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(1)UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO. UM DIÁLOGO SOBRE O PENSAMENTO ÉTICO E POLÍTICO DE AGOSTINHO E LUTERO. POR LUCAS ANDRADE RIBEIRO. .. São Bernardo do Campo — 2015.

(2) UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO. UM DIÁLOGO SOBRE O PENSAMENTO ÉTICO E POLÍTICO DE AGOSTINHO E LUTERO. POR LUCAS ANDRADE RIBEIRO. Dissertação apresentada em cumprimento às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção do grau de Mestre, sob a orientação do Prof. Dr. Rui de Souza Josgrilberg.. São Bernardo do Campo — Junho de 2015.

(3) FICHA CATALOGRÁFICA R354d. Ribeiro, Lucas Andrade Um diálogo sobre o pensamento ético e político de Agostinho e Lutero /-- São Bernardo do Campo, 2015. 149fl. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Faculdade de Humanidades e Direito, Programa de Pós Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo Bibliografia Orientação de: Rui de Souza Josgrilberg 1. Reino de Deus 2. Agostinho, Santo, Bispo de Hipona – Crítica e interpretação 3. Lutero, Martin, 1483-1546 – Crítica e interpretação 4. Ética 5. Política I. Título. CDD 230.4.

(4) A dissertação de mestrado sob o título Um diálogo sobre o pensamento ético e político de Agostinho e Lutero, elaborada por Lucas Andrade Ribeiro foi defendida e aprovada aos 18 de Março de 2015, perante banca examinadora composta por: Dr. Rui de Souza Josgrilberg (Presitente, UMESP), Dr. Dr. Luiz Jean Lauand (Titular, UMESP) e Dr. Jorge Pinheiro dos Santos (Titular, FTBSP).. Prof. Dr. Rui de Souza Josgrilberg ORIENTADOR E PRESIDENTE DA BANCA EXAMINADORA. Prof. Dr. Helmut Renders COORDENADOR DO PROGRAMA. PROGRAMA. Pós-Graduação em Ciências da Religião ÁREA DE CONCENTRAÇÃO. Linguagens da Religião LINHA DE PESQUISA. Teologias das Religiões e Cultura.

(5) 5. AUTOBIOGRAFIA. Meu nome é Lucas Andrade Ribeiro. Nasci em 16 de Novembro de 1987, em Ipatinga, estado de Minas Gerais. Filho de Waldir Ribeiro de Paula e Sonia de Sousa Andrade Ribeiro. Fiz o Ensino Fundamental no Colégio Tiradentes da Polícia Militar de Minas Gerais, escola que ingressei mediante concurso público quando tinha seis anos de idade, já o Ensino Médio cursei no Colégio São Francisco Xavier – escola com forte ênfase na preparação para o vestibular, ambos em minha cidade natal. Desde muito novo me inclinei para as questões relacionadas à religião e a fé, pois cresci em um ambiente bastante religioso, o que me levou a professar publicamente minha fé em uma Igreja Metodista ainda com doze anos de idade. Tive a oportunidade de ingressar no curso de Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com apenas dezoito anos, no ano de 2006, fiz um bom curso e lá tive a oportunidade de conhecer a amplitude do mundo acadêmico e as oportunidades, encantos e dificuldades que este oferece. Porém, devido a um sentimento de chamado pastoral, resolvi que deveria prosseguir para o curso de Teologia da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista na Universidade Metodista de São Paulo, ingressando no curso em São Bernardo do Campo no ano de 2011. Desde que cheguei neste curso percebi o quanto este me satisfazia e me fazia me sentir extremamente realizado em estuda-lo. Todavia, queria aprofundar meus conhecimentos acadêmicos, e o curso de Filosofia que havia feito me deixou com uma pai-.

(6) 6 xão que não tive a oportunidade de estudar na Unicamp, o pensamento do teólogo/filósofo antigo Agostinho de Hipona. Foi a partir disso, que iniciei ainda no ano de 2011 conversas com o prof. Dr. Rui de Souza Josgrilberg, a quem tenho a honra de ser orientando, dialogando sobre a possibilidade de uma orientação de mestrado nas reflexões do antigo bispo de Hipona e as influências que este tem até os dias atuais nas mais diversas confissões cristãs, sobretudo, dentro da tradição protestante. Foi assim, que no início do ano de 2013, com vinte e cinco anos de idade, ingressei no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da U MESP e, com incentivo dos professores e do CNPq, busco o grau de Mestre em Ciências da Religião, na área de Linguagens da Religião – Teologias das Religiões e Cultura. Pesquiso Agostinho de Hipona e Lutero, que me inspiram e me levam a refletir sobre a magnitude das possibilidades de se conhecer e se relacionar com Deus. Estudando suas Teologias e Filosofias que vêm motivando homens e mulheres a se moverem na história ao longo de tantos séculos. O interesse pela Filosofia e pela Teologia me impulsiona em minhas pesquisas e reflexões, levando-me a buscar por caminhos para vivenciar e experienciar uma fé que seja cônscia e atuante na sociedade. Escolhi Agostinho e Lutero para serem os autores de referência desta pesquisa, pois me identifico com a trajetória destes pensadores, ambos foram cultos nas ciências de sua época, e ao mesmo tempo foram fervorosos cristãos e pastores do rebanho, um na pequena cidade de Hipona no norte da África e outro na efervescente região alemã no século 16. Enquanto aluno de Mestrado, realizo meu estágio acadêmico na graduação da Faculdade de Teologia da Universidade Metodista de São Paulo junto com o professor Rui de Souza Josgrilberg, lecionando disciplinas de Fundamentos de Teologia e História, Estudos de Ética e Teologia Pública e Estudos de Teologia Sistemática. Também participo do Grupo de Pesquisa Teologia no Plural, Grupo de Pesquisa Paul Tillich de Teologia e Cultura, e Grupo de Pesquisa Archeion: Hermenêutica Fenomenológica de Textos Religiosos. Atualmente desejo estabelecer minha experiência de trabalho no campo da filosofia e teologia da religião, em especial no pensamento agostiniano e na reflexão luterana..

(7) para Debora Kanhet Werderits Ribeiro.

(8) “Tu o incitas para que sinta prazer em louvar-te; fizeste-nos para ti, e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em ti.” Agostinho de Hipona.

(9) Esta pesquisa foi patrocinada pelo CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. A essa instituição e aos professores e responsáveis que me recomendaram à bolsa de estudos expresso aqui a minha gratidão..

(10) AGRADECIMENTOS. Agradeço a Deus, Agradeço à família, Agradeço à Debora, Agradeço ao meu orientador prof. Dr. Rui de Souza Josgrilberg, Agradeço aos amigos e às amigas, Agradeço à Igreja Metodista no Brasil. Agradeço ao CNPq.. A todos, meu mais sincero obrigado!.

(11) RIBEIRO, Lucas Andrade. Um diálogo sobre o pensamento ético e político de Agostinho e Lutero. São Bernardo do Campo, 2015. 149f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião – Linguagens da Religião) — Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2015.. SINOPSE. Esta pesquisa procura entender o pensamento de Agostinho de Hipona e de Martinho Lutero, especificamente, no que concerne a suas obras que abordam a temática da ética e da política. Particularmente, a compreensão das metáforas da Cidade de Deus e Cidade dos Homens em Agostinho, e a recepção e ressignifição efetuada por Lutero e a construção de suas metáforas dos Dois Reinos, ou Dois Regimentos, é foco central desta dissertação. Para tal, será usada a concepção do filósofo contemporâneo Paul Ricoeur e seu entendimento do papel da metáfora. Para articular estas ideias será necessário pensar e expor as ideias agostinianas sobre sua Teologia da História. Após este momento, estuda-se duas doutrinas que são fundamentais para o pensamento teológico do reformador alemão: a questão sobre a Justificação pela Fé e a integração com as Boas Obras. O estudo do pensamento destes autores terá como objetivo dialogar dois pensadores cristãos que continuam sendo usados até os dias atuais pelas igrejas, buscando perceber as oportunidades e limitações que suas reflexões podem trazer para a prática da igreja atual. Para que ela seja atuante e relevante para a construção de uma sociedade mais justa, fraterna e marcada pelos valores de Cristo, tendo o amor como sua base sustentadora. Palavras-chave: Agostinho – Lutero – ética – política.

