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O designer golem : um modelo computacional da criatividade em design

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

O DESIGNER GOLEM

Um modelo computacional da criatividade em design

Carlos Manuel Gomes da Silva Pires

Orientador: Prof. Doutor Emílio Manuel Távora Vilar

Tese especialmente elaborada para a obtenção do grau de Doutor em

Belas-Artes, na especialidade de Design de Comunicação

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

O DESIGNER GOLEM

Um modelo computacional da criatividade em design

Carlos Manuel Gomes da Silva Pires

Orientador: Prof. Doutor Emílio Manuel Távora Vilar

Tese especialmente elaborada para a obtenção do grau de Doutor em Belas-Artes, na especialidade de Design de Comunicação

Júri:

Presidente: Doutor Victor Manuel Marinho de Almeida, Diretor da Área de Design de Comunicação da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (nomeado por Despacho do Vice-Reitor, datado de 21 de Abril de 2017). Vogais: Doutor José Miguel Santos Araújo Carvalhais Fonseca, Professor

Auxiliar da Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto (arguente principal);

Doutor José Manuel de Figueiredo Gomes Pinto, Professor Auxiliar da Escola de Comunicação, Arquitetura, Artes e Tecnologias da Informação da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (arguente principal); Doutora Suzana Isabel Malveiro Parreira, Professora Auxiliar da

Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa;

Doutor Emílio Manuel Távora Vilar, Professor Associado com Agregação da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (orientador).

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RESUMO

O objetivo do presente trabalho é o desenvolvimento de um modelo computacio-nal da criatividade em design que permita a geração de soluções criativas e ade-quadas como resposta a problemas do domínio do design de comunicação. Para tal foi desenvolvido um estudo em três frentes:

1) Desenvolvimento de um modelo genérico da criatividade, partindo do modelo dos 4-cês da criatividade de Kaufman e Beghetto, do modelo sistémico da criatividade de Csikszentmihalyi e do modelo Geneplore de Finke e colegas, e tomando ainda em consideração as teorias da cognição situada e a teoria da seleção de grupos neuronais de Edelman; 2) Análise crítica da metodologia projetual do design.

3) Desenvolvimento de um modelo da criatividade em design, partindo de uma análise bibliográfica e de um estudo empírico que começou com entrevistas semiestruturadas a 7 designers, terminando num questionário aferindo 37 variáveis junto de 509 designers em 44 países;

Os resultados do estudo empírico revelam o processo criativo como sendo infor-mal, dinâmico, iterativo, e composto por 3 passos: pesquisa, geração de ideias e avaliação. Os designers raramente usam métodos formais de geração de ideias no-vas, e fazem poucos esforços para desenvolver a sua criatividade. O uso de fontes de inspiração é fundamental para o processo criativo, e os designers contam com um conjunto restrito e estável de fontes. O design é um domínio auto-referencial, visto que a principal fonte de inspiração dos designers é o próprio design.

O principal contributo do presente trabalho consiste numa teoria unificada do pro-cesso criativo que enforma o modelo computacional apresentado, que vai desde a escala intramental do raciocínio analógico à escala das interações socioculturais entre domínio, campo e indivíduo, e das interações transversais entre diferentes campos e domínios de atividade cultural. Para além do contributo principal, o es-tudo empírico constitui em si mesmo um importante e inédito contributo para a in-vestigação em design e para a inin-vestigação dos processos criativos.

Palavras-Chave:

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ABSTRACT

The purpose of this work is the development of a computational model of design creativity to enable the generation of adequate and creative solutions to communi-cation design problems. To that end, a three-pronged study was developed:

1) Development of a generic model of creativity, based on Kaufman & Beghetto's Four-C model of creativity, on Csikszentmihalyi's systemic model of creativity, and on Finke's Geneplore model, also taking into consideration relevant implications from situated cognition theories and from Edelman's theory of neural group selection;

2) A critique of design methodology.

3) Development of a design-specific model of creativity, based on a literature review and an empirical study which started with semi-structured interviews with 7 senior designers, and ended with a questionnaire gathering 37 variables from 509 designers across 44 countries;

The results of the empirical study suggest the creative process is informal, dyna-mic, iterative, and composed of at least three identifiable steps: research, idea ge-neration, and evaluation. Designers tend not to use formal methods of idea genera-tion, and their efforts to enhance their creativity seem bleak. The use of inspiration sources is fundamental to the creative process and most designers rely on a very limited and stable number of sources. Design comes through as a highly self-refe-rential domain, since the top source of inspiration in any field is the work of other designers in that same field.

The main contribution of the present study is in the unified theory of the creative process that is used to cast the computational model presented, which spans the intramental scale of analogical thought and macro scale of social and cultural inte-ractions between the domain, the field, and the individual, and among different fields and domains. Besides the main contribution, the empirical study is, in and of itself, a major and novel contribution to design research and to creativity research.

Key Words:

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AGRADECIMENTOS

Ao Professor Doutor Emílio Távora Vilar, por contribuir com o contraditório, a objetividade e o bom senso sem os quais este trabalho não seria possível.

Ao Professor Doutor José Quaresma Pedro, por ter lançado em 2008 um desafio que me levou a encetar um percurso de investigação que neste momento passa por aqui.

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DEDICATÓRIA PÓSTUMA

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Índice

Introdução...1

Capítulo 1 Criatividade: enquadramento histórico e conceptual...13

1.1. Introdução...17

Objetivos deste capítulo...17

Resumo introdutório...17

1.2. Definições de criatividade...19

1.3. Paradigmas da criatividade...23

1.3.1. Paradigma “Ele, o criativo”...24

1.3.2. Paradigma “Eu, o criativo”...25

1.3.3. Paradigma “Nós, os criativos”...27

1.4. O estudo da criatividade...31

1.4.1. Abordagens teóricas à criatividade...32

Orientação epistemológica...32

Magnitude do fenómeno criativo...32

Tipo de abordagem...36

Abordagem desenvolvimentista...36

Abordagem psicométrica...36

Abordagem económica...37

Abordagem componencial...37

Abordagem das teorias de resolução de problemas...38

Abordagem das teorias de definição de problemas...38

Abordagem evolucionista...38 Abordagem tipológica...38 Abordagem sistémica...39 1.4.2. Dimensões da criatividade...40 Pessoa...40 Local...41 Potencial...41 Processo...41

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Produto...41

Persuasão ou Pressão...42

1.5. Criatividade e imaginação...43

1.6. Criatividade e cognição...51

1.6.1. Aspetos cognitivos da criatividade...52

1.6.2. Teoria da cognição situada...59

1.6.3. Prática situada...61

1.6.4. Teoria da seleção de grupos neuronais...65

Capítulo 2 Metodologia projetual e criatividade no domínio do design...69

2.1. Introdução...73

Objetivos deste capítulo...73

Resumo introdutório...73

2.2. Modelos, métodos e metodologia...75

2.3. Contributos prévios para a metodologia do design...81

2.3.1. Métodos de design...82 Asimow...82 Archer ...85 Mesarovic...86 Alexander...87 Munari...91 Broadbent...93

2.3.2. O estudo dos métodos de design...95

Bonsiepe...95

Kellner e Poessnecker...96

Bürdek...97

Bomfim...97

Ximenes e Neves...98

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Capítulo 3

Criatividade no domínio do design: estudo empírico...103

3.1. Introdução...107

Objetivos deste capítulo...107

Resumo introdutório...108

3.2. Enquadramento metodológico...111

3.2.1. Objetivos e estrutura do estudo empírico...112

O debate entre aptidões inatas e aptidões adquiridas...112

A relação entre o designer e a criatividade...112

A relação entre a criatividade e o trabalho real do designer...113

3.2.2. Estudo preliminar...114

Caracterização da amostra do estudo preliminar...114

Instrumento e procedimentos...114

Conclusões do estudo preliminar...116

3.2.3. Inquérito...118

Caracterização do universo e da amostra...118

Instrumento...119

3.3. O background e a educação dos designers...123

3.3.1. Equilíbrio entre géneros...124

3.3.2. Contexto familiar...128

3.3.3. Níveis de escolaridade e fontes de educação profissional dos designers...133

3.3.4. Componente tutorial da educação em design...139

3.3.5. Papel da criatividade no contexto da educação em design...142

3.4. O processo criativo e a rotina diária...143

3.4.1. Tempo gasto com tarefas não criativas...144

3.4.2. Realização pessoal no trabalho criativo...147

3.4.3. Estrutura do processo criativo...149

3.4.4. Natureza organizada ou caótica do processo criativo...152

3.4.5. Natureza individual ou coletiva do processo criativo...153

3.5. Inspiração, expressão e ferramentas criativas...155

3.5.1. Fontes de inspiração...156

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3.5.3. Ferramentas criativas...165

