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Direito penal, mídia e imaginário punitivo: a influência dos meios de comunicação na questão criminal e no recrudescimento punitivo

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GRANDE DO SUL

JULIANE CRISTINA METZ

DIREITO PENAL, MÍDIA E IMAGINÁRIO PUNITIVO: A INFLUÊNCIA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NA QUESTÃO CRIMINAL E NO RECRUDESCIMENTO

PUNITIVO

Ijuí (RS) 2016

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JULIANE CRISTINA METZ

DIREITO PENAL, MÍDIA E IMAGINÁRIO PUNITIVO: A INFLUÊNCIA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NA QUESTÃO CRIMINAL E NO RECRUDESCIMENTO

PUNITIVO

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso - TCC. UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Ester Eliana Hauser

Ijuí (RS) 2016

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Dedico este trabalho ao meu pai, meu exemplo e por quem busco ser uma pessoa melhor a cada dia.

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AGRADECIMENTOS

À minha família, pelo amor, pelos ensinamentos, pelos exemplos e por terem possibilitado o meu crescimento.

À minha orientadora Ester, pela compreensão, pelas palavras gentis e que sempre me estimulavam e me faziam acreditar no meu potencial, e além disso, por ter sido uma das responsáveis por uma formação acadêmica humanizada, da qual me orgulho muito.

Aos poucos e grandes amigos, que iluminaram meu caminho e o tornaram mais fácil de ser percorrido; por fazerem com que a vida se tornasse mais leve, compartilhando muitos momentos felizes e dividindo as tristezas, o que foi imprescindível para que eu pudesse ultrapassar os obstáculos impostos pela vida.

Em especial, à Leidiane e Hanna, que foram responsáveis por eu ter conseguido concluir este trabalho, me auxiliando das mais diversas formas.

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“O rio atinge seus objetivos porque aprendeu a contornar obstáculos”. Lao Tsé

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O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise da função punitiva dentro do Estado Democrático de Direito, bem como da política criminal adotada no Brasil, em uma perspectiva a partir da Constituição Federal de 1988. Além disso, faz uma abordagem dos modelos repressivistas do inimigo e lei e ordem, analisando também a forma espetacularizada com que a mídia noticia fatos ligados à criminalidade e como essa se tornou o principal produto dos meios de comunicação, assim como em que medida esse comportamento afeta a opinião pública e contribui para o aumento da sensação de insegurança. Ainda, apresenta as principais tendências da política criminal contemporânea, analisando através de dois casos atuais a influência que a mídia exerce nos rumos da política criminal. Por fim, expõe a necessidade de racionalização da política criminal brasileira, com uma função punitiva que respeite e tenha como norte os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana.

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This final project makes an analysis of the punitive function within the democratic State of law and criminal policy adopted in Brazil, in a perspective from the 1988 Federal Constitution. In addition, it makes a repressivistas models approach the enemy and law and order, analyzing how the news media spectacularized facts connected to crime and as such became the main product of the media, as well as to what extent this behavior affects public opinion and contributing to the increased feeling of insecurity. Still, presents the main trends in contemporary criminal policy, analyzing through two current cases the influence that the media exerts in the direction of criminal policy. Finally, exposes the need for rationalization of brazilian criminal policy, with a punitive function which respects and North has human rights and the dignity of the human person.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 09 1 A FUNÇÃO PUNITIVA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A POLÍTICA CRIMINAL CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: UM OLHAR A PARTIR DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ... 11 1.1 Estado Democrático de Direito: caracterização e elementos estruturais .... 11 1.2 Princípios limitadores da intervenção penal no Estado Democrático de Direito... 14 1.3 Dignidade humana e responsabilização criminal ... 18 1.4 A política criminal brasileira e a função do Direito Penal no Estado

Democrático de Direito ... 20 2 REPRESSIVISMO PENAL, MÍDIA E OPINIÃO PÚBLICA ... 25

2.1 Movimentos político-criminais repressivistas - lei e ordem e o modelo penal do inimigo ... 25

2.2 Mídia, opinião pública e discurso punitivo... 29 2.2.1 A violência como produto e o discurso do medo e da insegurança na

mídia tradicional ... 35 3 A INFLUÊNCIA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NA POLÍTICA CRIMINAL E NO RECRUDESCIMENTO PUNITIVO: UMA ANÁLISE A PARTIR DE DOIS CASOS CONTEMPORÂNEOS ... 41 3.1 As tendências da política criminal contemporânea e os discursos de ódio e do Direito penal do inimigo como fundamentos da “nova” política criminal brasileira ... 42 3.2 O tratamento dado pela mídia no debate sobre a redução da idade de imputabilidade penal ... 45 3.3 A ideia de impunidade e o retorno à “justiça privada”: os casos de linchamento no Brasil ... 49 3.4 Direitos humanos, dignidade da pessoa humana e função punitiva: a necessária racionalização da política criminal brasileira ... 53

CONCLUSÃO ... 56 REFERÊNCIAS ... 60

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como finalidade analisar como os meios de comunicação influenciam a opinião pública, a produção de normas penais e a política criminal brasileira, contribuindo para o recrudescimento punitivo.

A justificativa para a escolha desta temática se deve à forma como a mídia, hoje grande fonte de formação de opinião pública, vem construindo uma imagem cada vez mais desumanizada do infrator, demonizando essa figura e o apresentando como um inimigo da população considerada “de bem”, que tem clamado pela necessidade de um maior rigor punitivo em nosso atual sistema penal como forma de solucionar o problema do aumento da criminalidade no país.

Isso desperta na sociedade uma ânsia por uma justiça imediatista como forma de compensação pelo dano causado, seja ao patrimônio ou à dignidade da pessoa. O que se torna um problema quando essa pretensão sai da esfera do imaginário e passa a ser feita a chamada “justiça com as próprias mãos”.

Esse cenário é instigante e desperta atenção pois está se trilhando um caminho oposto ao que o legislador constitucional previu para o modelo político-criminal brasileiro. A Constituição prevê um direito penal mínimo e garantista, mas o que se observa é a criminalização indiscriminada de condutas e a supressão de direitos humanos básicos do infrator, revelando que o objetivo constitucional de ressocializar o indivíduo tem cedido lugar ao uso do Direito Penal como forma de apaziguar os ânimos de uma sociedade que tem buscado por vingança.

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Diante disso, busca-se a compreensão de em que medida os processos midiáticos que retratam a violência e a criminalidade no Brasil, influenciam a opinião pública e, consequentemente, o processo de elaboração e aplicação da lei penal, analisando seu impacto no processo de recrudescimento punitivo e no fortalecimento de políticas criminais repressivistas no país.

O trabalho está estruturado em três capítulos, sendo que no primeiro será feita uma abordagem da função punitiva no Estado Democrático Brasileiro bem como da política criminal constitucional, sob o viés da Constituição Federal Brasileira de 1988. Para isso, serão apresentadas as características e os elementos que estruturam o Estado Democrático, discorrendo-se sobre os principais princípios que limitam a intervenção penal nesse. Será feita ainda uma relação entre a dignidade humana e a responsabilização criminal e considerações acerca da política criminal brasileira, analisando-se também sobre a função que o Direito Penal exerce dentro do Estado Democrático.

No segundo capítulo, será feita uma abordagem do movimento político-criminal repressivista através da caracterização do movimento lei e ordem e do modelo penal do inimigo. A seguir, será analisada em que medida a mídia é capaz de moldar a opinião pública de acordo com a forma como veicula notícias relacionadas à criminalidade e da posição punitivista que assumem os responsáveis por trazer essas notícias, discorrendo-se sobre como a violência acabou por se tornar uma mercadoria rentável, principalmente para a mídia tradicional, e qual a influência desse posicionamento para o aumento das sensações de medo e insegurança da sociedade de massa.

