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Os territórios da qualidade de vida no Porto : uma avaliação das disparidades intra-urbanas

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Para  desenvolver  este  projecto  foi  decisivo  o  apoio  que  recebi  de  várias  pessoas  e  instituições  às  quais não posso deixar de expressar, nesta altura, o meu reconhecimento. 

À Profª. Doutora Teresa Sá Marques agradeço pela sua orientação, exigência científica, estímulo e  permanente  disponibilidade,  mas  também,  por  todos  os  desafios  que  ao  longo  dos  anos  me  tem  lançado e que muito influenciaram o meu trajecto individual.  

Ao  António  Lacerda  quero  agradecer  o  incentivo  incondicional  e  decisivo  durante  o  demorado  processo de elaboração desta dissertação mas, sobretudo, os seus ensinamentos técnicos e de rigor  que  marcaram  profundamente  a  minha  formação  profissional  e  pessoal,  e  de  que  este  trabalho  naturalmente beneficiou. 

Ao  Luis  Delfim  Santos  agradeço  todas  as  reflexões  e  os  conselhos  que  muito  me  ajudaram  a  avançar na investigação. Não esquecerei o encorajamento e o apoio constantes em todas as etapas  deste percurso. 

Ao Sérgio Rocha e à Marta Gomes não posso deixar de agradecer a sua valiosa e empenhada ajuda  em todas as fases do trabalho que envolveram a utilização dos SIG. Neste domínio das tecnologias  de  informação  geográfica,  em  particular  no  que  se  refere  à  utilização  do  software  de  análise  de  redes, foi também preciosa a colaboração do Filipe Silva e do Pelayo. 

À  Ana  Azevedo  quero  expressar  o  meu  agradecimento  pela  ajuda  concedida  no  tratamento  e  interpretação de dados da coorte EPIPorto e pelos seus comentários ao capítulo referente ao tema  da saúde, que contribuíram para o seu aperfeiçoamento.  O meu reconhecimento para todos os colegas do Gabinete de Estudos e Planeamento da CMP com  quem ao longo dos anos tenho vindo a partilhar reflexões sobre a metrópole portuense.  À minha talentosa amiga Mónica agradeço as magníficas fotografias do Porto.  Desejo ainda estender os meus agradecimentos: 

‐  À  Câmara  Municipal  do  Porto  por  todas  as  facilidades  que  me  concedeu  para  elaborar  esta  dissertação. 

‐ A várias instituições e entidades pela permissão de utilização de dados estatísticos, entre as quais  cabe  destacar,  o  Instituto  Nacional  de  Estatística,  o  Comando  Nacional  da  Polícia  de  Segurança  Pública, a STCP S.A. e a Metro do Porto S.A. 

‐ Ao Serviço de Higiene e Epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto pelo  fornecimento de dados relativos à coorte EPIPorto. 

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Metropolitanas  de  Lisboa e  Porto”.  Agradeço  em  particular aos  colegas  Álvaro  Pereira  e Marluci  Meneses o acolhimento dado ao meu pedido de informação e a sua disponibilidade imediata para  colaborar.    Os últimos agradecimentos são reservados para a minha família:  Pelo incentivo de todos – e no caso do Zé Sousa Ribeiro – também pela ajuda na revisão de parte  do texto (a parte bem revista!). 

Pela  compreensão  das  minhas  maravilhosas  filhas  Mariana  e  Ana  Luísa  para  com  esta  minha  aventura. 

Pelo  estímulo  constante  e  todo  o  apoio  “logístico”  da  minha  Mãe,  cuja  energia  e  dedicação  inexcedível à família são para mim motivo de orgulho e de admiração em cada dia que passa.  Por tudo aquilo que contribuiu para que este projecto de investigação se concretizasse e, sobretudo,  para que chegasse ao fim, não é sequer possível agradecer neste espaço ao Amadeu.  

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Perante  a  metamorfose  da  vida  urbana  e  as  contradições  com  que  esta  está  confrontada,  ganha  força  a  ideia  de  que  é  necessário  repensar  a  organização  e  o  funcionamento  da  cidade  contemporânea.  Para  que  se  possa  planear  e  intervir  melhor,  promovendo  o  bem‐estar  e  combatendo  as  desigualdades  sócio‐espaciais  de  uma  forma  transversal,  reconhece‐se  que  é  necessário construir novas plataformas de informação e de conhecimento para suporte da decisão  técnica e política.  

Na primeira parte deste trabalho procura mostrar‐se como a investigação realizada no campo da  avaliação  da  qualidade  de  vida  tem  dado  contributos  importantes  nesse  sentido,  propondo  referenciais  multidimensionais,  metodologias  e  métricas  muito  úteis  para  a  leitura  da  realidade  urbana actual e para a monitorização das políticas. Assume‐se que uma orientação particularmente  promissora desta investigação prende‐se com o aprofundamento da análise das disparidades que  se  verificam  no  interior  das  cidades.  As  avaliações  da  qualidade  de  vida  nos  territórios  de  vizinhança podem proporcionar um suporte mais rico e rigoroso para o diagnóstico das situações e  para o desenho de soluções integradas e inovadoras para os problemas e aspirações dos cidadãos.  Directamente  relacionadas  com  as  experiências  do  quotidiano,  estas  abordagens  podem,  adicionalmente,  ajudar  a  mobilizar  o  envolvimento  dos  actores  locais  em  processos  de  aprendizagem colectiva e uma maior cooperação na hora de actuar. 

A segunda parte deste trabalho é totalmente dedicada à identificação e caracterização dos padrões  espaciais  que  traduzem  a  variação  das  condições  de  vida  e  de  bem‐estar  na  cidade  do  Porto.  O  quadro conceptual e metodológico estabelecido é influenciado pela perspectiva assumida de que a  qualidade de vida é o resultado de um processo cumulativo complexo em que ocorrem múltiplas  interacções  entre  os  vários  domínios  que  determinam  o  bem‐estar  humano.  O  modelo  analítico  desenvolvido encontra‐se estruturado em dois grandes blocos: condições territoriais associadas ao  quadro  de  vida  de  proximidade  e  condições  individuais.  Recorre‐se  a  descritores  estatísticos  objectivos – recolhidos directamente ou gerados para o efeito em ambiente SIG – para se analisar a  fragmentação do espaço urbano, numa primeira fase segundo uma lógica temática e, no final, com  base numa tipologia de síntese. Com o apoio da cartografia em que se apresentam os padrões da  diferenciação  intra‐urbana  discute‐se  o  seu  significado  em  termos  dos  desequilíbrios  actuais  da  qualidade  de  vida  da  população  do  Porto,  destacam‐se  as  situações  mais  desfavoráveis  e  questionam‐se as suas perspectivas de evolução futuras. 

São  objecto  das  reflexões  finais  deste  trabalho,  as  condições  em  que  este  tipo  de  dispositivos  de  avaliação  pode  contribuir  para  uma  nova  geração  de  políticas  urbanas,  abrindo  novas  possibilidades ao nível das ferramentas e das práticas do planeamento. 

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Given the major transformations of urban life and the contradictions it is confronted with, the idea  that there is an urgent need to rethink how the modern city is organised and structured gains force.  In  order  to  better  plan  and  intervene,  promoting  well‐being  and  combating  socio‐spatial  inequalities  transversally,  it  is  widely  acknowledged  that  new  information  and  knowledge  platforms need to be built as a basis for technical and political decision‐making. 

The first part of this study explores how research in the field of assessing quality of life has yielded  important  insights,  proposing  multidimensional,  methodological  and  metric  guidelines  that  are  highly  useful  in  reading  current  urban  realities  and  monitoring  policy.  A  particularly  promising  area  in  this  research  focuses  on  broaden  analysis  of  the  disparities  taking  place  within  cities.  Assessments of quality of life in neighbouring zones can provide a richer and more precise basis to  diagnose situations and design integrated, innovative solutions for the problems and aspirations of  citizens.  Directly  related  with  daily  experiences,  these  approaches  may  also  encourage  the  involvement  of  local  actors  in  processes  of  collective  learning  and  greater  cooperation  when  the  time comes to act. 