3.6. Avaliar e potenciar a criatividade...167

3.6.1. Aumentar e desenvolver a criatividade...168

3.6.2. Autoavaliação da criatividade...171

3.7. Análise de resultados...175

3.7.1. Um perfil do designer atual...176

A educação do designer...176

A relação com a criatividade...180

3.7.2. Limitações...181

Modelo...183

4.1. Um modelo genérico da criatividade...185

4.2. Um modelo descritivo do processo criativo dos designers...191

O motivo da falência dos Design Methods...191

O processo criativo do designer como construção de um mundo possível...193

Etapas do processo criativo...197

A investigação...198

A geração de ideias...200

A avaliação...202

4.3. Um modelo computacional da criatividade em design de comunicação...205

4.4. Conclusões...215

Formação e prática situada...215

O papel da simulação na metodologia projetual...217

Trabalho futuro...218

Implicações...219

Glossário...221

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Índice de Figuras e Imagens

Figura 1: Modelo sistémico da criatividade, segundo Csiksentmihalyi...27

Figura 2: Modelo dos "4-cês" da criatividade...33

Figura 3: Estrutura do modelo Geneplore....53

Figura 4: Os três princípios da TNGS....66

Figura 5: Método de Asimow...82

Figura 6: Fluxogramas detalhados do método de Asimow...83

Figura 7: Detalhe da fase inicial de estudo de viabilidade do modelo de Asimow...84

Figura 8: Método de Archer...85

Figura 9: Modelo de Mesarovic...86

Figura 10: Os três processos de design possíveis, segundo Alexander 90... Figura 11: O método projetual de Bruno Munari...92

Figura 12: Modelo genérico da criatividade à escala individual: expansão do modelo Geneplore...187

Figura 13: Modelo genérico da criatividade à escala social: conjugação do modelo dos 4-cês com o modelo sistémico da criatividade...188

Figura 14: Modelo computacional da criatividade — o indivíduo interpreta e recombina elementos e estruturas provenientes de fontes de inspiração...207

Figura 15: Modelo computacional da criatividade — funcionamento à escala sistémica...208

Figura 16: Modelo computacional da criatividade — o sistema cultural funciona como fonte de inspiração...209

Figura 17: Modelo computacional da criatividade — a imagem mental do problema é enformada pelas características dos problemas subjacentes às soluções paradigmáticas...210

Figura 18: Modelo computacional da criatividade — o indivíduo interpreta e recombina soluções prévias...211

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Figura 19: Exemplos de logotipos diferentes baseados no mesmo

conceito...213

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Índice de Gráficos

Gráfico 1: Distribuição etária da amostra completa...125

Gráfico 2: Distribuições etárias por género...125

Gráfico 3: Localização geográfica e género ...126

Gráfico 4: Distribuição por países, agrupada por género...126

Gráfico 5: Distribuição por cidade, agrupada por género)...127

Gráfico 6: Distribuições dos níveis de educação de pais e mães dos inquiridos...129

Gráfico 7: Distribuições de ocupações criativas de pais e mães dos inquiridos...130

Gráfico 8: Distribuição da percentagem de irmãos com ocupações artísticas...131

Gráfico 9: Influência de um membro da família na escolha da profissão132 Gráfico 10: Nível de escolaridade dos inquiridos...133

Gráfico 11: Fontes de educação em design, agrupadas por género...134

Gráfico 12: Educação em design versus nível de escolaridade...135

Gráfico 13: Educação em design versus nível de escolaridade, agrupadas por faixas etárias...137

Gráfico 14: Distribuição geográfica e nível de escolaridade...137

Gráfico 15: Distribuição geográfica e médias etárias...138

Gráfico 16: Existência da figura de "mentor" durante a educação em design...139

Gráfico 17: Análise estratificada não revela qualquer relação entre ter tido um mentor ou não, e quaisquer outras variáveis aferidas no presente questionário...141

Gráfico 18: Papel da criatividade na educação em design...142

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Gráfico 20: Relações entre o tempo gasto com trabalho não criativo e

algumas das outras variáveis só saem fora da média para categorias

com número muito baixo de casos...145

Gráfico 21: Realização pessoal em termos criativos, expressa no número de respostas à pergunta "Do you wish you had more opportunities to express your creativity in your work?"...147

Gráfico 22: Tempo despendido diariamente em tarefas não criativas, agrupado pelo tipo de resposta à pergunta "Do you wish you had more opportunities to express your creativity in your work?"...148

Gráfico 23: Etapas identificáveis do processo criativo...150

Gráfico 24: Estrutura caótica ou ordenada do processo criativo...152

Gráfico 25: Natureza individual ou coletiva do processo criativo...153

Gráfico 26: Importância da utilização de fontes de inspiração...156

Gráfico 27: Frequência da utilização de fontes de inspiração no processo criativo...157

Gráfico 28: Fontes de inspiração dos designers...158

Gráfico 29: Canais de expressão criativa dos designers...159

Gráfico 30: Canais de expressão criativa reportados pelos inquiridos que não escolheram a opção "Em todo o meu trabalho como designer" e pelos inquiridos que escolheram essa opção...160

Gráfico 31: Resultados para a pergunta "Desejava ter mais oportunidades de expressar a sua criatividade no seu trabalho?", divididos de acordo com a escolha ou não da opção "Em todo o meu trabalho como designer" como resposta à pergunta "Como expressa a sua criatividade"...161

Gráfico 32: Canais de expressão criativa agrupados por localização geográfica...162

Gráfico 33: Canais de expressão criativa agrupados por género...163

Gráfico 34: Ferramentas criativas...165

Gráfico 35: Ferramentas criativas reportadas pelos inquiridos que não incluíram ...166

Gráfico 36: Percentagem de inquiridos que afirmam procurar ativamente formas de aumentar a sua criatividade...168

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Gráfico 37: Formas de aumentar a criatividade...168

Gráfico 38: Autoavaliação da criatividade...171

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Índice de Tabelas

Tabela 1:

Lista das combinações de etapas do processo criativo mais populares entre os inquiridos (são omitidas as combinações com menos de 1% de respostas). Os dados desta tabela mostram 281 casos, ou seja, 55,2% da totalidade da amostra. O resultado mais popular corresponde à escolha de todas as opções apresentadas...151

Tabela 2:

Outras formas de aumentar a criatividade, fornecidas pelos inquiridos, para além das já apresentadas no próprio questionário...169

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Learn from me, if not by my precepts, at least by my example, how dangerous is the acquirement of knowledge and how much happier that man is who believes his native town to be the world, than he who aspires to become greater than his nature will allow.

Shelley, 1818

Stories about golems — humanlike beings molded from base clay — have ancient origins in Jewish folklore. (...) Some say the golems’ nearness to ourselves makes them more frightening than other threats. Whereas a lion might tear our flesh and a fire might cause greater destruction, golems — even when peaceful — mock us with reminders of how easily we could lose the warmth that defines our humanity. (...)

