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O contestado francobrasileiro: os tratados sobre o limite territorial entre o Amapá e a Guiana Francesa

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Academic year: 2018

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FACULDADE DE DIREITO

COORDENAÇÃO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

Coordenação de Atividades Complementares e Monografia Jurídica

EMELLIN LAYANA SANTOS DE OLIVEIRA

O CONTESTADO FRANCO-BRASILEIRO:

OS TRATADOS SOBRE O LIMITE TERRITORIAL ENTRE O AMAPÁ

E A GUIANA FRANCESA

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2008

EMELLIN LAYANA SANTOS DE OLIVEIRA

O CONTESTADO FRANCO-BRASILEIRO:

OS TRATADOS SOBRE O LIMITE TERRITORIAL ENTRE O

AMAPÁ E A GUIANA FRANCESA

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharela em Direito, sob a orientação de Nélida Astézia Castro Cervantes.

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EMELLIN LAYANA SANTOS DE OLIVEIRA

O CONTESTADO FRANCO-BRASILEIRO:

OS TRATADOS SOBRE O LIMITE TERRITORIAL ENTRE O

AMAPÁ E A GUIANA FRANCESA

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC) adequada e aprovada para suprir exigência parcial inerente à obtenção do grau de Bacharela em Direito.

Aprovada em 21 de novembro de 2008.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________ PROFA. MESTRA NÉLIDA ASTÉZIA CASTRO CERVANTES

Orientadora

Universidade Federal do Ceará - UFC

________________________________________________________ PROF. MESTRE DANILO SANTOS FERRAZ

Universidade Federal do Ceará - UFC

_______________________________________________________ ADV. E ESP. PEDRO JACKSON MELO COLARES

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“Não importa o que nos tornemos ou onde podemos

chegar, pois, para que sejamos grandes homens,

nunca podemos esquecer quem realmente somos ou

de onde viemos”.

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DEDICATÓRIA

Dedico esta monografia, primeiramente, a Deus que me concedeu força, coragem e determinação para trilhar este tortuoso caminho de engrandecimento acadêmico e profissional, o qual se finda, por enquanto, em minha formatura.

Também dedico esta monografia a minha família que, mesmo aqueles geograficamente distantes, permaneceram ao meu lado sem titubear, acreditando sempre em minha vitória. Aos meus avós, Manoel Ferreira dos Santos e Maria José Silva dos Santos; aos meus pais, Ivelise do Socorro Santos de Oliveira e Sérgio Augusto Gurjão de Oliveira; aos meus tios, Cláudia Gomes, Ricardo Santos, Ivana Santos, Jairo Gomes, Silvana Silva e Flávio Roberto Gonçalves; aos meus irmãos, Evellin de Oliveira e Laron de Oliveira; ao meu eterno namorado e incansável companheiro, Perfirio Mendes; e aos irmãos adquiridos nesta união: Lucas Mendes, Eulino Mendes, Osvaldo Mendes, Thalita Sabóia e Lai Mendes. Dedico a todos vocês esta monografia.

Não posso deixar de oferecer os frutos gloriosos deste trabalho de final de curso a professores especiais, que acreditaram em meu potencial acadêmico e apostaram alto em minha vitória: Nélida Astézia Castro Cervantes, Raimundo Bezerra Falcão, Emmanuel Teófilo Furtado, Newton de Menezes Albuquerque e Danilo Santos Ferraz.

Incluo nesta dedicatória todos os Procuradores, servidores, funcionários e estagiárias da Procuradoria Federal no Ceará - AGU. Aos queridos companheiros de trabalho do escritório Colares & Colares Advogados Associados: Dr. Colares, Paixão, Pedro Jackson, Natasha e Vanessa. E aos inesquecíveis colegas do Núcleo de Defesa da Mulher, na Defensoria Pública do Estado do Ceará, em especial Aninha, Dra. Ana Cristina, Dra. Regina e Michele.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por me ter abençoado e colocado em minha vida pessoas tão importantes, que me motivaram e nunca me permitiram perder a vontade de lutar por meus sonhos.

Mãe, agradeço-lhe pela vida e pelas palavras de apoio; Pai, obrigada por nunca me desamparar e por me fazer sentir tão segura quando nos falamos, o que faz parecer que a distância entre o Pará e o Ceará é desconsiderável.

Meus queridos avós, sou grata pelos carinhos, pela moradia e por estarem sempre presente nos momentos de alegria e de tristeza. A vida não nos permitiu muitas regalias, mas os senhores foram mestres em demonstrar como é importante buscar os nossos sonhos, por mais que eles pareçam tão distantes de nós. E, para que eu pudesse ser uma Bacharela em Direito, os senhores foram imprescindíveis, nunca deixando faltar para mim e para meus irmãos o alimento do corpo, as refeições, e o do espírito, a educação.

Meus adoráveis tios, sou muito agradecida por estarem ao meu lado como amigos, apoiando meus atos e sendo condescendentes com meus erros.

Meus irmãos, obrigada por fazerem parte da minha vida.

Devo dedicar um parágrafo especial a Perfirio Mendes, namorado incomparável, com quem chorei quando pensei que não conseguiria; com quem sorri quando percebi que eu era capaz de vencer. O homem que não abandona, está sempre ali para apoiar e estimular com suas palavras tão cheias de sabedoria que mascaram tão tenra idade. Companheiro constante, namorado eterno e homem perfeito para uma mulher com muitos sonhos e tantos objetivos. Sou extremamente grata por tudo que me ensinaste e por teres me escolhido como tua namorada.

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Tenho também de agradecer aos Procuradores da AGU, em especial Dr. Eduardo Dias, Dra. Mônica Falcão, Dra. Janaína Castelo Branco e Dra. Izabel Medeiros, e ao Dr. Pedro Jackson Melo Colares do Escritório de Advocacia Colares & Colares, pessoas competentes com as quais tive a honra de trabalhar e por quais nutro respeito e admiração, em virtude dos excelentes profissionais que são e dos professores de prática jurídica que se tornaram para mim.

Meus agradecimentos são imensuráveis aos meus amigos. Cada um, a sua maneira, encheu meu coração de esperança e de alegria nos momentos mais difíceis desta jornada. Entretanto, tenho obrigação de citar o nome daqueles cuja atuação em minha vida foi imprescindível. Por isso, sou grata a: Andressa, por sua sagacidade incomparável; Safira, por sua inteligência indiscutível; Romana, por sua presença constante; Elaise, por sua calma inigualável; Maíra, por sua sinceridade precisa; Simony, por sua alegria contagiante; Yandira, por seus ensinamentos profundos; Willy, por seu carisma contundente; e Gamaliel, por sua fraternidade cativante.

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RESUMO

Desde a época da Colonização, as potências européias disputam as terras situadas na Região conhecida como Contestado Franco-brasileiro, pois além de estas representarem enriquecimento rápido, em virtude da descoberta de ouro na localidade, representam, outrossim, a navegalibidade na maior bacia hidrográfica brasileira, a do Amazonas. Assim, durante duzentos anos, a França disputou com Portugal e, após a independência, com o Brasil a posse das terras da mencionada região. Tratados foram assinados, mas nenhum surtiu o efeito desejado, seja pelo descumprimento de seus termos, seja pela ausência de ratificação e até de conhecimento do tratado por uma das partes. A questão só se encontrou definitivamente resolvida através da Arbitragem Internacional, que findou o conflito, dando ganho de causa ao Brasil e estipulou o limite territorial entre o atual estado do Amapá e a recente Província da Guiana Francesa.