The  second  part  of  this  study  is  entirely  dedicated  to  identifying  and  characterising  the  spatial  patterns  that  translate  the  variations  affecting  quality  of  life  and  well‐being  in  Porto.  The  conceptual and methodological framework employed is influenced by the perspective that quality  of  life  is  the  result  of  several  domains  that  determine  human  well‐being.  The  analytical  model  developed is structured into two major blocks: territorial conditions associated with a framework  of  life  in  proximity  and  individual  conditions.  Objective  statistical  descriptors  are  applied  –  collected  directly  or  generated  on  a  GIS  –  so  as  to  analyse  the  fragmentation  of  urban  space,  following at first a thematic order, and, at the end, seeking to provide an overview of the outcomes.  With  the  support  of  maps  covering  the  patterns  of  intra‐urban  differentiation,  their  meaning  is  discussed in terms of current unbalances in quality of life of Porto’s population, highlighting the  more unfavourable situations and questioning their prospects for future developments. 

The conclusions to this work focus on the circumstances in which this type of assessment devices  can  contribute  to  a  new  generation  of  urban  policies,  opening  new  possibilities  in  terms  of  planning instruments and practices. 

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Índice

Introdução geral

1  Delimitação do campo de investigação 1 

2  A natureza e os objectivos da abordagem adoptada 5 

3  Estrutura e organização da dissertação 7 

1ª PARTE – Qualidade de vida urbana: o quadro teórico e a avaliação empírica 11 

Introdução 13 

1  As origens e a evolução do conceito de qualidade de vida 14 

1.1  As propostas iniciais 14 

1.1.1 Monitorizar a realidade social: o enfoque nas condições de vida 15 

1.1.2 A escola americana da psicologia social 18 

1.2  Principais debates e fracturas em torno do conceito de qualidade de vida 21 

1.2.1 Abordagem objectiva versus abordagem subjectiva 21 

1.2.2 A “desconstrução” do conceito: domínios da qualidade de vida 29 

1.2.3 O contexto de referência: culturas e normas 34 

1.2.4 Construção ao nível social versus construção ao nível individual 36 

1.3  Modelos de conceptualização e operacionalização 39 

1.3.1 Os estudos suecos sobre o nível de vida 40 

1.3.2 A proposta de Allardt: “Having, loving, being” 42 

1.3.3 A abordagem das capacidades 43 

1.3.4 A construção abrangente de Berger-Schmitt e Noll 45 

1.3.5 A qualidade social de Beck, van der Maesen e Walker 50 

1.3.6 O modelo do ecossistema humano de Hancock 54 

1.4  Qualidade de vida: um referencial útil para as políticas urbanas? 56 

2  Abordagens, métodos e instrumentos da análise empírica 61 

2.1  Os indicadores como ferramentas de produção de conhecimento e de apoio à

decisão 62 

2.1.1 Tipologias de indicadores 63 

2.1.2 Funções e impacto dos indicadores 68 

2.2  A investigação baseada em sistemas de indicadores objectivos 72 

2.2.1 Operacionalização do conceito de qualidade de vida 72 

2.2.2 Recolha dos dados de base 76 

2.2.3 Tratamento da informação 77 

2.3  A investigação baseada em indicadores subjectivos 80 

2.3.1 A medição do bem-estar subjectivo 82 

2.3.2 Os novos desafios na medição do bem-estar subjectivo 84 

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3  Avaliar a qualidade de vida urbana 90 

3.1  Valores e referenciais normativos 91 

3.2  Experiências de avaliação 96 

3.2.1 Análises comparadas entre cidades 97 

3.2.2 Projectos à escala local 106 

3.2.3 Análises intra-urbanas 114 

3.3  Alguns constrangimentos e desafios à investigação aplicada sobre qualidade de

vida urbana 119 

2ª PARTE – A avaliação da qualidade de vida na cidade do Porto 123 

Introdução 125 

4  Modelo de análise e opções metodológicas 125 

4.1  Qualidade de vida quotidiana: as preocupações e a orientação da abordagem 125 

4.2  O referencial geográfico 132 

4.3  Metodologia da avaliação empírica 134 

5  Avaliação por domínios: a situação de referência e as variações espaciais 142 

5.1  Condições do quadro de vida de proximidade 144 

5.1.1 Habitação 145 

5.1.1.1  Enquadramento 145 

5.1.1.2  Condições de habitação na cidade 148 

5.1.1.3  Disparidades intra-urbanas 152 

5.1.2 Ambiente 158 

5.1.2.1  Enquadramento 158 

5.1.2.2  O estado actual do ambiente urbano 162 

5.1.2.3  Disparidades intra-urbanas 172 

5.1.3 Espaços verdes 176 

5.1.3.1  Enquadramento 176 

5.1.3.2  Os espaços verdes do Porto 180 

5.1.3.3  Disparidades intra-urbanas 183 

5.1.4 Equipamentos e serviços de proximidade 190 

5.1.4.1  Enquadramento 190 

5.1.4.2  Níveis de dotação 193 

5.1.4.3  Disparidades intra-urbanas 202 

5.1.5 Mobilidade 209 

5.1.5.1  Enquadramento 209 

5.1.5.2  As condições de mobilidade interna 214 

5.1.5.3  Disparidades intra-urbanas 222 

5.1.6 Segurança 227 

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5.1.6.3  Disparidades intra-urbanas 234 

5.2  Condições individuais 240 

5.2.1 Rendimento e nível de vida 240 

5.2.1.1  Enquadramento 240 

5.2.1.2  Situações de vulnerabilidade à pobreza à escala local 245 

5.2.1.3  Disparidades intra-urbanas 249 

5.2.2 Emprego e condições laborais 253 

5.2.2.1  Enquadramento 253 

5.2.2.2  O panorama do mercado de emprego 257 

5.2.2.3  Disparidades intra-urbanas 266 

5.2.3 Educação 269 

5.2.3.1  Enquadramento 269 

5.2.3.2  Perfil de qualificação dos recursos humanos 273 

5.2.3.3  Disparidades intra-urbanas 280 

5.2.4 Saúde 283 

5.2.4.1  Enquadramento 283 

5.2.4.2  O estado de saúde da população residente 288 

5.2.4.3  Disparidades intra-urbanas 299 

5.2.5 Família e relações sociais 304 

5.2.5.1  Enquadramento 304 

5.2.5.2  Os padrões de organização da vida familiar 310 

5.2.5.3  Disparidades intra-urbanas 319 

6  Os padrões espaciais das disparidades – uma visão de síntese 324 

6.1  A abordagem da fragmentação urbana 324 

6.2  A geografia das disparidades 327 

6.2.1 Tendências gerais 327 

6.2.2 Uma tipologia territorial 330 

Conclusão 349 

1  O itinerário da investigação, os seus principais resultados e utilidade 350 

2  Limitações da análise desenvolvida e perspectivas futuras de desenvolvimento 355 

3  Condições em que os dispositivos de avaliação da qualidade de vida podem dar

um contributo relevante para uma nova geração de políticas urbanas 359 

Índice de Figuras 365 

Índice de Quadros 369 

Índice de Gráficos 373 

(12)
(13)

Introdução geral

  “Thus,  at  their  best,  these  social  benchmarks  systems  are not  simply  a  monitoring  device, a new management tool or a better statistical system, although they should  be all of these. They can be a process for communities and governments to define the  goals  and  values  that  are  important  to  them,  and  measure  progress  towards  their  achievement, by a process that is open and participatory. Potentially, therefore, they  are a means for better governance, better communities and better democracy.” 