Por fim, no terceiro capítulo, serão apresentadas as tendências da política criminal contemporânea, que tem se aproximado do modelo penal do inimigo, suprimindo direitos e garantias constitucionalmente previstos. Serão feitos, ainda, dois estudos de caso; no primeiro, será analisada a forma como a mídia se comportou na discussão referente à votação da PEC 171, que propunha a redução da idade de imputabilidade penal, e, no segundo, serão trazidos alguns dos recentes casos de linchamento acontecidos no Brasil, fruto do discurso de uma suposta impunidade, alimentado pela mídia.

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1 A FUNÇÃO PUNITIVA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A POLÍTICA CRIMINAL CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: UM OLHAR A PARTIR DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

A forma como um Estado se organiza é fator determinante para que se possa identificar a função do Direito Penal dentro desse, uma vez que ela varia de uma forma de Estado para outra. Além disso, papel imprescindível exerce a Constituição Federal, lei maior que direciona as políticas públicas estatais, bem como as demais legislações infraconstitucionais.

Qualquer tentativa de entender o Sistema Penal e suas implicações deve impreterivelmente perpassar por uma análise, ainda que breve, do Estado Democrático de Direito, no qual ele está inserido e a partir do qual se pode buscar entender seus objetivos e limites. Pode-se, por isso, dizer que a compreensão do Sistema Penal se dá pela compreensão dos elementos atinentes ao Estado Democrático de Direito.

1.1 Estado Democrático de Direito: caracterização e elementos estruturais

Preliminarmente, cabe compreender a evolução histórica do Estado até alcançar o status de Estado Democrático de Direito. Essa construção passa pelos conceitos de Estado Liberal e Estado Social. O Estado Liberal surge como uma contraposição ao Estado Absolutista significando, segundo Lênio Luiz Streck e José Luiz Bolzan de Moraes (2010, p.56) “uma limitação da autoridade, bem como uma divisão da autoridade”, antes exercida de forma absoluta por um soberano.

Streck e Moraes (2010) explicam que os burgueses, que já exerciam o poder econômico, queriam também uma parcela do poder político, até então exclusivo da aristocracia, exigindo para isso a criação de uma Constituição que normatizasse e legitimasse esse poder, sendo uma “expressão jurídica do acordo político fundante do Estado”. Atendidos, não sem antes muita luta, os anseios da burguesia e de grande parte da população, que se insurgiram também contra os abusos dos aristocratas, instituiu-se o Estado Liberal que, apesar de ter trazido importantes

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conquistas como liberdade, direitos humanos e um governo representativo, era marcado por uma forte limitação da intervenção do Estado, que tinha como responsabilidade zelar pela segurança e manter a ordem.

Sabe-se que a sociedade vive em constante processo de mutação, tornando-se necessário que o Estado tornando-se ajuste e acompanhe essas mudanças. O modelo liberal trouxe novos problemas e gerou uma grande desigualdade social, demandas que começaram a exigir a intervenção estatal. Assim, diante desses e mais alguns outros fatores, no final do século XIX começa a criar forma o Estado Social, com intervenções econômicas e sociais.

A intervenção estatal passou a ser interessante para todas as classes. Ao proletariado, que se insurgia em busca de melhores condições de vida, o Estado de Bem-Estar, como era chamado, provia “tipos mínimos de renda, alimentação, saúde, habitação, educação, assegurados a todo cidadão, não como caridade, mas como direito político” (STRECK; MORAES, 2010, p. 79), e à burguesia, que se beneficiou de verbas públicas advindas de taxas e poupança para garantir a infraestrutura necessária ao desenvolvimento de seus negócios.

Antes de adentrar na “evolução” do Estado, de Liberal para Democrático, é importante esclarecer o conceito de Estado de Direito (ao qual o Brasil “aderiu”), cuja construção se deu na metade do século XIX, e segundo Streck e Moraes (2010, p. 91-92) é

o Estado que, nas suas relações com os indivíduos, se submete a um regime de direito quando, então, a atividade estatal apenas pode desenvolver-se utilizando um instrumento regulado e autorizado pela ordem jurídica, assim como, os indivíduos – cidadãos – têm a seu dispor mecanismos jurídicos aptos a salvaguardar-lhes de uma ação abusiva do Estado.

No entanto, para além de limitador da atuação estatal, deve-se percebê-lo também como “uma concepção de fundo acerca das liberdades públicas, da democracia e do papel do Estado, o que constitui o fundamento subjacente da ordem jurídica” (STRECK; MORAES, 2010, p. 93).

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Cabe salientar que o modelo de Estado de Bem-Estar Social não chegou a ser plenamente implementado no Brasil, devido ao processo de colonização pelo qual passou, que dificultou o desenvolvimento do país. E, ainda, o intervencionismo estatal por décadas contribuiu tão somente no sentido de aumentar as desigualdades sociais, privilegiando classes sociais mais abastadas.

O Estado Democrático de Direito buscou na sua constituição integrar democracia, garantias jurídico-legais e ainda a questão social, com a preocupação de transformar a realidade e não somente remediá-la. Segundo Streck e Moraes (2010, p. 100):

Quando assume o feitio democrático, o Estado de Direito tem como objetivo a igualdade e, assim, não lhe basta limitação ou a promoção da atuação estatal, mas referenda a pretensão à transformação do

status quo. A lei aparece como instrumento de transformação da

sociedade não estando mais atrelada inelutavelmente à sansão ou promoção. O fim a que pretende é a constante reestruturação das próprias relações sociais.

Segundo os referidos autores, são princípios dessa forma de Estado a constitucionalidade, a organização democrática da sociedade, um sistema de direitos fundamentais individuais e coletivos (ora se mantendo distante e garantindo a autonomia do indivíduo diante dos poderes públicos, ora agindo em prol do respeito à dignidade humana), a justiça social, a igualdade, a divisão dos poderes, a legalidade e a segurança jurídica. Tais princípios imprimem um ideal a ser atingido e não propriamente os meios pelos quais se chegará a eles.

Assim, pode-se dizer que uma das finalidades precípuas do Estado Democrático de Direito é proporcionar aos cidadãos e à sua comunidade condições mínimas de vida que possibilitem uma sociedade igualitária, inclusiva e promovedora da dignidade humana.

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1.2 Princípios limitadores da intervenção penal no Estado Democrático de Direito

A Constituição Federal Brasileira é um instrumento de extrema importância para o Direito Penal, à medida que elenca princípios que funcionam como limitadores da intervenção penal estatal frente a condutas socialmente reprováveis. Estes limites visam assegurar que o sujeito delinquente tenha preservados e respeitados direitos fundamentais, garantindo-se uma punição “justa” e que não ultrapasse o necessário para os fins a que se propõe.

Para isso, são elencados uma série de princípios e garantias inerentes a todos os cidadãos, sem qualquer distinção, e que garantem a concretização de seu princípio basilar: a dignidade da pessoa humana, que vem a ser fundamento do Estado Brasileiro, conforme o artigo primeiro da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2016):

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos

Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de

Direito e tem como fundamentos:

I- a soberania;

II- a cidadania

III- a dignidade da pessoa humana;

IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Esses fundamentos estabelecem diretrizes para a atuação estatal, que deve pautar suas ações observando, respeitando e os promovendo. Decorrentes da dignidade da pessoa humana, a Constituição traz um rol significativo de princípios atinentes a matéria penal que limitam a conduta/poder estatal e garantem a proteção dos direitos fundamentais ao indivíduo que tenha cometido algum crime, ao passo que protegem esse indivíduo de ações arbitrárias do Estado, considerando que ele só poderá punir nos limites da lei, buscando-se com isso assegurar um tratamento digno, em conformidade com o que o legislador constitucional previu.

