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Projetos empresariais na área de educação: um processo de inclusão social

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE

CATÓLICA DE

BRASÍLIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO

mestrado

PROJETOS EMPRESARIAIS NA ÁREA DE EDUCAÇÃO:

UM PROCESSO DE INCLUSÃO SOCIAL?

Autor: Letícia de Freitas Navegantes

Orientador: Prof. Dr. Luiz Síveres

(2)

PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO E PESQUISA

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

PROJETOS EMPRESARIAIS NA ÁREA DE EDUCAÇÃO: UM PROCESSO DE INCLUSÃO SOCIAL?

Orientador: Professor Doutor Luíz Síveres

Letícia de Freitas Navegantes

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PROJETOS EMPRESARIAIS NA ÁREA DE EDUCAÇÃO: UM PROCESSO DE INCLUSÃO SOCIAL?

Dissertação apresentada à Universidade Católica de Brasília como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação, na área de Ensino e

Aprendizagem.

Orientador: Professor Doutor Luiz Síveres.

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Ficha elaborada pela Coordenação de Processamento do Acervo do SIBI – UCB. 07/12/2007

N323p Navegantes, Letícia de Freitas.

Projetos empresariais na área de educação : um processo de inclusão social / Letícia de Freitas Navegantes. – 2007.

132f. ; 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2007. Orientação: Luiz Síveres.

1. Educação inclusiva. 2. Educação - Financiamento. 3. Socialização. 4. Ensino fundamental. 5. Empresas. 6. Inclusão social. I. Síveres, Luiz, orient. II. Título.

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Dissertação de autoria de Letícia de Freitas Navegantes, intitulada “Projetos empresariais na área de educação: um processo de inclusão social?”, requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educação, defendida e aprovada, em 13 de dezembro de 2007, pela banca examinadora constituída por:

Prof. Dr. Luiz Síveres

Prf. Dr. Cândido Alberto da Costa Gomes

Prof.ª Dr.ª Ângela Maria Siman

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Agradeço aos meus filhos Ana Claudia e Arthur, que me deram motivo para levantar feliz todos os dias desta jornada, mesmo quando não havia dormido nada.

Ao meu marido, pela presença, compreensão e companheirismo de todas as horas e pela oportunidade de voltar a estudar.

Aos meus pais por me ajudar a acreditar que seria possível.

Ao meu orientador, Professor Luiz Síveres por aceitar o desafio de vencer o tempo.

Aos professores do Programa de Mestrado em Educação pelas orientações e por me deixarem tentar lutar contra meus próprios prazos.

Ao GIFE pelas informações e pela entrevista concedida.

Aos meus colegas e companheiros de todas as horas, pelo estimulo, pelo suporte e pelo carinho.

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As transformações advindas da atualidade geraram uma série de mudanças que afetam todo o universo social, o mundo do trabalho e da produção, o dia-a-dia das pessoas e dos agentes sociais. Dentre as várias instituições que precisam ser revistas encontra-se a educação e sua capacidade de inclusão social. Ao mesmo tempo, as empresas passam a atuar nesta nova realidade financiando ou implementando diretamente projetos sociais, principalmente na área de educação. A pesquisa aqui realizada se debruçou sobre as empresas associadas ao Grupo de Institutos, Fundações e Empresas – GIFE, para analisar a intencionalidade da inserção social promovida através de projetos em educação destes associados. Verificou-se que a absoluta maioria dos projetos implementados são da área da educação, destinados principalmente à infância e a adolescência e, portanto, se voltam prioritariamente para a educação básica. Ao mesmo tempo, embora haja vontade de promover algum tipo de mudança social através destes projetos, não foi possível verificar a intencionalidade da inclusão social propriamente dita. São diversas as pressões e as motivações que levam estas empresas a atuar em educação e para este público, sem que seja possível detectar explicitamente a plena consciência de tais empresas acerca de sua atuação e do impacto provocado. Abre-se espaço para levantamentos mais detalhados sobre esta realidade cada vez mais presente no cotidiano da educação brasileira, com elevado número de projetos, grande número de pessoas atingidas e importantes investimentos realizados.

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The world transformations affected and made important changing of the social universe, as well as labor and production, the people routines and theirs institutions. One of these institutions that need to be revisited is education and its capacity of producing social inclusion. At the same time, the companies started to develop efforts in this new context giving financial support or implementing directly social projects mainly focused in education. This research focused in the companies that make part of the Grupo de Institutos, Fundações e Empresas – GIFE as associated, to find out the intentionality of the social insertion promoted by educational projects conducted by these companies. There was observed that effectively, the greatest part of the implemented projects are directed toward education, and are destined mainly for children and teenagers, and by this way, focused on basic education. At the same time, as there is the desire to promote some kind of social change on these projects, it was not possible to verify the intentionality of the inclusion itself. There are diverse pressures and motivations leading these companies to work in education and for this public, not being possible to ensure if really exists a conscience of these companies about theirs actions and impacts of those actions. There is an open space for more detailed researches about this reality which time is more present in the day to day of Brazilian education, with lots of projects, lots of people achieved and important investment allocated.

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Figura 1. Representação do novo espaço de sinergia entre

o público e o privado 56

Figura 2. Representação do público alvo do investimento social privado, face àqueles atingidos pelas atividades de

responsabilidade social empresarial 57

Figura 3. Representação das etapas percorridas pelas empresas na busca por uma melhor definição do foco de atuação

de suas atividades sociais 59

LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Investimentos realizados por empresas, segundo

a condição de associados ou não ao GIFE 12

Tabela 2. Áreas de atuação: associados que participam,

entidades e pessoas beneficiadas, recursos investidos 62

Tabela 3. Relação custo por beneficiário dos projetos levantados

pelo Censo GIFE 63

Tabela 4. Relação número de beneficiários por projeto levantado

pelo Censo GIFE 63

Tabela 5. Linhas de ação prioritárias na área de educação 64

Tabela 6. Grupo preferencial de ação (níveis educacionais) 65

Tabela 7. Distribuição dos associados GIFE, segundo

sua atividade original 73

Tabela 8. Distribuição dos associados GIFE, segundo investimento

realizado ou não em educação 75

Tabela 9. Distribuição dos associados GIFE, segundo área

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Tabela 11. Distribuição dos associados entrevistados, segundo

número de projetos em educação 80

Tabela 12. Distribuição dos projetos implementados, segundo

número de beneficiários 80

Tabela 13. Distribuição dos projetos de associados GIFE, segundo

o tipo de beneficiário declarado 82

Tabela 14 Distribuição dos projetos, segundo faixa etária média

declarada dos beneficiários. 83

Tabela 15 Distribuição dos projetos de associados GIFE,

segundo a região de investimento declarada. 84

Tabela 16 Distribuição dos associados GIFE,

segundo a região onde se situa sua sede. 84

Tabela 17 Distribuição dos projetos, segundo região

de atuação declarada. 85

Tabela 18 Distribuição dos associados GIFE, segundo sua

disponibilidade declarada de financiar projetos. 86

Tabela 19 Distribuição dos associados GIFE, segundo setor

de atividade econômica declarado. 87

Tabela 20 Distribuição dos associados GIFE que declararam atuar em atividades sociais e que possuem vínculo empresarial,

segundo setor de atividade econômica declarado. 88

Tabela 21 Distribuição dos associados GIFE, segundo o tipo

de atuação sócio-empresarial declarada. 90

Tabela 22 Distribuição dos associados GIFE, segundo seu objeto

de atuação declarado em sua missão, valores ou objetivos. 91

Tabela 23 Distribuição dos projetos, segundo tipo de parceria

governamental apontada. 92

Tabela 24 Distribuição dos projetos, segundo atividades exercidas

em parceria com órgãos governamentais. 93

Tabela 25 Distribuição dos projetos, segundo motivos para a atuação

(12)

ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas

ABONG Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais

GIFE Grupo de Instituições, Fundações e Empresas

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

ISO International Organization for Standardization

ISP Investimento Social Privado

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

OIT Organização Internacional do Trabalho

ONG Organização Não Governamental

ONU Organização das Nações Unidas

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

RSE Responsabilidade Social Empresarial

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNIDO Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial

