Filtros e Redes: 1 - Introduc¸˜ao:
Em 1915, um artigo de E.H. Moore apareceu no ”Proceedings of the National Academy of Sciences U.S.A” intitulado Definition of limit in general integral analysis. Esse artigo gerou a teoria de convergˆencia de Moore e H.L. Smith que apareceu no artigo A general theory of lim-its publicado no ”American Journal of Mathematics” em 1922. Em 1937, G. Birkhoff aplicou a teoria de convergˆencia de Moore-Smith em um artigo intitulado Moore-Smith convergence in general topology, o qual apareceu no ”Annals of Mathematica”. Em 1940, J.W. Tukey fez uso extensivo da no¸c˜ao de convergˆencia de Moore-Smith em seu livro intitulado Convergence and uniformity in topology publicado no ”Annals of Mathematics Studies series” Tukey trabal-hou com objetos que s˜ao generaliza¸c˜oes de seq¨uˆencias que s˜ao um caso especial do que hoje chamamos de redes.
Uma teoria equivalente de convergˆencia usando objetos chamados filtros surgiu por volta de 1930, desenvolvida pelo grupo Bourbaki, na Fran¸ca. Em- bora a teoria dos filtros seja a teoria de convergˆencia preferida pela maioria dos top´ologos, existem situa¸c˜oes em que seu uso se torna extremamente delicado. Por exemplo, no estudo dos superespa¸cos de um espa¸co uniforme, os objetos dos superespa¸cos s˜ao subconjuntos do espa¸co original. Dessa forma, filtros, que s˜ao cole¸c˜oes de subconjuntos de um espa¸co, se tornam dif´ıceis de serem constru´ıdos em um superespa¸co.
Neste trabalho, vamos estudar ambas as no¸c˜oes de convergˆencia; mais precisamente a no¸c˜ao de rede, ou no¸c˜ao de convergˆencia de Moore-Smith e a no¸c˜ao de filtro ou no¸c˜ao de convergˆencia de Bourbaki. Vamos caracterizar v´arias no¸c˜oes importantes como a de continuidade e compaci-dade, no contexto de espa¸cos topol´ogicos via ambas as no¸c˜oes de convergˆencia. Nosso projeto culminar´a com a leitura do artigo [4] de Djamel Deghoul. Nesse artigo, o autor construiu um homomorfismo complexo na ´algebra de Fr´echet Hb(l2) que se anu- la em todo o polinˆomio
homogˆeneo de grau ´ımpar e que ´e diferente da evalua¸c˜ao no ponto 0. Este resultado ´e uma resposta (negativa) para uma quest˜ao proposta por Aron, Cole e Gamelin em [1]. A constru¸c˜ao do homomorfismo de Deghoul ´e interessante, e, ao mesmo tempo, surpreendente, pois o que Deghoul de fato constr´oi ´e uma base de filtro em l2 consistindo em subconjuntos de sua bola fechada unit´aria com determinadas propriedades.
2 - Definic¸ ˜oes e Resultados B´asicos: 2.1 - Filtro:
Seja X um conjunto. Tome F ⊂ P(X), com F 6= ∅. F ´e dito ser um filtro e X se:
i) ∅ 6∈ F
ii) F1 e F2 ∈ F ⇒ F1 ∩ F2 ∈ F
iii) F1 ∈ F e F1 ⊂ F2 ⇒ F2 ∈ F
2.2 - Base de Filtro:
Seja X um conjunto. Tome B ⊂ P(X), com B6= ∅. B ´e dito ser uma base de filtro em X se: i) ∅ 6∈ B
O filtro gerado por B ´e dado por FB = {C ⊂ X: C⊃ F para algum F ∈ B}.
2.3 - Convergˆencia de Filtro:
Seja X um espa¸co topol´ogico, x ∈ X , e seja Nx a cole¸c˜ao de todas as vizinhan¸cas de x.
Seja F um filtro em X.
Dizemos que F converge para x, em s´ımbolos, F → x se F ⊃ Nx, o filtro vizinhan¸ca de
x.
Se F converge para um ´unico ponto x escrevemos limF = x. 2.4 - Seja B uma base de filtro em X e f: X → Y uma fun¸c˜ao. Ent˜ao:
f(B): = {f(B): B ∈ B } ´e uma base de filtro em Y. 2.5 - Teorema do Ultrafiltro:
Dada uma base de filtro B em X, existe um ultrafiltro U em X tal que B ⊂ U . Um filtro ´e chamado de ultrafiltro, se este ´e um filtro maximal.