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Os princípios penais são princípios constitucionais. A maior parte dos princípios consta explicitamente do texto constitucional, a exemplo dos princípios de legalidade, de irretroatividade e de individualização da pena. Mas outros há – implícitos – que resultam da interpretação dos valores que a própria Constituição consagra, como é o caso dos

princípios de proporcionalidade e de lesividade.

Tais princípios representam limitações importantes ao poder punitivo estatal, pois constituem autênticas garantias individuais – políticas e jurídicas – oponíveis ao próprio Estado. A Constituição pretende proteger o indivíduo duplamente, portanto: por meio do direito penal e contra o direito penal. (PAULO QUEIROZ, 2015a, s/p).

Nilo Batista (2002a) enumera como princípios básicos do Direito Penal, que o caracterizam e delimitam: intervenção mínima, legalidade, lesividade, humanidade e culpabilidade. E ainda, voltados ao Direito Processual Penal, os princípios da presunção de inocência, devido processo legal, contraditório e ampla defesa.

Batista (2002, p. 61) atribui aos princípios básicos um sentido programático, uma vez que, segundo ele, “aspiram ser a plataforma mínima sobre a qual possa elaborar-se o direito penal de um estado de direito democrático”, de forma que comprometem o legislador, perpassando a política criminal e devendo ser respeitados pelos aplicadores da lei, desde o “juiz da Corte Suprema ao mais humilde guarda de presídio” (BATISTA, 2002, p. 63).

Já Luigi Ferrajoli (2002, p. 75), elenca:

1) princípio da retributividade ou da consequêncialidade da pena em relação ao delito; 2) princípio da legalidade, no sentido lato ou no sentido estrito; 3) princípio da necessidade ou da economia do direito penal; 4) princípio da lesividade ou da ofensividade do evento; 5) princípio da materialidade ou da exterioridade da ação; 6) princípio da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal; 7) princípio da jurisdicionariedade, também no sentido lato ou no sentido estrito; 8) princípio acusatório ou da separação entre juiz e acusação; 9) princípio do ônus da prova ou da verificação; 10) princípio do contraditório ou da defesa, ou da falseabilidade.

Por sua vez, André Estefam e Victor Eduardo Rios Gonçalvez (2012, p. 98) citam como sendo os princípios constitucionais penais mais importantes, uma vez que são estruturantes, “a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III), da legalidade (art. 5º, inc. XXXIX) e da culpabilidade (art. 5º, inc. LVII), os quais formam

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a base principiológica sobre a qual se ergue o edifício do Direito Penal”. Os demais princípios, segundo os autores, seriam derivados destes, tirando deles o seu fundamento, e as regras, por sua vez, só conseguiriam fazer parte do sistema, se harmônicas com os princípios estruturantes e derivados.

Os princípios que mais interessam aqui, são os da legalidade, proporcionalidade e jurisdicionalidade, sobre os quais se fará uma pequena abordagem. O princípio da legalidade está presente no art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal (BRASIL, 2016), com a seguinte redação: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

Segundo Nucci (2016, s/p) “o Estado Democrático de Direito jamais poderia consolidar-se, em matéria penal, sem a expressa previsão e aplicação do princípio da legalidade”. Razão pela qual ela é a garantia mais relevante no Estado Democrático de Direito, uma vez que estabelece limites tanto formais quanto substanciais ao exercício do poder punitivo estatal, evitando o arbítrio e os excessos. A legalidade formal

significa que somente por lei, em sentido estrito, emanada do Poder Legislativo, o Estado poderá legislar sobre matéria penal, definindo crimes ou contravenções, com a indicação das sansões respectivas. São inconstitucionais, portanto, atos legislativos que, sem revestirem o status de lei, pretendam definir crimes ou cominar penas” (PAULO QUEIROZ, 2008, p. 41b)

Ou seja, a lei é a única fonte das proibições penais e dos castigos. Já a legalidade substancial, refere-se à necessidade de que o conteúdo das leis esteja vinculado com os demais princípios e valores constitucionais. Nesse viés, “a harmonização das leis à Constituição deve se realizar não apenas no plano da congruência formal, senão também no que toca à compatibilização com os valores consagrados, expressa ou implicitamente, no Texto Maior” (ESTEFAM e GONÇALVES. 2012, p. 91).

O objetivo do princípio da legalidade é conferir segurança jurídica aos cidadãos, tendo assegurado que não poderão sofrer sansões criminais que não

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estejam previstas em lei escrita e anterior a sua conduta, que só será punida quando corresponder exatamente ao postulado no texto legal ao tempo dessa (ESTEFAM e GONÇALVES, 2012, p. 102).

Quanto à proporcionalidade, trata-se de um princípio implícito, que exige que as ações do estado (na esfera penal, inclusive) sejam adequadas, necessárias e proporcionais em sentido estrito, e que busquem não apenas evitar males maiores (numa tentativa de minimização da violência) mas que também representem barreiras ao exercício do poder punitivo com um fim em si mesmo (o que só amplia a violência e a barbárie na sociedade). As ações serão adequadas, “quando ficar evidenciado que a norma regula um comportamento socialmente relevante e referido expressa ou implicitamente em algum valor constitucional”, “no que toca à necessidade (ou exigibilidade), analisam-se os meios lesivos escolhidos pelo legislador, verificando se são, dentre aqueles eficazes e cabíveis à espécie, os menos gravosos”. No que tange à proporcionalidade, “cuida-se de examinar a gravidade da sanção a ser imposta diante do crime praticado” (ESTEFAM e GONÇALVES, 2012, p.132).

Ainda, o castigo, de acordo com este princípio,

deve guardar proporção com a gravidade do crime praticado ou, dito de outra forma, tal princípio requer um juízo de ponderação entre a carga de privação ou restrição de direito que a pena comporta e o fim perseguido com a incriminação e com as penas em questão (QUEIROZ, 2008 p. 48-49).

O princípio da jurisdicionalidade, por sua vez, exige um processo justo, com ampla defesa, contraditório e presunção de inocência, estando dispostas estas garantias no art. 5º da Constituição Federal (BRASIL, 2016), que prevê em seus incisos LIV, LV e LVII, respectivamente, que: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” e que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

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ninguém será (ou melhor, deveria ser) privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Portanto, para haver privação de liberdade, necessariamente deve preceder um processo (nulla poena sine praevio iudicio), isto é, a prisão só pode ser após o processo.

Ou seja, não se pode pensar em uma pena legítima se essa não for resultado de um processo penal, no qual devem ser respeitadas as garantias constitucionais já mencionadas. Assim, é preciso que a repressão ao delito e o respeito a essas garantias coexistam simultaneamente (LOPES JR., 2016, p. 28).

1.3 Dignidade humana e responsabilização criminal

Como dito, a dignidade da pessoa humana, trazida como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, segundo a Constituição Federal, é princípio basilar do nosso Estado e, dada sua posição, é mister uma análise mais aprofundada a seu respeito.

A importância desse princípio vem de longa data. Segundo Sidney Guerra (2012), sua base se encontra no cristianismo, que tem o homem como um ser especial e detentor de dignidade uma vez que criado à imagem e semelhança de Deus. Durante o Iluminismo, no século XVIII, com a busca e afirmação dos direitos individuais do homem, o princípio ganha ainda mais notoriedade, estando ligado à ideia de liberdade, no sentido de não intervenção do Estado na esfera individual. No entanto, esse pensamento se dissipou com a falência do modelo liberal, quando se percebeu a necessidade da intervenção estatal para sua promoção.