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ABSTRACT

Since the era of Colonization, the European powers contend the land located in the region known as Contestado Franco-Brasileiro, as well as they represent enrichment fast, due to the discovery of gold in the location, they represent the right to navigate the largest river basin in Brazil, the Amazon. Thus, for two hundred years, France disputed with Portugal and, after independence, with Brazil the possession of the lands of that region. Treaties were signed, but none have the desired effect, whether for breach of his terms, is the absence of ratification or even knowledge of the treaty by one party. The only question has been finally resolved through the International Arbitration, which ended the conflict by winning at stake to Brazil and stipulated the territorial boundary between the current state of Amapá and the recent Province of French Guiana.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...11

2. ANTECEDENTES HISTÓRICOS...13

3. OS TRATADOS SOBRE A REGIÃO CONTESTADA... 18

3.1. O que são Tratados...18

3.2. As Etapas de Formação dos Tratados...23

3.3. O Processo de Internalização dos Tratados...26

3.4. Os Tratados sobre a Fronteira entre Brasil e França... 28

3.3.1. Tratado de 04 de março de 1700...28

3.3.2. Tratado de 18 de julho de 1701...29

3.3.3. Tratado de Ultrecht...30

3.3.4. Tratado de 1797...31

3.3.5. Tratado de Badajóz...31

4. O CONTESTADO FRANCO-BRASILEIRO...33

4.1. A formação da Região...33

4.2. A neutralização da Área...34

4.3. A invasão à Região Contestada...36

4.4. O fim do Contestado Amapaense...39

5. A ARBITRAGEM E O CONTESTADO FRANCO-BRASILEIRO...41

5.1. A Resolução de Conflitos por meio da Arbitragem...41

5.2. O Laudo Arbitral sobre a Região Contestada...45

5.3. O Laudo Suíço e a Legislação Atual...47

6. CONCLUSÃO...50

REFERÊNCIAS...52

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1. INTRODUÇÃO

No estudo do Direito Internacional, depreende-se que Tratados são atos de vontade de Pessoas Jurídicas de Direito Internacional, que expressam mútuo consentimento para a consecução de um objetivo comum.

Da expressão “mútuo consentimento” entende-se que as duas partes devem concordar com o pacto firmado, não podendo existir vício neste consentimento. Por isso, os Tratados têm força de lei entre as partes, princípio da pacta sunt servanda, haja vista terem sua origem na vontade de cada um dos acordantes, o que importa na obrigatoriedade de seu cumprimento.

Acontece que, na concretude de sua aplicação, os Tratados podem ser descumpridos. Isto ocorre porque sua execução é “questão de boa fé”, recaindo no âmbito da independência dos Estados a executoriedade de um Tratado, cuja desobediência é sancionada através da responsabilidade internacional.1

Tais descumprimentos são mais incidentes em regiões onde há conflitos, pois os Estados beligerantes estão em “desacordo sobre certo ponto de direito ou de fato” 2. Logo, a

fim de garantir o cumprimento de termos outrora acordados, bem como dirimir divergências de ordem internacional, criaram-se meios de solucionar conflitos pacificamente, que podem ser: diplomáticos, políticos ou jurisdicionais.

Dentre os meios jurisdicionais, destaca-se a arbitragem, que consiste na escolha de um número ímpar de indivíduos, escolhidos livremente pelas partes, para determinar qual pretensão será procedente3.

Diante do exposto, esta monografia jurídica tem como objetivo analisar o litígio internacional originado pela disputa das terras compreendidas pelo chamado Contestado Franco-brasileiro, a fim de que se possa compreender os meios utilizados para se determinar o limite geográfico da parte setentrional brasileira.

1MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 15ª ed., ver. e aum. Rio

de Janeiro: Editora Renovar, 2004, p. 254.

2 REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10ª ed. ver. e atual. São Paulo: Editora

Saraiva, 2005, p. 335.

3CRETELLA JÚNIOR, José; CRETELLA NETO, José. 1000 Perguntas e Respostas de Direito Internacional

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O estudo tem como marco inicial a assinatura do Tratado de Tordesilhas, em 1494, que dividiu o mundo em dois domínios: o de Portugal e o da Espanha, pois foi a esta, inicialmente, a quem pertenceu a região na qual ainda ocorreriam várias contendas sobre a legitimidade de sua posse.

Em seguida, será vislumbrada a questão a partir da entrada dos brasileiros na disputa das terras em comento, a qual se deu em 1822 com a Independência, tomando-se como base teórica para as proposições aventadas o direito dos tratados e as diferentes formas de resolução de conflitos

Os efeitos e resultados deste episódio da História amapaense, portanto, serão aprofundados na medida em que for feita a correlação doutrinária e tratadista, cujo respaldo será norteado pelas diversas áreas do Direito, tais quais: a Constitucional, a Civil e a Internacional.

Buscar-se-á formular neste trabalho um entendimento mais completo sobre a realidade desta região, bem como sobre as normas que asseguram ao Brasil o domínio das terras do antigo Contestado Franco-brasileiro, através do maior acervo bibliográfico existente sobre a matéria.

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2. ANTECEDENTES HISTÓRICOS

O Amapá é o Estado-membro com menor desenvolvimento econômico no País, apesar de possuir reserva natural superior a da maioria dos outros Estados federados. A explicação para o atrofiamento da economia e para a manutenção de uma área de preservação ambiental que ocupa sessenta e cinco por cento do Estado não se pode encontrar na atual História amapaense.

Este ente da Federação, localizado no extremo norte do Brasil, já foi palco de muitos conflitos, que por vezes colocaram em risco a própria ocupação brasileira naquele território. Portugueses, espanhóis, holandeses e, principalmente, franceses buscaram reconhecer como suas as terras que hoje pertencem ao Estado do Amapá, seja pela lucrativa venda dos produtos advindos da Floresta Amazônica, seja pelo desejo de enriquecimento rápido através da extração de minerais valiosos.

O interesse europeu nesta região foi tanto que ela tornou-se território neutro, mantendo-se assim até a descoberta das jazidas de ouro, as quais motivaram as contendas pelo domínio das terras chamadas de Contestado Franco-brasileiro.

A partir desse momento, a discussão que se sobressalta é a quem pertenceria aquele lucrativo solo no meio da selva amazônica. A disputa em comento teve como atores principais, inicialmente, Portugal e França, sendo aquele substituído pelo Brasil após a independência desta colônia em 1822.

A questão sobre a propriedade do Contestado Franco-brasileiro teve início há muito tempo, mais especificamente com a expansão marítima européia, cujos pioneiros são Portugal e Espanha.

Portugal, que foi o primeiro país europeu a consolidar sua independência política, iniciou a sua expansão marítima no final do século XV, promovendo o conhecido périplo africano. Enquanto isso, a Espanha, representada por seus monarcas Fernando e Isabel, resolveu aceitar o desafio do genovês Cristovão Colombo e patrocinou a viagem deste em busca de novas terras, descobrindo nessa navegação a América.

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acusando o árbitro de beneficiar o seu país de origem, Portugal pleiteou a assinatura de um tratado diretamente com a Espanha a fim de obter mais influência nas terras do “Novo Mundo”. Assim, em julho de 1494, foi ratificado pelas duas partes signatárias o Tratado de Tordesilhas, que ampliava a distância da linha divisória do mundo entre as duas citadas nações para 370 léguas a partir da ilha de Cabo Verde, ampliando, por conseguinte, o domínio territorial luso. 4

O primeiro documento oficial, portanto, que configurou a posse espanhola das terras do Amapá foi o Tratado de Tordesilhas. Entretanto, a divisão estipulada pelo mencionado documento não foi respeitada pelos países que iniciavam sua organização política na Europa e tentavam também sua expansão marítima. Como exemplos dessas novas potências têm-se a Inglaterra, a Holanda e a França, cabendo ao monarca desta a célebre frase de irresignação na qual alegava “não ter visto no testamento de Adão a divisão do mundo entre as potências ibéricas”. 5

Nesse contexto, os hispânicos estimularam a saída da Europa de várias embarcações com sua bandeira, cujo objetivo era conhecer as terras além-mar e expandir o seu domínio. Entre os navegadores que participaram dessa aventura com fito de conhecer e tomar posse, podem ser destacados Américo Vespúcio e Vicente Yáñes Pinzón, os quais tiveram sua atuação comentada por alguns historiadores amapaenses, como se ver abaixo:

Em 1499, Américo Vespúcio, participando da expedição de Alonso de Hojeda, sob as ordens dos reis católicos Fernando e Isabel, percorreu o litoral amapaense conforme a carta-documento por ele escrita, na qual narra sua passagem por aquela área, atravessando a linha do equador, passando pelas ilhas Cavianas de Dentro, dos Porcos e do Pará, estas fazendo frente aos Municípios de Macapá, Santana e Mazagão.

Além do navegador Américo Vespúcio, houve outro, Vicente Yáñes Pinzón, que em janeiro de 1500, a serviço da Espanha, percorrendo o Rio Oiapoque, o que veio culminar mais tarde, na célebre questão fronteiriça com a Guiana Francesa.

Depreende-se do texto supracitado que, servindo à Espanha, o navegador Vicente Yáñes Pinzón chegou ao norte do Cabo Orange, navegando no atual Rio Oiapoque, dando a este seu próprio nome à época.

