencialmente, retributiva. Essa característica é natural à pena. O que não se admite é que o Estado utilize esse argumento de compensação para aplicar esta sanção.

36

ROXIN, 1997, p. 93.

37

BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial [da]

República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 17 jul. 2012.

38

(29)

A diferença é decisiva. Se o Estado toma para si a responsabilidade de se vingar, em nome do particular, ou da coletividade, sua atuação ganhará um determinado contorno. Por outro lado, assumindo o caráter preventivo do atuar estatal, as instituições penais tratarão o crime e o criminoso de outra forma, com objetivos transcendentais à mera compensação de um mal.

Por esta razão, Roxin defende que, atualmente, os ordenamentos democráticos, devem materializar sua atuação penal na consagração (e união) das Teorias Preventivas, pois, somente elas são capazes de justificar uma intervenção penal. É o que o autor chama de “Teoria Unificadora Preventiva Dialética”, já que a sanção só se justifica quando objetiva proteger a liberdade individual e a ordem social39.

Ressocializar, portanto, é tarefa do Estado, porém, não é dever a ser cumprido a qualquer custo, pois, como assinala, mais uma vez, Claus Roxin, para que esta ocorra, faz-se necessária a voluntariedade por parte do apenado. Nas palavras do autor: “Lo prohibido es únicamente la educación forzada de adultos; no obstante, el condenado tiene derecho a que el Estado le ayude en la reinserción social a la que él mismo aspira”40

.

Ademais, essa ressalva não impede que o Estado atue quando o agente aceite essa intervenção penal, pois a consciência de que precisa de ajuda implica em uma menor necessidade de socialização, devendo tal situação ser considerada quando da aplicação da pena. Da mesma forma que pode haver uma compensação na pena, quando o dano não obtiver um grande impacto social. Ressalta ainda o autor:

La teoría unifícadora, tal y como aquí se defiende, no legitima, pues, cualquier utilización, sin orden ni concierto, de los puntos de vista preventivoespeciales y generales, sino que coloca a ambos en un sistema cuidadosamente equilibrado, que sólo en el ensamblaje de sus elementos ofrece un fundamento teórico a la pena estatal41.

Assim, negando o efeito meramente retributivo da sanção, defende-se que a pena atualmente imposta deve se destinar a prevenir delitos. Baseando-se nisso, é que o processo de construção desta resposta deve ser aberto, para que os envolvidos participem de forma direta.

Importante salientar, desde já, que nenhuma das teorias apresentadas

39

Cf. ROXIN, 1997, p. 95.

40

Ibid., loc. cit.

41

(30)

preocupou-se com a vítima. Aliás, o ofendido perdeu espaço dentro das discussões que fundamentaram o desenvolvimento do Direito Penal nos moldes atuais, voltando a ganhar lugar, mais tarde, com o nascimento da Vitimologia42.

Assim, deixando a vítima fora das preocupações, com exceção da delimitação do bem jurídico que foi violado, o Direito Penal não se preocupou, quando da elaboração da defesa da intervenção penal, de maneira séria, em atender aos anseios desta parte, que suporta a lesão, pois, quando da aplicação da pena, os magistrados não questionam qual a vontade da vítima, daquele que teve o seu direito violado, dando-lhe tratamento isonômico seja qual for o crime.

2.1.3 Breve Visão Criminológica da Pena

Sobre o crime e a sanção penal, a Criminologia, oferecendo uma visão muita mais ampla desses conceitos, registra que:

O crime não é um tumor nem uma epidemia, senão um doloroso ‘problema’ interpessoal e comunitário. Uma realidade próxima, cotidiana, quase doméstica: um problema ‘da’ comunidade, que nasce ‘na’ comunidade e que deve ser resolvido ‘pela’ comunidade.43

Nesse sentido, ressaltam os autores, que a Criminologia Clássica defendeu a ideia de que o delito era um conflito entre o Estado e o infrator, entre o bem e o mal, entre a luz e a treva, entre dois rivais, sem outro fim a não ser a submissão do vencido à força vitoriosa do vencedor. Esse castigo, público, polarizava e esgotava a resposta ao fato delitivo, não havia preocupação com a vítima, nem com a comunidade, nem a efetiva prevenção do delito, mas apenas uma dissuasão penal44.

Já a Moderna Criminologia, pelo contrário, ofertando uma imagem mais complexa do acontecimento delitivo, atribuindo um papel mais ativo e dinâmico aos seus protagonistas (vítima, agressor e comunidade), destacando, ainda, o lado humano e conflitivo do delito, passou a se preocupar com o castigo, de uma maneira secundária, elevando o enfoque de primeira magnitude à ressocialização do agente,

42

O estudo da vítima, os reflexos e as consequências do delito, foi iniciado apenas no século XX, quando estudiosos como Benjamin Mendelsohn (década de 40) preocuparam-se em classificar e estudar essa figura até então mantida em um lado escuro da sala de audiência, sem o tratamento e a preocupação por parte do Estado.

43

GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de. Criminologia. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 362.

44

(31)

a reparação do dano e a prevenção do crime45.

Destarte, a prevenção do crime pode ser uma preocupação principal ou secundária. Para quem defende que a pena é, primordialmente, uma forma de castigar alguém que praticou um mal (um crime), a prevenção acaba tendo um efeito secundário, último a ser perseguido, quando, na verdade, a pena deveria atacar a causa do problema, como ensinam Luiz Flávio Gomes e Antônio García-Pablos de Mollina: “trata-se, pois, não tanto de evitar o delito, senão de evitar a reincidência do infrator”46

.

Prevenir o delito é algo mais do que evitar que o infrator insista na conduta delitiva, sob a ameaça do castigo, não podendo o conceito de prevenção se desvincular da gênese do fenômeno criminal, isto é: “reclama uma intervenção dinâmica e positiva que neutralize suas raízes, suas ‘causas’. A mera dissuasão deixa essas raízes intactas”47

.

Dando o adequado vetor à prevenção de delitos, com o uso da sanção penal, os autores alertam que essa prevenção é social, ou seja, deve ter a participação da comunidade, para enfrentar, solidariamente, o problema.

E nesse sentido, esclarecem as três dimensões de prevenção do crime. A prevenção primária é aquela mais eficaz, de médio e longo prazo, pois atua para não deixar que o crime aconteça originariamente. É exercida através de políticas públicas, quando os poderes outorgam educação, casa, trabalho, bem estar social aos membros da comunidade. Já a prevenção secundária é aquela que atua mais tarde, através da política legislativa e da ação policial, que vão destinar seus trabalhos a certos grupos de pessoas, potencialmente criminosas. E a prevenção terciária é aquela que atua posteriormente à prática do delito, e tem um destinatário perfeitamente individualizado: o condenado. Esta forma de prevenção não atua na gênese do problema, estando distante da sua raiz, mas deve ser utilizada, sempre em conjunto com as demais formas de prevenção. O que se critica é a utilização maciça, e no Brasil quase que exclusiva, da última espécie de prevenção, muito menos eficaz do que as demais”48

. 45 Cf. Ibid., p. 363-364. 46 Ibid., p. 364. 47 GOMES; MOLINA, 2008, p. 364. 48 Ibid., p. 365-366.

Referências

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