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RESUMO vi

ABSTRACT vii

LISTA DE FIGURAS viii

LISTA DE TABELAS viii

LISTA DE ABREVEATURAS x

SUMÁRIO xi

1.INTRODUÇÃO 01

2.O PROBLEMA 03

2.1. Formulação da situação problema 03

2.2. Justificativa 05

2.3. Objetivos do estudo 09

2.3.1. Objetivo geral 09

2.3.2. Objetivos específicos 09

2.4. Metodologia 10

2.4.1. Seleção dos informantes 11

2.4.2. Instrumentos e técnicas de coletas de dados 12

3. RESENHA DA LITERATURA 15

3.1. Sobre a exclusão social 15

3.1.1. A exclusão e a degradação humana 16 3.1.2. Os que estão “fora” e os que estão “dentro”:

a exclusão em questão 21

3.2. As transformações no mundo do trabalho e a globalização:

um novo século, um novo mundo e uma nova realidade 25 3.2.1. O taylorismo e a organização científica do trabalho:

um novo homem é criado 26

3.2.2. O fordismo e a produção em massa:

o mundo fica mais rígido e pesado 29 3.2.3. O toyotismo e a flexibilidade da vida cotidiana 31 3.2.4. Um mundo cada vez menor: aspectos da globalização 33 3.3. As empresas neste novo mundo 37 3.3.1. O capital e sua proposta de atuação social 38 3.3.2. Responsabilidade social empresarial ou

investimento social privado 39

3.4. A educação em um novo contexto 44 3.4.1. Cai o Estado Providência e cai a educação? 44 3.4.2. A educação entre a exclusão e a inclusão social 47

4. AS INFORMAÇÕES LEVANTADAS 54

4.1. O olhar do Secretário Geral do Grupo 54 4.1.1. Quanto ao conceito de investimento social privado 55 4.1.2. Quanto à escolha da área prioritária de atuação

por parte das empresas 59

4.1.3. Quanto à opção pela área de educação enquanto

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de atuação ou financiamento 67 4.1.5. Quanto à relação entre empresas e governo na construção e

implementação destes projetos sociais 68 4.1.6. Quanto ao paradoxo de excluir e incluir 69 4.2. O olhar divulgado pela empresa:

uma análise dos números levantados 72 4.2.1. Quanto ao tipo de associado encontrado 73 4.2.2. Quanto à área de atuação social declarada 75 4.2.3. Quanto ao número e ao tipo de beneficiário declarado 80 4.2.4. Quanto à região de investimento declarada 84 4.2.5. Quanto à disponibilidade para financiar projetos 86 4.2.6. Quanto ao setor de atividade econômica declarado 87 4.2.7. Quanto ao tipo de atuação sócio-empresarial declarada 89 4.2.8. Quanto ao objeto de atuação declarado 90 4.2.9. Quanto ao tipo de parceria governamental apontada

e atividades desenvolvidas 92

4.2.10. Quanto ao motivo pelo qual atuam em educação 94 4.3. Analisando os diferentes olhares 95 4.3.1. Quanto aos investimentos em educação por parte

das empresas 95

4.3.2. Quanto à distribuição geográfica no Brasil dos investimentos

realizados em educação por parte das empresas 98 4.3.3. Quanto à intencionalidade de promoção da inserção social

das populações-alvo dos projetos implementados 99 4.3.4. Avaliar a existência ou não de associação entre as ações

implementadas pelas empresas e as ações governamentais e políticas públicas em educação, na perspectiva

das empresas estudadas 101

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 103

6. REFERÊNCIAS 108

(15)

1. INTRODUÇÃO

A atualidade vem marcada por uma série de acontecimentos que têm afetado profundamente a vida cotidiana das pessoas. Fala-se de um mercado financeiro mundial e ouvem-se analistas econômicos falando nos dias atuais de uma possível crise do mercado mundial, afetado pelo mercado imobiliário americano. Fala-se da reestruturação do Estado nacional e debatem-se as acirradas negociações que envolvem os diferentes blocos econômicos, dentre eles o Mercosul, ao mesmo tempo em que se esvaziam sistematicamente os países por meio de subseqüentes privatizações. Fala-se de uma mundialização da cultura, e visualizam-se nas cidades de todos os países em todo o planeta pessoas comendo sushi, pizza e purê. O mundo mudou. E com ele mudaram as relações, bem como as diferentes instituições, atores e agentes que dele participam. Segundo Polanyi (2000), toda essa transformação se deve exatamente às medidas adotadas por esta sociedade atual, face às grandes transformações impostas por um mercado auto-regulável. Cai um sistema tradicional, enquanto um novo sistema se estabelece.

Dentre os vários fenômenos característicos desta mudança, quatro chamam a atenção: inicialmente neste novo mundo e nesta nova ordem, ainda convive-se com excluídos do universo social. Sob uma nova roupagem, os pobres, os marginais ou as classes menos favorecidas, agora são trabalhados segundo novos paradigmas em novos quadros de análise social (ver CASTEL, 2006; DUBET, 2006; MARTINS, 1997; VÉRAS, 2006; WANDERLEY, 2006; XIBERRAS, 1996).

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espaço menor, em um planeta que parece que encolheu: o globo se abre para os diferentes (ver GIDDENS, 1991; HARVEY, 1993; IANNI, 1997; ORTIZ, 1994; RIFKIN, 1995; SANTOS, 1997; SCHAFF, 1993; TEIXEIRA, 1996).

Em terceiro, as empresas que como grandes unidades de produção e como representantes deste capital global, também sofrem profundas mudanças, precisando adequar seus discursos e objetivos a um novo contexto: responsabilidade social, investimento social privado, meio-ambiente são temas que, incorporados à gestão empresarial, passam a ser discutidos e se tornam foco de intervenção e de investimento privado (ver TENÓRIO, 2006; TOFFLER, 1995; URSINI, 2005; WEINGRILL, 2003).

Por fim, mas não menos importante, a educação, como possível elemento de ligação entre os três fatores anteriormente citados, também passa por transformações. Responsável para muitos pela integração dos sujeitos ao universo social, afetada, como todos os demais fenômenos sociais, por tamanhas mudanças advindas da globalização, objeto de discussão e de investimentos por parte do capital empresarial, tal educação é objeto de revisões e de releituras (ver BONETI, 2003; CARNEIRO, 2001; DEMO, 2002; DUBET, 2006; FRIGOTTO, 2005; GENTILI, 2001; GOMES, 2005; MATSUURA, 2002; RIVERO, 2000; SILVA, 1994; TORRES, 2001; TRIGUEIRO, 2000).

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2. O PROBLEMA

Formulação da situação problema

A nova realidade do mercado de trabalho estabelecida pela globalização trouxe consigo uma série de “vivências” e dinâmicas sociais. Se não totalmente novas, pelo menos com uma roupagem mais atual, como é o caso da exclusão social. Desemprego estrutural, subemprego, trabalho informal, novas tecnologias, ampliação do setor serviços, flexibilidade da produção, terceirização e novos espaços de trabalho, são várias as faces desta nova fase de organização da produção e do mundo global.

Ao mesmo tempo, os processos de exclusão, longe de serem lineares, enquanto fenômenos da realidade social são dinâmicos e sistêmicos. Por isso, cria-se um ciclo no qual este excluído do mundo do trabalho acaba também sendo excluído do mundo da informação, do universo da educação e dos padrões culturais. Fato é que parece consenso nas fontes encontradas que, mesmo não sendo fator único, o mundo do trabalho e o universo capitalista, ao qual hoje este mundo está atrelado, são por excelência fenômenos excludentes.

(18)

ou re-inclusão, trabalhando e financiando uma diversidade de projetos, dos quais boa parte em educação.

Neste sentido, pretende-se aqui estudar esta situação na qual um dos principais, senão o principal agente da exclusão vem atualmente trabalhando para a inclusão e para este fim se utiliza de projetos em educação. Buscar-se-á, portanto, entender o que significa para estas empresas o investimento em educação e se a real intenção é de utilizarem este recurso para a inclusão social. O problema que se coloca aqui é o de estudar este novo quadro de valorização do papel da educação por parte de tais empresas, seja como possível instrumento de inclusão ou apenas como objeto de atuação social, de forma a justificar os investimentos realizados na área nos últimos anos, por estes agentes do capital.