Salvaris et al. (2000) 

 

1 Delimitação do campo de investigação

Se  é  verdade  que,  no  plano  económico,  o  modelo  urbano  actual,  em  particular  o  europeu,  surge  dominantemente associado à ideia de prosperidade – com a riqueza, o conhecimento, o potencial  de inovação e o emprego qualificado a concentrarem‐se cada vez mais nas cidades –, no plano das  condições  de  vida  e  de  bem‐estar  dos  cidadãos  a  realidade  é  marcada  por  tendências  contraditórias,  não  existindo,  por  isso,  uma  ideia  tão  consensual  quanto  à  eficácia  do  seu  desempenho para oferecer qualidade de vida às pessoas.  Por um lado, são inegáveis as melhorias registadas ao longo do tempo em muitos aspectos da vida  quotidiana: melhorou a qualidade e conforto das habitações, alargou‐se muito a oferta de serviços  especializados na área da saúde e da educação, as redes de equipamentos para o desporto e o lazer  foram reforçadas, a vida cultural é mais diversificada e vibrante e o acesso a bens considerados não  essenciais aumentou. Podem, no entanto, ser dados vários outros exemplos que ilustram evoluções  de  sinal  oposto.  As  agressões  de  que  é  alvo  o  meio  natural,  em  consequência  da  trajectória  de  crescimento dos  níveis  de  consumo,  manifestam‐se de  forma  severa  na  degradação  da qualidade  do  ambiente  urbano  e,  apesar  do  prolongamento  do  tempo  de  vida,  há  uma  deterioração  das  condições de saúde associada aos problemas de poluição e aos estilos de vida, nomeadamente ao  stress da vida urbana. A compatibilização entre a vida profissional e a vida familiar representa um  domínio  de  preocupação  no  contexto  da  cidade  contemporânea,  com  a  gestão  do  tempo  a  constituir um dos grandes desafios da vida de todos os dias. 

Além  de  todas  estas  tendências,  empiricamente  analisadas  em  documentos  como  o  relatório  da  Comissão Europeia “State of European Cities Report” (ECOTEC, 2007) ou o relatório produzido pela  Agência Europeia de Ambiente “Ensuring the quality of life in Europe’s cities and towns” (EEA, 2009),  cresce  a  certeza  de  que  os  ganhos  obtidos  em  matéria  de  qualidade  de  vida  não  se  encontram  distribuídos  de  forma  equitativa  pela  população,  sendo  justamente  as  cidades  os  territórios  que  exibem as disparidades mais acentuadas. No seu interior, são patentes diferenças muito marcadas 

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nos níveis de rendimento, nas taxas de desemprego (sobretudo de longa duração), nas condições  habitacionais e nos níveis de educação. Os contrastes são, na verdade, muito evidentes quando se  confrontam áreas  distintas  de  um  mesmo  centro  urbano  ao  nível  da qualidade  do ambiente  e  do  espaço construído, dos índices de insegurança e, sobretudo, da pobreza. 

Estes  são  traços  da  situação  actual  que  se  encontram  já  bem  identificados  e  descritos,  mas,  entretanto,  há  mudanças  em  curso  –  e  com  um  ritmo  muito  intenso  –  que  se  prevê  venham  a  produzir  mutações  significativas  no  quotidiano  dos  indivíduos  e  das  comunidades,  mas  cujos  efeitos  concretos  ainda  não  é  possível  determinar  com  grande  rigor  e  profundidade.  As  transformações que se estão a operar ao nível das estruturas etárias e familiares, da organização do  trabalho,  da  utilização  das  tecnologias  de  informação  e  comunicação  (TIC),  dos  modelos  de  provisão  de  serviços  públicos  e  do  próprio  sentido  de  comunidade  no  contexto  da  transição  de  uma  sociedade  de  consumo  individualista  para  uma  sociedade  pós‐consumidora,  são  apenas  algumas  tendências,  de  natureza  muito  distinta,  que  tornam  mais  complexo  o  exercício  de  qualificar o sentido da evolução que está a ter lugar. 

Identificar  os  mecanismos  de  actuação  daquelas  que  são  hoje  em  dia  as  grandes  determinantes  individuais  e  colectivas  da  qualidade  de  vida  urbana,  avaliando  os  seus  efeitos  nas  dimensões  temporal e espacial, representa um amplo campo de análise para a comunidade académica, que se  liga a uma preocupação central dos poderes públicos e dos cidadãos, em geral. Com efeito, perante  a  metamorfose  da  realidade  urbana  e  das  tensões  a  que  esta  se encontra  submetida,  faz‐se  sentir  um  grande  apelo  para  que  se  repensem  as  ideias  sobre  as  melhores  formas  de  organizar  a  vida  colectiva e de se promover uma equilibrada partilha das condições e das oportunidades dadas aos  indivíduos para que estes possam desenvolver projectos de vida gratificantes, isto é, como afirmou  Sen, “to do valuable acts or reach valuable states of being” (Sen, 1993, p. 30). 

Para  que  se  possa  planear  e  intervir  eficazmente  ao  nível  urbano,  melhorando  o  bem‐estar  e  reduzindo  as  desigualdades  sócio‐espaciais,  torna‐se  necessário  dispor  de  novos  auxiliares  para  suporte  da  decisão.  A  construção  de  respostas  para  os  desafios  actuais,  em  termos  de  políticas  públicas, encontra‐se, na verdade, estreitamente ligada à informação que estiver disponível sobre  as condições de vida e as experiências das pessoas no seu dia‐a‐dia. E a exigência sobre a natureza  e  a  qualidade  desta  informação  tem  vindo  a  crescer.  Como  referem  Anderson  et  al.  (2009,  p.  1):  “Appropriate measures will demand intelligence not only on objective conditions or the social situation, but  also regarding how people feel about their conditions, their concerns and priorities”. 

Apesar das circunstâncias presentes darem uma nova relevância à pesquisa no campo da avaliação  da  qualidade  de  vida,  esta  tem  já  um  percurso  histórico  de  algumas  décadas  e  uma  série  de  conquistas  alcançadas,  quer  ao  nível  do  debate  teórico  e  da  delimitação  do  próprio  conceito  –  sujeito  a  múltiplas  interpretações  e  aplicado  em  contextos  muito  variados  –,  quer  ao  nível  das  abordagens  metodológicas  para  a  sua  medição.  Sobretudo  ao  longo  dos  últimos  cinquenta  anos,  múltiplos  estudos  têm  proposto,  às  mais  diversas  escalas  e  usando  diferentes  perspectivas,  referenciais  de  avaliação  multidimensionais  e  métricas  associadas  que  constituem  alternativas  à  visão  tradicional  do  progresso,  baseada  quase  exclusivamente  na  componente  do  crescimento 

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Neste âmbito, uma das abordagens mais adoptadas é a que se baseia na construção de conjuntos de  indicadores  sociais  objectivos,  seleccionados  de  modo  a  contemplar  as  diferentes  condições  materiais e imateriais da qualidade de vida e que se possam revestir de particular significado face  aos  propósitos  da  análise  em  causa.  Com  base  na  leitura  da  evolução  destas  medidas  torna‐se  possível  apreciar  o  sentido  e  a  intensidade  das  mudanças  ocorridas  nas  várias  dimensões  consideradas,  sendo  que  subjacente  a  este  exercício  está  sempre  um  compromisso  entre,  por  um  lado, a necessidade de coligir um número de parâmetros que não seja demasiado extenso de modo  a permitir uma leitura de conjunto e, por outro, a necessidade de não enveredar por simplificações  excessivas e enviesadoras da própria realidade. 

A abordagem subjectiva que, desde a década de 70, constitui a matriz de uma outra ampla frente  de  trabalhos  tem,  por  seu  lado,  permitido  aprofundar  o  conhecimento  sobre  os  sentimentos  das  pessoas face aos seus quotidianos, não só no que diz respeito às características do contexto social,  económico e ambiental em que vivem, mas também quanto aos valores, preferências e aspirações  que  manifestam.  Os  estudos  sobre  felicidade  e  satisfação  pessoal  têm  feito  aumentar  o  acesso  a  medidas de bem‐estar baseadas na percepção dos indivíduos, cada vez mais tidas como necessárias  e complementares face aos sistemas de indicadores de natureza objectiva. 

