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Alguns constrangimentos e desafios à investigação aplicada sobre qualidade de vida urbana

Introdução É grande o interesse que, ao longo dos anos, o tema da qualidade de vida tem vindo a despertar, 

F. Prósperas: com uma economia local florescente, diversificada e inovadora; G Justas para todos: incluindo os que pertencem a outras comunidades, no 

9. CULTURA E LAZER 1 Cultura e lazer

3.3 Alguns constrangimentos e desafios à investigação aplicada sobre qualidade de vida urbana

No  final  do  primeiro  capítulo  desta  dissertação  foi  referido  que  as  políticas  urbanas  estavam  a  mudar.  Perante  essas  mudanças  –  que  se  associaram  às  ideias‐chave  de  integração,  governança,  enfoque  espacial  e  avaliação  –  foi  visto  que  a  noção  de  qualidade  de  vida,  enquanto  referencial  integrador,  se  apresenta  particularmente  atractiva,  dada  a  sua  capacidade  de  resumir  a  complexidade  dos  desafios  da  vida  moderna  nos  planos  individual  e  colectivo,  mas  também  nos  planos  material  e  imaterial.  Neste  contexto,  foi  enfatizada  a  necessidade  de  se  desenvolverem  e  generalizarem  novos  sistemas  de  informação  que  ajudem  a  rever  os  diagnósticos  urbanos,  mas  também  a  construir  respostas  inovadoras  –  integradas,  coerentes  e  colaborativas  –  para  os  problemas da vida das pessoas nas cidades. 

Em  seguida,  no  segundo  capítulo  deste  trabalho,  foi  feita  uma  incursão  num  terreno  mais  “técnico”,  dando‐se  uma  panorâmica  das  abordagens  e  das  ferramentas  que  ao  nível  da  análise  empírica se encontram hoje disponíveis para medir a qualidade de vida.  

Finalmente, neste terceiro capítulo, procurou traçar‐se um retrato da situação actual no que toca à  investigação aplicada sobre a qualidade de vida em cidades. Procurou‐se, em particular, averiguar  em  que  moldes  estas  abordagens  e  instrumentos  estão  a  ser  usados  e,  se,  de  facto,  estão  a  ir  ao  encontro  das  expectativas  que  foram  atrás  enunciadas.  A  concluir  esta  revisão  de  projectos 

implementados a diferentes escalas geográficas e recorrendo a abordagens muito diversas, e numa  tentativa de síntese, vários pontos merecem ser sublinhados.  

Antes de mais importa lembrar que em todas estas experiências a perspectiva da mera acumulação  de dados – objectivos e subjectivos – nunca esteve presente. O propósito dominante foi sempre o  de  apoiar  o  desenvolvimento  de  políticas  urbanas  e  de  agendas  para  a  acção.  A  ideia  de  “democratizar”  o  acesso  à  informação,  tornando  acessível  ao  maior  número  de  actores  locais  os  elementos  que  os  habilitem  a  participar  activamente  no  processo  de  desenvolvimento  urbano,  constitui igualmente uma motivação forte da investigação levada a cabo nos últimos tempos.  Apesar dos projectos de avaliação da qualidade de vida encerrarem uma aposta em oferecer uma  visão coerente e holística da situação da cidade e dos seus problemas, a verdade é que a fragilidade  dos referenciais conceptuais adoptados na maior parte dos casos, leva a que os resultados obtidos  se fiquem por retratos abrangentes mas relativamente genéricos das condições de vida e de bem‐ estar que, na prática, pouco auxiliam o processo de decisão técnica, política. Com efeito, em muitos  deles,  o  esforço  continua  a  incidir  exclusivamente  sobre  o  acompanhamento  da  evolução  dos  indicadores  individuais,  não  se  explorando  a  forma  como  os  diferentes  temas  e  medidas  interactuam entre si, nem os mecanismos causais que determinam as trajectórias observadas. Esta  debilidade  leva  Hoernig  e  Seasons  (2004,  p.  88)  a  afirmar:  “(...)  its  lack  of  sophistication  limits  the  ability  of  this  model  to  provide  an  analytical  tool  by  which  to  examine  relationships  between  sectors  and  patterns and to guide future action”. 