(12) RIBEIRO, Lucas Andrade. A dialogue on the ethical and political thought of Augustine and Luther. São Bernardo do Campo, 2015. 149f. Thesis (Master Degree in Sciences of Religion – Languages of Religion) — São Paulo Methodist University, São Bernardo do Campo, 2015.. ABSTRACT. This research seeks to understand the thoughts of Augustine of Hippo and Marti n Luther, specifically, regarding to their works that address the theme of ethics and politics. In particular, to understand the metaphors of the City of God and City of Men in Augustine, and the reception and resignification made by Luther in the construction of his metaphors of the Two Kingdoms, or Two Regiments, is central focus of this dissertation. To this end, will be used the understanding of the role of metaphor in the contemporary philosopher Paul Ricoeur. To articulate these ideas will be necessary to think and expose the Augustinian ideas about his Theology of History. After this time, we study two doctrines that are fundamental to the theological thought of the german reformer: the issue of justification by faith and the integration of that with the good works. The study of the thought of these authors will aim to dialogue two Christian thinkers who are still used by the churches nowadays, seeking to realize the opportunities and limitations that your thoughts can bring to today's ecclesial practice. For this practice be active and relevant to building a more Christian, just and fraternal society, with love as its sustaining basis. Key words: Augustine – Luther – ethics – politics.

(13) SUMÁRIO. Introdução _____________________________________________________________ 15 CAPÍTULO I Agostinho: ética e política na patrística _____________________________________ 20 1.1 Agostinho: formação e influências em seu pensamento ____________________ 20 1.1.1 Ascenção ao episcopado de Hipona __________________________________ 23 1.1.2 Motivos da escrita do livro A Cidade de Deus __________________________ 24 1.2 Teologia/Filosofia da História em Agostinho ____________________________ 27 1.2.1 Teologia e Filosofia ______________________________________________ 27 1.2.2 Teologia da História ______________________________________________ 29 1.2.3 História em sua profundidade ou Universal ____________________________ 30 1.2.4 História como narrativa ___________________________________________ 32 1.2.5 História como palco da salvação e seus estágios ________________________ 33 1.2.6 Implicações da Teologia da História _________________________________ 35 1.3 Conceituação de Metáfora ___________________________________________ 39 1.4 Cidade de Deus e Cidade dos Homens em Agostinho _____________________ 42 1.4.1 Urbis, civitas e societas ___________________________________________ 45 1.4.2 Sermão De urbis excídio __________________________________________ 46 1.4.3 A Cidade de Deus ________________________________________________ 50 1.4.4 Cidade dos Homens ______________________________________________ 52 1.4.5 Relação entre Cidade de Deus e Cidade dos Homens ____________________ 53 1.5 Agostinho e a redefinição de populus___________________________________ 54.

(14) 14 1.5.1 Reformulação por Agostinho do entendimento ciceroniana de populus ______ 54 1.5.2 Recusa por Agostinho da definição de populus ser baseada na justiça _______ 56 CAPÍTULO II Lutero: ética e política na Reforma _________________________________________ 59 2.1 Contexto do Sacro Império Romano Germânico e surgimento da imprensa __ 59 2.1.1 Lutero: primeiros anos, formação e chegada à Wittenberg ________________ 63 2.1.2 Lutero e sua teologia _____________________________________________ 65 2.2 Justificação pela Fé e Boas Obras _____________________________________ 66 2.2.1 Justificação pela Fé ______________________________________________ 68 2.2.2 Boas Obras _____________________________________________________ 72 2.3 Dois Reinos ou Dois Regimentos ______________________________________ 76 2.3.1 Desenvolvimento da Doutrina dos Dois Reinos ________________________ 79 2.3.2 Regimento Espiritual ou Reino de Deus ______________________________ 80 2.3.3 Regimento Secular ou Reino dos Homens _____________________________ 84 2.4 Lutero e as Revoltas Camponesas _____________________________________ 89 2.4.1 Contra as Hordas Salteadoras e Assassinas ____________________________ 91 CAPÍTULO III Agostinho e Lutero em diálogo ____________________________________________ 94 3.1 Iluminação Trinitária em Agostinho e a influência do Nominalismo em Lutero 94 3.2 A Cidade de Deus em Agostinho e o Reino de Deus em Lutero ____________ 103 3.3 Agostinho e Lutero: o ser humano e a busca pela paz ____________________ 109 3.3.1 Agostinho: A socialis vita ________________________________________ 110 3.3.2 Agostinho: o ser humano e a busca pela paz __________________________ 112 3.3.3 Lutero: a Paz social _____________________________________________ 116 3.3.4 Lutero: economia e política em busca pela paz ________________________ 118 3.4 Agostinho e Lutero: a dimensão ético-político-social, suas oportunidades e limitações ___________________________________________________________ 127 CONSIDERAÇÕES FINAIS _____________________________________________ 130 Referência Bibliográfica _________________________________________________ 140.

(15) INTRODUÇÃO. Esta pesquisa tem a intenção de conhecer o quadro do pensamento agostiniano no que se refere às metáforas das duas Cidades, e a ressignificação empregada por Lutero em suas metáforas dos Dois Reinos. Isso porque observar-se que tais alegorias têm sido usadas até os dias atuais para justificar um discurso alienante. Tais ideias muitas vezes não permitem que as igrejas protestantes1, herdeiras tanto do antigo bispo de Hipona quanto do reformador alemão, sejam relevantes em suas sociedades, demonstrando uma possível falta de interesse que seus líderes e membros têm na atuação da resolução de questões sociais problemáticas que circundam suas comunidades de fé. Estas inquietações sobre a origem dessa alienação e qual o papel do pensamento agostiniano e luterano neste processo levam às seguintes perguntas: à luz do pensamento de Agostinho de Hipona2, que é base para o pensamento da Reforma 3, é possível que exista um discurso que privilegie uma atuação marcante e relevante frente às duras realidades sociais hodiernas? Ou ainda: à luz do pensamento de Martinho Lutero, que é o precursor da Refor-. 1. Cf. MARROU, Henri; LA BONNARDIÈRE, A. M. Santo Agostinho e o agostinismo. Tradução de Ruy Flores Lopes. Rio de Janeiro: Agir, 1957. p. 167. 2 Cf. O’MEARA, John. Charter of Christendom: The Significance of the City of God. New York: The Macmillan Company, 1961. p. 8. 3 Cf. GUITTON, Jean. The Modernity of Saint Augustine. Translated by A. V. Littledale. Baltimore; Maryland: Helicon Press, 1959. p. 80..