A situação aponta uma relação paradoxal, na qual um mesmo ator parece atuar na inclusão e na exclusão. É fato que nas últimas décadas o capital vem passando por uma série de transformações que o levaram de uma rigidez suprema a uma total flexibilidade. Tais transformações também afetaram os trabalhadores, que agora devem se rever neste processo de inserção no mundo do trabalho, bem como afetaram a toda sua vida cotidiana, que ganhou novos ritmos e perspectivas.

Em face desta situação totalmente nova da realidade humana, algumas relações e processos, não vivenciados anteriormente, parecem se estabelecer e é neste quadro que se pontua o problema aqui proposto. Na busca pela construção de uma “nova identidade” 1 em um novo século, com novas

relações definidas por grandes transformações técnico-científicas, os atores, sejam eles quais forem, parecem exercer novos papéis: sejam as empresas mudando sua perspectiva de atuação, a educação precisando se rever ou os seres vivenciando diferentes formas de exclusão: são justamente esses alguns dos pontos que justificam tal pesquisa e que, portanto, merecem maior discussão.

(19)

Justificativa

Conforme apontado anteriormente, a atualidade presenciou algumas das maiores transformações nas formas de organização do capital, verificadas ao longo da história. Tal qual Fênix2, o capital desde sua formação vem

demonstrando uma enorme capacidade de se renovar e de se re-inventar. Se no início do século XX o taylorismo arrancava dos operários o saber da produção, isto se dava justamente para garantir a implementação de uma forma de organização do capital que, estruturada “cientificamente” 3, viabilizava

maior acumulação. O cronômetro e a nova organização fabril introduziram no mundo do trabalho uma racionalidade necessária a esta nova etapa do desenvolvimento das forças produtivas.

Ao mesmo tempo, a esteira e a produção em massa fordistas também criam novas condições para uma revitalização do capital. Apesar de não romper, nem se distanciar de forma absoluta do taylorismo, o fordismo traz como novidade “sua visão, seu reconhecimento explícito de que produção em massa significava consumo em massa” (HARVEY, 1989, p.121). Com isto, visualizava um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade.

Estrutura-se não só uma nova forma de produzir, mas também uma nova forma de pensar, de viver, de relacionar-se e de consumir. A produção e o consumo em massa criaram um novo tipo de sociedade, uma sociedade pautada em valores que, definitivamente, rompem com o passado, tais como o próprio consumo, a competitividade, a individualidade.

Nos dias de hoje, a sociedade da informação exigiu do capital novamente uma modificação em sua estrutura, modificação esta que o tornasse mais flexível e leve. Com o toyotismo inaugura-se uma revisão

2 A Fênix é um pássaro da mitologia grega, mais ou menos do tamanho de uma águia, com penas brilhantes e enorme força. Sua característica mais conhecida é que, quando morria entrava em autocombustão e, passado algum tempo, renascia das próprias cinzas, o que a transformou em símbolo de imortalidade.

(20)

estrutural da organização da produção, na qual a flexibilidade e a fábrica mínima, fundamentada no Just in Time e no método Kan-Ban 4, marcam uma

nova etapa do capital, um capital mais leve, ágil e informatizado.

No entanto, independente das formas de organização do capital que marquem os diferentes momentos da história recente, existe na relação entre capital e trabalho um marco excludente. As teorias do desemprego, ao apontarem tanto para um desemprego estrutural quanto conjuntural cada vez maior, delimitam claramente este processo excludente.

Neste mundo marcado pelo reconhecimento da existência de uma vasta heterogeneidade e de uma cada vez mais difusa homogeneidade, talvez a única constante, seja a dificuldade que os diferentes mercados vêm enfrentando para gerar novos postos de trabalho, a crescente eliminação de antigos postos e uma situação global de desemprego.

Um novo mapa do mundo do trabalho aos poucos se desenha onde duas situações são marcantes:

1ª) Surge a idéia de um trabalhador mais qualificado, o que envolve todo um debate acerca da educação formal, de um quadro que disputa espaços cada vez mais restritos em seu meio profissional. A formação e a empregabilidade parecem ser novas dimensões de uma realidade onde a responsabilidade é individual. Estamos falando de meritocracia e esquecendo toda a relação capital versus trabalho que caracteriza o sistema atual.

2ª) É no debate sobre trabalho e emprego que delimitamos uma nova representação para a “classe-que-vive-do-trabalho” 5: os incluídos e os

excluídos deste universo social.

Exclusão social sim, mas principalmente uma exclusão em larga escala e, portanto, ela também heterogênea. De fato, ao se tratar dos excluídos do mundo do trabalho, não é feita referência apenas aos desempregados; a estes se devem somar, no mínimo, os subempregados, os trabalhadores informais e os inativos. Trata-se então de uma subclasse?

(21)

O fato é que, na construção de uma identidade social, descobre-se um grupo crescente de indivíduos que, alijados do mundo do trabalho, têm seu espaço social questionado. Assim, enquanto excluídos se enquadram em estereótipos socialmente construídos: temos um grupo de estigmatizados. Estigmatizados que carregam a culpa de uma fraqueza, por não serem capazes de se inserir, que são marcados por crenças falsas e rígidas que os responsabilizam pelas marcas de sua exclusão (GOFFMAN, 1988).

Caracteriza-se, então, um grupo de indivíduos que, para além das dificuldades práticas acarretadas pela exclusão do mundo do trabalho, ainda deve se deparar com uma situação estigmatizante que o define como diferente e o tatua como anormal, comprometendo assim todo o processo de construção de sua identidade social.

Estes processos de exclusão, no momento de tal transformação do mundo do trabalho, parecem ter gerado uma situação só recentemente percebida, na qual as empresas investem em projetos de Responsabilidade Social de forma cada vez mais freqüente. Isto coloca uma situação que por si só é incongruente: aquele que para alguns parece ser o maior agente promotor de exclusão, qual seja o mundo empresarial capitalista, através de seus investimentos sociais, vem buscando atuar na área da inclusão. É claro que cada vez mais existe uma pressão social, que impõe a tais empresas reverem sua face social. Isto não diminui, no entanto, o impacto de tais investimentos nem o foco de sua atuação.

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(23)

Objetivos do estudo

Considerando as transformações vivenciadas na atualidade, visualiza-se a necessidade de se discutir os impactos de tais mudanças na vida cotidiana dos indivíduos e, ao mesmo tempo, e de forma totalmente interligada, discutir uma “nova” situação de exclusão que tal realidade mostra, bem como os novos papéis que se desenham aos poucos para os atores socialmente envolvidos. É então delimitada aqui a pesquisa, a partir da proposta apresentada, qual seja, de discutir esta atuação do capital nos processos de inclusão social, tendo por elemento gerador de inclusão a educação. Neste sentido, são propostos os seguintes objetivos.

2.3.1. Objetivo geral

ƒ Caracterizar os projetos de educação implementados ou financiados pelas empresas associadas ao GIFE, do ponto de vista da intencionalidade dos proponentes e da inserção social dos beneficiários.

2.3.2. Objetivos específicos

ƒ Caracterizar os investimentos em educação por parte das empresas.

ƒ Localizar geograficamente no Brasil os investimentos realizados em educação por parte das empresas.

ƒ Investigar a intencionalidade de promoção da inserção social das populações-alvo dos projetos implementados.

(24)

Metodologia

O ato de pesquisar em Ciências da Humanidade não significa apenas um sistemático levantamento de informações. Como ponto de partida é necessário ter clareza sobre que tipo de ciência se quer fazer, para daí se chegar a escolhas metodológicas e epistemológicas.

Uma tradição científica marcada por influências de tipo positivista hoje deve fazer face a novos paradigmas que se colocam inclusive como antagônicos. Uma perspectiva que marca toda a história de construção do pensamento científico é a visão comteana de ciência, que buscava nas ciências da natureza a exatidão e que traz uma proposta de construção linear do pensamento científico intra e através das diversas ciências da época em sua “Lei da Classificação das Ciências” (1989). Seu sucessor neste discurso da exatidão e da neutralidade, Durkheim (1987), chega a definir os fatos sociais como “coisas”, com as quais devemos manter a mesma objetividade, neutralidade e uso da experimentação das ciências exatas e naturais.