Mister faz destacar que ainda hoje existem contradições a respeito da chegada do referido navegador em 1499 nas terras amapaenses, fato que é afirmado por muitos estudiosos

4COSTA, Luís César Amad; MELLO, Leonel Itaussu. História do Brasil, 11ª ed. São Paulo: Editora Scipione,

1999, p. 27.

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da História do Amapá. Todavia, oficialmente, tem-se que Pinzón aportou naquela região em janeiro de 1500 e realizou contato com os índios predominantes ali, a comunidade Palikur, denominando aquele território de “Costa Palicúria”.

Citada costa teve sua posse dada a Vicente Pinzón como presente por sua importante atuação na expansão espanhola. Entretanto, o navegador hispânico não exerceu seus direitos de posse daquela região devido a fatores adversos, tais quais: a distância geográfica e a localização inexata.

Sobre o período compreendido entre os anos de 1500 e 1600 pouco se sabe da História do Amapá. Isso porque para compreender os antecedentes históricos amapaenses, deve-se considerar a dificuldade de ocupação e colonização daquela área, que é entrecortada por rios e imersa na densa floresta amazônica (ver Anexo A), além de, à época, ser povoada por diversas tribos indígenas. Logo, oportuno é o resumo que os historiadores Paulo Dias Morais e Ivoneide Santos do Rosário6 fizeram sobre o mencionado período, senão veja:

Após descoberto o Brasil, Portugal estava mais preocupado com suas transações comerciais com as Índias. Enviou para a nova terra expedições exploradoras, expedições guarda-costas e somente em 1530 é que veio a expedição exploradora de Martin Afonso de Souza. Mas a terra descoberta era grande demais e foi então criado o Sistema de Capitanias Hereditárias, que também não logrou êxito. Veio a experiência de governadores-gerais. A experiência de governos bipartidos com um governo no norte, na Bahia e outro no sul, no Rio de Janeiro, e a colonização efetiva não chega ao extremo norte do Brasil. (Grifos Nossos).

Depois do início da colonização do Brasil e com a implantação do Sistema das Capitanias (1534) por D. João III, os espanhóis procuraram explorar seus domínios situados abaixo do Equador (extremo norte do Brasil).

Foram feitas as primeiras concessões de terras em 1544. Carlos V, da Espanha, entrega as terras amapaenses ao explorador e navegador Francisco Orellana, as quais receberam o nome de Adelantado de Nueva Andaluzia, primeiro nome oficial que recebeu o município do Amapá, sendo que a região do Cabo Norte (Pará, Maranhão e as Guianas) era conhecida como Província de Tucujus. Havia três grupos indígenas: os Aruaques, os Caraíbas e Tupis-Guaranis. Eram civilizações primitivas vivendo basicamente da caça e da pesca, com o cultivo insipiente de raízes (mandioca) e a coleta de frutos.

Entretanto, o insucesso das expedições espanholas (inclusive as de Orellana) fez com que os espanhóis perdessem o interesse em explorar as terras do setentrião brasileiro e despertasse nos portugueses aquela ambição. É assim que, no ano de 1546, Luiz de Melo e Silva passa pela boca do Amazonas e, com o rei de Portugal, D. João III, em 1553, consegue também concessão dessas imensas terras, incluindo o Amapá. Em 1578, com a morte do rei de Portugal, D. Sebastião, e por também não haver deixado herdeiros para ocupar o trono português, assumiu a coroa seu tio-avô, o cardeal D. Henrique, o qual, dois anos após haver assumido trono, portanto em 1580, veio a falecer.

6 MORAIS, Paulo Dias; ROSÁRIO, Ivoneide Santos. Amapá: de capitania a território. Macapá: JM Editora

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Ainda em 1580, assumiu o trono português Felipe II. Tem início o período do domínio espanhol, que se estendeu até 1640. Portugal e suas colônias passaram para o jugo da Espanha, formando a União Ibérica ou União Peninsular. Deste modo, o Brasil passou a pertencer à Espanha.

Com o início da União Ibérica, os portugueses sentiram-se livres para circular nas terras antes sob o domínio espanhol. Os lusos lançaram-se em busca de vultosas riquezas escondidas entre a densa floresta equatorial, a fim de monopolizar o seu domínio, obtendo êxito em seu objetivo por certo tempo, entretanto outros países europeus despertaram para a importância econômica das terras situadas na região setentrional do território sul-americano e passaram a disputar com os portugueses a posse das mesmas. Dentre estes países, merece destaque a França.

Os franceses, que antes haviam demonstrado interesse em instalarem-se na região Nordeste do atual território brasileiro, começaram a atentar para a região Amazônica e suas riquezas. Em 1605, o Governo da França recebeu a concessão das terras da ilha de Mocambo, a qual denominou Caiena, por Henrique IV, o que possibilitou o povoamento daquela localidade, bem como o início da colonização francesa na região norte da América do Sul.

Foi em 1615, contudo, que se efetivou a instalação daquele povo europeu na ilha de Maracá, localizada no litoral amapaense, na qual houve um aumento na quantidade de colonos em conseqüência à expulsão dos franceses nas terras localizadas no atual Estado do Maranhão, onde tentaram criar a “França Equinocial”.

Visando instigar uma política de defesa e aumentar a segurança no território que lhe pertencia, Portugal, em 1660, iniciou a construção de fortes em Macapá e nas margens do rio Paru, evitando, assim, maiores investidas dos francos (ver anexo F). Estas construções serviram ao seu fim até 1679, quando o marquês De Ferroles (Pierre Elenor de La Ville) tornou-se Governador da Guiana. Referido nobre possuía como principal pretensão trazer para o domínio francês toda a região que estava sob o controle português, em especial a Capitania do Cabo Norte.

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possidetis7, em que o direito de um país a um território era fundado na efetiva e prolongada

ocupação, não sendo necessário nenhum título para tanto.

Após diversas batalhas travadas, os portugueses conseguiram fazer com que o exército francês recuasse até Caiena. Contudo, o interesse franco naquelas terras subsistiu à expulsão, sendo, portanto, imprescindível para atenuar a tensão naquela área a atuação da diplomacia.

Nessa esteira, foi escolhido o diplomata português Roque Monteiro Paim para discutir, a favor dos interesses lusos, os aspectos jurídicos em relação à posse e o domínio da região disputada. O autor Arthur César Ferreira Reis ressalta em sua obra parte da argumentação do mencionado diplomata, da qual se aprecia um trecho:

O domínio e a posse têm suas diferenças, que se unem em um só sentido. O domínio requer título, e não pode haver nada mais justo que o que tem a Coroa de Portugal. A posse consiste no ânimo e no fato que se possui, e esta esteve sempre igualmente no mesmo estado do Brasil, esta coroa, seja povoando, seja domesticando os gentios, pondo marcos e fazendo divisões das mesmas terras, doando umas e senhoreando outras. 8

O discurso supra fazia alusão ao Tratado de Tordesilhas, que seria o título de domínio português e a alguns períodos históricos usados como prova fática da posse portuguesa, tais quais: a União Ibérica, a criação do Estado do Maranhão e a instituição da Capitania do Cabo Norte.

Mesmo com muitos debates sobre o real domínio das terras em destaque, Portugal e França assinaram diversos tratados que os obrigavam a retirar suas tropas da Região Contestada, determinando a neutralização da área. Isto significava que nenhuma das partes poderia erguer fortificações, instalar vilas ou construir feitorias, apenas era lícito o trânsito livre naquele território.

Como era de costume nessa época, os mencionados tratados não foram cumpridos, o que desencadeou outros acontecimentos os quais serão analisados à luz do Direito Internacional nos capítulos que se seguem.

7 De acordo com alguns historiadores, mencionada teoria foi argumentada tanto por portugueses, quanto por

franceses, pois nenhum deles desejava ser desapropriado do espaço em que co-habitavam.