2.6 - Seja U um ultrafiltro em X e f: X → Y uma fun¸c˜ao.
Ent˜ao, f(U ) ´e uma base de filtro em Y. Mais ainda: f(U ) gera um ultrafiltro em Y. 2.7 - Seja X um espa¸co topol´ogico de Haussdorff e seja U ⊂ X um ultrafiltro.
Se existe A ⊂ U , A compacto, ent˜ao U ´e convergente. Mais ainda, seu limite pertence ao conjunto A.
2.8 - Conjunto Dirigido:
Seja X um conjunto e assuma que uma rela¸c˜ao R ´e tal que para cada par de pontos x, y de X, a afirma¸c˜ao xRy ´e verdadeira ou falsa. Assumimos que esta rela¸c˜ao ´e reflexiva e transitiva. Um conjunto com estas rela¸c˜oes ´e chamado de conjunto parcialmente ordenado, ou resumidamente poset.
Um conjunto dirigido de X ´e um poset com a seguinte propriedade adicional: para cada x, y ∈ X, existe z ∈ X tal que zRx e zRy.
2.9 - Rede:
Uma rede ´e uma fun¸c˜ao definida em algum conjunto dirigido. Por exemplo, uma seq¨uˆencia ´e um caso especial de rede. Em geral, se X ´e um conjunto, uma rede em X, ou uma rede de pontos de X, ´e uma fun¸c˜ao de algum conjunto dirigido D para X. Escreveremos uma rede como (xδ: D).
2.10 - Base de Filtro Associada a uma Rede:
Suponha que B ´e uma base de filtro em X, e suponha que para cada δ ∈ B, um certo ponto xδ ∈ δ ´e especificado. Assim (B, ⊂) ´e um conjunto dirigido, e ent˜ao (xδ: B) ´e uma rede em
X. Dada uma base de filtro B, referiremos a alguma rede obtida desta forma como uma rede associada a B.
2.11 - Filtro Associado a uma Rede: Seja (xδ: D) uma rede em X.
Seja F = {A⊂X: xδ ∈ A eventualmente}. Logo F ´e um filtro. F ´e chamado o filtro
associado `a rede (xδ: D).
2.12 - ´Algebra Complexa:
Uma ´algebra complexa ´e um espa¸co vetorial A sobre o corpo com uma multiplica¸c˜ao que ´
e associativa e distributiva com respeito `a adi¸c˜ao e multiplica¸c˜ao por escalar. Isto ´e: x(yz) = (xy)z;
(x+y)z = xz + yz; x(y+z) = xy + xz; α(xy) = (αx)y = x(αy) para quaisquer x, y, z ∈ A e para todo α ∈ C.
2.13 - Polinˆomio m-homogˆeneo: Seja E um espa¸co de Banach.
Uma aplica¸c˜ao P: E → C ´e dita um polinˆomio m-homogˆeneo de E em C se existe A ∈ La(mE;C) tal que P(x) = Axm para todo x ∈ E. Escrevemos P = ˆA para expressar que P e A
se correspondem da forma indicada. 2.14 - S´erie de Taylor:
Sejam E, F espa¸cos normados e U um aberto n˜ao vazio de E. Dizemos que uma fun¸c˜ao f: U → F tem uma expans˜ao em S´erie de Taylor em um ponto ξ ∈ U se existe uma s´erie de potˆencias ∞ X m=0 Pm(x - ξ) = ∞ X m=0 Am(x - ξ)m
de E para F centrada em ξ tal que a s´erie de potˆencias converge para f uniformemente na bola Br(ξ) ⊂ U para algum r>0.
2.15 - Fun¸c˜oes Anal´ıticas
Uma fun¸c˜ao f:U→F ´e dita ser anal´ıtica em U se tem uma expans˜ao em s´erie de Taylor em cada ponto ξ ∈ U.
3 - A ´Algebra de Fr´echet Hb(E)
Seja E um espa¸co de de Banach. Definimos:
Hb(E) = {f: E→ C: f ´e anal´ıtica em E e limitada nas partes limitadas de E}
Temos que Hb(E) ´e uma ´algebra com adi¸c˜ao, multiplica¸c˜ao por escalar e multiplica¸c˜ao
definidas pontualmente.
