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C) O terceiro instrumento foi um formulário de pesquisa: encaminhou-se por e-mail um formulário de pesquisa com perguntas abertas e fechadas à

3. RESENHA DA LITERATURA

3.1. Sobre a exclusão social

3.1.1. A exclusão e a degradação humana

Toma-se como ponto de partida o fato de que, segundo Martins (1997), existe hoje uma fetichização conceitual da exclusão. Na verdade, uma total exclusão do universo social é fato sociológico de difícil ocorrência. Para isso o indivíduo deveria estar completamente alijado do universo social em todas as suas dimensões, fenômeno difícil de visualizar: o que se vê com freqüência são exclusões em diferentes ambientes sociais. Nas demais situações apenas se

pode aferir a existência de formas de exclusão específicas a determinados espaços do universo social: exclusão do mundo do trabalho, exclusão tecnológica, exclusão étnica, de gênero, exclusão pela informação, etc.

Mas, para além disso, Martins (1997) pontua que, na verdade, o enfoque dado ao problema é equivocado: segundo ele, o problema central da atualidade social não é a exclusão em si, mas um limitado processo de inclusão. Chama- se, assim, de exclusão aquilo que na verdade se constitui em inclusão precária, instável e marginal, ou seja, uma inclusão que só proporciona na sociedade o acesso a “lugares residuais” (MARTINS, 1997, p.26).

No modo capitalista de produção o processo de exclusão parece inevitável: ele desenraiza ao retirar os trabalhadores do campo e levá-los para a fábrica; ele desenraiza ao obrigar o trabalhador rural a mudar-se para a cidade; ele desenraiza quando expropria o saber operário e obriga o homem a vender sua força de trabalho para a grande indústria; ele desenraiza quando seleciona apenas alguns para participarem do mercado de trabalho, retirando dos demais as condições básicas de existência; ele desenraiza quando os obriga a se adequar a um novo tempo e uma nova velocidade dos processos produtivos e por extensão dos processos sociais; ele desenraiza quando os faz correr continuamente atrás de um conhecimento que cresce em escala gigantesca dia após dia.

Neste sentido Weil (2001) define o enraizamento humano como a solidez física e simbólica pautada na terra e na casa. Em outras palavras, o ser enraizado é aquele que tem um lugar espacialmente definido, mas também social, cultural e simbolicamente definido. Em contrapartida, o ser desenraizado, é um ser expropriado de sua própria vida, de sua história, de suas relações e de suas interações. O desenraizamento é então um assassinato do passado das raízes: um ser humano sem passado e sem raízes é um ser sem futuro.

No universo capitalista, então, visualiza-se continuamente este processo de desenraizamento a partir do qual os homens são excluídos de um determinado grupo e de um determinado cotidiano. Posteriormente, na busca por uma nova inclusão, acabam se re-inserindo segundo as regras estipuladas pelo próprio capital. Na sociedade capitalista, trata-se de regra “estruturante”:

todos em diferentes momentos e de diferentes modos são desenraizados e excluídos: “É próprio dessa lógica de exclusão, a inclusão” (MARTINS, 1997, p.32). É justamente com o objetivo de re-incluir que a sociedade capitalista exclui a todos: trata-se, no entanto, de uma re-inserção, em outros moldes, segundo suas próprias regras é lógica. Os indivíduos são retirados de um confortável e conhecido ambiente que os identifica e os define para serem lançados em outro ambiente com o qual eles têm que aprender a conviver: um ambiente definido pelo universo do trabalho e da produção.

Acrescenta-se a este quadro a ressalva de que, segundo Xiberras (1996), a exclusão é um percurso duplo: o percurso do excluído que irá utilizar todos os mecanismos dos quais dispuser para se re-inserir e o percurso da sociedade, que poderá ou não abrir espaço para esta re-inserção 8. Não basta, portanto, que haja um movimento unilateral na busca pela re-inclusão. É necessário que, paralelamente ao movimento individual, haja um movimento social que neste quadro de uma sociedade organizada, segundo os moldes capitalistas atuais de produção, parece incongruente.

Tal incongruência surge da própria forma segundo a qual o capitalismo se organiza. De fato, este processo de exclusão capitalista em nada é novidade: desde os clássicos se faz uma análise deste desenraizar que atinge inclusive a total destruição da condição humana. Segundo Marx (1989), ao serem obrigados a vender sua força de trabalho em busca da sobrevivência, os homens são conduzidos pelo capital a um processo gradativo de alienação. Neste processo, eles são alienados com relação ao produto do seu trabalho, como em relação ao seu próprio trabalho e a si mesmos enquanto trabalhadores e enquanto seres humanos. Ao produzir e não poder consumir, ao criar valor e cada vez mais perder seu próprio valor, ao criar produtos e se deformar enquanto trabalhador, ao se especializar enquanto trabalhador e se embrutecer enquanto ser humano, o homem se torna cada vez mais um ser alienado. Torna-se assim um ser cada vez mais distante do processo que o envolve e do qual participa.