8 REIS, Arthur César Ferreira. Limites e Demarcações na Amazônia Brasileira: A fronteira Colonial com a

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3. OS TRATADOS SOBRE A REGIÃO CONSTESTADA

3.1. O QUE SÃO TRATADOS.

Segundo o artigo 2º, I, a, da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados9 de 1969 (ver Anexo B), estes são “um acordo internacional celebrado por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, que conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação particular”. Em 1986, em outra edição da mencionada Convenção, ficou estabelecido que o direito de firmar tratados poderia ser exercido por outros sujeitos que não os Estados e suas organizações intergovernamentais.10

Assim, do texto supra, pode-se entender que tratados são acordos entre duas ou mais pessoas jurídicas de Direito Internacional, que devem seguir, portanto, regras de cunho contratualista ou normativa, o que se chama, respectivamente, de tratados-contratos e tratados-leis. Isso significa que as cláusulas desses acordos fazem lei entre as partes signatárias, as quais devem seguir dois princípios muito importantes para o Direito Civil e o Direito Internacional, quais sejam: pacta sunt servanda e boa-fé.

O primeiro refere-se ao fato de um tratado que esteja em vigor vincular as partes, devendo ser por elas cumprido, sob pena de represálias dispostas em seu termo. O segundo ressalta uma característica do direito tratadista, que é o consentimento das partes em submeterem-se às determinações ratificadas, tendo que as fazer de espontânea vontade e aplicá-las da maneira melhor possível.

Citados princípios receberam guarida também pelo Código Civil Brasileiro, o qual dispõe em seu artigo 422 o seguinte: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé”.

9 Explica o autor Ian Brownlie (in Princípios de Direito Internacional Público, 4ª edição. Lisboa: Oxford

University Press, 1997) que esta Convenção foi aberta à assinatura em 23 de maio de 1969, entrando em vigor em 27 de janeiro de 1980 e possuindo trinta e cinco Estados como partes. Afirma, ainda, que esta Convenção não é declarativa do Direito Internacional, nem se afirma como tal, segundo o seu preâmbulo. Suas disposições são normalmente consideradas como uma fonte originária, como as alegações orais perante o Tribunal Internacional de Justiça demonstraram no caso da Namíbia, constituindo um código completo das áreas mais importantes do Direito dos Tratados.

10 ACIOLLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. 11ª ed., revisado pelo Embaixador

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Com base nos princípios em comento, pode-se inferir que os tratados devem ser aplicados de forma mais completa, pois seus termos interagem entre si, devendo, logo, “ser interpretado de boa-fé, segundo o sentido comum atribuível aos termos dos tratados em seu contexto e à luz de seu objeto e finalidade” 11. Neste mesmo sentido, comenta o autor Hildebrando Aciolly12 o que abaixo se destaca:

Se num tratado bilateral redigido em duas línguas houver discrepância entre os dois textos que fazem fé, cada parte contratante é obrigada apenas pelo texto em sua própria língua, salvo disposição expressa em contrário. Com o objetivo de evitar semelhantes discrepâncias é comum a escolha de uma terceira língua que fará fé. A questão poderá tornar-se mais complexa no caso dos tratados multilaterais firmados sob os auspícios das Nações Unidas nos quais diversas línguas podem fazer fé, como é o caso da Convenção sobre o Direito dos Tratados que menciona o chinês, o espanhol, o francês, o inglês e o russo, sendo que a Convenção de 1986 menciona ainda o árabe. A Convenção sobre o Direito dos Tratados adota uma norma interpretativa que, infelizmente, não pode ser considerada satisfatória, pois ‘presume que os termos do tratado têm o mesmo sentido nos diversos textos autênticos’.

Tendo em vista a abrangência e a aplicabilidade dos tratados, para que estes sejam válidos, faz-se necessária a constituição de elementos imprescindíveis a sua existência, como: a capacidade jurídica daquele que o pratica, habilitação dos agentes signatários, consentimento mútuo e objeto lícito13.

Assim, para que um tratado seja válido, impõe-se como primeira condição a capacidade das partes contratantes, que normalmente é reconhecida “aos Estados soberanos, às organizações internacionais, aos beligerantes, à Santa Sé e a outros entes internacionais” 14. A doutrina abalizada de Celso D. Albuquerque Mello15 acrescenta, ainda, outros entes que podem ocasionalmente firmar tratados, como Estados vassalos e Estados-membros, senão veja:

Pode-se acrescentar que os Estados dependentes ou os membros de uma federação também podem concluir tratados internacionais em certos casos especiais; os Estados vassalos e protegidos possuem o direito de convenção quando autorizados pelos suseranos ou protetores. O Direito Interno (Constituição) pode dar aos estados federados este direito, como ocorre na Suíça, na Alemanha Ocidental e na URSS. O governo federal no Brasil não será responsável se um Estado membro da federação concluir um acordo sem que seja ouvido o Poder Executivo Federal e nem seja aprovado pelo Senado. [...] É comum se afirmar que a colônias não possuem direito de convenção, o que na verdade é a regra geral, mas que comporta exceção: algumas

11 O texto em destaque corresponde ao artigo 31 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados. 12 ACIOLLY, Hildebrando. Ob. Cit

., p. 34.

13 CRETELA JÚNIOR, José; CRETELA NETO, José. Ob. Cit., p. 15. 14MELLO, Celso D. de Albuquerque.Ob. Cit., p. 214.

15

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colônias da Commonwealth (Cingapura) receberam autorização para concluir determinados tipos de tratados. Entretanto os territórios sob tutela possuíam o “treaty-making power”. Para se verificar se um Estado dependente possui ou não o direito de convenção, é necessário um exame em cada caso, porque a situação do dependente é fixada pelo dominante. A própria História, neste particular, pouco nos esclarece, uma vez que a evolução tem modificado a noção de capacidade das partes contratantes nos tratados internacionais [...].

Outro caso interessante é o das denominadas coletividades fronteiriças que não têm competência para agirem no campo externo. Entretanto, na França, uma lei de 1982 permite ao conselho regional decidir, com a autorização do governo, uma cooperação transfronteira com as “coletividades estrangeiras descentralizadas” com que tenha uma fronteira comum. Em 1980 foi concluída uma convenção européia para promover a cooperação transfronteira entre coletividades de Estados diferentes.

Outra condição é a habilitação dos agentes signatários, que ocorre através da apresentação da carta de “plenos poderes”, a qual deverá ser firmada pelo Chefe de Estado ou pelo Ministro das Relações Exteriores. Assim, os agentes habilitados são chamados de “plenipotenciários”, pois se encontram aptos a negociar e concluir tratados. Entretanto, podem-se apontar casos em que tais agentes estão dispensados dos plenos poderes, como os chefes de Estado e de Governo, ministros das Relações Exteriores e chefes de missão diplomática junto ao Estado em que se encontram acreditados.

Destaca ainda o douto Celso D. Albuquerque Mello16 a perda da importância dos plenos poderes após o desenvolvimento da ratificação. Isto porque aquela carta, além de outros objetivos, visa evitar a obrigação imediata dos Estados signatários, sendo, por isso, permitido que representantes de Estado iniciem negociações provisórias com o uso de plenos poderes.

Como terceira condição para a validade do tratado, deve ser o objeto deste lícito e possível, ou seja, não pode ser contrário à moral ou à lei, nem impossível de ser executado.

E, por fim, nenhum tratado terá validade se estiver ausente a quarta condição de existência, que é o consentimento mútuo. Logo, a vontade de realizar o acordo deve advir de todos os Estados que participam de sua elaboração, sem que haja nenhum vício neste consentimento, tais quais: o erro, o dolo e a coação.

Há autores que indiquem outros vícios que poderiam eivar de nulidade o tratado, mas isso dependerá da análise de cada caso e da aceitação dos outros entes signatários. Assim, a corrupção do representante do Estado, pode ser argüida na fase de ratificação do tratado, como aconteceu quando o Peru solicitou a nulidade do Tratado Salómon-Lozano por encontrar-se em ditadura. Ainda, pode-se tentar anular um tratado que não for realizado com

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base na igualdade jurídica, como fazem os delegados de blocos comunistas e os novos países17.

Preenchidas as condições de validade de um tratado, este deve ser redigido, transformando-se em um documento escrito, pois ele é um acordo formal, cujos termos devem ser obedecidos por aqueles que o ratificam.