Toda essa construção culminou com o reconhecimento e a positivação da dignidade do homem pelo direito estatal interno e pelo direito internacional, com o intuito de protegê-la. Guerra (2012) traz em sua obra o fato de que, no Brasil, durante o período da ditadura, houve a supressão de inúmeros direitos, o que tornava a dignidade inalcançável às pessoas. Situação que mudou com o advento da Constituição Federal de 1988, que trouxe um texto repleto de garantias e direitos fundamentais, que têm justamente como fim a busca de uma vida digna às pessoas.

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Contudo, Ingo Wolfgang Sarlet (2013, p. 18-19) salienta que apesar das noções de dignidade da pessoa humana estarem presentes desde a Antiguidade, ela passou apenas recentemente a ter importância para o Direito, tendo seu reconhecimento sido alcançado após a Segunda Guerra Mundial. É relevante o fato de que além de ser reconhecida pelo Direito,

também se revela evidente que o direito exerce um papel crucial na sua proteção e promoção, de tal sorte que, especialmente quando se cuida de aferir a existência de ofensas à dignidade, não há como prescindir de uma clarificação quanto ao conteúdo da noção de dignidade da pessoa humana, justamente para que se possa constatar e, o que é mais importante, coibir eventuais violações desta mesma dignidade (SARLET, 2013, p.18).

Dito isso, apesar de posicionamentos que acreditam não ser possível conceituar juridicamente a dignidade, faz-se mais do que necessária esta “clarificação” quanto ao seu conteúdo. Assim, mesmo levando em conta que a sua conceituação pode se dar de diferentes perspectivas, considerando sua amplitude, e se trata de tema cujo conceito está em “permanente processo de construção e desenvolvimento”, Guerra (apud SARLET, 2012, p.108), traz uma conotação jurídica a ele:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.

Sendo então a dignidade qualidade de cada ser humano, sem previsão de exclusão ou relativização, depreende-se que mesmo as pessoas que não agem de forma digna para com as outras são detentoras do direito à dignidade, independente até mesmo de terem cometido atos que possam ser considerados “bárbaros”. O que leva a deduzir que aquele que foi responsável por um crime deve ser tratado dignamente, sendo o contrário, uma afronta ao princípio (SARLET, 2013).

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1.4 A política criminal brasileira e a função do Direito Penal no Estado Democrático de Direito

Em matéria de Direito Penal, frente à responsabilização criminal do sujeito, pode-se dizer que a dignidade da pessoa humana cumpre com uma função negativa e positiva, buscando garantir que aquele que responde criminalmente por algum delito tenha seus direitos básicos respeitados e não sofra tratamento passível de causar qualquer dano a sua integridade física ou psíquica.

Negativa, ao passo que delimita a atuação estatal a fim de que ela não ultrapasse os limites necessários para a punição quando da execução da pena, ou ainda na fase processual, proibindo determinadas ações como, por exemplo, a prática de tortura ou tratamento desumano, a utilização de algemas em casos onde não haja necessidade ou ainda o cumprimento de pena restritiva de liberdade em condições indignas (que pode ser considerada também pelo viés positivo) (SARLET, 2013).

A função positiva fica evidenciada na obrigação do Estado, enquanto instrumento para a promoção da dignidade, de agir de forma a garantir direitos como o duplo grau de jurisdição e a possibilidade de reinserção na vida social, desdobramento do direito à ressocialização, devendo as normas jurídicas serem interpretadas sempre em consonância e com o fim de promover a dignidade (SARLET, 2013).

Deve-se lembrar ainda que, uma vez que as penas em geral constituem por si só uma relativização a determinados direitos, como a restrição da liberdade de ir e vir livremente, que fere em princípio a dignidade humana, sua aplicação deve observar sempre o princípio da proporcionalidade, analisando-se o bem jurídico a ser protegido e a pena a ser imposta, aplicando-a em observância ao binômio necessidade/adequação (SARLET, 2013).

Quando se fala em pena, é indispensável entender que ela está inserida no contexto de uma política criminal, sendo apenas uma parcela de todo um aparato voltado ao controle da criminalidade. Essa política pode ser mais, ou menos

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repressivista, dependendo dos valores e fundamentos do Estado. Hodiernamente, a política criminal transcende a justiça criminal, sendo necessário a entender, de acordo com João Ricardo W. Dornelles (2008, p. 39), “em um campo de abrangência mais amplo, como parte da política social e, portanto, como parte de um sistema de controle social que integra diversos instrumentos”.

No mesmo sentido, Ester Eliana Hauser (2010, p. 7) salienta que inicialmente a expressão “política criminal” era associada tão somente ao Direito Penal, designando

apenas o conjunto de práticas punitivas (penas) utilizadas no controle de situações conflitivas”. Entretanto, passou-se a entender também como política criminal “todo o conjunto de procedimentos/estratégias através dos quais o corpo social organiza as respostas ao fenômeno criminal.

Deve ser objeto, portanto, da política criminal, além do sistema de repressão, os problemas referentes à prevenção e “novas” possibilidades, como a reparação e a mediação (HAUSER, 2010).

No Brasil, pode-se identificar que o modelo de política criminal proposto pela Constituição de 1988 é de caráter não intervencionista. Além da ampla proteção aos direitos fundamentais presentes em seu texto, também as garantias de cunho penal e processual são limites à intervenção penal, podendo-se dizer que há suporte para a consagração de um direito penal mínimo.

Nessa linha, Hauser (2010, p. 30) destaca ainda a inserção do “modelo de justiça penal consensual (artigo 98, I da Constituição Federal de 1988) ” e “ a adoção eventual de medidas de cunho não repressivista (expressas pela Lei 9.009/95) que institui os Juizados Especiais Criminais no Brasil e de outras alterações normativas pautadas pela lógica da descarceirização”.

Contudo, mesmo com tantos postulados apontando para o caminho não repressivista/intervencionista, há uma tendência contrária aos preceitos

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constitucionais no Brasil. Conforme coloca Azevedo e Azevedo (apud HAUSER, 2010, p. 30):

a legislação penal produzida no Brasil a partir da Constituição Brasileira de 1988 reflete as principias tendências da política criminal contemporânea, ou seja, a utilização de normas penais de “emergência”, da hipertrofia legislativa, que passam a regular campos da vida que antes não estavam regulados por normas penais, o que representa um aprofundamento do intervencionismo penal numa linha claramente punitivista.

Situação essa que ofende claramente a Constituição, mas que está longe de regredir ou tomar novos rumos em busca de uma adequação a ela, uma vez que conta com um apoio quase que massivo da sociedade, que acredita que esta é a linha a ser seguida para reduzir a criminalidade.

Em todo esse contexto é fundamental entender qual é, afinal, a função que o Direito Penal exerce, ou que pelo menos deveria exercer, no Estado Democrático de Direito. Em análise crítica à obra de Luigi Ferrajoli, Paulo Queiroz (1999c) expõe as duas funções negativas que esse atribui ao Direito Penal, quais sejam a “prevenção de futuros delitos e prevenção de reações arbitrárias”, entendendo-se as últimas como advindas do Estado ou de particular, sendo desdobramento de uma “prevenção geral negativa”.

Para Luigi Ferrajoli (2002, p. 267-268), é necessário que o Direito Penal tenha essas duas funções ao passo que caso sua única finalidade fosse a prevenção de futuros delitos, os sistemas penais seriam voltados à “adoção de meios penais maximamente fortes e ilimitadamente severos”, o que não é compatível com os ideais humanitários propostos pela Constituição, devendo o Direito Penal buscar garantir não apenas o “máximo bem-estar possível dos não desviantes”, mas “também o mínimo mal-estar necessário dos desviantes”.