8 A este respeito ver também Durkheim (2000), que teoriza sobre a questão da integração e da regulação

Portanto, ao se incluir adequadamente neste universo capitalista de compra e venda de mercadorias, os homens se bestializam. Ou seja, para fazer parte do mundo do trabalho e garantir sua reprodução, eles acabam entrando numa roda-viva de exploração que os deforma, os degrada e os empobrece. Marx aponta que, neste processo de alienação e deformação do trabalhador, este passa a valorizar e a se sentir livre, apenas em suas funções animais: “comer, beber e procriar”. Assim, este ser acaba assumindo como principais suas características animais e esquecendo sua capacidade criadora que o distingue enquanto ser humano: “o que é animal se torna humano e o que é humano se torna animal” (MARX, 1989, p.154).

Para sentir-se livre, o ser humano acaba assumindo suas funções animais como prioritárias e, naquilo que deveria o definir, se sente escravizado. Para fazer parte deste universo, acaba por abrir mão daquilo que tem de mais precioso, ou seja, segundo Marx (1983): sua capacidade criadora, sua capacidade de planejar o ato a ser executado posteriormente, ato de transformação da natureza e de criação do novo.

Ao perder esta capacidade, transforma-se na abelha que constrói milimetricamente uma colméia perfeita: mas a constrói por instinto, sem nenhuma capacidade de planejamento e de criação. Este ser humano, transforma-se então, na aranha que constrói com fantástica simetria sua teia: mas não a projeta anteriormente, nem pode entendê-la em seu contexto (MARX, 1983, p.173-174). Ao abrir mão desta capacidade criadora, ao se equiparar à abelha ou à aranha, acaba se tornando igual a elas: um ser que age por instinto, um ser sem percepção em longo prazo, sem inteligência, um ser para o qual o mais significativo, o mais importante e o maior instrumento de felicidade é a realização de suas funções animais.

Portanto, neste processo de exclusão e reconstrução de um espaço de pertencimento, neste processo de exclusão e re-inclusão, o homem acaba por abrir mão daquilo que o define e acaba se re-inserindo de forma bestializada, tal qual um animal, acaba abrindo mão daquilo que Arendt chama de “Condição Humana” (1989). Segundo ela, só se alcança a realização enquanto homem, quando se vive em sociedade e, portanto, quando se vive a pluralidade característica desta situação. Por outro lado, para realmente vivenciar tal

pluralidade, é necessário que haja interação entre os seres, ou melhor, utilizando terminologia da autora, que haja espaço para a ação.

É na ação relacional entre os atores sociais, ação esta intermediada pela linguagem ou pela comunicação que se constrói a ação política e social. Nesta pluralidade que se vive, já que é inerente ao ser social, se cria a necessidade de interagir, e esta interação se constrói na ação. Toda esta interação social tem por base essa troca, esta necessária construção política, por isso Arendt (1989) aborda a ação e a vida política. Mas como se forma este ator político, que em seu processo de interação constrói seu entendimento da realidade e, para além disso, constrói sua condição humana?

É, portanto, na realização de sua interação, no contato cotidiano com sua pluralidade, que os sujeitos se definem enquanto homens. É na participação cotidiana no universo social e, por conseguinte, no universo político que os sujeitos se realizam enquanto seres sociais e políticos, e isto, e não a sua existência animal é o que os define enquanto homens: eles são atores políticos, atores sociais, e apenas quando exercem esta ação política e social vivem sua condição humana.

Então, cotidianamente ao lutar contra essa roda-viva que o mundo capitalista apresenta, os atores são desenraizados e, portanto, excluídos de determinados espaços e partem em busca de um re-enraizar, de uma inserção. A cada dia novas formas de exclusão, novos espaços de exclusão se apresentam, e a cada dia uma nova luta pela re-inclusão se processa.

Neste jogo de expulsão e ingresso nos espaços sociais, o ser humano acaba abrindo mão de algumas facetas e características que lhe são fundamentais. Na luta pela re-inclusão acaba perdendo sua condição humana e acaba se bestializando. Entre a exclusão e a inclusão precária, ou marginal, acaba optando pela segunda, sem ter percepção do preço que paga por ela. Como coloca Martins (1997), esta re-inclusão se dá apenas no plano econômico, a partir do momento que consegue garantir sua condição de sobrevivência. Esta re-inclusão, não acontece, no entanto, no plano social: não o re-integra numa sociedade “normal”, já que este ser excluído e re-inserido acabou sofrendo profundos abalos no plano moral e pessoal. A própria estrutura humana é afetada, o que o condena de forma definitiva a ser portador

das marcas da diferença. Trata-se então de optar por uma re-inclusão marcada, estigmatizada e, portanto, nunca plena e absoluta em uma sociedade que “segrega incluindo” (GENTILI, 2001, p.33).

O quadro pode parecer bastante pessimista: ou este sujeito se perde ao aceitar os processos de exclusão e ao não lutar para se re-inserir: isso significaria a aceitação da marginalidade e da condição de desigualdade social, ou ele luta para se re-inserir, correndo o risco de ter que abrir mão de si mesmo neste embate.

3.1.2. Os que estão “fora” e os que estão “dentro”: a