(16) 16 ma, é possível que exista um discurso que privilegie uma atuação marcante e relevante frente às duras realidades sociais atuais? Esta investigação é importante diante do fato de que muitas igrejas protestantes têm limitado sua voz profética na sociedade. Elas separam, assim, a atuação que a igreja pode ter na sociedade somente ao campo do recolhimento e oração que busca uma dimensão além da vida presente. Em decorrência disso, observa-se forte alienação e despreocupação frente aos mais diversos problemas sociais que poderiam ser resolvidos ou, pelo menos, mitigados, se a igreja se posicionasse de forma corajosa e comprometida. Portanto, faz-se necessário compreender o pensamento agostiniano sobre o que significa a metáfora das duas Cidades e algumas das possibilidades de interpretação de sua compreensão, a fim de saber se justificam ou não a apatia dessas igrejas na sociedade. E, também, buscar apontamentos na própria obra do autor que possibilitem um discurso de atuação da Cidade de Deus na Cidade dos Homens. O objetivo geral da pesquisa é: analisar criticamente o pensamento de Agostinho de Hipona e de Martinho Lutero, sobretudo, no que diz respeito à interação entre a Cidade de Deus e a Cidade dos Homens, e a releitura que foi feita por Lutero sobre o prisma do Reino de Deus e Reino dos Homens. E os objetivos específicos da pesquisa são: (1) Vasculhar a bibliografia de Agostinho de Hipona, procurando por elementos que constituam a relação entre a Cidade de Deus e a Cidade dos Homens, além de buscar entender como se articula a Teologia/Filosofia da História do antigo escritor cristão. (2) Vasculhar a bibliografia de Martinho Lutero, procurando por elementos que constituam a relação entre o Reino de Deus e o Reino dos Homens, além de buscar entender como se articula seu pensamento no que concerne a atuação política do cristão e da cristã no estado e o influxo que recebe do pensamento agostiniano.4 (3) Refletir hermeneuticamente os conteúdos da pesquisa em Agostinho e Lutero, identificando possíveis possibilidades e limitações da construção de um fazer teológico que favoreça a atuação social e presença marcante na vida da sociedade por parte das igrejas em busca pela paz. Nosso método de trabalho, bem como o referencial teórico, é o método analítico crítico. Primeiramente, inserimo-nos na área da hermenêutica, conforme proposta pela linha de pesquisa Linguagens da Religião, com o respaldo do grupo de pesquisa Archeion — Herme-. 4. Cf. HOLLINGWORTH, Miles. Pilgrim City: St Augustine of Hippo and His Innovation in Political Thought. London; New York: T & T Clark, 2010. p. 111..

(17) 17 nêutica de Textos Religiosos e Grupo de Pesquisa Paul Tillich de Teologia e Cultura. Inicialmente, a pesquisa terá caráter exploratório: será feita uma aproximação do tema, em torno da vida e obra de Santo Agostinho e vida e obra de Martinho Lutero. Para tal, a metodologia será: (1) Da leitura. Reunião e exame das fontes consideradas “primárias” (obras de Agostinho de Hipona e Martinho Lutero), possibilitando vasta leitura nos textos dos autores. Neste primeiro estágio, vasculhamos o maior número possível de livros e documentos publicados por Agostinho e Lutero. (2) Da reflexão. Aprofundamento da leitura dos temas pertinentes à dissertação: Relação entre Cidade de Deus e Cidade dos Homens, Filosofia e Teologia da História, Relação entre o Reino de Deus e o Reino dos Homens e questões concernentes a busca pela paz. (3) Da escrita. Confronto de diferentes ideias e perspectivas entre Agostinho de Hipona e Lutero, sobretudo, e reflexão sobre a relação a possibilidade de se construir uma atuação marcante na sociedade, e que busque a paz. O texto desta pesquisa está dividido em três capítulos. No primeiro, Agostinho: ética e política na patrística busca-se traçar o itinerário traçado pelo autor de Hipona no que concerne ao pensamento ético e suas consequências. Para tal, inicia-se com sua vida, formação, as influências que existiram em seu pensamento e a trajetória que o levou a escrever, sobretudo, o livro A Cidade de Deus e outras obras relacionadas a atuação do cristão e da cristã na sociedade. Isso porque a reflexão do bispo norte africano afetava todos os aspectos da vida, pois ele estava “preocupado em secundar o papel que a Igreja desempenhava desde o fim da Antiguidade – e continuaria a desempenhar ao longo da Idade Média – como educadora do povo. E não apenas com relação à inteligência. A igreja era também a grande escola de formação humana e moral.”5 A partir destes dados serão utilizados estudiosos e comentadores da vida do antigo pensador cristão, já que sua vida vem sendo estudada desde a época de sua morte, como se observa no seu primeiro biógrafo, que diz que “resolvi para tal não calar sobre a vida e costumes de Agostinho, excelente bispo, que foi predestinado e viveu na época por Deus determinada, o que vi e o que dele próprio ouvi.” 6 Em seguida, ainda no mesmo capítulo busca-se entender a Teologia da História do autor, que consiste numa ressignificação de texto bíblicos, para a construção de um pensa-. 5. LAUAND, Luiz Jean. Cultura e Educação na Idade Média: Textos do século V ao XIII. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. p. 12. 6 POSSÍDIO. Vida de Santo Agostinho – Prefácio, I. Tradução Monjas Beneditinas. São Paulo: Paulus, 1997. p. 35..

(18) 18 mento sobre a história da humanidade7. Conceito este que é fundamental para que se compreenda a visão de mundo e a forma como Agostinho constrói suas reflexões, posto que ela não é propriamente uma “filosofia da História, senão uma interpretação dogmático-histórica do cristianismo, ainda que a verdade da doutrina cristã se mostra a ela com materiais da história sagrada e da profana”8 Neste ponto, faz-se necessário conceituar o que é metáfora para esta pesquisa, posto que metáforas tanto de Agostinho quanto de Lutero são trabalhadas na dissertação, “a metáfora nesse caso é atuante sobre o modo de ser humano e o discurso metafórico abre as capacidades latentes do ser humano para o exercício de sua humanidade no contexto do sagrado. O discurso metafórico cumpre assim uma função ontológica,” 9 já que a metáfora é uma viva expressão da existência do ser humano. E o principal referencial no que diz respeito à interpretação metafórica é o filósofo francês do século 20 Paul Ricoeur. Após isso, trabalhou-se sobre as metáforas da Cidade de Deus e do Reino de Deus, e as relações que são estabelecidas nesta dinâmica de pensamento. E, ainda nesta primeira parte se aborda a redefinição que Agostinho empregou no conceito ciceroniano de populus. Conceito importante tendo em vista a constituição de ambas as cidades metafóricas empregadas pelo bispo de Hipona: povo. No segundo, Lutero: ética e política na Reforma examina-se a vida e obra de Martinho Lutero, buscando encontrar suas influências teológicas dentro do contexto no qual viveu. Especificamente, trilhar os passos de sua formação ajuda a compreender algumas construções teológicas do autor que são fundamentais para seu pensamento, sobretudo, no que concerne a ética e a participação política. A seguir é necessário refletir acerca de algumas concepções centrais na reflexão luterana, temas como a justificação pela fé e o papel das boas obras são fundamentais para a compreensão do pensamento do autor no que se refere a ação do cristão na sociedade. Na sequência, serão estudadas as metáforas de Lutero dos Dois Reinos, e a análise que o pensador faz sobre o papel de cada um deles. Após isso, uma análise do procedimento que o reformador adotou frente às Revoltas Camponesas pode aju-. Cf. DANIÉLOU, Jean. Essai sur Le Mystère de L’Histoire. Paris: Editions du Seuil, 1953. p. 11. “No es una filosofia de la Histoira, sino una interpretación dogmaticohistórica del Cristianismo. Aunque la verdad de la doctrina Cristiana se muestra em ella, con materiales de la Historia Sagrada y de la profana.” LÖWITH, Karl. El Sentido de la Historia: Implicaciones Teologicas de la Filosofia de la Historia. Traducción Justo Fernandez Bujan. Madrid: Aguilar, 1968, p. 238. 9 JOSGRILBERG, Rui. “O mito, uma interpretação metafórica.” In: JOSGRILBERG, Rui; LAUAND, Luiz Jean. Estudos em Antropologia e Linguagem. São Paulo: CEMorOc; Factash, 2014. p. 48. 7. 8.