As penas também são necessárias à medida que a sua inexistência poderia gerar, em uma vingança privada ou até mesmo pública, uma “maior reação” do ofendido, e dos que de alguma forma se identificassem e solidarizassem com ele, com uma punição arbitrária e até mesmo desproporcional ao mau causado,

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passando o sujeito da condição de réu para a de vítima. Por isso o caráter preventivo, nesse aspecto, busca a “minimização da reação violenta ao delito”, servindo a pena não somente “para prevenir os delitos injustos, mas, igualmente, as injustas punições” (FERRAJOLI, 2002, p. 268).

Em que pese Ferrajoli atribua dupla função ao Direito Penal, Queiroz (1999) destaca que ele considera como finalidade geral a capacidade de “impedir que os indivíduos façam justiça por suas próprias mãos, ou, ainda, minimizar ou controlar a violência”, consistindo a lei penal em uma lei do “mais débil”, seja este o ofendido ou o ameaçado, protegendo-o quando sua dignidade for violada pelo mais forte.

Resumidamente, pode-se dizer que:

ao monopolizar a força, delimitar seus pressupostos e modalidades e excluir seu exercício arbitrário por parte dos sujeitos não autorizados, a proibição e a ameaça penais protegem as possíveis partes ofendidas contra os delitos, enquanto que a imposição da pena protege os réus e inocentes suspeitos de crime, contra vinganças ou reações arbitrárias públicas ou privadas. (QUEIROZ, 1999, p. 119)

Fábio Roque Sbardelotto (2001) assevera que o Direito Penal, em um Estado Democrático de Direito, tem seu conteúdo (material) e sua legitimação extraídos dos valores constitucionais. Os bens jurídicos protegidos na Constituição determinarão a maior ou menor influência dessa no sistema jurídico e na política criminal do Estado. Ou seja, quanto mais bens jurídicos forem protegidos, maior será a necessidade da tutela do Direito Penal.

No Brasil, a Constituição confere proteção a determinados bens jurídicos penalizando, por exemplo, a prática de racismo, terrorismo e tortura, bem como traz princípios penais e processuais. No entanto, há valores a serem tutelados e que não estão exatamente expressos como passíveis dessa tutela, mas que tacitamente demandam proteção penal, tendo em vista o seu conteúdo. Diante disso, evidente que a Constituição vincula o conteúdo material do Direito Penal (SBARDELOTTO, 2001).

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Para Sbardelotto (2001, p. 85), existe a necessidade de o “conteúdo das normas penais direcionarem-se no sentido da proteção dos bens e valores constitucionalmente estabelecidos”, assim, o Direito Penal “somente estará legitimado quando intervier como fenômeno de tutela dos objetivos e valores do Estado Democrático de Direito” (SBARDELOTTO, 2001, p. 87).

Logo, é possível dizer que o Direito Penal, inserido em um Estado Democrático de Direito, tem como função garantir o cumprimento dos postulados trazidos pela Constituição, buscando prevenir delitos e também assegurar a proteção dos bens jurídicos a que os indivíduos tenham direito, independente de se tratar da vítima de um delito ou de quem o praticou, buscando uma punição invasiva apenas na medida do necessário e de forma proporcional, preservando sempre a dignidade humana.

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2 REPRESSIVISMO PENAL, MÍDIA E OPINIÃO PÚBLICA

Dentre os diferentes modelos político-criminais existentes, os repressivistas, também conhecidos como punitivistas, são talvez os que mais ameaçam a efetivação dos princípios garantidores da dignidade humana dispostos constitucionalmente, uma vez que propõem a maximização do Direito Penal como forma de reação a questão criminal, disseminando, assim, a ideia de que essa deve ser controlada através da criminalização de condutas e da imposição de penas mais rígidas, o que impõe um aumento da intervenção estatal formal, através do Direito Penal, na resolução de conflitos e ainda, a supressão ou limitação de garantias e direitos aos indivíduos que tenham cometido algum delito. Neste capítulo, limitar-se-á à abordagem aos movimentos repressivistas aos modelos conhecidos como “lei e ordem” e “do inimigo”.

Ainda, será explorada a forma como os meios midiáticos, principalmente os televisivos, abordam a questão criminal e a influência que essa abordagem pode exercer na formação da opinião pública, disseminando uma sensação de insegurança e medo e, ainda, alimentando discursos de ódio e intolerância, direcionados aos que são eleitos por esses meios como “inimigos” a serem combatidos.

2.1 Movimentos político-criminais repressivistas – lei e ordem e o modelo penal do inimigo

Destacam-se, dentro dos movimentos repressivistas, a política da lei e ordem e o modelo penal do inimigo. Tais modelos se assemelham à medida que defendem o Direito Penal como primeira medida a ser utilizada em situações conflituosas, o que vem em desencontro ao modelo constitucional brasileiro que prevê sua utilização de forma excepcional, e ainda trazem como público alvo as camadas sociais menos favorecidos ou marginalizadas, isso porque os crimes mais presentes em seus discursos dizem respeito principalmente aos patrimoniais e de baixa lesividade, que em sua maioria são cometidos por indivíduos pertencentes a estes grupos.

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A origem do movimento de lei e ordem remonta à década de 60, nos Estados Unidos, e tem como discurso legitimador do amplo uso do Direito Penal a ideia de que as penas muito brandas “favorecem” o aumento da criminalidade, ou seja, para o movimento, aumentar as penas e elencar novos tipos penais seria a conduta a ser seguida em busca da diminuição da criminalidade, uma vez que tratar de forma branda alguns delitos abre margem para que mais pessoas os cometam e, por outro lado, o aumento no rigor das penas seria capaz de as dissuadir, sendo essencialmente repressiva. No entanto, de acordo com Rafael Braude Canterji (2008, p. 44), “as únicas consequências perceptíveis com essa inflação legislativa do terror são: o aumento da criminalidade – exatamente o oposto da intenção dos seus criadores – e a minimização das garantias constitucionais”, não se mostrando eficaz na solução do problema da criminalidade.

A principal proposta do discurso da lei e ordem é o endurecimento da repressão, em especial aos pequenos delitos, trabalhando com a lógica de que é necessário punir toda e qualquer criminalidade (em especial a de rua, mais visível) para com isso evitar o crescimento dos delitos. Exemplo desse discurso aconteceu em Nova York, onde o ex-prefeito Rudolf Giuliani implementou o programa “Tolerância Zero”, que visava combater agressivamente os crimes cometidos por mendigos, desordeiros e sem teto. Para isso, foram tomadas uma série de medidas, como, por exemplo, o aumento no efetivo de policiais, bem como em suas atribuições, uma vez que passaram a fazer um policiamento ostensivo das áreas com maior criminalidade (HAUSER, 2010).

Os índices de violência acabaram por diminuir após a implementação desse programa, havendo uma grande divulgação do seu sucesso pela mídia, que atribuía a ele a queda. Isso fez com que vários outros lugares o copiassem como modelo na tentativa de combater a criminalidade. No entanto, dados comprovam que o índice de criminalidade também caiu em cidades vizinhas, não se podendo afirmar, por isso, que o programa foi o único responsável pela queda (HAUSER, 2010).