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Introdução

Qualquer área de atividade humana é passível de se tornar objeto de estudo científico, inclusivamente o próprio estudo científico. Considerando que todas as atividades desen-volvidas pelas ciências exatas são, em virtude da própria definição do vocábulo "exata", passíveis de formalização através de instrumentos matemáticos precisos, e considerando ainda que os computadores são a forma de operacionalizar os formalismos matemáticos, será que um dia as ciências exatas passarão a ser desenvolvidas exclusivamente por computadores? Será que as ciências exatas poderão acabar por criar o golem que as vai destruir? Quando estiverem frente-a-frente com esse golem, os cientistas terão de tomar uma decisão: ou as suas ciências não são exatas e carecem de algum ingrediente que só a humanidade1pode fornecer, ou então, sendo "exatas", estarão mais bem entregues aos

computadores.

Quando esse grau de sofisticação tecnológica for atingido, o que acontecerá com as ciências sociais, com as "artes e humanidades" e com o design? Pode-se argumentar que o trabalho desenvolvido nas artes e no design assenta na criatividade, e que esta é também o ingrediente essencial para as descobertas científicas. Mas será a criatividade uma característica exclusiva do ser humano? E serão estas características humanas im-possíveis de ser objecto de uma formalização precisa? Aspetos notoriamente tão huma-nos como a autoconsciência (Lewis et al., 2011; Zhengping et al., 2008; Santambrogio

et al., 2010), a empatia (Satoh, 2012), ou a mentira e o engano2são precisamente o

ob-jeto de estudo de investigadores na área das ciências de computadores e, em particular, da inteligência artificial. Há neste momento laboratórios a desenvolver na área da robó-tica sistemas inteligentes autónomos com a capacidade de enganar deliberadamente os seus semelhantes e os seus criadores (Wagner & Arkin, 2011). As ciências cognitivas desenvolvem atualmente modelos computacionais de fenómenos tão humanos como a negação e a autoilusão (Pimentel & Cravo, 2013) e até da criatividade (Gero, 2002;

1. No sentido de "qualidade exclusiva do ser humano".

2. Para uma fundamentação teórica prévia às atuais aplicações práticas, cf. Stuart, 1998, e ainda Castelfranchi, 2000.

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Langen et al., 2004; Sosa & Gero, 2005; Kurtoglu et al., 2009; Elliott, 2010). Verifica-se já hoje que os resultados da criatividade computacional podem Verifica-ser indestrinçáveis dos da criatividade humana: os especialistas não conseguem distinguir o trabalho de Mozart do trabalho de "Emmy", o software compositor criado por David Cope:

(...) Cope attracted praise from musicians and computer scientists, but his creation raised troubling questions: If a machine could write a Mozart sonata

every bit as good as the originals, then what was so special about Mozart? 3

Perante este panorama, o primeiro conceito a sofrer convulsões é certamente o de Autoria: quem é o autor neste tipo de obras? O computador, ou quem o programa? Onde acaba a ferramenta e começa o autor? Face ao enorme potencial que a criatividade computacional apresenta, talvez a grande questão seja outra, e com implicações mais profundas: o que fará um designer ser melhor do que uma máquina? Será talvez óbvio que, se for possível criar uma máquina criativa, esta desde logo (e sempre) se distin-guirá dos seus criadores por motivos ontológicos, independentemente do seu grau de so-fisticação, assim como Emmy se distingue inequivocamente de David Cope. Mas o que dizer dos produtos da mesma? A pergunta passa então a ser: o que fará a produção

cria-tiva de um designer ser melhor do que a produção criacria-tiva de uma máquina? Em

ter-mos estritamente práticos, não se dará o caso de uma grande percentagem de todos os artefactos que criamos poder ser criada por máquinas sem qualquer prejuízo para o re-sultado final? Será que a maior parte do nosso trabalho não é mais do que a repetição de um ciclo em que tudo é mecânico, exceto a carne e osso do executante? Onde estará a fronteira entre o potencial criativo de um indivíduo e a sua criatividade real? E onde es-tará a fronteira entre o potencial criativo artificial e o potencial criativo natural?

Com esta problemática em mente, pretende-se com o presente trabalho desen-volver um modelo computacional do processo criativo no domínio do design de comu-nicação. O modelo computacional aqui apresentado consiste numa descrição da

3. Blitstein, 2010. Este artigo revê a história controversa do revolucionário software de composição musical "Emmy" criado por David Cope, compositor e professor emérito da Universidade da Califórnia em Santa Cruz.

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arquitetura de um sistema computacional de produção de soluções gráficas que, hipote-ticamente, permitirá obter resultados qualitativamente semelhantes aos resultados obti-dos através do processo criativo utilizado atualmente pelos designers de comunicação. O modelo computacional aqui apresentado assenta em três pilares:

1. Um modelo genérico da criatividade (principalmente baseado em teorias

da criatividade desenvolvidas no seio das ciências cognitivas e da própria investigação em criatividade);

2. Uma análise crítica da metodologia projetual do design.

3. Um modelo da criatividade em design que inclui um perfil do designer atual (baseado em estudos do processo projetual em design e em dados

obtidos no decurso de um estudo empírico inserido no presente projeto de investigação);

O primeiro pilar que sustenta a presente investigação é um modelo genérico da criatividade, baseado em contributos provenientes das ciências cognitivas e da investi-gação no domínio específico da criatividade. O modelo genérico da criatividade que aqui se apresenta tenta conciliar diferentes abordagens à investigação da criatividade. Historicamente, a perceção da criatividade (tanto por leigos como por especialistas) tem sofrido alterações que se enquadram na própria história da ciência e do desenvolvimen-to da sociedade ocidental. De acordo com Glăveanu (2010, p. 80), as principais abor-dagens à criatividade podem ser designadas pelos seguintes três paradigmas:

1. O paradigma "Ele, o criativo"; 2. O paradigma "Eu, o criativo"; 3. O paradigma "Nós, os criativos".

O paradigma "Ele, o criativo" é historicamente o primeiro e corresponde ao notório estereótipo do "génio". Esta visão da criatividade tem origem na antiguidade clássica, onde surge pela primeira vez a ligação entre o "génio" e a "inspiração divina", que viria a ser progressivamente substituída pela "herança genética" a partir do

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Renasci-mento (Montuori & Purser, 1995; Dacey, 1999). O mito do génio subsiste ao longo do período Romântico e do Iluminismo (Weiner, 2000). Este paradigma está também asso-ciado àquilo que se viria a chamar a criatividade com "C-grande" (Kersting, 2003), de-signação atribuída às manifestações mais notórias de criatividade por parte daqueles que são reconhecidos de forma quase universal como "génios" (exemplos habituais deste tipo de criatividade são Einstein e Picasso).

O paradigma "Eu, o criativo" veio substituir o "génio" pelo indivíduo "normal". Esta evolução é também interpretada como uma "democratização" da criatividade (Bil-ton, 2007; Hulbeck, 1945; Weiner, 2000) porque agora qualquer indivíduo tem a liber-dade de ser criativo, visto que à luz deste novo paradigma a criativiliber-dade não é uma capacidade apenas daqueles escolhidos por Deus ou pela genética. O uso do termo "gé-nio" cai em declínio e é progressivamente substituído pelos termos "dotado" e "criativo" (Friedman & Rogers, 1998). O paradigma "Eu, o criativo" surge quando a psicologia volta a sua atenção para o estudo da criatividade, a partir dos anos 1950. O marco histó-rico deste ponto de viragem é a comunicação presidencial de Guilford à American Psy-chological Association (APA) em que urge os psicólogos a estudar a "personalidade criativa" (Guilford, 1950).