O douto embaixador Hildebrando Accioly18 enumera a ordem de redação que normalmente os tratados seguem, senão veja:

[...] 1º) o preâmbulo, com a indicação das partes contratantes e, quase sempre, a dos

motivos ou objetivos do tratado; os nomes e títulos oficiais dos plenipotenciários que negociaram e assinaram o tratado; e, finalmente, uma declaração de que os plenipotenciários, depois de haverem apresentado ou trocado os respectivos plenos poderes, “achados em boa e devida forma”, convieram nas disposições contidas no tratado; 2º) o articulado, devidamente numerado, no qual se acham as disposições

ou estipulações do tratado; 3º) a declaração de que, para testemunho do acordado,

os plenipotenciários firmaram o tratado, - declaração seguida, muitas vezes, da indicação do número de exemplares do instrumento e da língua ou línguas em que este se acha redigido; 4º) a indicação do lugar e da data em que o tratado foi

assinado; 5º) as assinaturas dos plenipotenciários, com os respectivos selos, apostos

em lacre.

Encerradas as fases de ratificação, publicação e registro do tratado, este começa a produzir efeitos entre as partes contratantes, em obediência ao preceito pacta tertiis nec nocet nec prosunt, o qual significa que os tratados não beneficiam nem prejudicam terceiros. Entretanto, mencionado preceito não é uma verdade absoluta.

Terceiros Estados podem tomar conhecimento de determinado tratado e resolver ratificá-lo, aceitando seus termos e obrigando-se quanto à matéria por ele focada. Ainda, mesmo que outros Estados não se obriguem aos tratados, nada impede que estes acarretem conseqüências positivas ou negativas àqueles.

É importante, contudo, salientar que se as partes contratantes desejam a participação de outro ente internacional no tratado, elas inserem uma cláusula de adesão ou acessão. É admissível também que as partes signatárias reconheçam a terceiro Estado a “faculdade de exprimir uma vontade correspondente à sua e, por conseguinte, de adquirir um direito às vantagens ou privilégios conferidos pelo tratado” 19.

17 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Ob. Cit., p. 219. (manter padrão de letra) 18 ACCIOLY, Hildebrando. Ob. Cit., p. 122.

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De qualquer forma, aqueles que se submetem às cláusulas tratadistas devem cumpri-las em seu todo, exceto em caso de oposição de reservas, sendo possível, para garantir a execução dos tratados, a imposição de certas represálias àquelas partes que desobedecem aos termos acordados. Isso pode dar-se através da ocupação do território daquele Estado desobediente, da garantia de rendas, de certas sanções de caráter econômico e da garantia de terceiras potências.

É oportuno destacar que se há violação de caráter substancial a validade do próprio tratado, este poderá ser dado como extinto ou suspenso pelos outros contratantes. Isso ocorre principalmente em épocas de guerras e conflitos armados, que levam a cessação do tratado por alteração ou não aplicação de termos essenciais à finalidade deste acordo internacional.

Há outras causas que também podem determinar a extinção das obrigações convencionadas, como a vontade comum, isto é, o consentimento mútuo; predeterminação ab-rogatória, que é a existência de um termo o qual limita cronologicamente a validade do tratado; decisão ab-rogatória superveniente, ou seja, a decisão unânime ou majoritária de pôr fim ao tratado e seus efeitos; a execução integral do tratado; a verificação de uma condição resolutória, prevista expressamente; a renúncia unilateral por parte do Estado que o tratado beneficia de modo exclusivo; caducidade, quer dizer, quando o tratado deixa de ser aplicado por um longo período ou quando se cria um costume contrário a ele; fato de terceiro, que é o poder dado a um terceiro de terminar o tratado; impossibilidade de execução, a qual pode ser física ou jurídica; e, a denúncia unilateral, que deve ser tácita ou expressamente prevista, consistindo na comunicação de uma parte contratante as outras de sua intenção de considerar findo o tratado ou de retirar-se do mesmo.

Após entendidas as generalidades do tratado, passa-se a análise de sua formação, que segue regras bem específicas e imprescindíveis a sua entrada em vigor.

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A primeira etapa para que um tratado se forme e, conseqüentemente, conclua-se é a negociação. Nesta se discute o objeto do tratado e as condições para que ele seja firmado.

Em um tratado bilateral, normalmente, a negociação se desenvolve entre o Ministro do Exterior ou seu representante e o agente diplomático estrangeiro. Nos tratados multilaterais, por sua vez, ela se realiza em grandes conferências e congressos, nos quais podem participar e discutir todos os Estados interessados no tema em foco.

Realizadas as negociações, elabora-se um texto escrito, que é o próprio tratado.

Passa-se, então, à segunda etapa, a colheita de assinaturas. Estas significam a confirmação dos termos do compromisso, mas ainda não impõem a obrigatoriedade de execução das cláusulas negociadas. É nesta fase que se encerra a participação dos plenipotenciários.

Aréchaga, citado por Celso D. Albuquerque Mello em sua obra20, resume a importância da assinatura da seguinte forma:

a) autentica o texto do tratado;

b) atesta que os negociadores estão de acordo com o texto do tratado;

c) os dispositivos referentes ao prazo para a troca ou o depósito dos instrumentos de ratificação e a adesão são aplicadas a partir da assinatura;

d) os contratantes “devem se abster de atos que afetem substancialmente o valor do instrumento assinado”. A Convenção de Viena (art. 18, b) abre uma

exceção para a obrigação de uma parte “não frustrar o objeto e finalidade de um tratado”, que é a de que a “entrada em vigor de um tratado” não tenha sido “retardada indevidamente”. Maresca assinala que nos tratados bilaterais uma parte que tenha assinado o tratado e este não tenha entrado em vigor pode praticar atos contrários ao tratado, desde que após a assinatura comunique previamente a outro contratante que não mais concorda com o que ele assinara;

e) a assinatura pode ter valor político;

f) pode significar que o Estado reconhece as normas costumeiras tornadas convencionais.

Seguindo a citada fase, inicia-se a etapa de aprovação parlamentar, que não ocorre igualmente em todos os Estados. No Brasil, o Congresso deve se manifestar acerca dos termos do contrato, aprovando totalmente, desaprovando por completo ou aprovando com reservas.

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Conforme o artigo 2º. §1º, d, da Convenção de Viena, as reservas visam “excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado em relação a esse Estado”. Para o inconteste Francisco Rezek21 elas são “um qualitativo do consentimento”.

Para que sejam válidas, as reservas devem preencher duas condições. Uma é a condição de forma, que é o dever de ela ser apresentada por escrito pelo Poder Executivo do Estado. Outra é a condição de fundo, que é a aceitação da reserva pelos outros entes comprometidos.

É importante ressaltar que as reservas não interferem na eficácia dos tratados, mas representam, sobremaneira, o respeito internacional à soberania do Estado, o qual pode rejeitar cláusulas que ele considere nociva, desde que estas não atinjam o próprio objetivo do acordo. Todavia, em respeito ao princípio da reciprocidade, “os dispositivos a que se referem a reserva não se aplicam entre os dois Estados” 22, mas as referidas cláusulas ainda subsistem em relação aos demais contratantes.

Mister sefaz destacar que, apesar de existirem correntes divergentes, a Convenção de Viena decidiu que as reservas podem ser retiradas livremente, aplicando-se por completo o tratado firmado, o que corresponde inteiramente aos interesses da sociedade internacional. O mesmo ocorre com as objeções à reserva, as quais têm retirada livre, mas a aceitação, por sua vez, é irrevogável.

Com relação aos tratados que tratam sobre direitos humanos, as reservas não podem ser opostas, pois estes tratados devem ser aplicados em sua íntegra devido à universalidade dos direitos que defendem.

Seguindo a análise feita pelo tratado no âmbito interno dos Estados contratantes vem a etapa de ratificação, que é “o ato jurídico administrativo mediante o qual o Chefe do Estado que foi parte na celebração de um tratado, declara submeter-se às obrigações nele estipuladas” 23.

Francisco Rezek 24 afirma sobre a competência para ratificar tratados o seguinte:

Não ao direito das gentes, mas à ordem constitucional interior de cada Estado soberano, incube determinar a competência de seus órgãos para a assunção, em nome do Estado, de compromissos internacionais – e, pois, para a ratificação de

21 REZEK, Francisco. Ob. Cit., p. 66

22 MELLO, Celso D. de Albuquerque.Ob. Cit., p. 250.

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tratados, cuja negociação, à força de exemplar uniformidade entre as várias ordens

jurídicas, terá sido conduzida por agentes do Poder Executivo.