A construção de índices sintéticos, mais ou menos sofisticados, baseados numa selecção reduzida  de  descritores  estatísticos  ou,  noutros  casos,  envolvendo  as  próprias  opiniões  dos  cidadãos,  tem  sido  igualmente  um  dos  resultados  da  investigação  produzida,  com  grande  aplicação  no  campo  das análises comparativas e do estabelecimento de rankings, designadamente a nível internacional.  Apesar de todos os esforços de conceptualização da noção de qualidade de vida e de formulação  de  medidas,  reconhece‐se  que  há  ainda  muito  a  fazer  no  sentido  de  tornar  os  seus  resultados  verdadeiramente  úteis  e  aplicáveis  nos  processos  de  governação  dos  territórios,  às  mais  diversas  escalas.  Essa  é  uma  aposta  que  deve  continuar  a  ser  feita,  como  o  demonstra  um  conjunto  de  iniciativas  que  têm  vindo  a  surgir,  entre  as  quais  a  Conferência  “Beyond  GDP”1,  organizada  pela  Comissão Europeia e realizada em 2007, o convite do Presidente Sarkozy aos especialistas Stiglitz,  Sen e Fitoussi, em 2008, para coordenarem uma unidade de reflexão designada “The Commision on  the  Measurement  of  Economic  Performance  and  Social  Progress”2  ou  o  actual  Projecto  “Measuring  the  Progress  of  Societies”3  da  OCDE, no  qual  têm  vindo  a  participar  activamente  várias  instituições  internacionais, a comunidade académica, governos a diferentes escalas e muitas organizações não  governamentais. 

No  que  diz  directamente  respeito  às  cidades,  constata‐se  facilmente  que  muita  da  actividade  corrente  do  planeamento  urbano  e  de  tomada  de  decisão  não  incorpora  estes  desenvolvimentos. 

1

Informação sobre esta iniciativa encontra-se disponível em http://www.beyond-gdp.eu/. 2

Pode aceder-se ao trabalho desta Comissão em http://www.stiglitz-sen-fitoussi.fr/en/index.htm. 3

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Desde  logo,  não  são  sistematicamente  tidos  em  conta  os  impactos  na  qualidade  de  vida  das  medidas de política e dos projectos de intervenção que, na generalidade dos casos, continuam a ser  concebidos  e  avaliados  segundo  lógicas  exclusivamente  sectoriais  e  não  numa  perspectiva  abrangente  de  bem‐estar.  Aquilo  que  se  observa  é  que,  ao  mesmo  tempo  que  o  conceito  de  qualidade de vida se afirma como uma meta consensual assumida pelos poderes públicos, na qual  se  revêem  os  restantes  actores  urbanos  e  as  populações  em  geral  –  ainda  que  a  maior  parte  das  vezes enunciada de uma forma abstracta e imprecisa –, há ainda um longo caminho a percorrer no  que toca ao desenvolvimento de instrumentos que possam, na prática, ajudar a melhor orientar as  políticas nessa direcção e a avaliar o seu desempenho efectivo. 

Esta insatisfação tem levado a que nos anos mais recentes se tenha instalado um debate sobre os  novos  rumos  para  os  estudos  baseados  em  indicadores  de  qualidade  de  vida  no  sentido  de  os  tornar mais capazes de sustentar a actividade dos decisores técnicos e políticos.  

Stiglitz,  Sen  e  Fitoussi  (2009)  apresentam  uma  sistematização  das  direcções  em  que  importa  avançar  na  investigação,  destacando  três  grandes  desafios  que  se  colocam,  transversalmente,  às  várias linhas de abordagem que têm vindo a debruçar‐se sobre o tema da qualidade de vida.  Um  desses  desafios  decorre  da  ideia  de  que  para  melhorar  as  condições  de  vida  e  de  bem‐‐estar  não  basta  monitorizar  indicadores  sobre  múltiplas  tendências  relacionadas  com  a  sociedade,  a  economia e o ambiente. Importa complementar esta aproximação mais descritiva com ferramentas  analíticas  e  com  métodos de  avaliação que  evidenciem  o  modo  como  as diferentes  dimensões  da  qualidade de vida se combinam e interactuam entre si. Atender às relações entre o comportamento  dos  indicadores  no  quadro  de  uma  visão  holística  da  qualidade  de  vida  afigura‐se  fundamental  para  que  se  possa  formular  objectivos  operacionais,  estabelecer  estratégias  integradas  de  intervenção e, por outro lado, tirar conclusões sobre o próprio impacto das políticas e das medidas  levadas à prática. A este propósito, Stiglitz, Sen e Fitoussi (2009, p. 206), constatam: “Moving beyond  this ‘silo thinking’ in policy making is one of the greatest appeals of the broad notion of quality of life” .  Um outro desafio prende‐se com a necessidade de se produzirem medidas agregadas de qualidade  de vida. Apesar de existir hoje em dia uma forte convicção geral de que não é possível chegar a um  índice  único  que  atenda  a  todas  as  vertentes  e  dimensões  que  têm  vindo  a  ser  associadas  ao  conceito, reconhece‐se a importância de não limitar as abordagens à utilização de indicadores por  domínio e continuar a desenvolver esforços no sentido de sintetizar a informação. Existem já vários  exemplos de medidas agregadas cuja utilidade é patente, para fins e aplicações bem determinadas,  e que abrem boas perspectivas para novos desenvolvimentos neste campo. 

Finalmente,  o  terceiro  desafio  emerge  ligado  à  importância  cada  vez  mais  atribuída  às  preocupações relacionadas com as disparidades. 

Muitas  das  experiências  de  avaliação  da  qualidade  de  vida  oferecem  um  panorama  da  situação  baseado em médias, omitindo aqueles que por vezes são contrastes muito marcados em termos das  experiências  do  dia‐a‐dia  das  pessoas.  Nesse  sentido,  é  sublinhada  a  importância  de  se 

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desenvolverem  metodologias  e  análises  que  permitam  dar  conta  das  desigualdades  existentes,  entre indivíduos, entre lugares ou entre gerações. 

2 A natureza e os objectivos da abordagem adoptada

Como se verá de seguida, a todos estes desafios se procurou atender na dissertação que agora se  apresenta. 

Enquadrando‐se na linha de trabalhos que procuram avaliar a qualidade de vida urbana, nela se  privilegia,  no  entanto,  como  objecto  central  da  investigação,  o  fenómeno  das  disparidades  espaciais. A área analisada diz respeito à cidade do Porto. 

O  objectivo  central  definido,  orientador  de  todo  o  processo  de  pesquisa,  foi  o  de  proceder  à  identificação e caracterização de padrões espaciais que reflectissem a variação actual das condições  de vida e de bem‐estar no centro urbano. 

Este tema, não sendo novo no contexto da geografia urbana4, mantém‐se, como atrás se viu, actual  e relevante, face às mudanças económicas, sociais e ambientais em curso que tendem a acentuar as  diferenças entre grupos sociais e entre lugares dentro das cidades – produzindo fenómenos graves  de  fragmentação  espacial  –  e  à  necessidade  de  dar  respostas,  em  termos  de  políticas,  a  estes  desafios. Com efeito, melhorar a qualidade de vida urbana e combater as desigualdades requer, em  muito casos, respostas que terão que ser desenhadas e implementadas, à escala local, no contexto  da  própria  comunidade5.  Daí  que  identificar  e  compreender  os  padrões  das  disparidades  intra‐ urbanas da qualidade de vida constitua um suporte fundamental para a concepção de estratégias e  para  a  definição  de  prioridades  de  intervenção  à  escala  do  quarteirão,  do  lugar,  da  unidade  de  vizinhança.  Conhecer  melhor  as  diferenças  existentes  no  que  respeita  às  condições  de  vida  e  de  bem‐estar constitui um input fundamental para que possa emergir uma nova geração de políticas  menos  “standardizadas”  e,  inversamente,  inovadoras,  integradas,  desenhadas  de  acordo  com  combinações  específicas  de  problemas,  potencialidades,  recursos  e  actores.  Mais  próximas  do  quotidiano  das  pessoas,  este  tipo  de  abordagens  pode  revelar‐se,  por  outro  lado,  como  uma  via  para inverter o seu crescente distanciamento face às causas colectivas e cívicas, promovendo uma  maior  participação  e  co‐responsabilização  das  comunidades  e  dos  cidadãos  individualmente  nos  processos  de  desenvolvimento  urbano.  Esta  neighbourhood  agenda,  caracterizada  pela  preponderância  das  abordagens  multissectoriais  e  pela  participação  ampla  da  comunidade  no  âmbito  de  projectos  de  intervenção  de  base  territorial,  tem  já,  de  resto,  vindo  a  ser  assumida  ao 

4 Constituem uma referência incontornável os trabalhos de M. Pacione dedicados às desigualdades em grandes áreas urbanas, com particular enfoque na delimitação das situações mais desfavoráveis do espectro da qualidade de vida urbana (Pacione, 1995; 2003b).

