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A Cidade de Deus

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1.4 Cidade de Deus e Cidade dos Homens em Agostinho

1.4.3 A Cidade de Deus

A metáfora da Cidade de Deus encontra lugar central nas obras agostinianas, princi- palmente naquelas de sua maturidade, apesar dela estar citada de forma breve em obras an- teriores. É a partir da monumental obra homônima deste conceito que se vê uma real, cl ara e exaustiva demonstração sobre o que Agostinho entende nesta metáfora. Nada melhor para compreender esta metáfora, que por sinal, está intrinsicamente ligado ao seu correlato Cida- de dos Homens, do que observar um dos muitos trechos em que o autor faz uma contraposi- ção das duas categorias de sociedade existentes em seu pensamento:

do próprio gênero humano, que separamos em dois grupos: o dos que vi- vem como ao homem apraz e o dos que vivem como apraz a Deus. Em linguagem figurada chamamos-lhes também duas cidades, isto é, duas so-

128 “Feramus ergo quod Deus nos ferre voluerit; qui nobis curandis atque sanandis, suum Filium misit, quis etiam dolor, sicut medicus, novit utilis sit.”AGOSTINHO, Santo. De excídio Urbis, 8, 9,23. In: AGOSTINHO, Santo. O De excídio Urbis e outros sermões sobre a queda de Roma. Tradução do Latim, Introdução e notas de Carlota Miranda Urbano. Coimbra: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, 2010. p. 58.

129 URBANO, Carlota Miranda. “Introdução”. In: AGOSTINHO, Santo. O De excídio Urbis e outros sermões sobre a queda de Roma. Tradução do Latim, Introdução e notas de Carlota Miranda Urbano. Coimbra: Cen- tro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, 2010. p. 14.

ciedades de homens das quais uma está predestinada a reinar eternamente com Deus e a outra a sofrer um suplício eterno com o Diabo.130

O que se vê nestas palavras é a interpretação que o próprio autor norte africano faz destas metáforas que foram tão marcantes ao longo de todo o seu percurso. Ou seja, nas definições agostinianas estão, na verdade, duas posturas da pessoa frente à realidade, uma tem como princípio o amor a Deus, enquanto a outra tem como fundamento o amor a si mesmo.131

A Cidade de Deus passa ser, então, um grupo de pessoas que estão interligados por Deus. Seu percurso final será no céu, no fim da história, que ainda será objeto de investiga- ção neste trabalho. Ela tem cidadãos que peregrinam na terra e que buscam fazer a vontade de seu criador enquanto estão aqui. Pois se lê em Agostinho: “Está escrito que Caim fundou uma cidade; como peregrino que era não a fundou, porém, Abel. É que a cidade dos santos é a do Alto, embora procrie cá cidadãos entre os quais ela vai peregrinando até que chegue o tempo do seu reino.”132

Nesta citação fica claro como as metáforas agostinianas são, em grande medida, in- fluenciados por sua fé cristã, sendo praticamente impossível dissociar suas construções teo- lógicas/filosóficas da influência da Bíblia. O que não exclui, de maneira alguma, toda genia- lidade e originalidade desenvolvida pelo autor, que transpassa tantos séculos e gera discus- sões até a contemporaneidade. Assim sendo, a Cidade de Deus é na acepção de Agostinho uma sociedade de pessoas unidas pelo amor a Deus. Superando toda e qualquer diferença que possa existir, seja de raça, tempo histórico ou nacionalidade.

A ênfase de Agostinho está no fato de que esta Cidade (civitas) que ela é peregrina. Isso foi entendido por prismas completamente diferentes ao longo da história. Alguns en- tendem que ser peregrina significa que ela está nos locais onde estão seus representantes e que estes fazem diferença nestes ambientes, marcando assim, uma posição política e cidadã

130“Generis humani: quod in duo genera distribuimus; unum eorum qui secundum hominem, alterum corum qui secundum Deum vivunt. Quas etiam mystice appellamus civitates duas, hoc est duas societates hominum: quarum est uma quae praedestinata est in eternum regnare cum Deo; altera aeternm supplicium subire cum diabolo.” AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus XV, 1. Tradução de J. Dias Pereira. 4ª ed. Lisboa: Funda- ção Calouste Gulbenkian, 2011. p. 1323.

131 Cf. GREGGERSEN, Gabriele. “Concepção de História em A Cidade de Deus de Santo Agostinho”. In: Itinerários. Araraquara, n.23, p. 69-83, 2005. Disponível em <seer.fclar.unesp.br/itinerários/article/download/2807/2560 >. Acesso em: 20/05/2013.

132“Scriptum est itaque de Cain, quod condiderit civitatem (Gen 4,17): Abel autem tanquam peregrinus non con- didit. Superna est enim sanctorum civitas, quamvis hic pariat civer, in quivus peregrinatur, donec regni eius tempus adveniat.” AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus XV, 1. Tradução de J. Dias Pereira. 4ª ed. Lis- boa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011. p. 1325.

que busca fazer uma real modificação aonde se está. Em contrapartida, outros vão entender que o verbo peregrinar marcaria uma forma de alienação, mostrando que a Cidade Divina não está claramente identificada com as realidades que estão ao seu redor. Nas palavras do antigo teólogo acha-se o seguinte:

“Do mesmo modo sucede que a cidade de Deus, durante a sua peregrinação pelo mundo, conta no seio com pessoas a si unidas pela comunhão dos sa- cramentos (conexos communione sacramentorum) que não partilham com ela a herança eterna dos santos. Alguns mantêm-se escondidos; outros são conhecidos. Como os inimigos, não hesitaram em murmurar contra Deus de cuja marca sacramental são portadores. Tão depressa com eles enchem as igrejas.”133

Marcando, desta maneira, mais uma vez o caráter oculto desta Cidade, que está presentes nos mais diversos lugares, porém, sem poder ser identificada cabalmente por nenhum ser humano.

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