Com o paradigma "Eu, o criativo" surgem as distinções entre criatividade com "C-grande" e criatividade com "c-pequeno" (e mais tarde, "c-mini" e "C-Pro": cf. Kauf-man & Beghetto, 2009), uma vez que a criatividade já não é vista como o domínio ex-clusivo do génio. Já não se trata de uma característica única e atómica que um indivíduo possui ou não, mas pode ser vista como o espectro de diferentes intensidades de um mesmo fenómeno. Argumenta-se aqui que o paradigma seguinte ("Nós, os criativos") surge como consequência da estratificação de diferentes nuances da criatividade, uma vez que esta estratificação identifica diferentes tipos de criatividade indexados não só por grupos sociais (população em geral versus classe profissional) como também (e principalmente) pelo impacto que as manifestações de criatividade têm na própria sociedade.

O paradigma "Nós, os criativos" vem reposicionar a criatividade face à socieda-de e parte do pressuposto socieda-de que a criatividasocieda-de é indissociável do contexto social

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(Westwood & Low, 2003). Os principais contributos para esta visão mais abrangente da criatividade vieram de Amabile (Amabile, 1996; Hennessey, 2003), Simonton (Simon-ton, 1975; Simon(Simon-ton, 1988; Simon(Simon-ton, 2003) e Csikszentmihalyi (Csikszentmihalyi, 2006). Tanto Amabile como Simonton apresentaram o fator social principalmente como uma pressão externa sobre a criatividade individual. Csikszentmihalyi desenvolveu um novo tipo de modelo da criatividade, no qual o contexto social já não é um elemento ex-terno ou um fator de "pressão" sobre o processo criativo. No seu modelo sistémico da criatividade, a produção criativa resulta da interação entre três fatores: um domínio es-pecífico (como por exemplo, a biologia, a música de câmara, o design de interfaces), o campo (o sistema social em que o indivíduo se insere e que inclui todos os agentes que validam as criações passíveis de serem assimiladas por esse domínio, como por exem-plo, escolas, professores, críticos, jornalistas, especialistas, empresas, revistas da espe-cialidade), e o indivíduo (com todas as suas características individuais inatas e adquiridas). A criatividade está assim embebida no tecido social e no contexto histórico em que ocorre. Esta visão salienta o facto de que cada ato criativo faz parte do conheci-mento pré-existente num determinado domínio e acrescenta conheciconheci-mento a esse domí-nio sempre através da colaboração dos agentes que fazem parte do campo, que assumem o papel de guardiões do acervo cultural que constitui o domínio, que por sua vez contri-bui para a cultura no sentido mais lato.

Encontramos nas nuances de criatividade classificadas como "c-pequeno" e "C-Pro" um paralelo com o que Ezio Manzini define como "design difuso" (produzido por cidadãos comuns no seu dia-a-dia) e "design especialista", produzido por designers pro-fissionais (Manzini, 2015). As questões colocadas por Manzini estão relacionadas com o

co-design, conceito que vai ao encontro do paradigma "Nós, os criativos" e que se pode

relacionar com a teoria da cognição distribuída de Hutchins (1995), e ainda com o con-ceito de prática situada avançado por Wenger (1998). Quando aplicadas à prática do de-sign, estas teorias permitem ver o designer individual como um dos participantes na criação dos artefactos e não como o seu único criador. Tal como Csikszentmihalyi apre-senta a criatividade como um fenómeno não localizado mas distribuído e sistémico, Hutchins apresenta a cognição como algo mais do que um fenómeno localizado na men-te de um indivíduo: um sismen-tema composto por componenmen-tes que se encontram

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distribuí-dos pelas pessoas e pelos artefactos (Hutchins, 1995). Estas teorias têm todas raízes na teoria da cognição situada (Brown et al., 1989) que por sua vez será o elemento agluti-nador de toda a argumentação que aqui se apresenta, juntamente com o modelo sistémi-co da criatividade, que se estabelece sistémi-como uma ponte entre as diferentes dimensões da criatividade. Este modelo permite não só consolidar diferentes dimensões e diferentes paradigmas da criatividade, como possibilita interações entre campos de atividade cria-tiva diferentes.

O segundo pilar de sustentação da presente investigação consiste numa análise crítica das principais contribuições no domínio da metodologia do design. A análise aqui apresentada começa por esclarecer as diferenças entre modelos descritivos e modelos prescritivos, estabelecendo uma definição precisa de "método". A especificidade das ati-vidades projetuais é explanada e apresentada como um fator crucial para a compreensão das limitações e, em última análise, do fracasso dos métodos sistemáticos em design. Os métodos projetuais no domínio do design estão inevitavelmente relacionados com aqui-lo que ficou conhecido como o movimento Design methods, e consequentemente parti-lham o estigma do fracasso dos mesmos. Argumenta-se que os pioneiros dos Design

methods tentaram tratar o design como se fosse uma ciência e tentaram aplicar à sua

metodologia uma abordagem cartesiana, partindo de uma visão arquetípica dos proble-mas de design e fragmentando-a em partes mais pequenas (Broadbent, 1984b; Cross et

al., 1981; Cross, 1993a; Cross, 2001). Esta estratégia é o segundo preceito do método

cartesiano (Descartes, 2001, p. 23), que visa a redução da complexidade e aconselha à divisão do problema nas suas partes constituintes. No caso dos métodos de Design, estas partes foram chamadas design elements (Asimow, 1962), factors (Jones, 1963),

sub-pro-blems (Archer, 1984), e misfit variables (Alexander, 1964).

Mas se o "problema" para a ciência (e para o método cartesiano) consiste em produzir uma explicação para o que já existe, o "problema" para o design e para todos os métodos projetuais consiste em produzir o que não existe ainda: as ciências têm um carácter descritivo, e o design tem um carácter prescritivo (Cross, 2001; Lawson, 2001). Enquanto para a ciência o método é fundamental (sem método científico não existe

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ciência), para o design a aderência a um método pré-estabelecido é opcional: os resulta-dos do design não precisam de ser repetíveis e não são validaresulta-dos da mesma forma que os resultados da ciência (Cross, 2001). Estas diferenças fundamentais entre ciência e de-sign estão na origem da dificuldade em transplantar um método do campo da ciência para o campo do design. Este equívoco foi devidamente identificado, quando o fracasso dos Design methods foi encarado e exposto pelos seus próprios autores. Por outro lado, a especificidade dos métodos de design consistirá no facto de que estes devem prescre-ver não um processo específico para produzir uma solução específica, mas um processo para produzir várias classes de soluções. Nesse sentido, os métodos de design podem ser vistos como meta-métodos, porque devem estabelecer um processo que potencia o de-senvolvimento de soluções e não um processo que culmina numa única solução. A falência dos métodos de design estará não só nesse equívoco, mas também num outro, com raízes mais profundas, que nasce da falha em considerar que o verdadeiro ato cria-tivo indispensável ao processo projetual ocorre precisamente no hiato entre objecria-tivo e tarefa (ou entre problema e solução). E nenhum dos métodos propostos no âmbito do movimento Design methods contemplou este passo crucial do processo projetual. Ape-sar desta omissão, é hoje evidente que se desenvolveu na esteira da emergência dos

De-sign methods a espectativa (infundada) de que uma metodologia de inspiração

cartesiana pudesse vir a potenciar a produção de soluções, pois dividir um problema em sub-problemas deixa-nos sempre com mais problemas e sem soluções.

O que será aqui argumentado, no que diz respeito ao processo projetual, é que o designer consegue transpor o hiato entre objetivo e tarefa (entre problema e solução) através de um mecanismo elementar chamado raciocínio analógico (Holyoak & Tha-gard, 1995). O raciocínio analógico não está diretamente ligado à notória distinção entre pensamento divergente e pensamento convergente. Estes dois tipos ou modos de pensa-mento são conceitos incontornáveis para a compreensão do processo criativo, e são também explorados no decorrer da argumentação aqui apresentada sobre o processo criativo, mas não se encontram à mesma escala do raciocínio analógico. O pensamento divergente é uma estratégia para a produção de ideias novas associada ao conceito de dispersão (descoberta de novos caminhos), enquanto que o pensamento convergente é associado à racionalidade e à necessidade de concentração (no caminho para um

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objeti-vo). Por seu lado, o raciocínio analógico será um mecanismo elementar do funciona-mento da mente no que diz respeito ao pensafunciona-mento abstrato, que será utilizado tanto no pensamento convergente como no pensamento divergente, mas por estar enraizado no próprio funcionamento neurológico e não por ser uma característica particular da ativi-dade criativa. No entanto, o raciocínio analógico é o que permite aos designers construir os seus universos alternativos, onde a solução para o problema de design é construída através daquilo que Schon (2009) descreve como a interligação entre perceção, cog-nição e notação.