Tanto os movimentos de Lei e Ordem, quanto o Tolerância Zero, tem como fundamento a chamada “teoria das janelas quebradas”, dos norte-americanos James

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Q. Wilson e George Kelling. Sobre esta teoria, Waquant (apud HAUSER, 2010, p. 36) explica que:

crime e desordem estão intrinsecamente ligados numa espécie de cadeia, ou seja, os grandes crimes são vistos como o último elo de uma cadeia cujo germe é a delinquência dita “de rua”, ocasionada pelos desordeiros. Nesta perspectiva, a eficiência do combate à criminalidade exige a eliminação das pequenas infrações cometidas no dia a dia, pois “é lutando passo a passo contra os pequenos distúrbios cotidianos que se faz recuar as grandes patologias criminais

Sobre o movimento de Lei e Ordem, Hauser (2010, p. 37-38) ainda ressalta que

ao selecionar prioritariamente como sua clientela membros da classe pobre, negros ou indivíduos envolvidos com a criminalidade convencional (furtos, roubos), o sistema penal busca manter sob controle a população economicamente excluída. Com isso pretende garantir a segurança daqueles que participam ativamente da sociedade de consumo, buscando livrá-los da presença indesejável da pobreza que incomoda ou daquela parcela da população que causa incidentes, desordens e que, por isso, é vista como a responsável por toda a insegurança social.

No Brasil, Hauser (2010, p.35) cita a Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) como exemplo de resultado da implementação do discurso de Lei e Ordem em nosso país, onde, através da mídia, o discurso do movimento ganhou expressividade, tendo impulsionado a criação, além da já citada lei, de uma série de outras normas de Direito Penal e Processual mais rigorosas.

Sobre o movimento de lei e ordem, Canterji (2008, p. 47-48) critica o fato de que esse, busca combater a criminalidade utilizando de expedientes que são justamente os propulsores dessa, quais sejam, “a repressão penal e a ausência de um Estado Social e Econômico”, tentando-se, segundo ele, com o aumento de um Estado policial e penitenciário, suprir a falta de um Estado econômico e social.

Já o modelo penal do inimigo, concebido pelo alemão Günther Jakobs, propõe uma divisão do Direito Penal em Direito Penal do inimigo e do cidadão, ficando condicionada a aplicação de um ou de outro à análise do perfil do

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delinquente. Entende-se por cidadão, segundo Luis Flávio Gomes, Antonio García- Pablos de Molina e Alice Bianchini (2007, p. 296) aquele sujeito que “mesmo depois do crime, oferece garantias de que, apesar do delito que tenha cometido, se conduzirá como pessoa que atua com fidelidade ao Direito”, praticando condutas criminosas de forma não habitual ou por acidente, o que demonstra que aceita e respeita a ordem vigente e por isso, merece que o Estado o trate como cidadão, como pessoa, proporcionando-lhe as garantias processuais e penais previstas constitucionalmente.

Em contrapartida, ao sujeito considerado inimigo, deve-se ser dispensado tratamento diferenciado, visto que, como leciona Canterji (2008, p. 52), ao desrespeitar o Estado, não seguindo as normas, o indivíduo que delinque por princípios demonstra que não o aceita e, por isso, o Estado não precisa o respeitar como um cidadão. Conceitualmente, tem-se por inimigo então, todo aquele sujeito que segundo Gomes, Pablos e Bianchini (2007, p. 295) “se afasta de modo permanente do Direito e não oferece garantias cognitivas de que vai continuar fiel à norma”.

Conforme lecionam Gomes, Pablos e Bianchini (2007, p. 295):

O inimigo não é pessoa: o indivíduo que não admite ingressar no estado de cidadania, não pode participar dos benefícios do conceito de pessoa. O inimigo, por conseguinte, é uma não-pessoa. Como não-pessoa não é um sujeito processual, logo, não pode contar com direitos processuais, como por exemplo o de se comunicar com seu advogado constituído.

Esses indivíduos passam a ser vistos como inimigos do Estado e não do particular a quem tenham “ofendido”, o que justifica um procedimento de guerra contra ele, dentro do qual, como dito, não se farão presentes as garantias que a Constituição prevê aos que fazem jus ao status de cidadãos (aos quais, lembrando, deve ser aplicado o Processo Penal). Por esse procedimento, identificar-se-ia o inimigo por suas características pessoais e a punição seria aplicada não apenas com o intuito de combater os atos delitivos cometidos, mas também com o condão de prevenir possíveis atos futuros, ignorando-se o princípio da lesividade e adotando

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claramente um Direito Penal do Autor, em que se pune o sujeito e não o ato (CANTERJI, 2008).

Resumidamente, o Direito Penal do Inimigo se caracteriza pela supressão de direitos e garantias penais e processuais previstas constitucionalmente, àqueles que são taxados como inimigos do Estado; indivíduos esses que são eleitos como inimigos pelo próprio Estado (de acordo com o julgamento que esse faz, de que aquele é propenso a cometer crimes), que vai aplicar a eles a pena como forma de prevenir que venham a cometer novos crimes (prevenção antecipada), não necessitando que haja efetivamente a lesão a um bem jurídico.

2.2 Mídia, opinião pública e discurso punitivo

Segundo Luís Francisco Carvalho Filho (2003), o historiador Robert Darton advertia que os sistemas de comunicação sempre foram responsáveis por moldar os acontecimentos e cada era, de sua forma, era uma “era da informação”, que se disseminava através dos mais diversos meios disponíveis. Carvalho Filho, faz um resgate histórico desde o Brasil colônia, onde a execução de condenados à pena de morte ou a penas corporais eram realizadas em público, com casos onde partes dos corpos esquartejados eram expostas, salientando que essa era uma forma de propaganda, de comunicação social, pela qual se buscava além da punição do delinquente, a imposição do medo da possibilidade de castigo semelhante, servindo como exemplo da “força da lei”.

Gradativamente esses espetáculos punitivos foram sendo abolidos e foi criada uma política penitenciária no Brasil. A vinda da família real modernizou o país e a imprensa se disseminou pelas províncias, tornando-se então a responsável por fazer o papel de comunicação da implacabilidade da lei ao noticiar os processos e prisões. Carvalho Filho (2003, p. 231) aduz que “o Estado sempre esteve sintonizado com a opinião pública e com o que hoje chamamos de “dramatização do crime” ou “dramatização da violência””, vindo desde o período colonial a pautar suas políticas penais influenciado pelas demandas que surgiam entre a população, que por sua vez, vinham influenciadas por essa dramatização com que se eram noticiados os crimes.

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Para Nilo Batista (2003b), a legitimação do poder punitivo do Estado pela imprensa não é característica recente dessa, que já o apoiava quando exercido pela burguesia, incentivando a punição dos infratores, os quais se considerava uma classe inferior às demais. No capitalismo tardio, a vinculação entre mídia e sistema penal, segundo Batista (2003, p. 244) “deve ser procurada antes de tudo nas condições sociais dessa transição econômica”. A transição entre modelos econômicos tende a marginalizar parcelas da população e esse processo, historicamente, faz com que se aumente a intervenção penal como forma de controlar penalmente essa população que o próprio sistema marginaliza.

A vinculação da mídia com o sistema penal vem do compromisso da imprensa (controlada por grandes grupos econômicos) com o neoliberalismo. Na busca da legitimação desse sistema, constantemente os meios midiáticos tentam imprimir e reforçar crenças que dão suporte a esse, e a mais recente é a de que a solução de conflitos reside na pena. Essa máxima é praticamente inquestionável, não se permitindo debates que possam provar o contrário e se ignorando dados que venham a fazê-lo. Novos argumentos que reforcem o discurso punitivo são sempre prontamente incorporados aos editoriais e à fala dos apresentadores de programas e telejornais, enquanto os que o rechaçam, acabam sendo descartados, assim, “nenhuma teoria e nenhuma pesquisa questionadora do dogma penal, da criminalização provedora ou do próprio sistema penal são veiculadas em igualdade de condições com suas congêneres legitimantes” (BATISTA, 2003, p. 248).