A esta visão da ciência, que até hoje tem suas ramificações no que chamamos de neo-positivismo, se opõe diretamente uma série de outros posicionamentos e opções metodológicas. Uma das linhas teóricas que considera a impossibilidade do total distanciamento do objeto em análise, que visualiza o fenômeno social enquanto processo mutante e dinâmico, no qual as contradições internas se unem, provocando recorrentes transformações, é a dialética de Marx ou de Hegel. Isto sem lembrar da fenomenologia, que orienta para a imersão e vivência dos fenômenos para sua correta análise e interpretação.

(25)

Se feita a opção pela primazia de um levantamento quantitativo sobre o levantamento qualitativo das informações, ou vice-versa, cai-se num reducionismo que limita o olhar e atrofia a análise. Neste sentido, a opção por instrumentos de coleta de dados e pela forma como estes dados são tratados faz parte de todo este construto metodológico. Com isto pontua-se a não existência da primazia de um método sobre o outro e, sim, opções metodológicas mais coadunadas com determinado universo de análise ou mais em concordância com determinada linha de pesquisa, ou pesquisador.

2.4.1 Seleção dos informantes

O universo aqui em análise é constituído por aproximadamente 100 empresas, sócias do Grupo de Institutos Fundações e Empresas – GIFE e que, portanto, têm atuação reconhecida na área do investimento social privado. Segundo o GIFE, são associadas do grupo empresas que realizam o “repasse voluntário de recursos privados, de forma planejada, monitorada e sistemática para projetos sociais de interesse público” (GIFE, 2007a). Com este entendimento delimitam-se as empresas que realizam o investimento social privado, em uma atuação extra muros, conforme anteriormente definido.

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Abs. % Associados GIFE¹ R$ 1 bilhão 21,28

Total de Empresas² R$ 4,7 bilhões 100,00

² Pesquisa Ação Social das Empresas, IPEA - 2000/2005.

Tabela 1: Investimentos realizados por empresas segundo a condição de associado ou não ao GIFE.

Investimentos realizados em 2005 Empresas Investidoras

FONTE: ¹ Censo do GIFE de 2005-2006.

Assim, os informantes da pesquisa aqui proposta são empresas que compartilham desta visão de atuação na área do investimento social privado, visto pelo Grupo como uma especificidade da responsabilidade social. Pelas informações do sítio do GIFE, são empresas que além de investir na área social em geral, tem como foco prioritário a área de educação, objeto do trabalho ora proposto.

Trabalhou-se então com uma amostra aleatória simples de 30% do universo total de associados. Para delimitação dos informantes desta amostra contou-se com a participação das empresas: o formulário de pesquisa foi encaminhado para a totalidade das empresas associadas ao GIFE, para que, a partir das respostas apresentadas, fossem delimitados os 30% que foram analisados. Paralelamente, realizou-se entrevista com o Secretário Geral do GIFE, para que se pudesse obter também uma visão mais ampla da situação, a partir do olhar do grupo.

2.4.2. Técnicas e instrumentos de coleta de dados

Foram utilizados três diferentes técnicas e instrumentos de coleta de dados, com objetivos e público diferenciados. O primeiro instrumento foi um roteiro de entrevista destinado ao Secretário Geral do GIFE; o segundo, um roteiro de levantamento de informações utilizado para um levantamento realizado a partir dos sítios das empresas; o terceiro, um formulário de pesquisa destinado às empresas, conforme detalhado a seguir:

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Grupo, que trabalha com o intuito de “aperfeiçoar e difundir conceitos e práticas do uso de recursos privados para o desenvolvimento do bem comum” (GIFE, 2007b), tem nos últimos anos realizado uma série de pesquisas e diagnósticos sobre a situação do investimento social privado no Brasil. Assim, acredita-se ser fundamental, para alcançar os objetivos aqui propostos, que, além das informações coletadas diretamente das empresas, se obtenha também a percepção institucional das questões aqui trabalhadas.

Neste sentido, há alguns meses tem-se mantido contato com o GIFE e, ao fazê-lo, obteve-se o agendamento para que fosse realizada no dia 9 de agosto, entrevista semi-estruturada com o Secretário Geral do GIFE.

B) O segundo instrumento foi um roteiro de levantamento de informações: com o objetivo de diminuir a carga de questões apresentadas no formulário de pesquisa, buscou-se, num primeiro momento, levantar alguns dados dos sítios das empresas na internet. De fato, numa primeira consulta a estes sítios, detectou-se riqueza de informações disponíveis, tais como: área de atuação prioritária, tipos de beneficiários dos projetos implementados ou financiados, região de atuação, missão, etc. Com estas informações, foi possível montar um quadro geral de atuação destas empresas, posteriormente comparado aos resultados obtidos com o formulário de pesquisa.

Foram, portanto, pesquisadas neste primeiro momento, todas as empresas associadas ao GIFE. Assim, deu-se início ao processo de levantamento das informações, de forma mais geral e preliminar, para que, a partir deste conhecimento prévio do tipo de informação disponível, se pudesse construir o roteiro de levantamento das informações.

C) O terceiro instrumento foi um formulário de pesquisa: encaminhou-se

por e-mail um formulário de pesquisa com perguntas abertas e fechadas à

totalidade do universo, ou seja, aos associados do GIFE.

(28)

90% dos consultados. Portanto, ao enviar o formulário de pesquisa para estas instituições, esperou-se alcançar um número considerável de respostas.

Assim, pretendeu-se trabalhar com uma amostra aleatória simples definida de forma acidental, ou seja, selecionando para participar da pesquisa os primeiros 30% de formulários devolvidos e respondidos integralmente.

(29)

3. RESENHA DA LITERATURA

3.1. Sobre a exclusão social

Nas últimas décadas tem-se discutido muito a questão das desigualdades, tais como pobreza, marginalidade, desvio e atualmente exclusão. Ao fazê-lo, cientistas sociais vêm tentando entender as diferenças e desigualdades que marcam as sociedades modernas. Aparentemente, trata-se de um velho problema que se perpetua: as diferenças que caracterizam há décadas tanto a sociedade brasileira quanto a sociedade mundial mostram-se ao longo da história por meio de diferentes facetas, mas de fato se perpetuando. Na verdade, o problema das desigualdades ou diferenças sociais é traço marcante de qualquer sociedade em seu decurso histórico, mas que em momentos diferentes tem feições diferenciadas.

No caso brasileiro, o próprio histórico do pensamento social segundo Ianni (1989), tem como marco, há décadas, questões que cercam o tema da exclusão. De fato, desde a década de quarenta, a sociologia, por exemplo, foi marcada por uma dupla discussão: de um lado as desigualdades internas, mapeadas pelos problemas de classe, raça e organização social do capital; por outro, as desigualdades externas cujo maior eixo é a questão da dependência6. Por fim, numa constante histórica e teórica, a exclusão se mostra como um antigo fenômeno que toma novas dimensões e formas, devido às condicionantes sociais que marcam cada período em particular e o momento atual de forma mais específica. Isso em nada desmerece a dimensão do problema em suas várias manifestações, parece apenas de fundamental importância pontuar de forma clara esta questão, já que se pretende aqui discutir justamente tal exclusão.

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É claro que não se pode esquecer aqueles que, como Robert Castel (2006), se colocam como críticos da utilização deste conceito de exclusão. Segundo ele, mais do que trabalhar para a construção de um conceito de exclusão mais homogêneo e representativo das várias relações às quais ele se reporta, seria antes necessário repensar “velhas” noções ainda bem representativas do universo social. Para ele, conceitos como os de classes sociais e de desigualdades sociais, por exemplo, estão longe de serem obsoletos e na verdade são muito mais representativos da realidade social. É claro que para isso, teriam que ser repensados e revistos a partir das novas relações sociais de produção postas na atualidade.

