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A educação entre a exclusão e a inclusão social

C) O terceiro instrumento foi um formulário de pesquisa: encaminhou-se por e-mail um formulário de pesquisa com perguntas abertas e fechadas à

3. RESENHA DA LITERATURA

3.4. A educação em novo contexto

3.4.2. A educação entre a exclusão e a inclusão social

Refletir sobre a educação na atualidade parece ser, então, atividade impregnada destas transformações econômicas, políticas e sociais até agora apontadas. Mesmo que não seja um debate recente, é um debate marcado pelas atuais mudanças que abrangem toda a sociedade e todo o interesse humano. Foi atribuída à educação a responsabilidade pela superação da situação de pobreza, aliada às condições de sobrevivência (saúde, saneamento, higiene) e ao acesso ao mercado e realização da cidadania. Ao mesmo tempo, também parece haver consenso sobre o fato de ser o único elemento capaz de promover a mobilidade social. No entanto, esta concordância acerca do papel da educação, também gerou um paradoxo: uma maior cobertura escolar trouxe consigo uma elevação do nível de educação. Se antes, para muitos o nível fundamental era o ambicionado, agora, sem o nível médio ficam cada vez mais distante a superação efetiva da pobreza ou a conquista por um emprego formal. Desta forma, o nível de educação alcançado pelas pessoas impacta diretamente no “aumento da quantidade e da qualidade de oportunidades” (RIVERO, 2000).

Assim, ao falarmos de educação, estamos não somente falando de um elemento integrador, mas de um elemento capaz de abranger tanto a diversidade quanto a homogeneidade características dos dias modernos, bem como de um elemento que se constitui em elo entre o aparato cultural historicamente posto e um cotidiano em construção. Neste sentido, é que, ao visualizarmos os “quatro pilares” da educação criados pela UNESCO, segundo

Carneiro (2001), devemos ter clareza de que aprender a ser, aprender a conhecer, aprender a fazer e aprender a viver juntos são na verdade um arsenal de princípios que juntos constituem uma rede de direitos e de responsabilidades, fundamentais para o entendimento da educação nos dias atuais.

Face à multiplicidade de elementos capazes de promover a integração social, conforme visto anteriormente, a educação parece ocupar lugar de destaque graças à sua capacidade de assimilar a diversidade, de congregar as diferenças e de promover uma aliança forte, pautada em uma herança social e humana que servem de referência para um futuro em andamento. No entanto, tal qual os demais agentes sociais, segundo Frigotto (2005), a educação deve ser vista enquanto promotora de uma prática social “não-neutra”. Assim, aquilo que está estabelecido como educação, ou aquilo que vem sendo questionado como sendo ou não o papel da educação, deve ser visualizado e entendido dentro de um determinado contexto sócio-político e econômico de transformação do capital e de globalização.

A este quadro soma-se o fato de que o problema da educação na atualidade é que, assim como as demais instituições, agentes ou atores sociais, ela também sofre da invasão do “desencanto”. Uma desilusão, uma perda de expectativas, uma decepção que se alastra e ocupa todo o sistema social atual. Mesmo com todas as reformas vivenciadas pela educação, nesta perspectiva, “a escola está mudando para continuar a mesma” (GENTILI, 2001, p.18), o que acaba por gerar o burn out ou síndrome da desistência que afeta os trabalhadores da educação e tornando cada vez mais forte o “apartheid escolar” (GENTILI, 2001, p.37).

Deve-se ainda considerar o paradoxo do triunfo da igualdade apresentado por Dubet (2006, p.33-56): de um lado, a força da construção democrática e o triunfo do neo-liberalismo econômico trazem as marcas de um discurso pela igualdade de todos os homens; por outro, as instituições encarregadas de promover a integração entre os seres estão mais e mais desencantadas e enfraquecidas. Então, levando-se em conta todo esse contexto de transformações já tão discutido, é que se propõem aqui trabalhar com os conceitos de totalidade, desenvolvido por Trigueiro (2000); de igualdade,

discutido por Gomes (2005), e de universalidade, no contexto proposto por Matsuura (2002).