Para responder à pergunta "o que fará um designer ser melhor do que uma má-quina?" será útil talvez começar por perguntar simplesmente "o que fará um designer?" Com o objetivo de promover uma resposta a esta pergunta, o terceiro pilar de susten-tação da presente investigação consiste num modelo do processo criativo dos designers desenvolvido com base em dados obtidos através de um estudo empírico desenvolvido no decurso do presente projeto de Doutoramento, e numa análise crítica do trabalho pré-vio desenvolvido por diversos autores no campo da investigação em design. Os projetos de investigação de Donald Schon (Schon, 1991; Schon, 2009) e de Bryan Lawson (Lawson, 1984; Lawson, 2001) surgem como os mais significativos no campo do estudo da prática criativa no design. Ao longo dos anos, o trabalho destes autores produziu re-velações essenciais para a compreensão do processo criativo dos designers. Neste domí-nio, destacam-se ainda Jane Darke, pela introdução do conceito de primary generator (Darke, 1984) e Gabriela Goldschmidt pelo continuado trabalho de investigação sobre o papel da representação no processo projetual (Goldschmidt & Porter, 2004; Goldsch-midt & Smolkov, 2006; GoldschGoldsch-midt & Sever, 2011) e pelo desenvolvimento de uma técnica específica (Linkography) para a investigação protocolar do processo criativo (Goldschmidt, 2014).

O trabalho de Schon é fundamental para compreender a especificidade do co-nhecimento que é tanto utilizado quanto desenvolvido no decorrer do processo proje-tual. A figura do "praticante reflexivo" e o conceito do "diálogo com o problema" são conceitos incontornáveis (Schon, 1991; 2009) e são o resultado de anos de uma

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investi-gação etnográfica que teve como objeto de estudo os métodos de trabalho de arquitetos, engenheiros e outros profissionais que tratam problemas complexos em que as premis-sas não são à partida conhecidas na sua totalidade. Schon constatou que a forma de atuar destes profissionais consiste no desenvolvimento de algo semelhante a um diálogo em que os interlocutores são o profissional e o próprio problema.

É através deste diálogo que o designer vai construindo um mundo possível, e se vai sedimentando uma solução. Note-se que existe uma clara relação entre a construção de um "mundo possível" e o "mundo 3" da conjetura dos "3 mundos" de Popper (1978). Segundo esta conjetura, existiriam três mundos a que se pode ter acesso: o mundo das coisas físicas (mundo 1), o mundo das construções mentais ou psicológicas que não têm existência material (mundo 2), e um "mundo 3" populado exclusivamente por criações humanas que podem ter existência física e assim pertencer simultaneamente ao mundo 1 e ao mundo 3 (por exemplo, um exemplar de uma edição específica de uma peça de Shakespeare), ou não ter existência física e pertencer apenas ao mundo 3 (por exemplo, uma peça de Shakespeare que pode ser materializada num livro ou em outras formas). Os objetos do mundo 3 interagem com o mundo 1 através da mediação do mundo 2, e possuem ainda uma autonomia característica:

(...) Embora os números sejam feitos por nós, existem neles certas particulari-dades que não são obra nossa, mas que temos possibilidade de descobrir. A isto chamo a "autonomia" do mundo 3, que é diferente daquilo que designei como a sua "realidade", a qual se liga ao facto de podermos interagir com ele. Porém, o terceiro mundo é ao mesmo tempo autónomo e real.

Popper, 2009, pp. 38-39

É algo semelhante a esta autonomia descrita por Popper que permite a descober-ta de características, requisitos e regras no problema com o qual o designer mantém o diálogo descrito por Schon. Este diálogo desenrola-se através daquilo a que Schon cha-mou "movimentos" (moves). A partir das conclusões que Schon tira das suas obser-vações, Gabriela Goldschmidt desenvolveu uma técnica de investigação do processo projetual que captura os "movimentos" dos designers na sua procura de soluções para um determinado problema (Goldschmidt, 2014). Esta técnica de investigação revelou-se

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muito útil não só para a compreensão da forma como trabalham os designers em geral, como também para o diagnóstico do funcionamento de cada projeto em particular. A aplicação desta técnica também permite encontrar diferenças claras entre abordagens metodológicas e entre protagonistas (por exemplo, entre estudantes e profissionais experientes).

Apesar de existirem muitos estudos sobre a atividade projetual, a esmagadora maioria destes contributos estuda quase exclusivamente diferentes profissões4e em

par-ticular sujeitos com níveis extremos de perícia.5 Face à escassez de estudos do processo

criativo focados em designers comuns, foi desenvolvido no âmbito do presente projeto um estudo de fundo da prática criativa dos designers. Este estudo começou com entre-vistas semiestruturadas a uma amostra de conveniência constituída por sete designers seniores radicados em Portugal, Austrália e EUA, e culminou num questionário que afe-riu 37 variáveis junto de uma amostra de 509 indivíduos, maioritariamente constituída por designers gráficos distribuídos por 44 países. Os dados obtidos através deste estudo revelam características dos designers e aspetos do seu processo criativo fundamentais para a compreensão da prática projetual, tal como ela se desenvolve no dia-a-dia do co-mum designer profissional da atualidade, e para a compreensão da natureza dos próprios objetos de design que resultam dessa prática projetual. Este estudo, para além de consti-tuir por si só um importante contributo para a investigação em design e para a investi-gação dos processos criativos, complementa o já considerável corpo de trabalho de investigação sobre os processos criativos em geral e sobre os processos criativos dos de-signers em particular.

4. As amostras destes estudos são habitualmente constituídas por arquitetos ou por um conjunto de profissionais de diversas áreas, e raramente apenas por designers.

5. Habitualmente, os sujeitos destes estudos são estudantes com pouca ou nenhuma ex-periência profissional, ou já profissionais seniores excecionalmente bem-sucedidos.

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O principal contributo para o conhecimento que este trabalho vem trazer consis-te numa consis-teoria unificada do processo criativo em design, que vai desde a escala intra-mental do raciocínio analógico à macro-escala das interações socioculturais entre domínio, campo e indivíduo, e das interações transversais entre diferentes campos e domínios de atividade cultural. O modelo computacional aqui apresentado poderá ser futuramente implementado para testar esta teoria unificada do processo criativo em de-sign. O presente trabalho traz ainda outros contributos para o conhecimento no domínio do design em geral e do design de comunicação em particular, e tão importantes para a prática profissional como para o ensino do mesmo. Destacamos em seguida os princi-pais contributos de forma resumida:

1. O processo criativo dos designers é apresentado como uma prática que se in-sere num contexto que pode ser visualizado como um conjunto de esferas concêntricas, da esfera central do indivíduo à esfera exterior que engloba a cultura como um todo, passando pelas esferas intermédias do domínio espe-cífico de atuação e do domínio genérico do design — contribuindo assim pa-ra uma melhor compreensão do posicionamento do design em relação a outras atividades, e do papel do designer enquanto agente cultural.

2. O processo criativo dos designers é apresentado como uma prática inevita-velmente incremental no contexto cultural em que se insere — o que contri-bui por um lado para uma consciência de classe profissional e de história partilhada que nem sempre é evidente para os designers, e por outro lado contribui para uma visão clara da importância da contextualização histórica no ensino do design.