Acredita-se, no entanto, que, embora questionado, desacreditado ou esgotado7, é fundamental que se pontue o debate em torno da questão da exclusão, se não como forma de diagnosticar determinadas situações, pelo menos como ilustração de um assunto antigo e novo, consensual e polêmico. Neste sentido, chama-se atenção para o fato de que, aparentemente, são dois os enfoques dados à questão: de um lado, existe toda uma polêmica sobre a real fundamentação da discussão acerca da exclusão. Pontua-se que, na verdade, o real problema não é a exclusão e, sim, as diferentes formas de inclusão precária ou marginal. De outro lado, face à quantidade de situações aparentemente passíveis de serem enquadradas na categoria exclusão, existe toda uma tentativa de se definir a ou as exclusões. Estas duas linhas de análise serão aqui discutidas.

3.1.1. A exclusão e a degradação humana

Toma-se como ponto de partida o fato de que, segundo Martins (1997), existe hoje uma fetichização conceitual da exclusão. Na verdade, uma total exclusão do universo social é fato sociológico de difícil ocorrência. Para isso o indivíduo deveria estar completamente alijado do universo social em todas as suas dimensões, fenômeno difícil de visualizar: o que se vê com freqüência são exclusões em diferentes ambientes sociais. Nas demais situações apenas se

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pode aferir a existência de formas de exclusão específicas a determinados espaços do universo social: exclusão do mundo do trabalho, exclusão tecnológica, exclusão étnica, de gênero, exclusão pela informação, etc.

Mas, para além disso, Martins (1997) pontua que, na verdade, o enfoque dado ao problema é equivocado: segundo ele, o problema central da atualidade social não é a exclusão em si, mas um limitado processo de inclusão. Chama-se, assim, de exclusão aquilo que na verdade se constitui em inclusão precária, instável e marginal, ou seja, uma inclusão que só proporciona na sociedade o acesso a “lugares residuais” (MARTINS, 1997, p.26).

No modo capitalista de produção o processo de exclusão parece inevitável: ele desenraiza ao retirar os trabalhadores do campo e levá-los para a fábrica; ele desenraiza ao obrigar o trabalhador rural a mudar-se para a cidade; ele desenraiza quando expropria o saber operário e obriga o homem a vender sua força de trabalho para a grande indústria; ele desenraiza quando seleciona apenas alguns para participarem do mercado de trabalho, retirando dos demais as condições básicas de existência; ele desenraiza quando os obriga a se adequar a um novo tempo e uma nova velocidade dos processos produtivos e por extensão dos processos sociais; ele desenraiza quando os faz correr continuamente atrás de um conhecimento que cresce em escala gigantesca dia após dia.

Neste sentido Weil (2001) define o enraizamento humano como a solidez física e simbólica pautada na terra e na casa. Em outras palavras, o ser enraizado é aquele que tem um lugar espacialmente definido, mas também social, cultural e simbolicamente definido. Em contrapartida, o ser desenraizado, é um ser expropriado de sua própria vida, de sua história, de suas relações e de suas interações. O desenraizamento é então um assassinato do passado das raízes: um ser humano sem passado e sem raízes é um ser sem futuro.

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todos em diferentes momentos e de diferentes modos são desenraizados e excluídos: “É próprio dessa lógica de exclusão, a inclusão” (MARTINS, 1997, p.32). É justamente com o objetivo de re-incluir que a sociedade capitalista exclui a todos: trata-se, no entanto, de uma re-inserção, em outros moldes, segundo suas próprias regras é lógica. Os indivíduos são retirados de um confortável e conhecido ambiente que os identifica e os define para serem lançados em outro ambiente com o qual eles têm que aprender a conviver: um ambiente definido pelo universo do trabalho e da produção.

Acrescenta-se a este quadro a ressalva de que, segundo Xiberras (1996), a exclusão é um percurso duplo: o percurso do excluído que irá utilizar todos os mecanismos dos quais dispuser para se re-inserir e o percurso da sociedade, que poderá ou não abrir espaço para esta re-inserção 8. Não basta, portanto, que haja um movimento unilateral na busca pela re-inclusão. É necessário que, paralelamente ao movimento individual, haja um movimento social que neste quadro de uma sociedade organizada, segundo os moldes capitalistas atuais de produção, parece incongruente.

Tal incongruência surge da própria forma segundo a qual o capitalismo se organiza. De fato, este processo de exclusão capitalista em nada é novidade: desde os clássicos se faz uma análise deste desenraizar que atinge inclusive a total destruição da condição humana. Segundo Marx (1989), ao serem obrigados a vender sua força de trabalho em busca da sobrevivência, os homens são conduzidos pelo capital a um processo gradativo de alienação. Neste processo, eles são alienados com relação ao produto do seu trabalho, como em relação ao seu próprio trabalho e a si mesmos enquanto trabalhadores e enquanto seres humanos. Ao produzir e não poder consumir, ao criar valor e cada vez mais perder seu próprio valor, ao criar produtos e se deformar enquanto trabalhador, ao se especializar enquanto trabalhador e se embrutecer enquanto ser humano, o homem se torna cada vez mais um ser alienado. Torna-se assim um ser cada vez mais distante do processo que o envolve e do qual participa.

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Portanto, ao se incluir adequadamente neste universo capitalista de compra e venda de mercadorias, os homens se bestializam. Ou seja, para fazer parte do mundo do trabalho e garantir sua reprodução, eles acabam entrando numa roda-viva de exploração que os deforma, os degrada e os empobrece. Marx aponta que, neste processo de alienação e deformação do trabalhador, este passa a valorizar e a se sentir livre, apenas em suas funções animais: “comer, beber e procriar”. Assim, este ser acaba assumindo como principais suas características animais e esquecendo sua capacidade criadora que o distingue enquanto ser humano: “o que é animal se torna humano e o que é humano se torna animal” (MARX, 1989, p.154).

Para sentir-se livre, o ser humano acaba assumindo suas funções animais como prioritárias e, naquilo que deveria o definir, se sente escravizado. Para fazer parte deste universo, acaba por abrir mão daquilo que tem de mais precioso, ou seja, segundo Marx (1983): sua capacidade criadora, sua capacidade de planejar o ato a ser executado posteriormente, ato de transformação da natureza e de criação do novo.

Ao perder esta capacidade, transforma-se na abelha que constrói milimetricamente uma colméia perfeita: mas a constrói por instinto, sem nenhuma capacidade de planejamento e de criação. Este ser humano, transforma-se então, na aranha que constrói com fantástica simetria sua teia: mas não a projeta anteriormente, nem pode entendê-la em seu contexto (MARX, 1983, p.173-174). Ao abrir mão desta capacidade criadora, ao se equiparar à abelha ou à aranha, acaba se tornando igual a elas: um ser que age por instinto, um ser sem percepção em longo prazo, sem inteligência, um ser para o qual o mais significativo, o mais importante e o maior instrumento de felicidade é a realização de suas funções animais.

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pluralidade, é necessário que haja interação entre os seres, ou melhor, utilizando terminologia da autora, que haja espaço para a ação.

É na ação relacional entre os atores sociais, ação esta intermediada pela linguagem ou pela comunicação que se constrói a ação política e social. Nesta pluralidade que se vive, já que é inerente ao ser social, se cria a necessidade de interagir, e esta interação se constrói na ação. Toda esta interação social tem por base essa troca, esta necessária construção política, por isso Arendt (1989) aborda a ação e a vida política. Mas como se forma este ator político, que em seu processo de interação constrói seu entendimento da realidade e, para além disso, constrói sua condição humana?

É, portanto, na realização de sua interação, no contato cotidiano com sua pluralidade, que os sujeitos se definem enquanto homens. É na participação cotidiana no universo social e, por conseguinte, no universo político que os sujeitos se realizam enquanto seres sociais e políticos, e isto, e não a sua existência animal é o que os define enquanto homens: eles são atores políticos, atores sociais, e apenas quando exercem esta ação política e social vivem sua condição humana.

Então, cotidianamente ao lutar contra essa roda-viva que o mundo capitalista apresenta, os atores são desenraizados e, portanto, excluídos de determinados espaços e partem em busca de um re-enraizar, de uma inserção. A cada dia novas formas de exclusão, novos espaços de exclusão se apresentam, e a cada dia uma nova luta pela re-inclusão se processa.

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das marcas da diferença. Trata-se então de optar por uma re-inclusão marcada, estigmatizada e, portanto, nunca plena e absoluta em uma sociedade que “segrega incluindo” (GENTILI, 2001, p.33).