5

Nas conclusões do “5º relatório da Comissão Europeia sobre a coesão económica, social e territorial: o futuro da política de coesão” (CE, 2010) encontra-se claramente expressa esta necessidade de se reforçar o papel das comunidades locais na concepção e aplicação das estratégias de desenvolvimento urbano.

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nível da política urbana de alguns países, com mais vigor a partir dos anos 90, nomeadamente em  França  (“Grands  Projects  de  Ville”),  no  Reino  Unido  (“New  Deal  for  Communities”),  na  Dinamarca  (“Danish  Urban  Regeneration  Experiment”),  na  Suécia  (“Local  Development  Agreements”)  e  na  Alemanha  (“The  Socially  Integrative  City”).  Em  Portugal,  esta  perspectiva  encontra‐se  actualmente  presente  no  quadro  da  actual  política  urbana  nacional,  estando  subjacente  à  dimensão  de  intervenção  “Regeneração  Urbana”  da  Política  de  Cidades  Polis  XXI  (2007‐2013).  Reconhece‐se,  contudo,  que  a  actual  crise  económica  terá  efeitos  na  redução  dos  investimentos  públicos  e  um  forte  impacto  no  quotidiano  dos  indivíduos  e  das  comunidades.  Tal  facto  vem  reforçar  mais  a  importância  de  se  perceberem  bem  os  problemas  locais  de  modo  a  que  o  tempo  e  os  escassos  recursos financeiros sejam aplicados nos aspectos que possam ter uma influência mais decisiva nas  suas  vidas,  no  contexto  de  estratégias  integradas,  potenciadoras  de  inovação  social  e  capazes  de  articular os interesses, frequentemente conflituais, dos diversos actores urbanos. 

Uma  visão  aplicada  está,  assim,  claramente  subjacente  a  esta  investigação,  a  qual,  tendo  por  objectivo central identificar e caracterizar as disparidades intra‐urbanas no caso concreto da cidade  do Porto, envolveu a montagem de um dispositivo mais abrangente para a avaliação da qualidade  de  vida  local.  Para  a  concretização  desse  dispositivo  foi  necessário  fazer  escolhas  e  desenvolver  soluções  operacionais  relativamente  a  um  conjunto  de  requisitos  que  à  partida  se  colocaram,  designadamente: 

i. Clarificar um quadro de referência conceptual para a avaliação empírica da qualidade de  vida de proximidade; 

ii. Seleccionar uma escala geográfica compatível para a análise; 

iii. Estabelecer uma metodologia para a determinação das disparidades; 

iv. Conceber  um  conjunto  de  indicadores‐chave  à  escala  intra‐urbana  e  desenvolver  um  sistema de informação de base para a avaliação da qualidade de vida local; 

v. Definir um método para chegar a uma visão de síntese da diferenciação territorial. 

Importa sublinhar que analisar as variações da qualidade de vida no interior das cidades implica  um grande esforço de recolha de dados e de compatibilização de múltiplas fontes, o que explicará,  certamente,  que  este  tipo  de  estudos  seja  ainda  pouco  comum,  designadamente  no  contexto  nacional.  Os  trabalhos  de  Marques  (2004)  e  Ferrão  e  Guerra  (2004),  usando  vastos  conjuntos  de  indicadores, fornecem uma avaliação da qualidade de vida para todos os municípios portugueses,  mas,  em  ambos  os  casos,  a  escala  privilegiada  é  a  concelhia.  O  próprio  Município  do  Porto  tem  vindo a desenvolver um observatório da qualidade de vida urbana, baseado num painel de mais  de  70  indicadores6,  mas  quase  todo  o  acompanhamento  de  tendências  evolutivas  que  é  feito  diz  respeito à trajectória global do concelho/cidade. 

6

Informação sobre este projecto, intitulado “Sistema de Monitorização da Qualidade de Vida Urbana”, encontra-se disponível em http://www.cm-porto.pt/gen.pl?sid=cmp.sections/915.

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Apesar  de  serem  ainda  significativas  as  lacunas  nos  elementos  estatísticos  oficiais  quando  se  pretende  realizar  pesquisas  a  escalas  geográficas  mais  desagregadas7,  o  que  é  facto  é  que  se  tem  vindo a assistir a uma crescente abertura de muitas instituições (públicas e privadas) detentoras de  dados  relevantes  para  a  caracterização  das  condições  locais  no  sentido  de  disponibilizarem  conteúdos  das  suas  bases  de  dados,  por  iniciativa  própria  (por  exemplo,  através  dos  seus  sítios  electrónicos)  ou  na  sequência  de  pedidos  que  lhes  são  dirigidos.  Este  acesso  a  bases  de  dados  sectoriais  – que  frequentemente,  contêm  referências  geográficas como  a  rua, o  número  de  polícia  ou já se encontram mesmo associadas a cartografia digital – e, em paralelo, a possibilidade de usar  meios  computacionais  para  integrar,  agregar  e  analisar  todos  estes  elementos  (em  particular  os  sistemas  de  informação  geográfica),  abrem  novas  possibilidades  às  avaliações  intra‐urbanas  da  qualidade de vida. Tirar partido desse potencial e conseguir converter um manancial de variáveis  dispersas  e  desarticuladas  num  dispositivo  integrado  e  coerente  de  informação  para  apoio  ao  diagnóstico urbano, constituiu um desafio adicional assumido no âmbito da presente dissertação.  Em síntese, os principais resultados que se procurou atingir com este trabalho foram os seguintes: 

 Ensaiar  metodologias  de  análise  que  abram  novas  possibilidades  para  a  leitura  e  compreensão  da  realidade  urbana  actual  e  possam  alimentar  plataformas  multidimensionais  de  monitorização,  de  suporte  à  gestão  estratégica  e  participada  das  cidades  e  à  avaliação  das  políticas,  potenciando  uma  maior  usabilidade  da  informação  estatística disponível à micro‐escala; 

 Aprofundar o conhecimento sobre a diversidade territorial da cidade do Porto, em matéria  das  condições  de  vida  e  de  bem‐estar  de  todos  os  que  nela  residem,  construindo  uma  imagem de conjunto das variações espaciais; 

 Evidenciar  e  caracterizar  os  principais  contrastes  e  desigualdades  que,  a  esse  nível,  se  verificam, de modo a que as situações mais desfavoráveis possam ser objecto de atenção e  intervenção prioritárias. 

3 Estrutura e organização da dissertação

A presente dissertação encontra‐se estruturada em duas partes.  

Na 1ª parte faz‐se uma revisão sumária dos esforços de conceptualização e das principais linhas de  abordagem  empírica  que  têm  vindo  a  ser  propostos  ao  longo  dos  cerca  de  50  anos  que  leva  a  investigação moderna sobre qualidade de vida. Deste modo, pretende‐se contextualizar o quadro 

7 Esta é uma situação que não caracteriza apenas a realidade portuguesa, generalizando-se à grande maioria dos países europeus, como ficou demonstrado pelo escasso número de variáveis que foi possível recolher à escala intra-urbana no âmbito do projecto “Urban Audit IV”. Os censos populacionais continuam a ser a fonte de informação mais rica quando se consideram unidades espaciais mais desagregadas.

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teórico e metodológico adoptado para a avaliação da qualidade de vida na cidade do Porto, a que  se dedica a 2ª parte do trabalho.  No capítulo 1 aborda‐se o conceito de qualidade de vida. Situam‐se as suas origens e traça‐se uma  breve panorâmica da evolução a que tem estado sujeito para melhor evidenciar as perspectivas que  influenciam o debate teórico na actualidade. Distinguem‐se várias esferas de aproximação ao tema  e referenciam‐se algumas das tentativas concretas de modelização, no plano conceptual. Termina‐ se  este  capítulo  a  sustentar  a  sua  relevância  como  potencial  referencial  unificador  das  políticas  urbanas, em particular à escala dos territórios de proximidade. 

As principais linhas de avaliação empírica são sistematizadas e confrontadas entre si no capítulo 2.  Antes  de  se  entrar  propriamente  no  retrato  do  actual  estado  da  arte  no  campo  da  investigação  sobre  qualidade  de  vida  faz‐se  uma  reflexão  mais  geral  sobre  o  uso  de  indicadores  como  ferramentas  de  produção  de  conhecimento  científico  e  como  instrumentos,  cada  vez  mais  generalizados, de suporte à tomada de decisão. 