Assim, pode-se afirmar que é com a ratificação que o Estado demonstra oficialmente concordar com os termos do tratado, obrigando-se a eles no âmbito internacional. Nos tratados bilaterais, a ratificação é representada pela troca de instrumentos; nos multilaterais, indica-se um Estado o qual ficará responsável pelo recebimento de todos os instrumentos que comprovam a submissão dos contratantes ao acordo. É também nesta etapa que as reservas opostas são conhecidas pelas demais partes.

Celso D. de Albuquerque Mello enumera em três as partes da ratificação, que são a narratio, a dispositio e a corroboratio, conforme se depreende da explicação abaixo colacionada:

A Convenção deve ser dada por escrito, conforme estipula o art. 5º da citada Convenção de Havana. Todavia, é a legislação estatal que determina a forma intrínseca do instrumento. O instrumento, como demonstração de sua resolução de ratificar o tratado, termina pela transcrição do texto do tratado. A ratificação contém três partes: a “narratio”, a “dispositio” e a “corroboratio”. A “narratio” é a parte inicial, em que se historia o tratado, enunciam-se os Estados contratantes, menciona-se a finalidade do tratado e termina pela transcrição do texto do tratado. A “dispositio” é a parte em que se faz referência à ratificação propriamente dita. A “corroboratio” é a parte em que “o signatário apresenta o instrumento como demonstração de sua resolução de ratificar o tratado, ‘em fé de que’ o assina e sela”.25

Atualmente, a fase que ora se comenta tem sido dispensada, só se sendo imprescindível no caso de o próprio tratado exigi-la. Ainda, poderá ser dispensada a ratificação quando o acordo dispuser sobre o cumprimento ou interpretação de tratados já ratificados, quando tratar de assuntos meramente administrativos para os quais se preveja a possibilidade de modificações ou quando focar o modus vivendi, ou seja, sobre atos já tacitamente aceitos pelas partes.

Ultrapassada a ratificação e, na hipótese de não se especificar uma data, iniciada a vigência do tratado, este deve ser registrado no Secretariado da Organização das Nações Unidas - ONU e, logo que possível, publicado por este órgão. “O Secretariado fornece um certificado de registro, que é redigido nas cinco línguas oficiais das ONU: francês, inglês, espanhol, russo e chinês” 26.

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Após a publicação, o tratado passa a ter completa validade e eficácia em nível internacional, contudo, para que possa ser aplicável também em âmbito interno, deve ser recepcionado pelas normas dos Estados contratantes, o que se passa a explanar no item seguinte.

3.3. O PROCESSO DE INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS.

A fim de que os termos dos tratados sejam incorporados ao ordenamento jurídico de seus países signatários, eles devem ser recepcionados pelas normas internas. Entretanto, isso nem sempre ocorre de forma rápida, pois pode haver conflitos entre os dispositivos tratadistas e os das leis internas, ou mesmo daqueles com os da própria Constituição.

Quanto a esse assunto a doutrina diverge, surgindo daí duas correntes de pensamento: o monismo e o dualismo.

Os defensores do monismo, como Hans Kelsen, negam a existência de dois sistemas jurídicos válidos e independentes. Assim, “as relações de direito interno e direito internacional convergem, se superpõem e há que se encontrar um método que discipline estas duas categorias dentro de uma única ordem jurídica” 27. Nessa esteira, surgiram três escolas monistas as quais defendiam, respectivamente, a primazia do direito interno sobre o direito internacional; a primazia deste em relação àquele; e, a equiparação desses dois direitos, refugiando-se no critério cronológico para decidir quem prevaleceria.

Em relação ao dualismo, afirmava o seu mais destacado defensor, Triepel, que direito interno e internacional são sistemas jurídicos distintos, que não se sobrepõe, mas apenas se tangenciam.

No Brasil aceita-se que tratados cujos termos não afrontam nossa Constituição podem ser recepcionados pelo direito interno, possuindo a mesma força e validade das leis ordinárias. Para tanto, é necessário que o mencionado tratado passe por um processo de “internalização”, ou seja, de incorporação dessas normas ao ordenamento jurídico brasileiro.

27DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado. Parte Geral, 7ª ed., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora

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O primeiro ato a ser feito é a redação de um documento pelo Ministro das Relações Exteriores no qual se expõem os motivos que levam a aceitação e conseqüente ratificação do tratado.

Tal documento deve ser enviado ao Presidente que, por sua vez, direcionará uma mensagem à Câmara dos Deputados para analisar a possibilidade de “internalização” do acordo internacional.

Na Câmara, as cláusulas tratadistas passarão pelo crivo de duas comissões: a primeira de relações exteriores, que averiguará a aplicabilidade do tratado no âmbito internacional; outra, de Constituição e Justiça, a qual realizará um controle prévio de constitucionalidade.

Em seguida, realizar-se-á uma votação em Plenário que decidirá se a incorporação do tratado será aprovada, rejeitada ou se deverá passar pela análise de outra comissão28. Se for rejeitada, comunicar-se-á o Presidente e o Ministro das Relações Exteriores. Na hipótese de aprovação, o tratado passará a ser averiguado pelas comissões do Senado Federal, o qual também realizará sua votação em plenário.

Se for rejeitado, o Presidente e o Ministro das Relações Exteriores serão comunicados e receberão os motivos que fundamentaram a reprovação. No caso de ser aprovado, publicar-se-á um Decreto Legislativo, nos termos do art. 49, I, da Constituição Federal, seguindo, então, para apreciação presidencial que poderá promulgar ou rejeitar o tratado.

Rejeitando, os dispositivos terão validade no âmbito interno como Decreto Legislativo. Aprovado, os termos do tratado serão publicados no Diário Oficial e passarão a ter vigência em território nacional com força de lei ordinária.

Discutidos os aspectos concernentes aos tratados de forma geral, necessária é a análise dos tratados assinados e, por vezes, ratificados sobre a fronteira entre Portugal, que em 1822 foi sucedido pelo Brasil, e França.

28Só deverá o tratado ser direcionado a outra Comissão no caso de o assunto por ele abrangido também ser de

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3.4. OS TRATADOS SOBRE A FRONTEIRA ENTRE BRASIL E FRANÇA.

Mesmo com o empenho da diplomacia portuguesa para resolver o impasse quanto ao limite territorial entre o seu domínio e o francês, os resultados dessas negociações não alcançavam o objetivo precípuo dos diplomatas, qual seja: a garantia da inviolabilidade das terras ditas portuguesas.

Vários foram os tratados assinados, mas nenhum deles conseguiu obstar os conflitos armados pela região contestada.

Para a melhor compreensão do deslinde deste litígio franco-português e, por sucessão, franco-brasileiro, mister se faz analisar os principais tratados sobre a questão em comento.

3.3.1. Tratado de 04 de março de 1700.

Os portugueses fixaram-se de fato na região do Contestado Franco-brasileiro em 1688, formando a guarnição da Fortaleza de Santo Antônio. Contudo, sua presença nesta localidade não emparreirou o projeto francês de aumentar o seu domínio colonial, tomando posse das terras do Cabo Norte.

Assim, em 1697, Luís XIV ordenou que uma expedição militar expandisse a fronteira da colônia sul-americana francesa até o Rio Amazonas. As tropas portuguesas, sob o comando do Capitão-general Antônio de Albuquerque, reagiram bruscamente à tomada do Forte de Santo Antônio de Macapá pelos francos, conseguindo expulsar os invasores que tiveram de retornar a Caiena.

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Foi a partir daí que os portugueses assinaram com os franceses o Tratado Provisional de 04 de março de 1700, pelo qual ficava neutra a área de conflito da Capitania do Cabo Norte onde tantos franceses como portugueses ficavam proibidos de ocupar as ditas terras. Pelo mesmo tratado ficaram suspensas as posses de ambos os lados, além de estarem proibidas de levantar novas fortificações ou estabelecer núcleos de população enquanto o assunto não fosse solucionado. Do mesmo modo, os nativos que lá vivessem deveriam ter seu direito de moradia preservado. Seria proibida a escravização, apenas consentindo-se que, os missionários portugueses e franceses os procurassem a serviço da cristandade. Esses missionários seriam sempre os que já estivessem no local.29

Referido tratado, politicamente, “foi desfavorável a Portugal, pois foi uma negação de todo um esforço de soldados, missionários e dos próprios colonos que tinham descoberto, dominado e garantido a soberania portuguesa” 30.

O verdadeiro objetivo desse tratado era evitar as guerrilhas armadas e garantir a paz naquele território, por isso se optou por deixar pendente a questão do limite territorial.