O quadro pode parecer bastante pessimista: ou este sujeito se perde ao aceitar os processos de exclusão e ao não lutar para se re-inserir: isso significaria a aceitação da marginalidade e da condição de desigualdade social, ou ele luta para se re-inserir, correndo o risco de ter que abrir mão de si mesmo neste embate.

3.1.2. Os que estão “fora” e os que estão “dentro”: a exclusão em questão

Numa outra visão dos processos de exclusão pontua-se que, se de um lado, temos aqueles que, na luta por se re-inserir, acabam por abrir mão de si mesmos, por outro, temos aqueles que ao “saírem” do espaço social, ao serem excluídos, não conseguem se re-inserir mesmo que de forma precária. Temos hoje uma sociedade marcada por novos processos de precariedade e de pobreza, segundo Wanderley (2006), onde cada vez mais observamos um contingente de pessoas que expulsas do mercado de trabalho, por exemplo, não conseguem mais nele entrar. Ou, ainda, um grupo cada vez maior de jovens que nem sequer tem a oportunidade de ingressar neste mercado. Nesta nova sociedade, os excluídos, ainda segundo ela, não são residuais ou temporários, e sim, contingentes populacionais cada vez maiores e alijados de forma mais “permanente” e duradoura.

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que é rejeitado para fora dos mercados ou dos espaços materiais, mas também dos espaços simbólicos.

Dentro desta mesma ótica, Véras (2006) aponta que, na verdade, os anos 90 reeditaram o conceito de exclusão como não-cidadania. Neste sentido, trata-se de um processo que é abrangente, já que é capaz de abraçar uma infinidade de situações e fenômenos. É dinâmico, já que se reproduz e se transforma tal qual o movimento processual histórico. É multidimensional, já que é capaz de refletir os mecanismos pelos quais os indivíduos e grupos são excluídos das trocas cotidianas e da potencial interação nos vários campos da atividade humana, seja na educação, na saúde, no trabalho ou na habitação.

Ao tratar desses excluídos, Dubet (2006) fala na integração social. Segundo ele, dois são os pólos fundantes sobre os quais se ergue a noção de integração: o primeiro, é aquele referente ao sistema social; o segundo, é o que se reporta à relação entre os indivíduos e este sistema. Cabe lembrar a definição de pertencimento trabalhada por Durkheim (1999), segundo a qual os homens vivem em sociedade por uma necessidade pautada na similitude ou na diferença. Em sociedades classificadas por ele como sociedades primitivas, a falta de uma divisão social do trabalho cria relações humanas pautadas na semelhança: nestas sociedades todos exercem as mesmas atividades, com no máximo uma diferenciação por sexo e, portanto, têm mais ou menos o mesmo histórico social e as mesmas vivências. Neste quadro, tem-se uma sociedade de indivíduos que se identificam uns com os outros por serem muito parecidos, são as sociedades de solidariedade mecânica.

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solidariedade orgânica, que tem por base a divisão social do trabalho e as diferenças por ela geradas, mantém os homens unidos graças à consciência coletiva característica de tais grupos sociais9.

Para este enfoque, a noção de pertencimento está obrigatoriamente relacionada a tal solidariedade: os homens identificados uns com os outros pela noção de necessidade acabam por interagir. Talvez essa força social definida a partir da solidariedade seja o impulso para lutar ferozmente por uma inserção ou por uma inclusão social. Daí surge, portanto, a noção de pertencimento que, estruturada em tais bases acaba não sendo necessariamente atingida pelos processos de exclusão.

No entanto, ainda segundo Durkheim (2000), para pertencer a um grupo social, neste processo de construção de uma participação social que não seja anômica, é necessário que se considerem dois elementos: a integração e a regulação. De um lado, existe a atuação social, exigindo do ser humano que participe segundo determinados moldes construídos pelo organismo social e manifestos de forma clara na consciência coletiva. De outro, a luta dos seres humanos por uma adequada interação neste universo.

Segundo estas duas perspectivas, então, se estaria vivendo hoje em uma sociedade de solidariedade orgânica, com relações cada vez mais diferenciadas e complexas. Se, neste tipo de solidariedade da diferença, o que une os indivíduos é a necessidade, se estaria então diante de um fenômeno segundo o qual, alguns sujeitos seriam desnecessários. Na luta por participar e se integrar adequadamente do meio social, conforme exigência dos próprios mecanismos de regulação, alguns homens acabam se descobrindo à margem, incapazes de participar deste universo social, já que não possuem nenhum elemento que os torne necessários para os demais.

A partir do momento em que se tornam marcados por esta incapacidade de participação, segundo Xiberras (1996), estes homens, longe de se tornarem

9 Faz-se aqui referência ao conceito de consciência coletiva trabalhado por Durkkheim em seu livro

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alheios ao universo que os excluiu, se tornam portadores de um atributo que os diferencia, que os denigre, tornando-os seres com um atributo negativo. Ainda segundo esta autora, ele não se torna simplesmente um excluído das trocas materiais ou simbólicas, tal indivíduo passa a ocupar um lugar negativo, um mau lugar e esta passa a ser sua principal marca. Para este homem a re-inserção se torna algo cada vez mais difícil e inacessível.

A este quadro, acrescenta Dubet (2006) que talvez os principais elementos desagregadores sejam as transformações sofridas na construção de um mundo global. Segundo ele, o tipo de integração sistêmica já estabilizada nas sociedades industriais não resistiu às transformações advindas da atualidade. Parece que, na construção deste mundo globalizado, o cotidiano se torna mais flexível e, portanto, toma um formato diferenciado. É um mundo transformado, cheio de novas relações e papéis, que aqui se apresenta. Entende-se, porque, segundo Wanderley (2006), é recorrente a análise sobre a exclusão do mundo do trabalho e seu impacto em cadeia num processo de “acumulação de deficiências” nas demais formas de exclusão (XIBERRAS, 1996, p.30).

No caso brasileiro, o quadro se agrava, segundo Buarque (1994), por uma histórica situação de apartação. Assim, o mito da unidade e da integração social nacional, acabou gerando uma situação de apartação sócio-econômica, no qual a diferença entre “um habitante do mundo moderno, seja na Europa ou no Brasil, e um habitante do mundo atrasado, na Somália ou no Brasil”, é um fosso difícil de transpor (BUARQUE, 1994, p.95). O desafio da integração agora é algo ainda mais complexo, já que agrupa a conquista da inclusão nacional e internacional.

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Caracteriza-se, então, um grupo de indivíduos que, para além das dificuldades práticas acarretadas pela exclusão do mundo global, ainda deve se deparar com uma situação estigmatizante que o define como diferente e o marca como anormal, comprometendo assim todo o processo de construção de sua identidade social. Para este homem a re-inserção é cada vez mais uma utopia portadora de um sentimento de inferioridade e não pertencimento. Segundo Jodelet (2006, p.63), a exclusão, ao limitar as chances sociais, acaba provocando “desorganização familiar e comunitária, socialização defeituosa, perda dos sinais identificatórios, desmoralização, etc.”.

Mas, no dia-a-dia, a anormalidade parece ser a grande reveladora dos fenômenos, enquanto que a normalidade parece destinada a ocultá-los. Assim, o que é estranho chama a atenção e o que é comum desaparece. Num mundo de tantos excluídos, a exclusão some ao se tornar normal e deixa de ser um problema para se tornar apenas mais um dado (GENTILI, 2001). Tem-se então, ao lado do homem moderno, dinâmico, altamente informado e flexível, um cada vez mais freqüente e normal homem que é expulso do espaço social, tornando-se totalmente detornando-sestruturado e marcado negativamente por esta expulsão. Falar-se-á então de uma sociedade da anomia, na qual o negativo se tornou normal e o integrado aos poucos vira a exceção.

3.2. As transformações no mundo do trabalho e a globalização: novo século, novo mundo e nova realidade

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compreensão desta nova exclusão e re-inclusão (POLANYI, 2000). Eis porque opta-se, neste momento, por construir uma análise de tal mercado e das transformações que o marcam e definem como novo e importante ator da exclusão social.