No primeiro caso, Trigueiro (2000) apresenta uma conceituação, segundo ele adequada à nação moderna, na qual numa relação dialética os indivíduos devem se inserir no projeto coletivo, mas também a sociedade deve investir na inserção de cada indivíduo 22. Para ele, este é predominantemente o papel da educação que, ao preparar adequadamente a maioria dos indivíduos do universo social, impede a criação de uma sociedade de “supereducados” (TRIGUEIRO, 2000, p.502). Ao proceder de tal forma, a educação se torna, então, o mecanismo através do qual esta totalidade se torna viável bem como o elemento capaz de levar os indivíduos à sua plenitude e, portanto, à sua plena ação. Dubet (2006) reconhece e concorda com esta relação dialética entre a necessária ação dos sujeitos na construção de sua inserção, mas também da necessária participação das estruturas sociais, relação dialética esta manifesta no conceito de totalidade. Ao mesmo tempo, ele lembra que, embora os indivíduos ainda lutem por este processo de inclusão, a sociedade os abandonou, já que como vimos anteriormente suas instituições promotoras de inclusão, e dentre elas a educação, não são mais capazes de exercer tal papel. Neste sentido, talvez seja importante frisar que um dos elos desta totalidade, qual seja, as instituições sociais e entre elas a educação, têm estado com sua atuação abalada face às transformações da atualidade.

No segundo caso, Gomes (2005), ao discutir a questão das igualdades ou desigualdades geradas ou mantidas pela educação, levanta três elementos de análise: a igualdade de oportunidades, a igualdade de tratamento e a igualdade de resultados. Nos três casos são apresentadas as várias idéias e ações implementadas na busca por uma escola que seja capaz de promover a igualdade. Conclui-se que, na verdade, apesar de ter sido incumbida de minimizar as diferenças sócio-econômicas postas e de promover um mínimo de igualdade entre os seres, para que estes possam vir a participar de forma mais ou menos equiparada do universo social do qual são sujeitos, a educação ainda não conseguiu adequar suas ações a esta tarefa. De fato, embora visualize as diferenças entre os indivíduos e a importância de posicionar-se

22 O que está totalmente de acordo com o já discutido anterior e amplamente explorado por Dubet (2006)

enquanto agente promotor de inclusão, a educação ainda não conseguiu trabalhar tais diferenças para melhor se estruturar de forma a administrá-las. Nesta perspectiva, talvez a noção de igualdade não seja a mais adequada. É possível que seja justamente a partir da diferença que a educação e as diversas instituições sociais devam se repensar.

Daí a importância do conceito de universalidade. Lembra-se que, a partir do momento que se passa a discutir Direitos Humanos, surge esta noção de universalidade, obrigada a coexistir com a noção de individualidade. Segundo Silva (1994), desde o Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem, esta duplicidade fica clara. Nos sete consideranda do Preâmbulo, são reconhecidos solenemente a dignidade humana com base na liberdade, no ideal democrático e na concepção comum destes direitos. Em conclusão a estes consideranda, a Declaração proclama que:

como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados- Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição (SILVA, 1994).

Assim, partindo deste conceito de universalidade, Matsuura (2002) propõe que se deva na atualidade a construção de um sistema mundial que tenha por alicerce a ética. Para a construção deste sistema é fundamental que se pontue que tal globalização, conforme já discutido anteriormente, não pode ser visualizada apenas como um elemento político-econômico. É fundamental que se tenha a percepção de suas condicionantes sociais e culturais e das várias formas e facetas dos elementos excludentes gerados ou transformados, agora não mais unicamente intra-nacionais, mas também internacionais. Para a construção de uma participação universal, será necessária então a atuação em um determinado número de áreas, dentre as quais a educação, para que se alcance uma civilização universal, que em nenhum momento poderá esquecer as particularidades e diferenças que marcam os povos.

Retomando, parte-se de um conceito de totalidade que propõe um olhar conjugado e dialético entre as diferentes forças promotoras da inclusão e da exclusão social, sejam elas sociais (as instituições, por exemplo) ou individuais (os sujeitos participantes de cada totalidade). No entanto, face às tantas transformações que marcam a atualidade, estas totalidades precisam ser revistas, já que com o advento da globalização o planeta revê seus Estados- Nacionais e sua definição de fronteiras, suas estruturas políticas e seu modelo de Estado Providência ocidental, sua organização produtiva, sua noção espaço-temporal, seus alicerces culturais e toda a vida cotidiana dos povos que nele habitam. Ao mesmo tempo, ao invés de igualdade talvez o que se busque seja um convívio homogêneo da diferença. E que, portanto, o papel das instituições sociais seja não a promoção da integração via igualdade, e sim o apogeu da sociedade das diferenças. Estar-se-ia então em face de um novo tipo de sociedade de solidariedade orgânica, com novas diversidades e novos papéis.