3. É apresentado um perfil do designer comum da atualidade, baseado em da-dos provenientes de um levantamento sem precedentes que identifica as ca-racterísticas mais salientes na formação dos designers, na sua relação com a criatividade, e na relação entre a criatividade e a prática profissional diária.

4. É apresentado um levantamento e uma análise crítica dos métodos projetuais do design, expondo de uma forma inédita a origem da falência de todos os

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métodos sistemáticos do design, contribuindo assim para o esclarecimento de um equívoco com mais de 50 anos de existência.

5. É apresentada uma teoria unificada do processo criativo, que se assume co-mo situado num contexto que determina não só o desfecho coco-mo também a originalidade e unicidade do próprio processo — o que por um lado contri-bui para a desmistificação do processo criativo, e por outro resgata a questão da originalidade e da autoria de qualquer análise reducionista fixada no pro-duto final do design.

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Capítulo 1

Criatividade: enquadramento

histórico e conceptual

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Creativity is the ability to come up with ideas or artefacts that are new, surprising and valuable. ‘Ideas’ here include concepts, poems, musical compositions, scientific theories, cookery recipes, choreography, jokes – and so on. ‘Artefacts’ include paintings, sculptures, steam engines, vacuum cleaners, pottery, origami, penny whistles – and many other things you can name.

Boden, 2004, p. 1

(...) the mere fact that we readily construct a vast array of concrete and abstract concepts from an ongoing stream of otherwise discrete experiences implies a striking generative ability; concepts are creations.

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1.1. Introdução

Obje%vos deste capítulo

Pretende-se com este capítulo estabelecer um quadro conceptual sobre o qual será trata-do o fenómeno da criatividade no sentitrata-do lato. Este quadro inclui:

– As características necessárias a uma definição de criatividade. – As principais abordagens teóricas à criatividade.

– As diferentes dimensões ou facetas do fenómeno criativo. – A evolução dos paradigmas da criatividade ao longo da história. – A relação entre criatividade e imaginação.

– Aspetos cognitivos da criatividade.

Resumo introdutório

São apresentadas algumas tentativas de definição do conceito de criatividade encontra-das na bibliografia da especialidade, e daí extraíencontra-das as características que se consideram necessárias a uma definição de criatividade. É avançada a noção de que a criatividade é um fenómeno que compreende diferentes dimensões e funciona a diferentes escalas, e que para o compreender se deve utilizar uma abordagem pluralista.

É apresentada uma perspectiva da evolução histórica do conceito de criatividade, procedendo-se à análise daquilo que se pode designar como os diferentes paradigmas da criatividade, que têm moldado ao longo dos tempos as diferentes abordagens ao seu es-tudo e produzido diferentes definições e teorias da criatividade.

As principais abordagens teóricas à criatividade são neste capítulo apresentadas e classificadas de acordo com quatro fatores:

– orientação epistemológica; – magnitude do fenómeno criativo; – dimensões da criatividade; – tipo de abordagem;

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São também analisadas as implicações que cada abordagem teórica à criativida-de pocriativida-de ter no que diz respeito ao domínio específico do criativida-design. Em seguida são apre-sentadas as dimensões da criatividade que a investigação neste campo determinou até à data. São estabelecidos os limites e/ou categorias de cada uma das referidas dimensões para o caso particular da criatividade em design.

É apresentada uma revisão sumária de algumas das diferentes conceções de ima-ginação consideradas por Platão, Aristóteles, Descartes, Espinoza, Kant e Ricoeur, e dis-cutidas certas relações que diferentes abordagens ao conceito de imaginação podem estabelecer com o conceito de criatividade.

São aqui introduzidos alguns dos aspetos fundamentais das teorias da cognição distribuída (Hutchins, 1995), da cognição situada e da prática situada (Wenger, 1998) que se consideram fundamentais para a argumentação que aqui se desenvolve, pois per-mitem consolidar certos aspetos sistémicos que as teorias da criatividade mais promis-soras apresentam. O mesmo acontece com a teoria da seleção de grupos neuronais (Edelman, 1992), que será aqui introduzida como uma hipótese promissora no sentido de conciliar perceção, ação e categorização.

Os aspetos mais úteis das principais teorias aqui focadas serão no subcapítulo 4.1 (pág.185-189) do presente trabalho objecto de uma síntese que resultará na cons-trução de um modelo genérico da criatividade. Este modelo, por sua vez, será o ponto de partida para a restante argumentação e uma componente fundamental para as con-clusões apresentadas no final deste trabalho, no subcapítulo 4.4 (pág.215).

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1.2. Definições de criatividade

Qualquer estudo da criatividade não pode deixar de referir a natureza ilusória deste fenómeno. Esta estará na origem de muitos equívocos, que se podem encontrar tanto no campo da investigação sobre a criatividade como na sua própria aplicação prática,6pois

o vocábulo "criatividade" suscita invariavelmente múltiplas (e por vezes contraditórias) interpretações.

Apesar do estudo deliberado da criatividade só ter sido encetado em meados do séc.XX (Kozbelt et al., 2010), esta é hoje em dia uma área de investigação tão ativa que sucessivas tentativas de coligir as múltiplas definições de criatividade depararam-se com dezenas de definições diferentes.7 Esta diversidade de opiniões está provavelmente

ligada ao facto de que diferentes autores escolhem não só diferentes abordagens meto-dológicas mas também diferentes dimensões da criatividade como foco do seu estudo, o que resulta em definições não só diferentes como por vezes incompatíveis.

Não obstante a diversidade de definições possíveis, pode-se começar por esboçar de forma sintética a criatividade como o processo de encontrar uma nova forma de inte-grar conhecimento pré-existente. Vygotsky (2012) falava em dois tipos de atividade humana:

– Reprodutora, que consistiria em "reproduzir ou repetir modos de comporta-mento já anteriormente elaborados e produzidos ou ressuscitar traços de im-pressões anteriores" (Vygotsky, 2012, p. 21);

– Combinatória, que consistiria em "combinar os elementos velhos em novas combinações" (Vygotsky, 2012, p. 23).

6. Refira-se, a título de exemplo, a utilização prática daquela que será talvez a técnica de produção de ideias criativas mais notória, o Brainstorming, e que se verifica ser fre-quentemente aplicada de forma errada (cf. Isaksen & Gaulin, 2016).

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O segundo tipo de atividade seria para Vygotsky "o fundamento do processo criativo".8 Ou seja, não se trata de um processo de criação de novos elementos, mas

an-tes um processo de criação de novas relações entre elementos já existenan-tes. Esta é uma visão em certa medida consensual da criatividade, frequentemente mencionada em ou-tras definições de criatividade, a par de ouou-tras características.

A definição mais notória de criatividade será possivelmente a que descreve o fenómeno como "o processo de criação de ideias novas, que apresentam uma coisa radi-calmente nova ou uma reformulação radical de um problema já conhecido" (Newell & Shaw, 1972). Note-se que a maioria do trabalho sobre criatividade elaborado por autores como Newell, Shaw e Simon está diretamente ligado às teorias de resolução de proble-mas. Estes autores abordaram sistematicamente a temática da criatividade deste ponto de vista, por isso o produto da criatividade é sempre apresentado neste tipo de teorias como sendo "uma solução" para um "problema". Considerando que a dimensão utilitária do produto do design consistirá sempre numa solução para um determinado problema, esta abordagem não é de todo deslocada. No entanto, será talvez aconselhável pensar na criatividade em termos genéricos e falar em "ideias" no lugar de "soluções".

Deve-se ainda sublinhar que uma característica definidora da criatividade é que a solução criativa tem de acrescentar valor, seja através da reformulação de ideias já existentes, seja através da criação de ideias novas (Boden, 2004; Higgins, 1999). Isto significa que, quando se fala em criatividade, não se está a falar da criação de novidade só pela novidade: o carácter inovador tem de estar ligado à criação de valor. Conside-rando que o “valor” pode ser visto como “solução” se o problema for a ausência desse mesmo valor, as teorias de resolução de problemas tornam-se então aplicáveis a qual-quer fenómeno criativo sem reservas.