Se o capital sempre excluiu, parece que agora ele assume novas formas, talvez ainda mais perversas de exclusão. Se forem vários os fatores promotores da exclusão, parece que o trabalho e o mercado continuam sendo, se não os maiores vetores desta exclusão, pelo menos eles cada vez mais se afirmam como alguns dos mais importantes elementos, produzindo, segundo Wanderley (2006, p.19), “indivíduos desnecessários ao universo produtivo”, para os quais a inserção é cada vez mais difícil, indivíduos colocados à margem, jogados para fora do universo social: estaríamos então falando, de uma sociedade de seres descartáveis.

Ao mesmo tempo e num movimento dialético, o capital que produz novas relações que impactam diretamente no universo social, também é produto direto deste universo sobre o qual atua e do qual é fruto. Por isso, uma análise das transformações do mundo do trabalho, também é uma análise das transformações sociais que marcam a atualidade.

3.2.1. O taylorismo e a organização científica do trabalho: novo homem é criado

O século passado terminou trazendo marcas que redirecionaram a história moderna. As transformações do mundo do trabalho, por exemplo, refletiram e impactaram nas diferentes formas de organização da vida cotidiana, fazendo com que homens e mulheres passassem a se ajustar a novas temporalidades e ritmo de vida.

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mercado de tarefeiros e de trabalhadores sem controle algum sobre seu trabalho.

Com a expropriação do saber operário e a divisão de atividades em diferentes tarefas pequenas, a serem executadas por diferentes trabalhadores em um ritmo controlado pela produção, são introduzidas duas mudanças significativas, que aqui são ressaltadas, pois impactam no dia-a-dia dos indivíduos desde então. De um lado, a expropriação em si do saber operário, fragmentou os homens e os transformou em seres com uma atividade e com uma visão parcial da realidade. Ao se apropriar do saber operário e dividi-lo em diferentes pequenas atividades, ainda segundo Cureta (1985), o capital consegue fazer o que para muitos parecia algo impossível: ter pleno controle sobre a produção e garantir um padrão de qualidade.

Se antes o mestre sapateiro era pleno detentor do conhecimento relativo ao seu ofício e, portanto, poderoso em face das negociações com a empresa, com a fragmentação desta atividade, teremos o cortador de couro, o costureiro, o cortador de solados, enfim, o que antes era de domínio de um, passou então a ser executado por vários trabalhadores capazes de serem rapidamente substituídos de forma eficaz. O conhecimento que antes fazia do mestre sapateiro um profissional com plenos poderes sobre sua atividade passou a pertencer à empresa. O poder que acompanhava tal conhecimento também mudou de mãos: ao dividir em diversas pequenas tarefas a atividade antes executada por um, a empresa retirou do trabalhador o domínio sobre sua atividade, e o transformou em um empregado passível de ser rapidamente treinado e, portanto, de ser facilmente substituído.

Ao mesmo tempo, a execução que passa a ser desenvolvida por este enorme número de trabalhadores alienados de seu trabalho, do produto de seu trabalho e até de sua essência enquanto trabalhador10 se separa

definitivamente da concepção e controle exercidos por alguns poucos. Rago (1994) coloca, que ao separar a mente da empresa, ou a concepção e direção de seus membros, ou a produção em si, chega-se ao empregado ideal: o homem boi, dócil e forte, mas sem capacidade de pensar.

10 Referência às diferentes formas de alienação definidas por Karl Marx no trabalho sobre

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Numa década marcada por grandes sobressaltos econômicos e por quadros sociais de degradação, tal novidade lança o ser humano definitivamente numa situação de exploração que o transforma em mercadoria e o aliena em definitivo. Um ser humano incapaz sequer de visualizar sua atividade profissional como um todo, dificilmente, será um ser capaz de visualizar a realidade que o envolve. O “apertador” de parafusos de Charles Chaplin nunca será um ser capaz de exercer sua plena capacidade humana, simplesmente por ser incapaz de sequer visualiza-la: o tarefeiro nunca será um filósofo 11.

Ao fragmentar a ação humana e assim sua capacidade de visualização do todo, o taylorismo também introduziu o controle do tempo e o uso do cronômetro. Na verdade, passa a ser de responsabilidade da fábrica o controle para que cada tarefa fosse executada dentro de um determinado espaço de tempo, com determinado padrão de qualidade (CORIAT, 1985). Ao fazê-lo, o capital eliminou um ritmo de vida anteriormente definido por traços biológicos, culturais e sociais e passou a impor um novo ritmo, agora definido pela produção. Quando acabaram os espaços para a conversa e o bate-papo na empresa também acabaram os espaços para as conversas de calçada de fim de tarde; ao acabar com a possibilidade de descanso durante a atividade, o capital criou pais, maridos, filhos e amigos exaustos, que só produzem e garantem a reprodução familiar, sem sequer ter oportunidade de se beneficiar dela. São homens que “comem, bebem e procriam”, mas que não realizam sua plena “condição humana” 12.

Este controle do tempo, que mais tarde foi mais bem delimitado pela esteira fordista, mudou completamente os parâmetros de vida e de relação. A definição de papéis e a temporalidade foram completamente alteradas pelas transformações tayloristas. Esse novo personagem fragmentado com um ritmo de vida mais dinâmico e acelerado saiu em definitivo do espaço da fábrica para a vida cotidiana, criando um novo homem e uma nova sociedade.

11 Alusão ao trecho da

Ideologia Alemã de Karl Marx, no qual ele trata do ser humano como caçador, pescador ou crítico e filósofo, e não existe segundo ele remédio para isso se tal trabalhador quiser garantir sua sobrevivência (MARX & ENGLS, 1999)

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3.2.2. O fordismo e a produção em massa: o mundo fica mais rígido e pesado

O fordismo, já na década de 40, veio aperfeiçoar as mudanças apresentadas por Taylor, com a introdução da esteira e a organização da produção em massa, um novo mundo se cria. Este novo mundo traz em si as marcas do consumo em massa e da produção em larga escala, que altera novamente de forma determinante o dia-a-dia dos trabalhadores do planeta. Note-se que uma forma de organização da produção não substitui a outra: elas, na verdade, convivem e impactam mutuamente em suas estruturas e processos (ver ANTUNES, 1997, CORIAT, 1985 e HARVEY, 1993).

A esteira que, na verdade, é o maior mecanismo de controle do tempo associado à produção se tornou também o maior símbolo da rigidez imposta pelos novos padrões fordistas. Aqui também, ressaltamos duas grandes transformações que impactaram a vida cotidiana.

A primeira gerada pela própria esteira: com a organização da produção cadenciada pela esteira, atrelou-se o trabalhador a este artefato, fazendo com que a partir de então o espaço e tempo da produção fossem por ela controlados (HARVEY, 1993). O espaço de atuação do trabalhador ficou restrito à tarefa executada frente à esteira, sem possibilidade de variação ou de trânsito. O tarefeiro preso a apertar parafusos tem desde então seus limites muito bem definidos, já que outro empregado se coloca logo adiante, limitando, inclusive, sua mobilidade e, seu tempo totalmente controlado, já que a esteira impõe o ritmo definido pela empresa.

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Ao mesmo tempo, a própria definição da produção fordista envolve um outro elemento de significativo impacto na vida cotidiana: a produção em massa. O maior, senão um dos maiores pressupostos da organização fordista de produção, é justamente o de produzir sem grande variabilidade de produtos e em larga escala. Mas este pressuposto traz em si alguns pré-requisitos: para se produzir em grande quantidade é primeiro necessário que se compre em larga escala, são os grandes estoques de peças e acessórios que precisam estar disponíveis para que a produção não pare. Por outro lado, a produção em larga escala pressupõe o consumo em larga escala (ver ANTUNES, 1997; HARVEY,1993).

A regulamentação da jornada de trabalho e do salário, a atuação da mídia, a criação de uma cultura de consumo de massa, esses foram os pressupostos para o desenvolvimento de uma forma de organização da produção que muito produzia e muito vendia. Mas, ao mesmo tempo, isto exigiu uma padronização do consumo e dos seres que os fez a todos iguais perante o mercado, com as mesmas necessidades e os mesmos gostos. Ao trabalhar o “Americanismo e Fordismo”, Gramsci (1976) coloca que estas mudanças nos métodos de trabalho trazem consigo mudanças nas formas de pensar, de sentir e de viver. Segundo ele, o americanismo não surge espontaneamente na “mentalidade” social. A sua origem está estritamente ligada à base material da sociedade, a sua forma de organização da produção mais especificamente. A forma de acumulação e produção capitalista produziu um processo social que nasceu na fábrica, é a infra-estrutura agindo sobre a superestrutura13.