(19) 19 dar na compreensão de como algumas de suas ideias políticas foram aplicadas, mostrando, desta forma, tanto os potenciais quanto as limitações de sua perspectiva. Por fim, o terceiro intitulado Agostinho e Lutero em Diálogo parte de uma análise sobre qual era a influência filosófica no pensamento dos autores. Dando destaque as correntes do pensamento que os inspiraram ajuda a compreender como os respectivos autores construíram suas reflexões. Especificamente, é importante destacar que Lutero apesar de ter forte influência de Agostinho em sua teologia, recebeu também outras influências sobre seu pensamento que afetaram a forma como o reformador alemão leu o bispo de hipona. Destaque-se, sobretudo o nominalismo, corrente filosófica surgida no final da Idade Média e início da Idade Moderna, que marcam a forma de se analisar os textos pelo reformador. Depois disso, analisa-se as metáforas dos dois pensadores, a das Duas Cidades e a dos Dois Reinos, a fim de mostrar a relação entre elas na compreensão destes autores em diálogo..

(20) CAPÍTULO I AGOSTINHO: ÉTICA E POLÍTICA NA PATRÍSTICA. 1.1 Agostinho: formação e influências em seu pensamento Agostinho de Hipona (354-430), Aurelius Augustinus, é uma figura emblemática na história do mundo ocidental, e existe certo desafio para falar sobre ele para pessoas do século 21, pois não bastasse o fato dele estar separado por mais de mil e quinhentos do atual momento histórico, seu pensamento é riquíssimo e espalhado por uma infinidade de escritos que foram desenvolvidos ao longo de toda sua longa caminhada cristã. O autor patrístico nasceu em meados do quarto século em uma pequena cidade no norte da África, esta era uma cidade já antiga de sua região, que já existia antes de ser colonizada e inculturada pelos romanos, “Agostinho ali nasceu, em 354, na cidade de Tasgaste (...) [que já] tinha 300 anos. Era um dos muitos núcleos de flagrante amor-próprio que os romanos haviam espalhado por todo o norte da África.” 10 Faz-se necessário ressaltar que as. 10. BROWN, Peter. Santo Agostinho: uma biografia. Tradução de Vera Ribeiro. 7ª ed. Rio de Janeiro; São Paulo:.

(21) 21 províncias do Império Romano africanas gozavam de certo prestígio neste período devido a proximidade que elas tinham da cidade de Roma. A educação que foi dada ao jovem pensador africano foi bastante rígida e seguia os padrões da época, onde muito se valorizava as obras dos escritores gregos e latinos que já naquele período eram tidos por referência, como Cícero, por exemplo. No que concerne a esta educação, ele se destacou desde novo e adquiriu uma aguda capacidade de memorizar e aprender, desta forma, “aos 15 anos (...) emergira um rapazola talentoso, duramente exigido pelos pais e capaz de amar o que aprendia. Graças a essa educação, desenvolvera uma memória fenomenal, uma atenção tenaz aos detalhes.” 11 Mas, notadamente, a leitura que marcou profundamente o caráter de sua busca foi o livro de Cícero12 intitulado Hortensius, onde o escritor e jurista romano faz uma exortação à busca pela sabedoria por meio da Filosofia. Esta compreensão mudou a forma como o ainda jovem norte africano viria a conduzir sua vida e suas escolhas ao longo dela, levando-o, desta maneira, a uma busca que o moveu ao longo de muitos de seus anos. Observa-se este fato nos próprios escritos agostinianos, especificamente, nas Confissões quando ele relata que “o livro é uma exortação à filosofia e chama-se Hortensius. Devo dizer que ele mudou os meus sentimentos e o modo de me dirigir a ti, ele transformou as minhas aspirações e desejos.”13 Após a leitura desta obra ciceroniana, que infelizmente não chegou aos dias atuais, Agostinho acabou ainda em sua mocidade por se afastar do cristianismo católico que era professado por sua mãe, Mônica, e acabou se aproximando de uma seita que naquele período gozava de significativa expressão chamada Maniqueísmo, 14 o contato com essa corrente gerou uma importante expansão em seus horizontes intelectuais. 15 Isso ocorreu, pois este grupo religioso dotava de respeitabilidade e muitos contatos por todo o Império nesta época,. Record, 2012. p. 23. BROWN, Peter. Santo Agostinho: uma biografia, 2012. p. 44. 12 Este importante autor romano será abordado mais a frente nesta dissertação, quando será falado sobre a ressignificação que Agostinho fará de populus. 13 “Sed liber ille ipsius exhortationem continet ad philosophiam et vocatur Hortensius. Ille vero liber mutavit affectum meum et ad te ipsum, Domine, mutavit preces meas et vota ac desideria mea fecit alia.” AGOSTINHO, Santo. Confissões III, IV, 7. Tradução de Maria Luiza Jardim Amarante. São Paulo: Paulus, 1984. p. 66. 14 Corrente filosófica e religiosa dualista que foi propagada por Manes (215-276) e que se espalhou por diversas regiões do mundo da época. Divide o mundo entre um princípio bom provindo de Deus, e um mal advindo do Diabo. 15 BROWN, Peter. Santo Agostinho: uma biografia. Tradução de Vera Ribeiro. 7ª ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2012. p. 44. p. 59. 11.

(22) 22 o que, inclusive, levou o jovem africano a ter algumas oportunidades de trabalho na corte imperial. Após permanecer na doutrina maniquéia por quase uma década, desde os dezenove até os vinte e nove anos, Agostinho se frustrou com esta corrente, uma vez que esta não conseguiu corresponder a seus profundos questionamentos, isso fez com que, gradativamente, o autor fosse se afastando deste grupo, o que, novamente, gerou uma ávida busca por respostas que o fez se interessar pelos escritos neoplatônicos 16. Nomeadamente, a leitura de Plotino17 o impeliu a ser defrontado com questões difíceis e que ampliaram ainda mais seus horizontes filosóficos: tal leitura inclui tratados de Plotino, um dos autores mais notoriamente difíceis do mundo antigo. Foi uma leitura tão intensa e minuciosa que as ideias de Plotino foram cabalmente absorvidas, ‘digeridas’ e transformadas por Agostinho (...) [nele] Plotino e Porfírio encontram-se enxertados de maneira quase que imperceptível em seus escritos, como a base sempre presente de seu pensamento.18. Após este período de intensas leituras neoplatônicas, o autor teve uma brevíssima passagem pela forma cética como a Nova Academia encarava as questões filosóficas, 19 mas rapidamente a rejeitou e logo acabou por se converter ao cristianismo católico, tanto no que diz respeito à religião quanto à argumentação teológico-filosófica. O fenômeno do ingresso de Agostinho ao catolicismo é narrado de forma dramática nos livro VIII das Confissões20 onde o escritor descreve de forma minuciosa os últimos passos que o levaram ao ponto de sentir “estar explorando uma ‘Filosofia’ plenamente integrada e bem demarcada: os sacra e os mysteria, os ritos e dogmas da Igreja católica, resumiam na integra as verdades que a mente do filósofo um dia poderia aprender.”21. 16. Neoplatonismo foi uma escola filosófica inspirada nos escritos de Platão (428 a.C.- 348 a.C.) que nasceu no terceiro século depois de Cristo e que teve importante predominância até o sexto século, quando a Academia de tenas foi fechada por ordens de Justiniano no ano de 529 d.C.. Sua influência ainda se estende por muitos séculos devido a recepção que ela recebeu de autores como Agostinho, al-Farabi, Maimônides, dentre outros. 17 Plotino (205-270) foi um expoente filósofo neoplatônico, sua principal obra foi Enéadas. 18 BROWN, Peter. Santo Agostinho: uma biografia. Tradução de Vera Ribeiro. 7ª ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2012. p. 113. 19 Cf. BROWN, Peter. Santo Agostinho: uma biografia. Tradução de Vera Ribeiro. 7ª ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2012. p. 124. 20 AGOSTINHO, Santo. Confissões. Tradução de Maria Luiza Jardim Amarante. São Paulo: Paulus, 1984. 21 BROWN, Peter. Santo Agostinho: uma biografia. Tradução de Vera Ribeiro. 7ª ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2012. p. 132..