É mister então repensar a educação enquanto agente promotor da inclusão neste contexto, em um mundo de novas totalidades com uma diversidade enorme de sujeitos e situações. Parece pois, que o conceito de universalidade se torna mais adequado: estamos então construindo uma educação que para além do embate entre homogeneidade e heterogeneidade, característico desta era, que para além da tecnologia, da velocidade da informação e da produção de novos conhecimentos, seja capaz de promover a universalidade. Que educação será esta?

Uma proposta já bem conhecida é aquela elaborada por Touraine (1999) segundo a qual a função da “escola do sujeito”, não é apenas preparar os jovens para a vida em sociedade. Sua função primeira, é a de preparar estes indivíduos para si mesmos, para que se coloquem enquanto cidadãos livres e participantes do universo social.

Neste sentido a noção de inclusão, tal qual trabalhada aqui, não se confunde com a noção de integração norteadora dos “antigos” caminhos da educação. De fato, a antiga noção de integração do individuo à sociedade, não leva em consideração as particularidades e diferenças que são características sociais marcantes da formação social humana. Exatamente levando em conta

tais diversidades como componentes centrais da formação do ator social participativo, é que Touraine (1999) aponta os princípios desta educação includente do sujeito, mostrando que, em primeiro lugar, a escola deve reconhecer a existência de demandas individuais e coletivas, reforçando a liberdade pessoal do sujeito, aproveitando potencialidades e trabalhando saberes e competências. Desta forma, o individuo não passa por um processo de construção de uma padronização civilizatória, mas aprende a trabalhar dentro de sua especificidade num contexto grupal e social.

Também é fundamental, segundo ele (1999), que se construa uma educação que leve em conta a diversidade, seja ela histórica ou cultural, e o reconhecimento do outro. Segundo este segundo princípio, é justamente na diversidade que está pautada uma das maiores armas desta educação includente: ao trabalhar a diversidade do sujeito desde o seu ingresso no universo estudantil, automaticamente se estará preparando tal sujeito para um convívio social com o diferente e para o respeito pelo outro. Estes dois elementos, conforme visto anteriormente, são fundamentais para a inclusão de um ator social participante de um mundo global.

Assim fazendo, se estará construindo uma educação que trabalha numa perspectiva realista e não idealizada das situações coletivas e pessoais, re- situando assim os conhecimentos que a partir de então são aplicados a situações histórico-sociais concretas. Este terceiro princípio trabalha exatamente as oportunidades de participação, ou seja, de inclusão social. Só a correta percepção das diferenças de condições e de oportunidades é que nos permite trabalhar, via educação, tais diferenças de forma realista para que, sem seguir uma diretriz de nivelamento ou de enquadramento do ser ao social, possa-se criar um leque de oportunidades de participação do diferente e assim uma efetiva inclusão (TOURAINE, 1999).

Portanto, é necessário que primeiro a educação se reveja e se recoloque no mundo moderno para posteriormente poder exercer seu papel de potencializadora de processos de inclusão. Para que isso aconteça realmente considera-se ser necessária uma atuação sistêmica da escola.

Isso significa uma escola efetivamente inserida em seu contexto social, conhecedora do universo local no qual atua, mas também informada sobre o

universo global com o qual se relaciona. Isso significa uma escola capaz de agrupar em seu entorno todos os diferentes atores que possam solidificar suas ações e dar respaldo a suas estratégias. Isso significa uma escola capaz de vencer o desencanto com a esperança. Isso significa uma escola capaz de se planejar segundo esta percepção integrando o planejamento global a uma realidade mais pontual e localizada. Para isso é preciso que se concretize a autonomia escolar, que se qualifiquem os profissionais envolvidos e que se trabalhe internamente este olhar sistêmico da realidade escolar. Só assim, a escola poderá efetivamente rever seu papel e sua atuação e ao fazê-lo se tornar elemento concreto de inclusão social.

É provável, então, que o desafio seja trabalhar por uma educação includente e integradora num mundo mais rápido, dinâmico, ágil e flexível em um mundo no qual as relações parecem cada vez mais se constituírem em relações mínimas, a exemplo da fábrica mínima ou do Estado Mínimo. Uma educação includente e integradora neste contexto vai justamente de encontro a este movimento mundial de realização da fluidez e do império do minimalismo, já que para acontecer realmente ela não pode ter como meta o “cidadão mínimo” e sim o homem pleno, sujeito e ator efetivo do universo social do qual participa em nível local e global (FRIGOTTO, 2005, p.26). Por isso, se faz imperativa uma revisão de papéis e uma re-leitura das relações socialmente postas. É neste sentido que se discutem aqui a exclusão, o papel das empresas, a educação e, por fim, a plena inclusão social.