Além da pena, a grande mídia endeusa e mostra como solução eficiente para o problema da violência, a criminalização, vendendo discursos de que ela, por si só, será capaz de desestimular ações e reduzir a criminalidade. São, ainda, enaltecidas ou reprovadas atitudes dos operadores da justiça, condenando-se os que buscam a efetivação dos direitos e garantias dos acusados, como se com isso estivessem sendo coniventes com o crime ,e exaltando aqueles que não os respeitam, expondo os acusados antes mesmo de um julgamento que os condene (BATISTA, 2003). Exemplo dessa postura acontece com a operação lava jato, que vem sendo realizada no Brasil, onde a espetacularização de todas as fases da investigação acabou por culminar em uma decisão polêmica do STF. No contexto dela, o STF relativizou a garantia da presunção de inocência ao autorizar a execução da pena

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após decisão de segunda instância (colegiada) em flagrante desrespeito à garantia constitucional, no que vem sendo ampla e irrestritamente apoiado pela mídia. Há, em verdade, uma espécie de simbiose entre a ação do Judiciário, os discursos midiáticos e a opinião pública predominante, o que coloca em xeque garantias historicamente construídas.

Ainda com o viés de justificar a legitimidade do Direito Penal e da pena, são usados de artifícios como o argumento de autoridade. Os chamados especialistas são convidados a emitir suas opiniões, e esses são selecionados à medida que sua opinião seja capaz de reforçar e legitimar os discursos punitivistas que perpassam a programação nos veículos de mídia, uma vez que a maioria deles não é suscetível de comprovação empírica. Apoiada, então, no saber do especialista, que por ter sido chamado a dar sua opinião na televisão acaba por se revestir de importância frente aos telespectadores, a informação adquire a credibilidade necessária para se tornar real e irrefutável aos olhos da população de massa, e máximas como “a impunidade aumenta o número de crimes” ou “as penas dissuadem”, passam a ser tidas como verdadeiras (BATISTA, 2003).

A televisão é inegavelmente o meio mais utilizado e preferido pela população moderna na busca de informação. Segundo Peluso (2012), informar, hoje, é fazer “assistir”, e a imagem, ainda que sem um contexto que permita o entendimento do seu significado num todo, passou a ser suficiente em si para cumprir a função que as pessoas buscam, acreditando essas, que simplesmente vendo, estão compreendendo. Wermuth (2011, p. 46a) atenta para o fato de que “as imagens, aliadas às legendas que dizem o que é preciso ler e compreender, produzem o efeito de real, ou seja, fazem ver e fazem crer no que fazem ver.”

Instalou-se uma cultura de sensibilidade à imagem, em que os fatos narrados só têm importância quando acompanhados de gravações e fotos que possam “autenticar” a veracidade desses, uma vez que “uma imagem vale mais do que mil palavras”. A notícia passa a se confundir com a imagem, que é explorada mesmo que não diga respeito a um fato noticiável, mas que será capaz de atrair a atenção da população (PELUSO, 2012).

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Peluso (2012, p. 182) explica que:

a televisão cria, por outro lado, a hiperemoção do espectador, pois a emoção que se sente assistindo às imagens é verdadeira, o que automaticamente faz a informação também ser verdadeira. Cria-se uma confusão entre emoção e realidade, pois a fascinação emocional impede a análise racional e realista do fato.

A “veracidade” da informação também acaba por ser autenticada à medida que dentro de um jogo de mercado, considerando que a informação passou a ser mercadoria e a comunicação um negócio altamente rentável, diferentes meios de comunicação, na busca pela audiência, noticiam os mesmos fatos, em uma competição para não perder seus clientes. Essa repetição sistemática, que perpassa toda a programação de diversas emissoras, estendendo-se ao rádio, ao jornal, etc., faz a informação circular e acaba transmitindo a ideia de que o fato é verdadeiro, uma vez que “confirmado” por diversos meios. (PELUSO, 2012).

Cumpre destacar que essa forma de trazer a informação não permite que a população faça um julgamento crítico dessa, uma vez que todos os meios dizem o mesmo, não há como saber o que realmente aconteceu, restando acreditar que o que se passou é o que foi divulgado. Assim, Peluso (2012, p. 182) afirma que a realidade

é facilmente reconstruída, ou mesmo construída, de acordo com a vontade dos meios, que impõem a sua visão do mundo, a sua problemática, o seu ponto de vista, enfim, o que consideram importante. Tal fato pode causar falsas ideias e representações da realidade nos receptores, inclusive podendo estar carregadas de implicações políticas, que somadas à hipersensibilidade, podem causar medos, fobias e fantasias na sociedade receptora.

Bordieu (apud WERMUTH, 1997, p. 65) alerta para o perigo decorrente do fato de que os jornalistas e demais “trabalhadores da mídia” transformam-se cada vez mais em “pequenos diretores de consciência que se fazem, sem ter de forçar muito, os porta-vozes de uma moral tipicamente pequeno-burguesa, que dizem ‘o que se deve pensar’ sobre o que chama de ‘os problemas da sociedade’”.

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Entende-se com esses posicionamentos que a opinião da sociedade de massa será moldada para crer naquilo que os meios de comunicação desejarem, uma vez que é através da “realidade” que a mídia mostra que as pessoas percebem o mundo ao seu redor. Como bem cita Zaffaroni (2001 apud GOMES, 2016), a criminologia midiática “constrói a realidade dirigindo-se ao grande público, aos políticos e aos operadores jurídicos”, e é ela que vai orientar o comportamento de grande parcela da população, atentando-se para o fato de que é uma criminologia “dotada de preconceitos, falsidades e inexatidões” (GOMES, 2016).

Essa postura fica visível quando se analisa a seletividade midiática quanto à escolha do que deve ou não ser noticiado e a forma como o conteúdo é noticiado. Os fatos que constituem crime, seja esse convencional ou político, são narrados de forma diferente dependendo de quem seja o agente que o cometeu, o que vai influenciar também na forma de abordagem, podendo o fato ser apresentado de forma espetacular ou minimizada, o que se dá de acordo com as conveniências ou interesses no processo de construção da opinião pública.

O discurso punitivo proferido mela mídia acaba induzindo a população a acreditar no Direito Penal como solução eficaz no tratamento da criminalidade, passando essa a cobrar do Poder Legislativo uma resposta formal, seja com o aumento das penas, a criminalização ou a supressão de garantias penais e/ou processuais. Então, a opinião pública, previamente condicionada pelos meios de comunicação, acaba por pressionar e influenciar diretamente a produção legislativa, que busca através do recrudescimento penal uma resposta rápida e supostamente eficiente à demanda da população por mais segurança, servindo-se disso para ganhar a empatia dos eleitores em potencial que ficarão com a sensação de que estão sendo tomadas medidas para repelir a violência (mesmo que os dados mostrem o contrário, mas esses dados, obviamente, não chegam ao acesso da sociedade de massa).

Exemplo disso é que, de acordo com Luis Flávio Gomes (2016)

de 1940 (data do nosso Código Penal) a 2011 o legislador brasileiro aprovou 136 leis penais, que alteraram o sistema penal, sendo que

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104 leis foram mais gravosas, 19 foram mais benéficas e 13 apresentaram conteúdo misto ou indiferente. Em geral são leis emergenciais, ou seja, aprovadas após a eclosão de uma grave crise de medo e de insegurança, explorada pela mídia. Logo depois de um grande caso midiático, nova lei penal (para acalmar a ira da população).