3.3.2. Tratado de 18 de julho de 1701

Em verdade, este não é um novo tratado, mas apenas o Tratado Provisional com oposição de reservas e inserção de aditivos, tal qual a cláusula na qual se determinava que até o final do ano de 1701, as duas coroas deveriam colher as informações necessárias para viabilizar um consenso sobre quem teria realmente o direito de posse das terras em discussão.

Os franceses, entretanto, não respeitaram nenhum dos dois acordos firmados, continuando a incursionar pela região. Este desrespeito era fruto da irresignação francesa pela participação de Portugal ao lado da Inglaterra, Holanda e Áustria na Guerra Sucessória da Espanha contra esta e a França.

Os portugueses, por sua vez, requereram a anulação dos dois tratados, argüindo a ineficácia e a falta de obrigatoriedade dos mesmos. Ainda, solicitaram que sua aliada européia, a Inglaterra, interviesse na questão para ajudar nas negociações com os francos.

O Tratado provisional subsistiu mesmo com a celebração de outros tratados sobre a região, tendo validade concomitante.

29MORAIS, Paulo Dias; MORAIS; Jurandir Dias; ROSÁRIO, Ivoneide Santos. História do Amapá: o Amapá

na mira estrangeira. Macapá: JM Editora Gráfica, 2006, p. 47.

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3.3.3. Tratado de Ultrecht

Com a intervenção da rainha inglesa nas negociações, foi assinado, em 11 de abril de 1713, o Tratado de Ultrecht entre Portugal e França (ver Anexo C), o qual estabeleceu o Rio Oiapoque como limite territorial entre Brasil e a Guiana Francesa.

Novamente, houve desrespeito dos franceses às cláusulas contratadas, por entenderem que este tratado foi condescendente com os interesses portugueses, o que levou a continuação de incursões francesas na área.

Na verdade, o que os francos almejavam era ter territórios à margem do Rio Amazonas, pretensão esta que tiveram de renunciar em favor de melhores relações na Europa. Contudo, por definir claramente a fronteira entre as colônias portuguesa e francesa na América do Sul, os franceses buscavam alguma forma de burlar o tratado.

Nessa esteira, o governador de Caiena propôs ao governador do Estado do Maranhão e Grão-Pará uma aproximação comercial entre Belém e Caiena. Comunicando o Conselho Ultramarino, este refutou totalmente a proposta, pois o Tratado de Ultrecht proibia toda e qualquer relação mercantil dos colonos lusos com os franceses.

Diante das sorrateiras investidas francesas em direção ao domínio português, o rei de Portugal criou as tropas guarda-costas, responsáveis pela segurança dos colonos e dos missionários. Contudo, essas tropas não frearam o ímpeto expansionista dos francos.

Os franceses só começaram a ser combatidos com eficiência em 19 de julho de 1722, quando assumiu o governo do Estado do Maranhão e Grão-Pará o Capitão-general João Maia da Gama.

Percebendo que seus esforços de tomar posse clandestinamente das terras setentrionais portuguesas seriam inexpressíveis, os franceses decidiram, então, suscitar a dúvida sobre a verdadeira localização do Rio Oiapoque.

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3.3.4. Tratado de 1797

O Barão do Rio Branco em suas memórias31 destaca que, apesar de saber-se precisamente a localização do Rio Oiapoque (Ver Anexo A), já se sabia que este rio nascia na

Serra de Tumucumaque e se dirigia em linha pouco sinuosa para Noroeste até sua boca no oceano.

A dúvida suscitada pelos franceses, portanto, apenas expressava a fraqueza lusa frente aos acontecimentos históricos da Europa à época, que acabaram trazendo a família real portuguesa ao Brasil em decorrência da invasão de Portugal pelo exército de Napoleão Bonaparte. Entretanto, mister se faz destacar que, apesar dessa situação na Europa, na América do Sul, os portugueses conseguiram ainda manter, por certo tempo, sua força de dominação, ocupando por um período a Guiana Francesa.

O aumento do poder de Napoleão Bonaparte na Europa, entretanto, fez com que Portugal saísse da área de colonização francesa na América do Sul e ainda fizesse concessões quanto à fronteira com a Guiana.

Assim, em 1797, foi assinado o tratado de paz na região, o qual estabelecia como limite territorial entre o domínio português e o francês o Rio Calçoene, que se localiza entre o Rio Araguari e o Rio Oiapoque. Contudo, esse tratado não foi ratificado pelo governo de Portugal.

3.3.5. Tratado de Badajóz

Sob forte pressão da França, em 1801, Portugal aceitou assinar o Tratado de Badajóz, o qual determinava que o limite das terras do Cabo Norte teria como marco o Rio Araguari (ver Anexo A), desde sua foz até a nascente. Ainda, Portugal deveria pagar à França

31JORGE, Arthur Guimarães de Araújo. Rio Branco e as fronteiras do Brasil: uma introdução às obras do

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o equivalente a 15 (quinze) milhões de francos-ouro pelo tempo que passou com a posse das terras cujos verdadeiros donos seriam os franceses.

Em setembro do mesmo ano a França propôs a assinatura do Tratado de Madri, no qual os portugueses deveriam ceder ainda mais o seu domínio para os franceses, pois neste tratado estipulava-se que a fronteira seguiria do Rio Araguari até o Rio Carapanatuba, que deságua no Rio Amazonas. Todavia, em 1802, o Tratado de Amiens restaurou a fronteira ao Rio Araguari.

Mencionados tratados foram considerados nulos pelo Príncipe Regente Dom João, haja vista o Tratado de Madri não ter sido ratificado por Portugal e o Tratado de Amiens nem ter chegado ao conhecimento português.

Em represália às atitudes francesas, os portugueses invadiram o domínio francês, tomando posse da Guiana em 1809. Em decorrência da derrota de Napoleão na Europa, os países europeus, reunidos no Congresso de Viena, decidiram que a Guiana deveria ser restituída à França até o limite do rio Oiapoque, em respeito ao Tratado de Ultrecht.

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4. O CONTESTADO FRANCO-BRASILEIRO

Com a independência do Brasil, os conflitos sobre o limite territorial no norte do País persistiram, ficando ainda mais intensos a partir de 1832, com a retomada da política expansionista francesa pelo monarca Luís Felipe.

Ainda, para aguçar as divergências sobre a Região do Contestado Franco-brasileiro, o irlandês Warden criou uma falsa latitude ao Rio Oiapoque, colocando-o na posição em que se encontra o Rio Araguari. Isso propiciou maiores incursões francesas no território brasileiro.

Para buscar uma solução pacífica, clamou-se pela neutralização da área, que se manteve assim até a descoberta de ouro em 1894 em Calçoene, no cerne na região contestada.

Com o aumento do interesse pelas terras localizadas entre o Rio Oiapoque e Rio Araguari, urgia uma resolução definitiva para a contenda territorial, a qual se findou com o Laudo Arbitral do monarca suíço, em 1º de dezembro de 1900.

Para a melhor compreensão da sentença arbitral, é importante analisar mais atentamente a região e suas controvérsias, que nem os tratados, como já visto, conseguiram findar.

4.1. A FORMAÇÃO DA REGIÃO

Em verdade, a formação da região conhecida como Contestado Franco-brasileiro começou com a assinatura do Tratado de Tordesilhas, que deu início às disputas pela posse deste território.

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O Contestado Franco-brasileiro propriamente dito é uma área de livre acesso entre Portugal e França, cujo objetivo era a espera mais propícia de um acordo que realmente surtisse efeitos e determinasse a quem pertenceria aquelas terras disputadas há anos.

4.2. A NEUTRALIZAÇÃO DA ÁREA

Em 1835, no norte do Brasil, eclodiu uma revolta regencial conhecida como Cabanagem. Para acabar com este movimento, o Governo Brasileiro deslocou diversas tropas aos locais onde se encontravam os focos revolucionários, descuidando da fronteira litigiosa.

Assim, aproveitando-se da redução da vigilância brasileira, os franceses construíram uma fortificação nas imediações do atual município do Amapá, mais precisamente numa localidade banhada pelo lago Ramudo.

O Governo Imperial brasileiro não sabia da instalação da guarnição militar francesa na área, só tomando conhecimento deste fato quando um posto militar português, comandado pelo capitão Harris descobriu os invasores.