Conclui‐se  a  1ª  parte  do  trabalho  com  o  capítulo  3  dedicado  concretamente  à  avaliação  da  qualidade de vida em cidades. Sendo culturalmente relativa, a definição de qualidade de vida tem  forçosamente  que  se  enquadrar  em  referenciais  normativos,  em  valores  largamente  partilhados.  Este  é  o  ponto  de  partida  do  capítulo  2  que  se  debruça  sobre  esta  questão  e  procura  identificar  alguns dos pilares que, no contexto da sociedade europeia actual, reúnem um consenso alargado e  que, sendo localmente traduzidos em objectivos claros e transparentes de desenvolvimento, podem  sustentar  os  exercícios  de  avaliação  e  monitorização  da  qualidade  de  vida  em  cidades.  Seguidamente  ilustram‐se  algumas  experiências  de  investigação  aplicada  desenvolvidas  a  diferentes escalas. Procura‐se colocar em evidência o âmbito destes trabalhos e o tipo de resultados  obtidos  para,  a  partir  daqui,  tecer  alguns  comentários  sobre  aqueles  que  são  desafios  e  constrangimentos que continuam a verificar‐se e que reclamam uma atenção particular por parte  da investigação futura.  

A  2ª  parte  do  trabalho  é  integralmente  dedicada  à  avaliação  da  qualidade  de  vida  na  cidade  do  Porto e nela se incluem os capítulos 4, 5 e 6. 

O capítulo 4 estabelece o referencial conceptual e metodológico que sustenta o trabalho empírico  conduzido  no  âmbito  desta  dissertação.  Reconhece‐se,  em  primeiro  lugar,  que  não  obstante  os  indivíduos  se  deslocarem  cada  vez  mais,  e  por  motivos  muito  diversos,  a  qualidade  de  vida  continua a ser, para a maioria das pessoas, uma experiência local, relacionada com a inserção numa  comunidade  e  num  espaço  de  proximidade.  De  seguida,  procura‐se  clarificar  que  a  perspectiva  conceptual  adoptada  –  partindo  da  ideia  de  que  a  qualidade  de  vida  tem  a  ver  com  múltiplas  condições  em  que  se  desenrola  o quotidiano  das  pessoas,  mas  também  com  as  oportunidades  de  escolha  de  que  estas  desfrutam  –  assume  que  esta  é  o  resultado  de  um  processo  cumulativo  complexo  em  que  ocorrem  múltiplas  interacções  entre  os  vários  domínios  que  concorrem  para  o  bem‐estar  humano.  Descreve‐se  o  modelo  de  análise  concreto  estabelecido  para  a  avaliação  da  qualidade  de  vida  de  proximidade,  o  qual  surge  estruturado  em  dois  grandes  blocos  (condições 

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se  as  escolhas  que  conduziram  até  ele.  A  preocupação  central  de  analisar  as  disparidades  intra‐ urbanas no Porto tornou necessária a escolha de uma unidade espacial de análise, compatível com  o exercício em causa, mas também viável do ponto de vista da recolha de informação empírica. A  escolha assumida de utilização das secções estatísticas do INE é, igualmente, debatida no capítulo  4, o qual conclui com uma descrição detalhada da metodologia usada para o desenvolvimento da  abordagem  empírica.  Discutem‐se,  em  particular,  as  opções  assumidas  de  privilegiar  o  recurso  a  indicadores de natureza objectiva, bem como de recorrer a indicadores‐chave para se medirem as  desigualdades e se construir a uma visão de síntese da qualidade de vida de proximidade. 

O capítulo 5 é inteiramente dedicado à apresentação dos resultados a que se chegou na sequência  de  uma  primeira  análise  da  variação  intra‐urbana  da  qualidade  de  vida,  conduzida  numa  lógica  sectorial. Para cada um dos onze domínios incluídos no modelo de análise – habitação, ambiente,  espaços  verdes,  equipamentos  e  serviços  de  proximidade,  mobilidade  e  segurança,  referentes  às  condições territoriais, e rendimento e nível de vida, emprego e condições laborais, educação, saúde  e família e redes sociais, referentes às condições individuais – é desenvolvida uma caracterização  da situação da cidade e das disparidades observadas a nível intra‐urbano, apoiada por cartografia.  Em cada um dos casos, esta apresentação de resultados é antecedida por um breve enquadramento  do  domínio  em  causa,  realizado  a  partir  da  literatura  especializada,  em  que  se  identificam  os  mecanismos  causais  através  dos  quais  este  interfere  na  qualidade  de  vida  dos  cidadãos  e  que  funciona  como  quadro  de  referência  para  a  abordagem  analítica  conduzida  e  para  a  leitura  e  compreensão  dos  resultados  empíricos.  A  importância  concreta  que  os  residentes  na  cidade  do  Porto atribuem a cada um dos domínios enquanto determinantes do seu bem‐estar individual – de  acordo com dados obtidos através de um inquérito municipal – é ainda apresentada neste capítulo  5. 

Após  a  leitura  da  variação  intra‐urbana  nos  diferentes  domínios  privilegiados  no  modelo  de  análise  adoptado,  apresenta‐se,  no  capítulo  6,  uma  visão  integrada  dos  contrastes  espaciais  existentes no centro urbano. Antes de se entrar, propriamente, na discussão dos resultados obtidos,  situa‐se  a  abordagem  desenvolvida  no  contexto  mais  geral  do  estudo  da  fragmentação  urbana.  Assinala‐se a sua divergência do mainstream das análises orientadas exclusivamente para as áreas  urbanas  em  declínio  e  enfatiza‐se,  quer  o  seu  carácter  extensivo,  procurando  dar  conta  da  pluralidade  de  realidades  que  caracterizam  a  cidade  contemporânea,  quer  o  seu  enfoque  mais  abrangente, atento à identificação dos problemas mas também das vantagens e das oportunidades  das diferentes áreas. Segue‐se a apresentação dos padrões da diferenciação intra‐urbana e discute‐ se  o  que  estes  exprimem  em  termos  dos  desequilíbrios  actuais  das  condições  de  vida  e  de  bem‐ estar da população. Relativamente à imagem resultante – baseada na classificação das unidades de  análise  (secções  estatísticas)  segundo  uma  tipologia  de  síntese  construída  de  modo  a  traduzir  as  principais combinações entre condições do quadro de vida de proximidade e condições individuais  das  quais  resultarão,  certamente,  experiências  de  vida  quotidiana  distintas  –  sinalizam‐se  as  situações mais desfavoráveis e questionam‐se as suas perspectivas de evolução futuras. 

No  final,  procede‐se  à  apresentação  das  conclusões  principais  desta  dissertação  e  debatem‐se  as  condições em que dispositivos de avaliação da qualidade de vida à escala intra‐urbana podem dar  um contributo relevante para uma nova geração de políticas urbanas. 

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1ª PARTE – Qualidade de vida urbana: o quadro teórico

e a avaliação empírica

1 As origens e a evolução do conceito de qualidade de vida

2 Abordagens, métodos e instrumentos da análise empírica

3 Avaliar a qualidade de vida urbana

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Introdução

É grande o interesse que, ao longo dos anos, o tema da qualidade de vida tem vindo a despertar,  quer ao nível da investigação mais teórica, quer ao nível da análise empírica. Tal não significa que  exista hoje uma unanimidade quanto a uma definição precisa do conceito ou quanto às formas de o  medir. Pelo contrário, o facto de a qualidade de vida emergir como um foco de atenção por parte  de várias disciplinas – do domínio das ciências sociais, da psicologia, da medicina, (…) –, encarada,  umas  vezes,  ao  nível  do  indivíduo,  outras  ao  nível  de  comunidades,  tem  contribuído  para  a  proliferação de noções e de abordagens, por vezes muito distintas8

Ao  longo  dos  três  capítulos  iniciais  que  constituem  a  1ª  parte  da  dissertação  procura‐se  sistematizar  as  principais  perspectivas  e  orientações  que  marcam  hoje  em  dia  a  pesquisa  sobre  qualidade de vida no plano teórico (capítulo 1), no plano metodológico (capítulo 2), e no plano da  investigação aplicada em cidades (capítulo 3), traçando o quadro de referência indispensável para  situar e fundamentar as bases conceptuais e a abordagem empírica adoptadas na análise do caso de  estudo, desenvolvido na 2ª parte desta dissertação. 