(23) 23. 1.1.1 Ascenção ao episcopado de Hipona É essencial destacar que suas obras desde sua conversão giraram em torno de temas cristãos, tendo como principal instrumento balizador os materiais bíblicos disponíveis a ele. Porém, este mesmo cristão, sacerdote e bispo da diocese norte-africana de Hipona era um grande conhecedor da cultura de sua época, sendo letrado nos clássicos e tendo durante quase duas décadas de sua vida se dedicado à docência da Retórica, uma das mais destacadas disciplinas de seu tempo. Devido a isso, Agostinho se tornou uma ponte que ligou a Idade Antiga a Idade Média, que estava por começar após sua morte, tornando-se assim, “o Preceptor do Ocidente. Nenhum dos futuros sistemas cristãos irá poder ignorá-lo. E, com efeito, todos, de um modo ou doutro, lhe sofreram o influxo. Pois por quase um milênio exerceu domínio incontestado no campo do pensamento.” 22 De forma muita rápida, o então convertido acabou por se tornar sacerdote e posteriormente bispo. Sua conversão ocorreu no ano de 386 e já “em 391 os seus planos de uma vida entregue ao estudo e à oração são alterados. Numa viagem a Hipona é aclamado sacerdote e em 395 é sagrado bispo para auxiliar Valério, o bispo da diocese, a quem sucede pouco depois na sede episcopal.”23 Sua intenção inicial era recolher-se a uma vida de meditação e contemplação em sua cidade natal, intento que chegou a realizar durante estes poucos anos iniciais de sua caminhada cristã. As primeiras narrativas que temos sobre este fato se encontram na obra biográfica que Possídio24, contemporâneo de Agostinho, na qual ele diz: “neste tempo o santo Valerius era o bispo da Igreja Católica em Hipona. Mas devido às demandas crescentes no dever eclesiástico, este se dirigiu ao povo de Deus e os exortou a que se providenciasse e se ordenasse um presbítero para a cidade.” 25 Em outras palavras, “a congregação virou-se e, como esperava, descobriu Agostinho postado em meio a ela, na nave; com a gritaria persistente que o método exigia, as pessoas em-. 22. BOEHNER, Philotheus & GILSON, Etienne. História da Filosofia Cristã: Desde as Origens até Nicolau de Cusa. Tradução de Raimundo Vier. 9ª ed. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 203. 23 URBANO, Carlota Miranda. “Introdução”. In: AGOSTINHO, Santo. O De excídio Urbis e outros sermões sobre a queda de Roma. Tradução do Latim, Introdução e notas de Carlota Miranda Urbano. Coimbra: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, 2010. p. 14. 24 Possídio (s.d - 437) foi um bispo católico da cidade de Calama, na província romana da Numídia. Foi o principal biógrafo de Agostinho de Hipona. 25 “Eodem itaque tempore in ecclesia Hipponensi Catholica Valerius sanctus episcopatum gerebat. Qui cum fragitante ecclesiastica necessitate, de providendo et ordinanto presbytero civitati plebem Dei alloqueretur et exhortaretur.” POSSÍDIO, São. Sancti Augustini Vita, 4. Edited, Introduction and notes by Hebert T. Weiskotten. Princeton: Princeton University Press, 1919. p. 47 Disponível em: <https://archive.org/stream/sanctiaugustini00weisgoog#page/n122/mode/2up>. Acesso em 04/11/2014..

(24) 24 purraram-no até o trono elevado do bispo e os bancos dos padres.” 26 Desta maneira que hoje caiu em desuso é que ocorreu a rápida mudança em sua vida, de um religioso recolhido em sua cidade natal, para um proeminente pensador e bispo. Quando Agostinho foi para a cidade de Hipona, que ficava na província romana da África, esta localidade já existia a mais de mil anos, 27 pois “algumas como Hipona, eram antigas cidades púnicas transformadas,” 28 e foram incorporadas e inculturadas pelo Império Romano. A partir de então, seu pensamento passou a ser respeitado por sua agudeza, tornando-se um dos principais autores da história de todo o cristianismo. Dedicou-se até o final de sua vida a escrita de obras que respondiam aos anseios de seu tempo, mas seus pensamentos acabaram por se espalhar e chegam com vigor até os dias atuais. Neste mesmo local o pensador cristão viveu até o final de sua vida, e presenciou a “dominação romana da África simplesmente desmoronar. No verão de 429 e na primavera de 430, súbita e rapidamente, os vândalos infestaram a Mauritânia e a Numídia.”29 Esta temática sobre a queda do mundo romano na África é abordada de forma mais completa no livro Os vândalos e a África.30. 1.1.2 Motivos da escrita do livro A Cidade de Deus Especificamente, a temática da Cidade de Deus está presente em um momento de crise do Império Romano, que já tinha sido cristianizado naquele momento. Isso ocorreu, mormente, porque no ano de 410 d.C. Alarico 31 conduziu um cerco que culminou com o saque da cidade de Roma, o que foi considerado pelos romanos pagãos um terrível humilhação, que foi debitada ao fato do Império ter adotado o cristianismo como a religião oficial poucas décadas antes. Agostinho, então, em resposta a estas críticas faz um famoso sermão que fala sobre o saque à cidade de Roma e o sofrimento que este causou.32 E após isso, escreve sua maior. 26. BROWN, Peter. Santo Agostinho: uma biografia. Tradução de Vera Ribeiro. 7ª ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2012. p. 172. 27 Cf. BROWN, Peter. Santo Agostinho: uma biografia. Tradução de Vera Ribeiro. 7ª ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2012. p. 231. 28 HAMMAN, A. G. Santo Agostinho e seu tempo. Tradução Álvaro Cunha e Revisão de Nair de Assis Oliveira. São Paulo: Paulinas, 1989. p. 9. 29 BROWN, Peter. Santo Agostinho: uma biografia. Tradução de Vera Ribeiro. 7ª ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2012. p. 530. 30 COURTOIS, Christian. Les Vandales et l’Afrique. Paris: Arts et Métiers graphiques, 1955. 31 Alarico foi um rei dos Visigodos que conduziu um levante que culminou no cerco e saque de Roma nos dias 25, 26 e 27 de outubro de 410, o que gerou grande escândalo e desconforto em todo o Império Romano. 32 Cf. AGOSTINHO, Santo. Sermon: The sacking of the city of Rome. In: Augustine Political Writings. Edited.

(25) 25 obra, A Cidade de Deus (De civitate Dei), que tem como um dos principais interesses defender o cristianismo respondendo seus críticos da acusação de que esta religião era a responsável pelo desastre que se sucedeu a Roma. O ano de 410 foi extremamente complicado não somente para a história do cristianismo, mas para todo o Império Romano. Porquanto, Roma era considera uma cidade eterna, que nunca viria a sofrer uma destruição. Muitos como Eusébio de Cesareia33 haviam exaltado as qualidades e características da associação entre o Império e a igreja, posto que ele “chega a considerar o carácter sagrado e providencial do império e vê no imperador Augusto um reflexo humano do monoteísmo, realizado perfeitamente em Constantino, o imperador cristão.” 34 Devido a este caráter triunfalista que foi dada a associação entre Império e a religião cristã, explicar a invasão de Roma passou a ser um drama que afligiu aquela geração. Sobretudo, porque em um mundo onde religião e política eram indissociáveis passou a ser recorrente a crítica de que a culpa era da mudança de religiosidade que havia sido imposta ao Império Romano poucas décadas antes, quando Teodósio tornou o cristianismo católico à religião oficial. Isso ocorreu: Na última década do séc. IV assistimos a várias medidas, umas que exprimem a aliança crescente entre império e cristianismo e outras que encerram definitivamente na vida cívica os rituais antigos. Segundo o Codex Theodosianus, em 391 estabelecia-se a proibição de qualquer cerimónia pagã, sacrifícios ou homenagem aos velhos deuses na cidade de Roma. 35. Agostinho, então, pôs-se a escrever um tratado de proporções monumentais para responder a estes questionamentos, porém, não é sensato compreender que esta obra visa ser apenas uma réplica aos questionamentos que vinham sendo feito ao cristianismo devido à invasão de Roma, já que “A Cidade de Deus não se pode explicar em termos de sua origem imediata (...) o que esse saque fez foi dar-lhe um público questionador e específico em Cartago, donde o saque de Roma assegurou que um livro que poderia ter sido uma grande. by E. M. Atkins and R. J. Dodaro. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. p. 209. [Cambridge Texts in the History of Political Thought] 33 Eusébio (265 – 339) foi bispo da cidade de Cesareia e é considerado o pai da história da Igreja, dado a importância que sua obra intitulada História Eclesiástica alcançou. 34 URBANO, Carlota Miranda. “Introdução”. In: AGOSTINHO, Santo. O De excídio Urbis e outros sermões sobre a queda de Roma. Tradução do Latim, Introdução e notas de Carlota Miranda Urbano. Coimbra: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, 2010. p. 18. 35 URBANO, Carlota Miranda. “Introdução”. In: AGOSTINHO, Santo. O De excídio Urbis e outros sermões sobre a queda de Roma. Tradução do Latim, Introdução e notas de Carlota Miranda Urbano. Coimbra: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, 2010. p. 16..