Para tentar amenizar a situação, muitos diplomatas brasileiros foram enviados à França para relembrar aquele governo dos termos acordados no Tratado de Ultrecht, bem como para demonstrar que a permanência da guarnição francesa em território brasileiro constituir-se-ia em um ato ilegal. No entanto, de nada adiantaram os esforços da diplomacia pátria, restando a Dom Pedro II, em 1840, criar uma colônia militar na localidade para evitar maiores expansões francesa.

Em 1891, após muitas negociações, os franceses aceitaram sair da região ocupada sob a condição de neutralização da área, a qual poderia ser usufruída por franceses e brasileiros. Ainda, ficou acordado que seriam providenciadas as negociações a respeito da fixação de um limite territorial definitivo entre França e Brasil.

Desta feita, a área em comento passou a se chamar oficialmente de Contestado Franco-brasileiro, tendo um representante no Brasil, morando em Belém, e outro da França, morando em Caiena. Como sede do Contestado foi indicada a vila do Espírito Santo do Amapá.

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território nacional. Logo, orientada a definir todos os impasses quanto às fronteiras pátrias, a diplomacia brasileira norteou suas defesas no princípio do uti possidetis, ou seja, “a posse dá direito ao território”. 32

Como critério para a definição de fronteiras, a diplomacia imperial adotou o princípio do uti possidetis pelo qual era de soberania de cada país o território no qual

tinha instalações oficiais ou de seus cidadãos, quando da independência das metrópoles. O princípio do uti possidetis foi levantado, pela primeira vez, por Alexandre de Gusmão na negociação do Tratado de Madri (1750), mas foi motivo de dúvidas sobre sua conveniência, por parte das autoridades do Império do Brasil, nos anos 1830 e 1840, até ser adotado como norma da diplomacia brasileira com a ascensão do Visconde de Uruguai, Paulino José Soares de Souza, ao cargo de Chanceler, em 1849.33

Para negociar sobre a resolução da questão de limites, foi enviado como Ministro em missão especial junto ao governo de Napoleão III, em dezembro de 1854, Paulino José de Souza, o Visconde de Uruguai. Contudo, apesar de seu empenho, não foi resolvida definitivamente a questão de limites, pois a divergência principal com o negociador francês era sobre o entendimento do imperador da França, que só via como único limite possível o Rio Araguari.

Tentando não romper as negociações, o representante brasileiro resolveu pausar as argumentações diante da insistência francesa de que o Rio Vicente Pinzón não seria o Rio Oiapoque, mas o Araguari. Retornou ao Brasil em 1856 o Visconde do Uruguai, sem êxito nas propostas lançadas ao governo francês.

A questão ficou adormecida por 20 (vinte) anos, convivendo pacificamente os dois povos no Contestado Franco-brasileiro. No entanto, em 1886, um grupo de aventureiros, formado por brasileiros e crioulos da Guiana Francesa e liderado pelo geógrafo francês Julles Gross, fundou a República do Cunani na área que compreendia o Contestado. Historiadores amapaenses defendem que, em verdade, esta república foi uma iniciativa francesa visando à criação de uma localidade independente do Brasil e sob proteção da França.

A República de Cunani tornou-se vergonhosa para a monarquia francesa, porque se consubstanciava em uma afronta direta ao acordo de neutralização da área. Por isso, a reação do governo francês ao tomar conhecimento deste episódio foi desaprová-lo por

32 MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Direito Internacional Americano: estudo sobre a contribuição

de um direito regional para a integração econômica. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1995, p. 176.

33DORATIOTO, Francisco Fernando Monteoliva. Rio Branco e a Consolidação da Amazônia Brasileira: A

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completo, extinguindo a republiqueta, cassando direitos políticos e administrativos e confiscando bens dos participantes em Paris.

Mas a questão ainda não havia encerrado. Em 1892, houve nova tentativa em dar continuidade do estado de Cunani, formando o que viria a ser a 2ª República. O idealizador dessa nova ilegalidade foi o francês naturalizado brasileiro Adolfo, Brezet, residente em Belém, o qual foi obrigado a desistir da pretensão, pois as autoridades paraenses logo interromperam, enviando soldados a Cunani para aprisionar os participantes de tal aventura.34

Esquecidas as Repúblicas de Cunani e restabelecida a paz na região contestada, outro foi o motivo de preocupação do Governo Brasileiro. Em 1894, garimpeiros paraenses descobrem ouro em Calçoene, acirrando a disputa sobre a posse do território que passou a ser chamado pelos aventureiros que lá chegavam de “El Dorado Brasileiro”.

Em conseqüência ao deslocamento populacional intenso ao Contestado e a proximidade deste a Caiena, em relação à Belém, iniciou-se um processo de dominação cultural e econômica da área pela França. Entretanto, com relação à organização social e política, a região contestada expandia-se de forma precária.

O poder francês na região foi tanto que o representante da França, Eugene Voissien, chegou a proibir o acesso de brasileiros às minas, o que só poderia ser feito por franceses ou crioulos da Guiana.

Em resposta aos atos da autoridade francesa, os brasileiros solicitaram que Voissien fosse deposto de seu cargo e formaram uma Assembléia Geral, a qual optou pela formação de uma Junta Governativa chamada Triunvirato. Esta Junta compilou um conjunto de leis que deveriam ser seguidas pelos moradores da região contestada, não importando sua nacionalidade, restabelecendo-se a neutralidade do Contestado Franco-brasileiro.

4.3. A INVASÃO À REGIÃO CONTESTADA

Com a instalação do governo triúnviro, a França temia perder as terras e o poder conquistado na Região Contestada, por isso resolveu indicar como governador francês na

34 RAIOL. Osvaldino da Silva. A utopia da terra na fronteira da Amazônia: a geografia e o conflito pela

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localidade de Cunani um ex-escravo brasileiro conhecido como Trajano. Este, inebriado pela autoridade decorrente de seu cargo, resolveu desrespeitar as decisões emitidas pelo governo triúnviro, afirmando que só estava subordinado à jurisdição francesa.

Para complicar a situação, o representante oficial da França no Contestado passou a não hastear mais a bandeira do Brasil naquele território, deixando tremular apenas a bandeira francesa, o que foi considerada uma afronta à nacionalidade brasileira.

Em represália aos abusos ocorridos em Cunani, o novo presidente do Triunvirato, Francisco Xavier da Veiga Cabral, o “Cabralzinho”, manda uma expedição militar à referida vila para trazer Trajano à vila do Amapá a fim de que este explicasse seus atos de desonra aos símbolos do Brasil. Em face de sua desobediência, o representante francês foi levado à força pela expedição brasileira, que também apreendeu as armas e a bandeira francesa.

Charvein, governador da Guiana Francesa à época, reagiu imediatamente, destacando uma guarnição militar cuja missão era ir à vila de Cunani averiguar a situação em que se deu a prisão de Trajano e, em seguida, ir à vila do Amapá libertar o representante francês, prender Cabralzinho e conduzir o presidente do Triunvirato à Caiena.

Assim, em 15 de maio de 1895, o barco de guerra intitulado “A canhoneira Bengali”, que levava 130 soldados franceses e o comandante da tropa chamado Lunier, navegou o rio Amapá Pequeno e aportou no cais da vila de Amapá. Após desembarcar no povoado, o Capitão Lunier dirigiu-se a casa de Cabralzinho onde o encontrou com uma milícia formada por quatorze homens com fins de resistir à invasão.

Mesmo com a diferença quantitativa de soldados, os brasileiros conseguiram inúmeras baixas na tropa francesa, que teve seu capitão morto durante os tiroteios. Sem um comandante e não obtendo sucesso no intento de prender o presidente do Triunvirato, as tropas resolveram, então, atacar a população antes de retirar-se da localidade.

Os invasores ficaram enfurecidos com a baixa de sua tropa. Mas ao invés dos franceses levarem Cabralzinho como refém, promoveram a chacina dos brasileiros na Vila do Espírito Santo do Amapá. Assassinaram idosos, mulheres e crianças, num total de 38 pessoas; deixaram 22 feridas e outras levaram como prisioneiras. Como não bastasse, atearam fogo em várias casas e saquearam estabelecimentos comerciais. As tropas invasoras retiraram-se e levaram Trajano na canhoneira Bengali.35

35 MORAIS, Paulo Dias; MORAIS; Jurandir Dias; ROSÁRIO, Ivoneide Santos. História do Amapá: o Amapá

Referências

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