Interessante a título exemplificativo é o já referido caso da Lei dos Crimes Hediondos. Aldenor da Silva Pimentel (2011) chama a atenção para “as “coincidências” temporais entre a aprovação de leis sobre crimes hediondos e a ocorrência de delitos de ampla repercussão na sociedade e nos principais meios de comunicação do País”. A cobertura midiática do sequestro dos empresários Abílio Diniz e do publicitário Roberto Medina, antecedeu em poucos meses a rápida aprovação da Lei que regulamentava a pena para os autores de crimes considerados hediondos. Assim como a inclusão do homicídio qualificado no rol de crimes hediondos foi fruto de um projeto de iniciativa popular encabeçado pela escritora Glória Perez, mãe da atriz Daniela Perez, cujo assassinato (homicídio qualificado) também foi amplamente noticiado e gerou comoção entre a população (PIMENTEL, 2011).

Fica evidenciado com isso o que Gomes (2016) chama de populismo penal midiático, onde se sabe que

a insegurança (o medo e o rancor coletivos) gera demandas punitivas, que são psicanaliticamente exploradas. Criado o clima geral de insatisfação, de intranquilidade e de incerteza, não resta outro recurso, diz o legislador, senão editar novas leis penais, com rigor sempre incrementado.

Diante do exposto, extrai-se que a opinião pública da sociedade de massa é construída através do discurso vendido pela televisão e pelos outros meios midiáticos, que serão sempre de acordo com a ideologia das grandes empresas ou dos grupos de poder hegemônicos, podendo estas atuar politicamente através deles. Discursos que hoje são claramente criminológicos e punitivistas e que mesmo não tendo uma base empírica, são aceitos devido a credibilidade que acabam conquistando pelos diversos fatores já expostos, formando uma sociedade de indivíduos que crê veementemente no Direito Penal como solução para a questão da

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criminalidade, gerando demandas por segurança que tem como resposta do legislador o recrudescimento penal.

2.2.1 A violência como produto e o discurso do medo e da insegurança na mídia tradicional

Na sociedade moderna, segundo Vinicius de Toledo Piza Peluso (2012) podemos encontrar três importantes características: uma sociedade de massa, a crise do paradigma do “Estado do Bem-Estar Social” e uma “Sociedade do Risco”. A sociedade de massa, é aquela formada pelo homem médio, sem qualificações específicas, que se sente como todos e não se valoriza individualmente, que busca seu bem-estar, preocupando-se tão somente com os seus direitos e que tem suas ideias formadas, considerando-as completas e suficientes. Nesta sociedade de massa, o conhecimento que o homem tem do mundo é determinado pela forma como ele o conhece, o que hodiernamente se dá através dos meios de comunicação, que são responsáveis, através das informações que transmitem, por criar a realidade percebida pelos indivíduos. (PELUSO, 2012)

É marcante também a crise do paradigma do “Estado de Bem-Estar Social” que está sendo vivenciada. Esse modelo fez com que os sujeitos se tornassem passivos frente a um Estado provedor, que intervinha fortemente em questões como saúde, educação e economia, passando uma ideia de segurança, e que agora, em crise, intervém cada vez menos, gerando inúmeros problemas sociais, como o desemprego, o que tem tornando as próprias pessoas um “risco” umas às outras (PELUSO, 2012).

Segundo Hauser (2010, p. 27), Beck observa que a sociedade de risco

nasce a partir do vertiginoso desenvolvimento da sociedade industrial moderna em que, paralelamente aos avanços produzidos, também foram criados novos riscos, que assumem proporções que ameaçam a vida do planeta. Com a emergência desta moderna sociedade de risco, que acentua os medos e as inseguranças, também se vislumbra o surgimento de um Direito Penal do risco e do medo, que, longe de manter seu caráter subsidiário, tem se convertido em um direito penal expansivo, marcado pelo acolhimento de novos bens jurídicos e pelo rompimento com as garantias penais clássicas.

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O avanço em tecnologia atômica, química, genética, dentre outras áreas, traz consigo inúmeras ameaças, que ocupam um lugar predominante. Os riscos gerados pelo avanço dessa tecnologia vão saindo do controle e “os conflitos de distribuição dos bens sociais (empregos, saúde, educação, segurança pública, etc.) são superpostos pelos conflitos de distribuição dos danos coletivamente produzidos” (PELUSO, 2012, p. 177), ou como refere Wermuth (2011, p. 26), a “distribuição de riquezas” foi substituída pela “distribuição de riscos”.

Wermuth (2011, p. 28) atenta para a visão de Bauman, que propõem a substituição do termo “risco” por “incerteza”, que melhor caracterizaria o mundo globalizado. O risco, dito de uma maneira muito simplória, pode ser calculado à medida que se aproxima dos sujeitos, e a incerteza, se refere aos perigos que não são passíveis de cálculo de probabilidade e que quanto mais se afastam dos indivíduos, mais fazem com que ela cresça. Fruto dessas incertezas é o medo, que está cada vez mais presente na sociedade frente à constante exposição aos novos perigos que surgem a cada dia, sendo a criminalidade um dos medos que atormentam a população (WERMUTH, 2011).

Todas essas características da sociedade moderna desencadearam o que os sociólogos, segundo Peluso (2012, p. 178), chamam de “sensação social de insegurança”, em que os sujeitos, passivos, não atuantes e que trocaram sua liberdade de ação pela necessidade de segurança, transferida para o Estado junto com sua própria garantia de existência, identificam-se com as vítimas, também passivas, considerando-se alvos em potencial dos sujeitos ativos, que são os delinquentes.

Essa identificação da coletividade com a vítima, de acordo com Alvino Augusto de Sá (2012), se dá diante do forte pacto existente entre mídia, opinião pública, políticos e instâncias de controle, que contribuem como um todo para que o delinquente passe de “inimigo” pessoal da vítima, para inimigo da sociedade. O sentimento de solidariedade é substituído pelo de identificação, onde as pessoas se põe no lugar de vítima e sentem como se elas próprias o fossem, preocupando-se não em ajudar o ofendido, mas em se vingar do agressor.

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A mídia, considerada principal fonte de informação das massas quanto aos fatos que estão acontecendo no mundo exterior, exerce papel fundamental na formação de opinião dos indivíduos, que como dito, percebem a realidade de acordo com o que lhes é divulgado. Ocorre que, hodiernamente, a monopolização das empresas de comunicação se tornou característica principal do que Peluso (2012, p. 179) chama de “a era da informação global”. A atuação das empresas de comunicação passou a ser regida pelas leis de mercado e a informação, que tem como objetivo atingir a sociedade de massa, tornou-se uma mercadoria.

Dentro deste negócio lucrativo que se tornou a comunicação, o produto que mais vende é inegavelmente a violência. Para Wermuth (2016b), “a criminalidade, ou melhor, o medo de tornar-se vítima de um delito, transforma-se na principal mercadoria da indústria cultural do Brasil”. Nessa linha, Peluso (2012) explica que há na sociedade uma obsessão pelo medo e pela segurança, portanto, diante dessa demanda, aumenta o número de notícias acerca da violência e dos delitos. Interesse que não é exclusivo da sociedade moderna, tendo surgido ainda no século XVII, quando os delitos, bem como as punições públicas aos autores desses, já despertavam a curiosidade da população.

Insta salientar que a necessidade diária de informação para ser repassada ao público, bem como a escassez de fontes que informem o acontecimento de fatos delituosos, acaba por fazer com que os jornalistas as busquem junto a fontes institucionais que nem sempre são neutras, tais como a polícia e o Ministério Público, o que vai fazer com que a notícia já “nasça” parcial (PELUSO, 2012).

Embora não tenham dados precisos que possam comprovar, inúmeros estudiosos acreditam que existe uma influência mútua entre o discurso sobre o crime – atos violentos – e o imaginário que a sociedade tem dele, e, como anota Barata, apesar das dificuldades para estabelecer uma relação absoluta de causa/efeito entre as notícias e o medo dos delitos, pode-se sustentar que existe uma relação sólida entre as ondas de informação e a sensação de insegurança (PELUSO, 2012, p. 180).

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