O difícil consenso quanto à própria definição de “criatividade” foi durante muito tempo um obstáculo ao progresso da investigação nesta área. Atualmente, a mesma falta

8. Estes dois tipos de criatividade são muito semelhantes aos dois tipos de imaginação postulados por Ricoeur: a imaginação reprodutiva e a imaginação produtiva. Ver pág. 48 e seguintes para uma discussão sobre a conceção de imaginação de Ricoeur.

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de consenso traduz-se não só na diversidade de abordagens à investigação da criativida-de, como também numa grande diversidade de temas e questões salientes tratados (Koz-belt et al., 2010). Kaufman e Sternberg (2010) advertem que, para compreender a criatividade, será necessária uma atitude "moderada e pluralista", porque nenhuma abor-dagem teórica forneceu até agora todas as respostas e porque uma aborabor-dagem que con-temple diferentes perspetivas providenciará um entendimento mais profundo da criatividade.

Adotando-se neste estudo a perspetiva de Kaufman e Sternberg, no sentido de uma visão moderada e pluralista da criatividade, não é apresentada aqui uma definição definitiva de criatividade mas sim as condições que se consideram necessárias ao fenó-meno criativo:

1. A criatividade opera sobre ideias 2. A criatividade produz ideias novas

3. Uma ideia nova é uma nova forma de relacionar elementos já existentes 4. A ideia produzida tem de trazer valor a um ou mais indivíduos

Corolário destas condições, a criatividade requer um ato intencional (na sua criação) e um juízo capaz de reconhecer os atributos de novidade e de valor do produto da criatividade.

As condições acima enumeradas verificam-se suficientes para produzir a defi-nição de criatividade de Newell e Shaw (1972) já citada, visto que uma “coisa radical-mente nova” pode também ser definida como “uma nova forma de relacionar elementos já existentes” porque qualquer “coisa” (ainda que “radicalmente nova”) será sempre passível de ser considerada um conjunto de elementos, uma vez que não há conheci-mento de um único produto da criatividade que tenha sido completamente criado

ex novo e que seja tão atómico que resista a ser definido em partículas mais

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1.3. Paradigmas da criatividade

Historicamente, a perceção da criatividade (tanto da parte de leigos como da parte dos estudiosos desta matéria) tem sofrido alterações que se enquadram notoriamente nas li-mitações e orientações da própria história da ciência e do desenvolvimento da sociedade ocidental. De acordo com Glăveanu (2010), as principais abordagens à criatividade po-dem ser enquadradas nos três seguintes paradigmas:

1. O paradigma "Ele, o criativo"; 2. O paradigma "Eu, o criativo"; 3. O paradigma "Nós, os criativos".

Estes paradigmas sucederam-se cronologicamente e estão notoriamente ligados à doutrina filosófica mais influente em cada período histórico (bem como ao nível de desenvolvimento científico em que a civilização se encontra em cada período).

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1.3.1. Paradigma “Ele, o criativo”

O paradigma "Ele, o criativo" é historicamente a primeira visão sobre a criatividade. Corresponde ao notório estereótipo do "génio" criativo. Esta visão da criatividade tem origem na antiguidade clássica,9 em que se encontra pela primeira vez na História a

li-gação entre o "génio" e a "inspiração divina". Esta visão da criatividade viria a ser pro-gressivamente substituída pela "herança genética", que deverá ter começado a surgir du-rante o Renascimento (Montuori & Purser, 1995; Dacey, 1999).

O mito do génio individual continua a ser evidente no Iluminismo e no período Romântico (Weiner, 2000). Este paradigma está associado a um tipo de criatividade que Boden (2004) designa por "Criatividade Histórica" e que corresponde ao que ficou co-nhecido por "criatividade com C-grande" (Kersting, 2003). Boden (Boden, 2004) distin-gue dois tipos de criatividade: a criatividade psicológica (P-Creativity) e a criatividade histórica (H-Creativity), esta última atribuída às manifestações mais notórias e duradou-ras de criatividade, protagonizadas por aqueles que são reconhecidos de forma quase universal como "génios" (exemplos habituais deste tipo de criatividade são Einstein e Picasso).

9. Ver sub-capítulo 1.5 (pág.43-50) para uma discussão relacionada com este tema e alargada ao conceito de imaginação.

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1.3.2. Paradigma “Eu, o criativo”

O paradigma "Eu, o criativo" veio substituir o génio pelo indivíduo normal. Esta evo-lução é por vezes interpretada como uma "democratização" da criatividade (Bilton, 2007; Hulbeck, 1945; Weiner, 2000) porque de certa forma qualquer indivíduo tem ago-ra "o direito" de ser criativo, consideago-rando que à luz deste novo paago-radigma a criativida-de não é uma capacidacriativida-de apenas daqueles iluminados por Deus ou sorteados pela gené-tica, e o indivíduo pode ser criativo se assim o quiser. O uso do termo "génio" começa a cair em declínio e começa-se a falar de "dotado" e de "criativo" (Friedman & Rogers, 1998). O paradigma "Eu, o criativo" surge em meados do séc. XX, quando a psicologia começa a dar atenção ao fenómeno da criatividade e a encará-lo como um objeto de es-tudo de pleno direito. Existe mesmo um marco histórico preciso deste ponto de viragem na psicologia, na comunicação presidencial de Guilford à American Psychological

As-sociation (APA), em que afirma que a criatividade terá sido negligenciada pela

psicolo-gia e urge os psicólogos a desenvolver novos métodos para o estudo da "personalidade criativa" (Guilford, 1950).

It is probably only a layman’s idea that the creative person is peculiarly gifted with a certain quality that ordinary people do not have. This conception can be dismissed by psychologists, very likely by common consent. The general psychological conviction seems to be that all individuals possess to some degree all abilities, except for the occurrence of pathologies. Creative acts can therefore be expected, no matter how feeble or how infrequent, of almost all individuals. (…)

Guilford, 1950, p. 35

É no seio do paradigma "Eu, o criativo" que são criadas as distinções de criativi-dade com "C-grande" e criativicriativi-dade com "c-pequeno".10 Uma vez que a criatividade já

não se trata de uma característica única e atómica que um indivíduo possui ou não, pode

10. Classificações mais tarde acrescidas com as categorias "c-mini" e "C-Pro" (cf. Kaufman & Beghetto, 2009).

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ser vista como um continuum que compreende diferentes intensidades de um mesmo fenómeno: a criatividade "c-pequeno" é a criatividade do dia-a-dia, protagonizada por qualquer indivíduo; a criatividade "c-mini" é protagonizada por crianças e alunos em geral; a criatividade "C-Pro" corresponde aos atos criativos de profissionais em áreas criativas mas que ainda não atingiram o estatuto de um criador notório, este sendo o protagonista da criatividade "C-grande", que resulta em artefactos ou ideias que ficam para a História. Será argumentado no presente estudo que o paradigma seguinte ("Nós, os criativos") surge como consequência da estratificação destas diferentes nuances da criatividade, uma vez que esta identifica diferentes tipos de criatividade indexados não só por grupos sociais (população em geral versus classe profissional) como também (e principalmente) pelo impacto que as manifestações da criatividade têm na própria socie-dade como um todo.

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1.3.3. Paradigma “Nós, os criativos”

O paradigma "Nós, os criativos" reposiciona a criatividade em relação à sociedade e parte do pressuposto de que a criatividade é um fenómeno estreitamente ligado ao con-texto social (Westwood & Low, 2003). Os principais contributos para esta visão mais abrangente da criatividade vieram de Amabile (Amabile, 1996; Hennessey, 2003), Si-monton (1975; 1988; 2003) e Csikszentmihalyi (Csikszentmihalyi, 2006).