A visão que se dá do debate em curso é necessariamente parcial, uma vez que se seleccionaram as  abordagens  que  se  consideraram  mais  relevantes,  na  perspectiva  do  trabalho  desenvolvido  nesta  dissertação.  De  fora  ficam,  assim,  contributos  teóricos  e  metodológicos  importantes,  muitos  dos  quais  identificados  e  debatidos  em  exercícios  de  sistematização  anteriores,  contidos,  designadamente,  nos  trabalhos  de  Phillips  (2006),  Setién  (1993)  e  Sirgy  et  al.  (2006)  ou  ainda,  no  caso de publicações portuguesas, de Ferrão (2004), Marques (2004) e Pinto (2005). 

Esta componente do trabalho foi essencialmente desenvolvida a partir de uma revisão de literatura  especializada que é, nesta altura, muito extensa e fragmentada. Para além de várias obras teóricas  dedicadas ao tema, publicadas sobretudo ao longo das duas últimas décadas, tem vindo a assistir‐ se  a  uma  proliferação  de  artigos  empíricos  em  publicações  e  revistas  científicas,  dispersos  por  múltiplas  áreas  disciplinares.  Acresce  a  este  volume  de  materiais  um  outro  manancial  de  documentação,  grande  parte  dele  orientado  para  as  questões  metodológicas  e  de  avaliação,  produzido por organismos e instituições internacionais9. Entre estes, cabe destacar a Organização  para  a  Cooperação  e  Desenvolvimento  Económico  (OCDE),  a  Organização  Mundial  de  Saúde  (OMS) e a própria União Europeia (EU), em particular através da Agência Europeia do Ambiente  (EEA) e da Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho (Eurofound). 

8 No endereço http://www.deakin.edu.au/research/acqol/index.php do “Australian Centre on Quality of Life”, unidade de investigação inserida na Universidade de Deakin, encontra-se uma secção dedicada à exemplificação de como o conceito de qualidade de vida tem vindo a ser definido e aplicado por variadas disciplinas no âmbito da economia, das ciências sociais e da medicina.

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Madureira Pinto (2010) refere-se a este contributo dos “sistemas periciais”, assinalando o papel inovador que este tipo de instituições exteriores ao mundo académico tem desempenhado no processo de elaboração de conhecimento científico.

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Relativamente  a  esta  última,  impõe‐se  uma  nota  de  destaque.  Desde  2003,  ano  em  que  foi  divulgado o relatório “Monitoring Quality of Life in Europe” (Fahey, Nolan e Whelan, 2003), que esta  Fundação, através dos múltiplos trabalhos publicados, tem vindo a contribuir, não apenas para um  melhor conhecimento das condições de vida e dos níveis de satisfação dos cidadãos europeus, mas  também para um aprofundamento do debate teórico e metodológico em torno da própria avaliação  da qualidade de vida no contexto da sociedade actual.  Para além da literatura tradicional, a internet constituiu uma fonte importante para se poder aceder  a outro tipo de suportes em que são apresentados desenvolvimentos que vão sendo produzidos ao  nível  da  investigação  aplicada.  Sendo  um  repositório  imenso  de  informação  que  oferece  grandes  potencialidades,  a  sua  exploração  exige  métodos  de  trabalho  particularmente  rigorosos  e  procedimentos muito disciplinados. 

1 As origens e a evolução do conceito de qualidade de vida

Qualquer  revisão  de  literatura  sobre  o  tema  encontrará,  certamente,  referências  à  ausência  de  consenso  sobre  a  definição  de  qualidade  de  vida.  Um  desentendimento  epistemológico,  como  classifica  Rogerson  (1995)  leva,  na  verdade,  a  que  a  expressão  assuma  uma  multiplicidade  de  conotações:  bem‐estar  individual  ou  de  grupos,  satisfação  com  a  vida,  felicidade,  nível  de  prosperidade  de  uma  sociedade,  condições  de  vida  e  amenidades  de  um  território,  ou  mesmo  condições de saúde de uma população. 

A  dificuldade  de  conceptualizar  a  qualidade  de  vida  reflectirá,  em  larga  medida,  a  sua  complexidade  enquanto  construção  multidimensional  que  remete  para  todo  um  conjunto  de  aspectos, materiais e imateriais, que contribuem para que as pessoas se sintam bem e se realizem  no seu dia‐a‐dia. Também a circunstância de a qualidade de vida, pela sua natureza intrínseca, ser  muito  sensível  ao  factor  tempo,  acompanhando  a  transformação  das  necessidades,  dos  modelos  culturais e dos valores, cria um factor adicional de dificuldade à estabilização do seu significado,  sobretudo quando se pretende passar de formulações vagas e genéricas para definições mais claras  e específicas.  A somar a estes factores surge ainda o facto de ser uma noção trabalhada por diferentes disciplinas  académicas, cada uma delas com um ângulo de abordagem próprio, decorrente das suas próprias  origens, tradições e orientações actuais. 

Apesar  destes  e  de  outros  obstáculos  que  poderiam  ser  referidos,  muitos  têm  sido  os  esforços  levados a cabo no sentido de tornar o conceito de qualidade de vida uma construção mais robusta,  capaz de enquadrar diferentes perspectivas e motivações na sua investigação. 

1.1 As propostas iniciais

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contribuir  para  essa  qualidade.  Na  tentativa  de  situar  cronologicamente  as  origens  deste  tipo  de  preocupações,  autores  como  Diener  e  Suh  (1997),  Sirgy  et  al.  (2006)  ou  Rapley  (2003)  recuam  ao  tempo dos antigos gregos para demonstrar que, pelo menos a partir desta altura, este tem sido um  tema em permanente discussão num plano teórico‐filosófico.  

No  contexto  das  ciências  sociais  o  debate  e  a  investigação  sobre  o  conceito  de  qualidade  de  vida  irrompem, porém, muito mais tardiamente. 

1.1.1 Monitorizar a realidade social: o enfoque nas condições de vida

Apesar  de  alguns  trabalhos  anteriores  se  terem  dedicado  à  análise  das  condições  sociais  –  destacando‐se,  entre  eles,  o  do  sociólogo  William  Ogburn,  em  particular  o  seu  relatório  “Recent  Social Trends”, de 1933, elaborado no âmbito do Comité de Investigação sobre Tendências Sociais,  criado nos EUA pela Presidência Hoover (Massam, 2002) –, a verdade é que só é possível falar de  uma frente de investigação sobre o tema a partir de meados da década de 6010.  

É,  de  facto,  só  a  partir  desta  altura  que  a  expressão  “qualidade  de  vida”  ganha  uma  crescente  difusão,  coincidindo  com  o  início  de  um  debate  público  em  torno  daquela  que  passa  a  ser  uma  realidade evidente: o crescimento económico (que se vinha a registar) e o próprio desenvolvimento  não se traduzem necessariamente na melhoria das condições de vida das populações. A clivagem  cada vez maior entre países ricos e países pobres coloca em causa, inevitavelmente, o paradigma  da  “modernização”.  Por  outro  lado,  mesmo  no  conjunto  dos  países  ricos,  tornam‐se  evidentes  os  desequilíbrios  internos  de  natureza  social,  concretamente  a  persistência  de  bolsas  de  pobreza  e,  sobretudo  nas  áreas  mais  urbanizadas,  a  manifestação  de  um  conjunto  de  realidades  que,  nesta  fase,  eram  globalmente  classificadas  como  problemas  de  congestão,  por  exemplo  o  aumento  da  criminalidade e da degradação de certas áreas (Martinotti in Nuvolati, 1998 ). 

É também neste período que se começa a afirmar uma nova consciência sobre o ambiente, sobre os  impactos do modelo de desenvolvimento em vigor e, sobretudo, sobre o consumo incontrolado dos  recursos naturais finitos. Os trabalhos do Clube de Roma, em particular o relatório publicado em  1972,  “Os  limites  do  crescimento”,  desenvolvido  por  um  grupo  de  investigadores  do  MIT  (Massachusetts Institute of Technology), contribuíram significativamente para que o ambiente e a sua  preservação passassem a ocupar um lugar de destaque na agenda científica e política.  