(26) 26 obra.” 36 Destarte, a escrita desta obra encontrou lugar neste contexto, mas ela pode ser considerada uma criação que veio “a tornar-se um confronto deliberado com o paganismo. Em si mesmo, A Cidade de Deus não é um ‘tratado da época’; é a elaboração cuidadosa e premeditada, por parte de um ancião.”37 A obra foi escrita em vinte e dois volumes, sendo que os três primeiros livros foram publicados em 413, ou seja, três anos após a invasão de Roma liderada por Alarico. E os últimos só seriam publicados treze anos após o início deste imenso livro, este foi “um grande e árduo trabalho, magnum opus et arduum [que foi concluído] com uma frase compacta, que resume o tom de deliberação vigoroso em que havia optado por escrever: ‘com a ajuda do Senhor, pareço haver pago minha dívida com este livro gigantesco’.” 38 A obra veio a se tornar um tratado sobre a glória da Cidade de Deus, mas esta não é atrelada com a glória do Império, como outrora havia sido feito, ele projeta esta para uma cidade que não pode ser associada cabalmente com nenhuma instituição terrestre. Posto que “A Cidade de Deus é um livro sobre a ‘glória’. Nele, Agostinho drena a glória do passado romano a fim de projetá-la muito além do alcance dos homens, na ‘Gloriosíssima cidade de Deus’.” 39 Na obra intitulada Retratações que o autor escreveu no final de sua vida, onde ele refaz seu trajeto teológico-filosófico, Agostinho afirma que “o De Ciuitate Dei tivesse nascido para responder à acusação pagã que responsabilizava o cristianismo pelos reveses sofridos por Roma, esta obra viria a transpor os limites de uma obra circunstancial e revelarse-ia monumental,”40 e isso ocorreu não só por causa do tamanho da obra, mas, sobretudo, por seu conteúdo profundo e abre novas e profundas significações que serão lidas e relidas ao longo da história.. 36. BROWN, Peter. Santo Agostinho: uma biografia. Tradução de Vera Ribeiro. 7ª ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2012. p. 385. 37 BROWN, Peter. Santo Agostinho: uma biografia. Tradução de Vera Ribeiro. 7ª ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2012. p. 385. 38 BROWN, Peter. Santo Agostinho: uma biografia. Tradução de Vera Ribeiro. 7ª ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2012. p. 377. 39 BROWN, Peter. Santo Agostinho: uma biografia. Tradução de Vera Ribeiro. 7ª ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2012. p. 384. 40 URBANO, Carlota Miranda. “Introdução”. In: AGOSTINHO, Santo. O De excídio Urbis e outros sermões sobre a queda de Roma. Tradução do Latim, Introdução e notas de Carlota Miranda Urbano. Coimbra: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, 2010. p. 20-21..

(27) 27. 1.2 Teologia/Filosofia da História em Agostinho A primeira consideração que deve ser feita acerca da Teologia agostiniana da História é o fato de que ela não deve ser, de forma alguma, confundida com uma história eclesiástica, como fez Eusébio de Cesaréia 41, por exemplo. Pois a identificação plena da Cidade de Deus com instituições humanas foi refutada pelo pensamento do escritor norte africano. E por mais que ao longo da história tenha-se identificado uma determinada instituição eclesiástica como sendo a Cidade de Deus, isso seria, na melhor das hipóteses, um esforço que poderia apontar para uma caricatura sobre o que de fato esta sociedade peregrina na terra representa, como se observa em: “seria uma aplicação caricatural, grosseiramente deformada de nossa teologia confundir a história da Cidade de Deus, sempre, em grande parte, invisível a nossos olhos, com o que é acessível a nosso conhecimento da historia da Igreja visível.”42 Espera-se que fique evidenciado que para Agostinho, o que se entende como Teologia/Filosofia da História é o tempo que decorre enquanto as duas Cidades se desenvolvem neste mundo. Portanto, é justamente este lapso de tempo que pode ser denominado de história, como será evidenciado a frente.. 1.2.1 Teologia e Filosofia Torna-se necessário fazer um esclarecimento para que se prossiga na exposição dos conceitos que vem sendo abordados. Em várias ocasiões ao longo desta dissertação insistese no entrelaçamento das palavras Teologia e Filosofia quando se refere ao pensamento de Agostinho. Esta escolha faz parte da compreensão de que estas duas disciplinas podem e andam de mãos dadas em seu pensamento, sendo improvável uma concepção que não capte esta interdependência destas formas de pensar, a filosófica e a teológica. Isso influencia muito a forma como se interpreta seu pensamento, uma vez que grandes estudiosos como. 41. 42. EUSÉBIO DE CESARÉIA. História Eclesiástica. Tradução Monjas Beneditinas do Mosteiro de Maria Mãe de Cristo. 2 ª ed. São Paulo: Paulus, 2008. (Coleção Patrística, v. 15) MARROU, Henri-Irénée. Teologia da História: O sentido da caminhada da humanidade através da temporalidade. Tradução de Roberto Leal Ferreira. Petrópolis: Vozes, 1989. p. 58..

(28) 28 “Etienne Gilson argumentam vigorosamente que o que encontramos em Agostinho não é uma filosofia, mas uma teologia da história.” 43 Pois o pensador antigo nunca desenvolveu suas obras, fossem elas diretamente voltadas a sua vida como clérigo ou não, sem levar em consideração o fato de que desde o momento da sua conversão, brilhantemente narrado em suas Confissões44, suas crenças conforme elas eram expressas pela fé cristã. Com especial atenção, as suas interpretações das Escrituras. Devido a isso, precisa-se ter em mente que “Agostinho quer ser, em primeiro lugar, um teólogo, e não um filósofo. A inexistência de uma síntese filosófica, fora do contexto teológico é, em derradeira análise, simples decorrência do seu sistema.” 45 O que não marca fraqueza em seu sistema, pelo contrário, mostra a sinceridade com que ele buscou desenvolver sua fé até os limites que sua própria razão e tempo o permitiram. Inclusive, a própria motivação da escrita da monumental da Cidade de Deus, que é norte para a abordagem de suas temáticas nesta pesquisa, é fruto de uma situação concreta que assolou a sociedade de seu tempo. Como já foi exposto sobre o motivo da obra. Ou seja, as concepções filosóficas que foram desenvolvidas pelo pensador norte africano são consequências de suas crenças teológicas, que por sua vez, foram extraídas da realidade que o circundava. Mas não é somente no agostinianismo que se observa esta intrínseca relação entre Filosofia e Teologia, pois esta mesma relação também é defendida por pensadores que foram influenciados pelo antigo bispo de Hipona. Por exemplo, à sua maneira Paul Tillich, mesmo estando separado em muitos momentos das concepções agostinianas afirma que “em qualquer interpretação religiosa da história acham-se implícitos elementos filosóficos (...) sempre que estiver em jogo a interpretação da existência, diminuem as diferenças entre a filosofia e a teologia, uma vez que ambas se encontram nos domínios do mito e do símbolo.”46 Muito se discutiu, então, sobre se Agostinho deveria ser considerado um filósofo ou um teólogo, devido às suas posições fortemente influenciadas por suas concepções religio-. “Etienne Gilson has argued forcefully that what we find in Augustin is not a philosophy but a theology of history”. (Tradução nossa) BOURKE, Vernon J. “The City of God and History”. In: D. F. Donnelly. The City of God: A Collection of Critical Essays. New York: Peter Lang, 1995. p. 294. 44 AGOSTINHO, Santo. Confissões. Tradução de Maria Luiza Jardim Amarante. São Paulo: Paulus. 1984. 45 BOEHNER, Philotheus & GILSON, Etienne. História da Filosofia Cristã: Desde as Origens até Nicolau de Cusa. Tradução de Raimundo Vier. 9ª ed. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 203. 46 TILLICH, Paul. A Era Protestante. Tradução de Jaci Marashin. São Paulo: Ciências da Religião, 1992. p. 48. 43.