Figura 1: Modelo sistémico da criatividade, segundo Csiksentmihalyi.

Tanto Amabile como Simonton apresentaram o fator social como sendo princi-palmente uma pressão externa sobre a criatividade individual, enquanto que

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Csikszent-mihalyi desenvolveu um novo tipo de modelo da criatividade (Figura 1, pág. 27), no qual o contexto social já não é visto como um elemento externo ou um fator de "pressão" sobre o processo criativo. Neste modelo sistémico a criatividade pode ser ob-servada nas inter-relações de um sistema composto por três componentes principais:

1. O domínio (por exemplo, a biologia, a música de câmara, o design de interfaces);

2. O campo (o sistema social em que o indivíduo se insere e que inclui todos os agentes que validam as criações passíveis de serem assimiladas por esse do-mínio, como por exemplo, escolas, professores, críticos, jornalistas, especia-listas, empresas, revistas da especialidade);

3. O indivíduo (com todas as suas características individuais inatas e adquiridas).

O domínio consiste num conjunto de símbolos, regras e procedimentos, parti-lhados por um determinado número de indivíduos. A biologia, a música de câmara, o design de interfaces, são tudo exemplos de diferentes domínios. Dentro de um mesmo domínio, mais abrangente, podem existir outros domínios mais específicos: por exem-plo, a Matemática é um domínio, mas também o são a álgebra e a teoria dos números. O conhecimento simbólico partilhado por uma sociedade é, dentro deste modelo, o con-junto de todos os domínios existentes nessa sociedade. Isto consiste no que habitual-mente se designa por "cultura". De acordo com este modelo, a própria cultura da Humanidade como um todo pode ser vista como o conjunto de todos os domínios existentes.

O campo é o conjunto de indivíduos que determinam tudo aquilo que deve ser incluído ou não no domínio. É constituído por todos os agentes que servem de filtro en-tre o domínio e a produção de símbolos e artefactos que o mesmo poderá assimilar. No domínio das artes visuais, por exemplo, o campo será constituído por professores de arte, curadores, galeristas, colecionadores, críticos, administradores de fundações, agen-tes de departamentos governamentais e detentores de cargos políticos relacionados com

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a cultura, editores de livros de arte, historiadores de arte. São estes agentes que decidem que obras de arte devem ser reconhecidas como tal e integradas no domínio da arte.

O terceiro e último componente deste sistema é o indivíduo. A criatividade ocorre quando um indivíduo, utilizando o sistema simbólico de um determinado domí-nio (como por exemplo a música, a engenharia, a arte, ou a matemática) cria uma nova ideia ou produz um novo artefacto, e quando esta novidade é selecionada pelo respetivo campo e integrada no respetivo domínio.

Csikszentmihalyi terá sido o autor da primeira síntese desta forma de abordar a criatividade. Investigadores como Amabile e Simonton forneceram contributos extrema-mente importantes nesse sentido, mas não apenas no campo específico da investigação sobre criatividade se encontram autores que confrontaram as características sistémicas da criatividade. No próprio domínio da investigação em design, a natureza sistémica e a dimensão sociocultural da criatividade teriam sido já sinalizadas:

(…) The Slovakian peasants used to be famous for the shawls they made. (...) Early in the twentieth century aniline dyes were made available to them. And at once the glory of the shawls was spoiled; they were now no longer delicate and subtle, but crude. This change cannot have come about because the new dyes were somehow inferior. They were as brilliant, and the variety of colors was much greater than before. Yet somehow the new shawls turned out vulgar and uninteresting. (…)

So we do not need to pretend that these craftsmen had special ability. They made beautiful shawls by standing in a long tradition, and by making minor changes whenever something seemed to need improvement. But once presented with more complicated choices, their apparent mastery and judgement disappeared. (...)

Alexander, 1964, pp. 53-54

Neste modelo a criatividade está embebida no tecido social e no contexto histó-rico em que ocorre. Esta visão salienta o facto de que cada ato criativo faz parte do co-nhecimento pré-existente num determinado domínio e acrescenta coco-nhecimento a esse

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domínio, sempre através da colaboração dos agentes que fazem parte do campo — que assumem o papel de guardiões do acervo cultural que constitui o domínio, e que por sua vez contribui para a cultura no sentido mais lato.

É a partir deste último paradigma que se estabelece no presente trabalho a ponte entre as diferentes dimensões (ou os “Cês”) da criatividade. O modelo sistémico da cria-tividade permite não só consolidar as diferentes dimensões e os diferentes paradigmas da criatividade, como também abre as portas para o estudo das interações entre campos de atividade criativa diferentes e da forma como estas interações contribuem para o de-senvolvimento mútuo das atividades criativas e como se alimentam dos contextos cultu-rais mais abrangentes, que os englobam.

Uma das consequências do modelo sistémico da criatividade é que o indivíduo que produz a inovação não precisa de possuir nenhuma qualidade especial. O importan-te é produzir uma inovação que seja aceiimportan-te pelo domínio. Logo, o indivíduo importan-tem apenas de possuir as condições necessárias para fornecer ao domínio uma novidade que seja nele integrada. É irrelevante para o domínio quais as qualidades particulares do indiví-duo ou as circunstâncias em que a inovação foi produzida. A criatividade é vista assim como qualquer ato, ideia ou artefacto que contribui para, ou modifica, um domínio existente.

A modificação introduzida pela inovação num determinado domínio pode ocor-rer à mais pequena escala (simplesmente pela introdução de uma nova instância de uma categoria pré-existente) ou a tão larga escala que, a partir de um domínio já existente, um novo domínio é fundado (com o consentimento, implícito ou explícito, do campo responsável por esse mesmo domínio). Ou seja, por vezes a natureza da inovação é tão radicalmente diferente do que existe na atualidade, que um novo domínio é criado na se-quência da assimilação da novidade pelo campo relacionado. Pode-se dizer, por exem-plo, que foi o que aconteceu com Freud, que criou a psicanálise a partir do domínio já existente da neuropatologia (Csikszentmihalyi, 2006). A situação de inovação radical acima descrita assemelha-se ao conceito de "mudança de paradigma" introduzido por Kuhn (1971) na sua teoria sobre a natureza das revoluções científicas.

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1.4.1. Abordagens teóricas à criatividade

A criatividade terá sido um objeto de estudo científico desde o princípio do séc.XX, mas até 1950 a investigação nesta área não foi significativa (Guilford, 1950), quer em quan-tidade, quer em qualidade (Runco & Albert, 2010). Hoje em dia, pelo contrário, esta é uma área de investigação muito ativa, com inúmeras teorias, objetos de estudo, metodo-logias e orientações de investigação. Kozbelt e colegas (2010) sugerem uma forma de classificar as linhas orientadoras da investigação em criatividade de acordo com as qua-tro seguintes vertentes:

1. Orientação epistemológica 2. Magnitude do fenómeno criativo 3. Dimensões da criatividade (os seis Ps) 4. Tipo de abordagem

Orientação epistemológica

No que diz respeito à orientação epistemológica, os referidos autores utilizam esta cate-gorização para estabelecer uma distinção entre teorias de orientação científica e teorias de orientação metafórica.11 Uma teoria de orientação científica será aquela que tem

como objetivo produzir uma compreensão da realidade empírica do fenómeno criativo que pretende estudar. Uma teoria de orientação metafórica terá como objetivo fornecer interpretações alternativas do fenómeno criativo, que possam permitir ampliar a com-preensão da criatividade como campo de estudo em todas as suas vertentes. Segue-se que uma teoria de orientação científica constitui uma hipótese (ainda que rudimentar) e aponta para um método científico de testar essa hipótese, enquanto que uma teoria de orientação metafórica se afigura como eminentemente exploratória.

Magnitude do fenómeno cria%vo

As teorias da criatividade também podem diferir quanto à magnitude do fenómeno cria-tivo estudado e até mesmo à forma como essa magnitude é classificada. Os estudos

Referências

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