Para  além  destes  constrangimentos  associados  à  fragilidade  dos  referenciais  conceptuais  e  à  natureza meramente descritiva da maioria dos exercícios de avaliação, impõe‐se uma referência à  forma  como  os  resultados  são  sintetizados  e  comunicados.  A  este  nível,  aquilo  que  se  constata  é  que raramente existe uma verdadeira infra‐estrutura de informação, que permitindo integrar e tirar  partido  dos  dados  armazenados,  produza  os  outputs  ajustados  às  necessidades  dos  múltiplos  beneficiários  da  avaliação  da  qualidade  de  vida:  decisores  políticos,  técnicos,  organizações  da  comunidade e os próprios cidadãos. 

A  questão  da  escala  de  abordagem  reveste‐se  também  de  uma  particular  relevância.  Os  valores  médios  que  são  determinados  para  a  cidade  no  seu  conjunto  –  no  contexto  das  análises  de  avaliação comparada e mesmo na maioria das análises centradas numa única metrópole – acabam  por  não  ser  suficientes  para  suportar  a  acção  concreta.  Com  efeito,  as  disparidades  têm  vindo  a  agravar‐se no interior das cidades o que leva a que os fenómenos de segmentação sócio‐espacial se  acentuem  cada  vez  mais.  Não  ajudando  a  dar  resposta  a  esta  necessidade  de  aprofundar  o  conhecimento  sobre  as  disparidades  induzidas  pelas  mudanças  socioeconómicas  e  tecnológicas  que  atingem  a  sociedade  moderna  e  de  que  as  cidades  são  palco  privilegiado,  estes  sistemas  de  indicadores  não  se  revelam  como  dispositivos  verdadeiramente  úteis  para  apoiar  a  definição  de  estratégias e o desenho das intervenções concretas. 

Entretanto,  alguns  factores  abrem  novas  perspectivas.  No  que  diz  respeito  à  informação  de  natureza  objectiva,  a  disponibilidade  cada  vez  maior  de  bases  de  dados  georreferenciadas  e  de 

facilidades para o seu processamento e análise, como é o caso dos SIG, abrem novos horizontes ao  desenvolvimento de novas plataformas para compreender e pensar estrategicamente a realidade a  múltiplas escalas. Estão hoje muito mais disseminadas estas ferramentas sofisticadas de integração  de dados e de análise espacial, mas também os conhecimentos especializados necessários para que  se possa tirar efectivo partido deste tipo de tecnologias.  

Um  desafio  que  se  coloca  para  que  possam  emergir  estes  instrumentos  inovadores  ao  nível  da  observação,  da  análise  e  da  difusão  de  informação  no  que  diz  respeito  aos  territórios  urbanos  é,  pois,  o  de  criar  “ambientes”  que  conjuguem,  em  permanência  (e  não  em  episódios  raros),  informação  criteriosa,  tecnologia  adequada,  conhecimentos  especializados  e  cooperação  transdisciplinar  de  modo  a  que  as  várias  componentes  conceptuais  e  metodológicas  destes  projectos possam ser devidamente asseguradas.  

Podendo  contribuir  decisivamente  para  que  se  verifique  uma  maior  integração  entre  a  monitorização  da  qualidade  de  vida  e  as  práticas  de  concepção,  desenvolvimento  e  avaliação  de  políticas,  estes  dispositivos  deverão  ser capazes  de  produzir  os “materiais” apropriados ao perfil  dos  diferentes  utilizadores  e  à  finalidade  a  que  se  destinam.  Nessa  medida,  mais  do  que  a  imposição de certo tipo de formatos definidos aprioristicamente (índices sintéticos ou baterias de  indicadores, indicadores descritivos ou analíticos, retratos da situação ou relatórios interpretativos,  etc.), interessará a versatilidade para moldar os outputs que facilitem uma eficaz comunicação entre  esferas  de  poder,  de  interesses  e  de  actuações  e  suportem  processos  de  aprendizagem  e  mobilização  colectiva  que  melhorem  a  qualidade  de  vida  nas  cidades  e  combatam  as  desigualdades. 

             

2ª PARTE – A avaliação da qualidade de vida