Os homens são pouco a pouco deformados e transformados em algo conveniente ao mercado. A cada nova transformação no mundo do trabalho, uma nova transformação no perfil do trabalhador e do ser humano.

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3.2.3. O toyotismo e a flexibilidade da vida cotidiana

Na década de setenta, após os estragos causados pela Segunda Guerra Mundial o Japão, na ânsia de se recuperar, reorganiza toda a sua indústria e inventa uma nova forma de organização da produção. Em face de um país completamente destruído e cheio de peculiaridades locais, o diretor das empresas Toyota, Ohno, decide apostar em uma nova forma de produzir (ver ANTUNES, 1997, p.13-39, CORIAT, 1994, p.36-50; HARVEY, 1993, p.163-176)

O fato, é que o Japão, que é um país pequeno, não possuía sequer o espaço físico necessário à instalação das grandes fábricas fordistas. Sem a grande fábrica como trabalhar com grandes estoques? Era preciso repensar todo o processo.

Trabalhar sem estoques poderia significar produzir menos, mas Ohno aposta na diversidade e na rapidez: ao invés de produzir um único produto em larga escala, porque não se adequar às particularidades da demanda e produzir vários produtos? Em vez de trabalhar com o consumo em massa e a cultura massificante, passa–se então a respeitar os desejos do consumidor (CORIAT, 1994). Uma mesma fábrica de carros, em vez de ter um único modelo, passa a ter uma diversidade de possibilidades, cada uma delas adequada às características de um determinado público: o carro mais barato, para o consumidor sem posses; o carro grande, para abrigar famílias; o carro esporte, para os jovens playboys; o carro mais formal, para os executivos; enfim, ao invés de impor ao mercado uma única alternativa, diversifica-se: ao invés de impor aos seres que se incluam e se massifiquem, o mercado agora passa a atender à especificidade de cada um, à individualidade.

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avesso” 14: ao invés de trabalhar com grandes estoques e a produção em massa, trabalha-se atendendo diretamente às necessidades da produção. Ao invés de comprar primeiro em grandes quantidades para posteriormente produzir, agora compra-se apenas a partir do momento em que a necessidade é apontada pela produção (CORIAT, 1994).

Com estas transformações que resolveram a crise fordista de produção, surgem dois elementos impactantes da vida cotidiana: esta falta de estoques, esta fábrica mínima pressupõe em primeiro lugar, uma rapidez e agilidade nas compras e reposição de peças, é a produção just-in-time. Isto caracteriza uma fábrica mais leve e mais flexível, capaz de mudar sua produção aos menores sinais do mercado, mas também capaz de conduzir uma produção diversificada sem, no entanto, trazer a rigidez e a enormidade das fábricas fordistas.

Note-se que inclusive a esteira foi substituída por uma nova forma de organização. Os operários agora dispostos em U têm maior visibilidade e, portanto, maior controle uns sobre a ação dos outros. Além disso, formam nichos de produtividade e de qualidade que giram em torno do controle exercido em cada grupo, em cada equipe. Assim, cada equipe ou grupo, organizado de forma relativamente autônoma, passa a exercer sobre seus membros um maior controle da produtividade e da qualidade do produto gerado. Mudou-se a lógica (CORIAT, 1994).

A esta maior leveza e flexibilidade da fábrica Toyota, soma-se um segundo elemento aqui apontado como fundamental: a comunicação e o repasse rápido e eficiente de informação. De fato, toda esta agilidade pressupõe uma rápida e eficiente troca de informações tanto de um lado, acerca das demandas do mercado, quanto do outro, acerca das necessidades da produção. Para tanto Ohno apoiou-se num sistema de luzes que rapidamente informava a todos sobre problemas na produção – sinal verde a produção estava a pleno vapor, amarelo era sinal de problemas e, o vermelho apontava para atividades paralisadas. Para complementar as informações repassadas por tal sistema, criou-se o método Kan-ban, ou seja, um sistema de cartazes (ver CORIAT, 1994; HARVEY, 1993). O objetivo de tal sistema foi

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o de muito rapidamente repassar, de forma simples e eficiente para todos os interessados, as diversas informações sobre a produção, dividindo assim a informação, promovendo uma maior integração espacial e uma co-responsabilidade do trabalhador que volta a ser um ser pensante e polivalente, e não mais um tarefeiro.

Um melhor sistema de troca de informações e uma maior flexibilidade e agilidade de atuação, são exatamente duas das maiores características da vida cotidiana da atualidade. Segundo Giddens (1991), estas transformações advindas dos movimentos de globalização e reordenação do mundo do trabalho, provocam uma transformação da intimidade. O impessoal, que antes era visualizado como algo externo ao sujeito, não pode mais ser visualizado em oposição ao pessoal: aquilo que marca o universo produtivo e o mundo do trabalho se reflete de forma direta e dinâmica na vida cotidiana, nas relações pessoais, na intimidade. Os seres foram, portanto, obrigados a se tornarem mais leves, flexíveis, ágeis e bem informados, este é o novo homem.

3.2.4. Um mundo cada vez menor: aspectos da globalização

Com a anterior definição dos processos de uma inevitável exclusão e da busca por uma necessária inclusão, com a revisão das recentes transformações ocorridas no mundo do trabalho e seus impactos na vida cotidiana, podemos pontuar uma especificidade da atualidade: os homens têm vivido um momento único na história do planeta, o globo diminuiu, as distâncias estão cada vez menores, as fronteiras caíram, o mundo se globalizou. Desde a década de noventa e marcando a virada para o século XXI, o planeta tem vivenciado uma série de transformações que marcam profundamente a realidade atual.

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enxugou e diversificou. Segundo Harvey 15 (1993), as mudanças perpassam os processos de produção e atingem da mesma forma o universo tecnológico, o mundo do trabalho, a organização espaço-temporal e a organização política do Estado Nacional, entre outras instâncias da vida cotidiana.

Quanto ao universo tecnológico, é possível que se esteja caminhando para o que Adam Schaff (1993) chama de sociedade da informática. Uma sociedade constituída a partir de uma nova revolução técnico-industrial, fundada na tríade: microeletrônica, microbiologia e energia nuclear. Uma nova revolução que traz em si a capacidade crescente de suplantar as habilidades intelectuais dos homens substituindo-os aos poucos pelas máquinas no mundo do trabalho.

É fundamental que se entenda como a atual e inevitável revolução tecnológica, tem um claro efeito sobre o emprego e a economia global, é apenas o primeiro passo. Deve ficar claro que este movimento de rápido avanço tecnológico bem como a sociedade da informação e do conhecimento dele oriunda, estão polarizando cada vez mais a população mundial em dois grupos distintos e potencialmente antagônicos: de um lado, um grupo altamente qualificado e bem informado, com grande intimidade com os instrumentos, mecanismos e movimentos gerados por esta revolução tecnológica; de outro, um crescente número de homens mantidos totalmente à margem deste mundo do conhecimento da informação e da alta tecnologia. Homens estes que serão constantemente expulsos deste mundo cada vez mais especializado e elitizado: são os chamados excluídos do mundo da informação e da tecnologia (RIFKIN, 1995).

Quanto ao mundo do trabalho, ao mesmo tempo que temos a dita “Sociedade da Informática” (SCHAFF, 1993) ou a atual “Revolução Tecnológica” (RIFKIN, 1995) que o transformam, temos também as várias mudanças geradas a partir das mudanças advindas das sucessivas inovações realizadas na organização da produção. Entre o taylorismo e a organização flexível, surgiram espaços para que os processos de terceirização e de

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Tabela 1: Investimentos realizados por empresas segundo a condição de  associado ou não ao GIFE.
Figura 1: Representação do novo espaço de sinergia entre o público e o  privado.
Figura 2: Representação do público alvo do investimento social privado, em  face daqueles atingidos pelas ações de responsabilidade social empresarial
Figura 3: Representação das etapas percorridas pelas empresas na busca por  uma melhor definição do foco de atuação de suas atividades sociais
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