(29) 29 sas. Em geral, como vem sendo explicitado, entende-se que seu sistema compreende ao mesmo tempo ambas as coisas, já que, para o pensador antigo, não fazia sentido separar a Filosofia, que era a busca da verdade, da verdade que ele encontrou no pensamento teológico cristão. Sendo assim: “Agostinho quer ser, em primeiro lugar, um teólogo, e não um filósofo. A inexistência de uma síntese filosófica, fora do contexto teológico é, em derradeira análise, simples decorrência do seu sistema.” 47. 1.2.2 Teologia da História Isso justifica a posição adotada nesta dissertação de denominar sua Filosofia da História de Teologia da História, apesar do entendimento de que, para ele, em seu próprio tempo, não faria sentido debater acerca do caráter de suas discussões. Dessa forma, segue-se nesta exposição à distinção adotada por um dos maiores estudiosos de Agostinho da contemporaneidade, o francês “Etienne Gilson [que] argumentou vigorosamente que o que encontramos em Agostinho não é uma filosofia, mas uma teologia da história.” 48 Gilson não encerra a forma como se pode remeter a este assunto, já que é complementado pela posição que é defendida por Bourke, que diz: “o uso agostiniano da sua filosofia da história não se distingue de sua teologia.” 49 E pode-se também encontrar a inferência que ele defende, dizendo que: “existe, então, em Santo Agostinho, uma visão cristã da história; se vamos chamá-la de filosofia ou teologia, são pequenas as consequências.”50 Isso mostra a riqueza dos trabalhos que já foram desenvolvidos nesta temática, e como os autores tendem ora a assertivamente dizer que é uma teologia, enquanto outros preferem marcar a multiplicidade disciplinar do conteúdo dos pensamentos agostinianos.. 47. BOEHNER, Philotheus & GILSON, Etienne. História da Filosofia Cristã: Desde as Origens até Nicolau de Cusa. Tradução de Raimundo Vier. 9ª ed. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 203. 48 “Etienne Gilson has argued forcefully that what we find in Augustine is not a philosophy but a theology of history”. (Tradução nossa) BOURKE, Vernon J. “The City of God and History”. In: D. F. Donnelly. The City of God: A Collection of Critical Essays. New York: Peter Lang, 1995. p. 294. 49 “Augustine’s usage he has a philosophy of history but he would not distinguish it from a theology”. (Tradução nossa) BOURKE, Vernon J. “The City of God and History”. In: D. F. Donnelly. The City of God: A Collection of Critical Essays. New York: Peter Lang, 1995. p. 294. 50 “there is, then, in St. Augustine a Christian view of history whether we call it philosophy or theology is of small consequence.” (Tradução nossa) BOURKE, Vernon J. “The City of God and History”. In: D. F. Donnelly. The City of God: A Collection of Critical Essays. New York: Peter Lang, 1995. p. 294..

(30) 30. 1.2.3 História em sua profundidade ou Universal Esta forma de compreender a história dentro do escopo teológico, ou seja, do campo que dialoga com a revelação e a fé, ajuda a perceber que, para o pensador norte-africano, não faz sentido fazer a história como os historiadores de sua época faziam, ou mesmo, como ela é feita nos dias atuais. Para ele, a maior preocupação não está em narrar como aconteceram os eventos em uma sucessão infinita que tem como fim a narrativa dos eventos por si mesma. Para o teólogo de Hipona, a história é pensada em sua totalidade, como parte de algo maior que liga não somente as pessoas que vivem em seu tempo, mas liga toda a humanidade: ela [a História] deve bastar para que se compreenda que não se tratará mais aqui da história dos historiadores, da história da ciência (...) mas antes do problema que propõe à nossa consciência a história realmente vivida pela humanidade através da totalidade da duração e à qual cada um de nós se acha intimamente associado pelo próprio caráter histórico da existência. É, para resumir tudo numa só frase, o problema do “sentido da história. 51. Em outras palavras, a preocupação maior da Teologia da História agostiniana não está na narrativa por si só da história, mas na profundidade de sentido que ela encontra, ou seja, de seu valor ontológico. Com isso, também é assegurado não somente o caráter de sentido da história, mas também sua universalidade. Não escapa das obras de Agostinho a crítica àquelas pessoas que, já em seu tempo, adotavam uma posição que valorizava mais a história como fim em si própria, sem atrelá-la a valores mais próximos à ontologia, ao sentido. Observa-se isso em vários trechos de seus escritos, sendo que um dos momentos em que ele demonstra sua forma de pensar sobre o assunto está na Verdadeira Religião52, quando ele diz que: “não poucas pessoas gostam mais das coisas temporais do que da divina Providência que forma e dirige os tempos. Têm amor ao fugaz e não querem que passe aquilo que amam” 53 54. 51. MARROU, Henri-Irénée. Teologia da História: O sentido da caminhada da humanidade através da temporalidade. Tradução de Roberto Leal Ferreira. Petrópolis: Vozes, 1989. p. 10. 52 AGOSTINHO, Santo. A Verdadeira Religião. Tradução de Nair de Assis Oliveira. Revisão de Gilmar Corazza. São Paulo: Edições Paulinas, 1987. 53 Textos em Latim do livro De Vera Religione, traduzido para o português como A Verdadeira Religião, estão conforme a Patrologia Latina 34. Disponível em <http://www.augustinus.it/latino/vera_religione/index.htm>. Acesso em: 04/08/2013. 54 “Ita multi temporalia diligunt, conditricem vero ac moderatricem temporum divinam providentiam non requirunt; atque in ipsa dilectione temporalium nolunt transire quod amant.” AGOSTINHO, Santo. A Verdadeira Religião XXII, 43. Tradução de Nair de Assis Oliveira. Revisão de Gilmar Corazza. São Paulo: Edições Paulinas, 1987. p. 75..