Topologia em Hb(E)
Para cada s>0 e para cada f ∈ Hb(E), defina
ps(f) = sup |f(x)|
kxk ≤ s
Temos que (ps)s>0 ´e uma fam´ılia de (semi)normas em Hb(E). Mais ainda, (ps)s>0 ´e uma
fam´ılia separante de (semi)normas, ou seja, para cada f 6= 0, existe ps tal que ps(f) 6= 0.
Pelo Teorema 1.37 de [7], a fam´ılia (ps)s>0gera uma topologia localmente convexa em Hb(E),
V(ps;ε) = {f ∈ Hb(E): ps(f) < ε},
onde ε >0.
3.1 - Pelo que apresentamos acima (Hb(E), τ ) ´e de fato uma ´algebra de Fr´echet. A topologia
τ ´e a topologia da convergˆencia uniforme nas partes limitadas de E. Isto ´e; seja (fn) uma
seq¨uˆencia em Hb(E) e f ∈ Hb(E). Temos que:
fn τ
−→ f ⇔ Para todo L ⊂ E limitado, fn → f
(Lembre que: fn τ
−→ f significa dizer que para toda vizinhan¸ca V de f, existe n0 ∈ N tal que
fn ∈ V para todo n≥n0).
Chamemos τ ’ `a topologia localmente convexa em Hb(E) dada pela fam`ılia (pn)n∈N. Temos
que τ = τ ’ e portanto (Hb, τ ) ´e metriz´avel (ver [7]).
3.2 - (Hb(E), τ ) ´e completo. Com isto, (Hb(E), τ ) ´e uma ´algebra de Fr´echet.
3.3 - Para todo m ∈ N, P(mE) ⊂ Hb(E).
4 - Problema Proposto:
Tome ϕ: Hb(E) → C homomorfismo cont´ınuo.
Defina,
ϕm := ϕ: P(mE) → C e kϕmk:= sup {|ϕ(P)|: P ∈ P(mE) e kPk ≤ 1}
Em [1], Aron, Cole e Gamelin perguntam se lim
m→∞kϕmk
1/m sempre existe.
A resposta a este problema foi dada por Djamel Deghoul em [4]. Ela ´e negativa. Neste trabalho vamos apresentar a constru¸c˜ao do contra-exemplo de Deghoul que consiste na con-stru¸c˜ao de um homomorfismo cont´ınuo ϕ: Hb(l2) → C tal que ϕ(P)=0, ∀P ∈ P(nl2) com n
´ımpar e ϕ(Q)=1, onde Q(x) = X
n
x2n.
5 - Como o Homomorfismo Acima Responde a Pergunta Acima?
Como kϕmk:= sup {|ϕ(P)|: P ∈ P(mE) e kPk ≤ 1} e kPk = 0 para todo P ∈ P(ml2), n
´ıimpar, segue que kϕ2m+1k = 0, para todo m ∈ N .
Agora, como ϕ(Q) = 1, Q ∈ P(2l2) e kQk = 1, n´os temos que kϕ2k ≥ 1.
Da´ı, e pelo fato de ser um homomorfismo segue que kϕ2mk ≥ 1, para todo m ∈ N . Isto
mostra que 6 ∃ lim
m→∞kϕmk 1/m.
6 - Construc¸˜ao de ϕ
A id´eia consiste na constru¸c˜ao de uma base de filtro B em l2 formada por subconjuntos de
sua bola unit´aria fechada Bl2(0,1) com as seguintes propriedades:
1. Q ≡ 1, Q restrito a B, para todo B ∈ B onde Q(x) =X
n
x2n.
2. Todo polinˆomio n-homogˆeneo, com n ´ımpar, ´e identicamente nulo em pelo menos um elemento de B. Isto ´e:
∀n ∈ N , n ´ımpar e ∀P ∈ P(2l
7 - Porque a Construc¸˜ao Acima funciona?
Suponhamos que existe tal base de filtro. Por (2.5), n´os podemos consi- derar U um ultra-filtro tal que B ⊂ U .
Tome f ∈ Hb(l2). Considere Ff (U ) o filtro gerado pela base de filtro f(U ) = {f(U): U ∈ U }.