Todas estas realidades suscitam a investigação sobre a problemática da qualidade de vida, sobre os  factores  que  a  determinam  e  sobre  as  formas  de  promover  a  sua  melhoria.  À  falência  do  crescimento económico como o grande objectivo da sociedade, contrapõe‐se, assim, uma crescente  proeminência  do  conceito  de  qualidade  de  vida,  o  qual  emerge  como  uma  alternativa  mais 

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Os esforços precursores não tiveram sequência, em grande medida, devido à Grande Depressão e, depois, à Segunda Guerra Mundial, que desviaram a atenção da monitorização social para os indicadores económicos, os quais passaram a ser alvo de atenção, praticamente exclusiva, no decorrer dos anos 40 e 50.

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complexa e multidimensional. Nestas discussões iniciais, as preocupações desdobravam‐se entre as  condições individuais e a qualidade da própria sociedade: igualdade de direitos, oportunidades de  participação, protecção de minorias (Zapf, 2000). 

O PIB, proposto nos anos 30 por Kuznets, e desde essa altura usado não apenas como uma medida  de progresso económico – finalidade para a qual foi originalmente criado – mas como uma proxy  do  bem‐estar  da  sociedade,  é  vigorosamente  posto  em  causa.  Entre  os  factores  que  o  tornam  desadequado para este efeito e que suscitam grandes críticas conta‐se, desde logo, a circunstância  de  contabilizar  as  transacções  monetárias  relacionadas  com  a  produção  de  bens  e  serviços  independentemente  de  estas  contribuírem  ou  não  para  a  qualidade  de  vida  das  pessoas.  Com  efeito,  nesta  contabilidade  não  se  diferenciam  custos  de  benefícios  e  trata‐se  de  igual  modo  as  actividades  que  promovem  o  bem‐estar  e  aquelas  que  o  ameaçam.  Como  chamam  a  atenção  Cummins  et  al.  (2003,  p.  160):  “(...)  GDP  includes,  as  positive  addictions  to  the  index,  moneys  spent  fighting the breakdown of social structure, exploitative destruction of the natural environment, maintaining  prisons, health care following drug abuse, and so on”. Uma outra limitação que se tornou evidente era a  de que o PIB não atendia a um aspecto central, mesmo em termos monetários: a real distribuição  do rendimento. 

Surgem, neste final dos anos 60, várias publicações contendo propostas de sistemas de indicadores  sociais  com  o  objectivo  de  tornar  a  avaliação  do  progresso  um  exercício  que  não  envolva  apenas  variáveis  económicas  e  passe  a  atender  a  outras  dimensões  que  influenciam  a  qualidade  de  vida  das  populações.  De  acordo  com  Sharpe  (1999),  uma  das  primeiras  publicações  a  aparecer  foi  “Toward a Social Report”, documento criado pela Administração americana do Presidente Johnson,  com o propósito de fornecer uma avaliação das condições sociais no país, tal como acontecia já com  as condições económicas, tradicionalmente objecto de relatórios periódicos11

Esta  busca  de  novos  instrumentos  que  pudessem  ajudar  a  ultrapassar  as  visões  exclusivamente  baseadas em medidas económicas alimentou uma corrente de investigação nas ciências sociais que  habitualmente  é  designada  como  “Movimento  dos  indicadores  sociais”12.  Iniciado  nos  EUA,  este  movimento alastrou para a Europa e floresceu ao longo dos anos 70, com vários países – EUA, Grã‐ Bretanha, França, Alemanhã e Holanda (Cobb e Rixford, 1998, cit. por Scrivens e Iasiello, 2010) – a  publicarem relatórios de monitorização social. Em 1974 é lançada a revista Social Indicators Research,  fundada  por  Alex  Michalos,  que  desempenhou  um  importante  papel  na  difusão  da  investigação  produzida. 

11 Vários autores, entre os quais Noll (2004), são mais precisos e referem que o que terá despoletado este movimento terá sido o interesse da Agência Espacial Norte-Americana (NASA) em recolher dados que lhe permitissem prever quais poderiam ser os efeitos do programa espacial na sociedade americana. A constatação de que não só a informação disponível era muito escassa como o quadro conceptual e metodológico que lhe estava associado era muito frágil terá constituído um impulso decisivo para esta investigação.

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Para  a  dinâmica  deste  movimento  foi  igualmente  decisivo  o  papel  activo  assumido  por  várias  agências internacionais, como é o caso do Banco Mundial, da OCDE, da OMS e das Nações Unidas  (Alkire  e  Sarwar,  2009).  No  caso  concreto  da  OCDE,  esta  organização  instituiu,  em  1970,  um  programa  visando  o  desenvolvimento  de  indicadores  sociais,  o  qual  conduziu  à  “Lista  de  Indicadores Sociais da OCDE”, contendo 33 indicadores divididos por oito áreas principais: saúde,  educação e aprendizagem, emprego e qualidade de vida no trabalho, tempo e lazer, bens e serviços  disponíveis,  meio  físico,  segurança  das  pessoas  e  administração  da  justiça,  participação  na  vida  colectiva (Pinto, 2005). Para além de um conjunto de medidas, este programa produziu uma série  de  linhas  de  orientação  no  sentido  de  ajudar  os  países  membros  a  monitorizarem  os  fenómenos  sociais. 

Para  os  envolvidos  neste  movimento,  este  foi  um  período  de  grande  entusiasmo  face  à  possibilidade  de  modelização  das  estruturas  e  dos  processos  sociais  (Land,  2001)  e  face  à  possibilidade  de  os  indicadores  se  afirmarem  como  ferramentas  verdadeiramente  úteis  na  definição das estratégias e das prioridades dos governos, projectando a qualidade de vida como o  grande  enfoque  das  políticas  públicas  (Noll,  1996).  Com  efeito,  esperava‐se  que  os  indicadores  sociais não assumissem apenas uma função de descrição das condições de vida e de monitorização  de  tendências  evolutivas,  mas  também  uma  função  de  suporte  directa  à  intervenção.  Tal  ideia  encontra‐se claramente expressa na definição das Nações Unidas, invocada por Noll (2004, p. 153),  em que os indicadores sociais eram caracterizados como “(…) statistics that usefully reflect important  social  conditions  and  their  evolution.  Social  indicators  are  used  to  identify  social  problems  that  require  action, to develop priorities and goals for action and spending, and to assess the effectiveness of programs and  policies”. 

Nos  anos  80  a  investigação  em  torno  dos  indicadores  sociais  perde  vigor.  O  agravamento  das  condições económicas remete para segundo plano as preocupações sociais e leva mesmo à redução  dos  investimentos  neste  domínio  por  parte  dos  países  e  das  agências  internacionais  que,  antes,  tinham  sido  grandes  impulsionadoras  deste  tipo  de  projectos.  Mas  outros  factores  explicam  também  este  declínio.  Segundo  Sharpe  (1999),  terá  sido  igualmente  determinante  o  facto  de  se  registar  uma  deriva  para  posições  ideologicamente  mais  conservadoras13  e,  em  paralelo,  a  constatação de que, na prática, o recurso aos indicadores sociais por parte dos decisores era muito  escasso e de que a sua utilidade para orientar as políticas ficava muito aquém das expectativas. Por  seu  lado,  Scrivens  e  Iasiello  (2010),  baseando‐se  em  Cobb  e  Rixford  (1998),  acrescentam  relativamente  aos  anteriores  três  outros  argumentos:  a  incapacidade  de  se  desenvolver  uma  métrica  comum  que  permitisse  agregar  indicadores  (algo  equivalente  ao  dinheiro  no  caso  das  medidas económicas), a ausência de um quadro teórico abrangente que fosse integrador das várias  dimensões analisadas pelos indicadores sociais e, finalmente, a impossibilidade de se dispor de um  referencial normativo consensualizado, com base no qual as tendências observadas pudessem ser 

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Esta deriva torna-se mais efectiva com a eleição de Ronald Reagan para a Presidência dos EUA e de Margaret Thatcher para líder do governo britânico.

Referências

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