(31) 31 O pensador antigo vê, mesmo nas situações mais contraditórias da realidade, fatos e momentos que podem apontar para esta profundidade de sentido e universalidade da história. Isso porque, em meio aos momentos mais complexos e paradoxais, ele não deixa de entender que, mesmo diante de “todos estes dramas, todos estes sofrimentos, estes fracassos aparentes, o plano divino da salvação ainda se realiza e avança com um passo seguro para o triunfo de sua realização.” 55 Logicamente, existe uma profunda e inescrutável distância entre a forma como os seres humanos e a divindade enxergam o desenrolar destes eventos, uma vez que “não se trata de um limite na ciência humana do Cristo, mas de uma impossibilidade ontológica para nós homens, ainda imersos na história, de receber a este respeito uma comunicação plena e total.”56 Em outras palavras, “a história, considerada em sua totalidade e em sua realidade profunda, é também um mistério no sentido que o conhecimento que dela podemos adquirir permanece sempre extremamente limitado.” 57 Isso significa que existe um limite à forma como os seres humanos podem interpretar e entender todos estes eventos, que, muitas vezes, estão marcadas por situações tão complexas e paradoxais que são difíceis de entender de forma plena pela racionalidade. Sobre este mistério da História, uma boa referência é o livro Ensaio sobre o mistério da história de Jean Daniélou.58 Olhando por este prisma, pode-se observar o significado mais profundo e universal da história. Nisso, entram as metáforas agostinianas da Cidade de Deus e da Cidade dos Homens. A história universal, então, consistiria nas múltiplas relações humanas que estão abarcadas nestas metáforas. Sendo assim, é no desenvolvimento dos diversos conflitos e da vitória que haverá no final dos tempos, da Cidade de Deus sobre a Cidade dos Homens, que se passa a significação mais profunda da história de toda a humanidade. Portanto, é “das considerações sobre a natureza do Estado de Deus e do Estado terreno [que] Agostinho dirige a vista para o papel histórico que lhes cabe no passado, no presente e no futuro, alçando se, assim, a uma interpretação realmente universal da história!” 59. 55. MARROU, Henri-Irénée. Teologia da História: O sentido da caminhada da humanidade através da temporalidade. Tradução de Roberto Leal Ferreira. Petrópolis: Vozes, 1989. p. 46. 56 MARROU, Henri-Irénée. Teologia da História: O sentido da caminhada da humanidade através da temporalidade. Tradução de Roberto Leal Ferreira. Petrópolis: Vozes, 1989. p. 48. 57 MARROU, Henri-Irénée. Teologia da História: O sentido da caminhada da humanidade através da temporalidade. Tradução de Roberto Leal Ferreira. Petrópolis: Vozes, 1989. p. 51. 58 Mais informações sobre o assunto em DANIÉLOU, Jean. Essai sur le mystère de l’histoire. Paris: Les Éditions du Cerf. 1982. 59 BOEHNER, Philotheus & GILSON, Etienne. História da Filosofia Cristã: Desde as Origens até Nicolau de.

(32) 32. 1.2.4 História como narrativa Após a demonstração sobre o caráter de universalidade e profundidade da história, passa-se, agora, a mostrar a História como uma narrativa. Sobre este fato, pode-se dizer que Agostinho rejeita a ideia de que queria narrar fatos de tempos que se passaram, acerca de batalhas, nomes de vencedores, como fazem os historiadores comuns. Sua preocupação está em narrar à história acerca do que é relevante para o plano salvífico divino. Para tal, é importante destacar que o conceito agostiniano de história não deve ser confundido com o conceito que a modernidade atribui a este termo. Porque, em Agostinho, o que se vê é uma narrativa dos eventos salvíficos da divindade que guia a temporalidade rumo a um fim de redenção. Para elucidar melhor esta questão, faz-se necessário consultar os próprios escritos de Agostinho, nos quais ele teve a oportunidade de mostrar como eram suas concepções sobre este tema. Ver-se-á que, tanto em A Verdadeira Religião como em A Cidade de Deus, existe uma forma de se olhar para a história valorizando seu caráter narrativo; em outras palavras, como uma sucessão de eventos que acontece dentro da vivência de um povo, ou de um grupo de pessoas, que aponta para objetivos que transpõem a própria temporalidade. A primeira passagem diz que “o fundamento para seguir esta religião é a história e a profecia. Aí se descobre a disposição da divina Providência, no tempo, em favor do gênero humano, para reformá-lo e restaurá-lo, em vista da posse da vida eterna.”60 E a outra fala: “Como se cumpriram as promessas de Deus a Abraão (...) sabemos que pertencem não só o Povo Israelita segundo a carne, mas também a todos os povos segundo a fé – é o que indicará o desenvolvimento da Cidade de Deus no decurso dos tempos.”61 62. 60. 61. 62. Cusa. Tradução de Raimundo Vier. 9ª ed. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 200. “Huius religionis sectandae caput est historia et prophetia dispensationis temporalis divinae providentiae, pro salute generis humani in aeternam vitam reformandi atque reparandi.” AGOSTINHO, Santo. A Verdadeira Religião VII, 13. Tradução de Nair de Assis Oliveira. Revisão de Gilmar Corazza. São Paulo: Edições Paulinas, 1987. p. 48. Todas as citações em Latim do livro A Cidade de Deus foram extraídas do texto latino dos beneditinos de S. Mauro utilizado por Migne na Patrologia Latina XLI e reproduzido pela BAC (Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid, 1964) em Obras de San Augustin, XVI-XVIII – La Ciudad de Dios. “Promissiones Dei, quae factae sunt ad Abraham, cuius semini et gentem Israeliticam secundum carnem et omnes gentes deberi secundum fidem, Deo pollicente, didicimus, quemadmodum compleatur, per ordinem temporum procurrens Dei civitas indicabit.” AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus XX, 1. Tradução de J. Dias Pereira. 4ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011. p. 1587..

(33) 33 O que se atesta nestas passagens é a importância que Agostinho concede à interpretação de uma narrativa dos eventos em que, em suas próprias palavras, Deus guia a Cidade de Deus em sua caminhada pela história. Nisso, fica demonstrado que a forma como o antigo teólogo descreve a história difere substancialmente da maneira como os modernos historiadores tendem a operar esta ciência. O que diferenciaria, então, para o pensamento agostiniano, as narrativas cristãs das outras presentes nas culturas que o circundavam era o fato de que ele entendia, por meio da fé, que aquelas narrativas expressas na Bíblia faziam parte de uma revelação dada pelo criador do universo. Ou seja, o seu entendimento de que ela era revelação é o que a diferenciava de ser considerada algo inválido, ou de menor valor. Vê-se isso em: Então, falar sobre a encarnação cristã, crucificação e ressurreição não é diferente de nenhum modo de estórias ordinárias sobre pessoas de diferentes tempos e situações. Ela é sobre o mesmo tipo de coisa, a estória cristã só é melhor porque ela é mais importante e porque ela é autorizada por quem é a origem de qualquer estória verdadeira, seja lá sobre o que for. 63. Nisso se percebe que as histórias, ou, para ser coerente com o que vem sendo abordado, as narrativas dos eventos que compõem a religiosidade cristã, são mais verdadeiras porque se entende que elas foram dadas por Deus. 64. 1.2.5 História como palco da salvação e seus estágios Na continuidade desta pesquisa, faz-se necessário demonstrar, de forma mais clara, um ponto que já estava implícito em partes anteriores: o fato de que, em Agostinho, a história é palco onde ocorre o plano salvífico de Deus. Sendo assim, entende-se que a temporalidade ganha um valor imenso na visão agostiniana, já que é nela que ocorre a atuação da. “So to tell of Christ’s incarnation, crucifixion, and resurrection is not different in kind from ordinary stories about what people did in various times and situations. It is the same sort of business, only the Christian story is better because it is more important and because it is authorized by him who is the origin of whatever any true story is about”. (Tradução nossa) BITTNER, Rüdiger. Augustine’s Philosophy of History. In: Augustinian Tradicion. Edited by Gareth B. Matthews. Berkeley: University of California Press. 1999. p. 347. 64 Ainda existe outra forma, que está dentro da lógica de se entender a história como narrativa, de se dizer que Agostinho separa a história em dois termos, um que seria relativo à ‘história secular’ e um à ‘história sagrada’. Mas esta abordagem não será exposta com mais delongas, pois se entende que o que foi dito acima já oferece um bom panorama sobre estas questões no pensamento do pensador de Hipona. Mais informações sobre esta perspectiva podem ser encontradas na obra de Markus, intitulada Saeculum: História e Sociedade na Teologia de Santo Agostinho. 64 Nela, o autor, de forma bastante cuidadosa, trabalha estes conceitos de separação entre história ‘sagrada’ e ‘secular’. 63.

Referências

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