Note que f(U ) ´e uma base de filtro em C. Por (2.6), Ff (U ) ´e um ultrafiltro.
Como B ⊂ P(Bl2(0,1)), onde Bl2(0,1) ∈ U . Da´ı, f(Bl2(0,1)) ∈ f(U ). Como f(Bl2(0,1)) ⊂
∆(0,ps(f)), segue que ∆(0,ps(f)) ∈ Ff (U ).
Por (2.7), Ff (U ) ´e convergente e seu ´unico limite pertence ao conjunto Ff (U ). Defina, ent˜ao,
a seguinte fun¸c˜ao,
ϕ: Hb(l2) → C
f 7→ ϕ(f) = lim f(U ) N´os temos que:
a) ϕ est´a bem definida, j´a que lim f(U ) existe e ´e ´unico. b) U ´e um homomorfismo.
c) ϕ ´e cont´ınua, j´a que |ϕ(f)| ≤ p1(f), para todo f ∈ Hb(l2).
d) ϕ(Q) = 1.
De fato, tome B ∈ B. Ent˜ao Q(B) = {1}
Logo, {1} ∈ Q(U ). Isto implica que o filtro das vizinhan¸cas de {1}, V{1} ´e tal que
V{1} ⊂ filtro gerado por Q(U )
Portanto: Q(U ) → {1}, o que significa que ϕ(Q) = 1.
e) ϕ(P) = 0 para todo polinˆomio n-homogˆeneo P, n ´ımpar (o racioc´ınio segue an´alogo ao item anterior).
Existˆencia de B:
Fixe n ∈ N. Tome P1, ..., Pn polinˆomios homogˆeneos de grau ´ımpar. Defina:
A(P1, ..., Pn) = {x ∈ l2(R): kxk = 1, P1(x) = ... = Pn(x) = 0}.
Se os conjuntos acima s˜ao n˜ao vazios, ent˜ao eles formam a base de filtro B desejada. De fato, suponhamos que tais conjuntos s˜ao n˜o vazios. Coloque:
B = [
n∈N
{A(P1, ..., Pn): P1, ..., Pn s˜ao polinˆomios homogˆeneos de grau ´ımpar}.
Temos que B ´e uma base de filtro em l2 formada de subconjuntos em B
l2(0,1) com Q(B) ≡
1 para todo B ∈ B e para todo P ∈ P(kl
2), k ´ımpar, existe B ∈ B tal que P(B) ≡ 0.
Para provarmos que A(P1, ..., Pn) s˜ao conjuntos n˜ao-vazios ´e suficiente mostrarmos que
s˜ao conjuntos n˜ao-vazios.
Considerando as partes reais e as partes imagin´arias dos polinˆomios Pk, o resultado segue
do lema abaixo cuja demonstra¸c˜ao utiliza um resultado de K. Borsuk: Lema:
Sejam E um espa¸co vetorial real e P1, ..., Pn polinˆomios (reais) homogˆeneos de grau ´ımpar.
Ent˜ao, se dim E > n, existe um vetor n˜ao-nulo em E para o qual todos os polinˆomios Pk se
anulam.
8 - Referˆencias Bibliogr´aficas:
[1] Aron, R.M, Cole, B.J, Gamelin, T.W., Spectra of algebras of analytic functions on a Banach space,Journal f¨ur die reine angewandre Mathematik, 415 (1991), 51-93
[2] Bourbaki, N.,Topological Vector Spaces, Springer-Verlag, 1987.
[3] Chae, B.S.,Holomorphy and Calculus in Normed Spaces, Marcel Dekker, Inc., 1985. [4] Deghoul, D. Construction de caract`eres exceptionnels sur une alg`ebre de Fr´chet,C.R. Acad. Sci Paris, 312, S´erie I (1991), 579-580.
[5] Dineen, S.,Complex Analysis in Locally Convex Spaces, North-Holland Math., 1981. [6] Howes, N.R.,Modern Analysis and Topology, Springer-Verlag, 1995.
[7] Rudin, W.,Functional Analysis, 2 edi¸c˜ao, Mc Graw-Hill International Editions, 1991
Laurent Marcos Prouv´ee
Aluno de gradua¸c˜ao em Matem´atica da Universidade Federal Fluminense (UFF) Orientadora: Professora Cec´ılia de Souza Fernandez