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Criatividade, autoria e originalidade

A criatividade em design pode ser definida como a produção de novas ideias, ou como a recombinação de elementos já conhecidos em algo que se apresenta como uma nova so- lução para um determinado problema.26 Em termos genéricos, a criatividade é a criação

de alguma coisa, seja ela qual for, que denota um carácter de novidade, seja qual for. A única forma de determinar se algo é novo (e, eventualmente, em que grau) é através de uma comparação com outras coisas. A comparação só é possível entre coisas que per- tençam a uma mesma categoria. Logo, a criatividade exige do criador a capacidade de:

1. Encontrar semelhanças entre objectos diferentes;

2. Estabelecer categorias baseadas nas semelhanças entre diferentes objectos; 3. Classificar um objecto como pertencente a uma determinada categoria; 4. Encontrar diferenças entre objectos da mesma categoria.

Note-se que a categorização implica a existência de mais do que um objeto, pois a categoria nasce da identificação de similaridades entre dois ou mais objetos. A criati- vidade (do indivíduo) pode então ser definida como a capacidade de criar algo que, par- tilhando determinadas características com um conjunto de coisas, apresenta no entanto, de forma notável e saliente, certas características diferentes de todas as outras coisas desse mesmo conjunto.27 Segue-se que, em relação ao grau de novidade/diferenciação

dos novos objectos, deverá existir um limiar inferior (abaixo do qual dois objetos são tão semelhantes que se tornam indistinguíveis) e um limiar superior (acima do qual dois objetos são tão diferentes que são considerados como não pertencendo à mesma catego- ria, logo sendo incomparáveis).

26. Considere-se por agora que uma "ideia" é um determinado modelo mental do que é, ou pode vir a ser, um determinado objeto, fenómeno ou evento.

27. Note-se que qualquer processo de categorização será necessariamente circunscrito a um determinado universo ao qual pertencem todas as categorias em causa.

We investigated the effects of the search for novelty, by producing agents with different hedonic functions. The aim was to show that agents are not recognised as creative when they fail to innovate inappropriately. Agent can innovate inappropriately either by producing “boring” images that are too similar to ones previously experienced by other agents, or by producing “radical” images that are too different for other agents to appreciate.

Saunders & Gero, 2002, p. 83

A questão da autoria (já aqui aflorada a propósito das convulsões que sofre no contexto da "criatividade artificial") está estreitamente ligada ao conceito de invididuali- dade: à individualidade do autor e à singularidade da própria obra. Se esta questão for analisada à luz do conhecimento genérico das leis da física, e à luz da abordagem sisté- mica da criatividade que acima citamos, veremos que tanto a individualidade do autor como a singularidade da obra advêm do facto de que duas coisas não podem ocupar si- multaneamente o mesmo espaço. Esta será a definição de individualidade: um ponto no espaço-tempo. Mas duas coisas podem ocupar o mesmo ponto do espaço em diferentes momentos. Segue-se que o que torna uma obra única será enfim o seu historial,28 que

culmina eventualmente num ponto específico do espaço-tempo — e que inclui todo o historial do próprio autor da obra. Sendo o historial de qualquer obra único, qualquer obra é única.

Surge, no entanto, alguma perplexidade quando se verifica que existem inúmeras reproduções de uma mesma obra, nos mais variados suportes e recorrendo às mais va- riadas tecnologias. A multiplicidade e verosimilhança das reproduções induz em erro. Por exemplo, considera-se habitualmente que uma imagem criada num computador é passível de reprodução digital ad infinitum. Esta afirmação, aparentemente correcta, é no ponto de vista aqui defendido errada, porque toma como "obra" a coisa errada: con- funde-se a abstração que é o ficheiro digital em que é armazenada a descrição da obra com a verdadeira obra. Neste caso, a obra (única) é algo que culmina num ponto do es-

paço-tempo sob a forma de um ficheiro informático, mas naquele ficheiro em particular e em mais nenhum outro.

A confusão advém simplesmente do erro (para o qual Simon [1996] já tinha ad- vertido) de tomar como abstrato e imaterial algo que é realmente material. Será errado tomar como obra as múltiplas cópias, que consistem em descrições hiper-realistas da obra original; descrições (digitais) de um realismo tal, que está muito para além dos nossos sentidos a capacidade de detectar qualquer diferença entre estas e o objecto original.

Por outro lado, se a argumentação acima desenvolvida resgata a identidade ma- terial da obra, também se salva assim a obra enquanto propriedade intelectual: a origina- lidade da obra é indissociável do historial que levou à sua produção, logo indissociável do seu autor. E se a obra só existe a partir do momento em que se materializa sobre um determinado suporte físico, aquilo que é a obra (intelectual) em si encontra-se num mo- mento infinitesimalmente anterior ao momento da sua materialização. E tudo o resto são cópias.

Esta análise sobre autoria e originalidade aplica-se tanto às obras de arte como aos produtos da atividade criativa em qualquer outro domínio, incluindo o domínio do design. Deve-se referir, no entanto, que os produtos da criatividade nunca podem ser ra- dicalmente diferentes daquilo que já existe. Os indivíduos e instituições (gatekeepers) que constituem o campo criativo específico (de acordo com o modelo sistémico da cria- tividade) e que filtram as produções criativas que devem ser assimiladas pelo domínio, asseguram um certo grau de continuidade, por vários motivos. Um deles prende-se com o facto de que estes gatekeepers têm conhecimento sobre os processos e métodos de produção do domínio, que os leigos desconhecem. Assim, enquanto os leigos avaliam apenas o resultado final, os gatekeepers avaliam também o processo29e o próprio autor.

Para aplicar a terminologia das teorias económicas da criatividade,30 refira-se que os au-

29. Ou a imagem mental que detém sobre o que terá sido o processo. 30. Cf. Kozbelt et al., 2010, p. 30.

tores com crédito criativo terão maior facilidade em ver os seus produtos aceites pelo domínio do que aqueles que não têm crédito criativo. Os gatekeepers são também parte interessada nas avaliações, porque uma avaliação pode refletir-se na reputação das insti- tuições e grupos a que o gatekeeper pertence.

Capítulo 3

Criatividade no domínio do design:

estudo empírico

A strikingly different positioning is now beginning in the profession of graphic design and visual communication. In the late nineteenth and early twentieth centuries, graphic design was oriented toward personal expression through image making. It was an extension of the expressiveness of the fine arts, pressed into commercial or scientific service. (…)

Buchanan, 2002, p. 9

Why did we have to wait until 1999 to discover the impact of hubs and power laws on the behaviour of complex networks? The answer is simple: We lacked a map.

3.1. Introdução

Obje%vos deste capítulo

O que faz um designer? Qual é a sua formação? Qual é o seu background? Como é a sua rotina diária? Como funciona o seu processo criativo? Quais são as suas fontes de inspiração? Apesar da existência de alguns estudos sobre a atividade projetual, a esma- gadora maioria desses contributos estuda diversas profissões de natureza projetual e ra- ramente se foca apenas em designers.31A maioria dos estudos também se foca particu-

larmente em indivíduos com níveis extremos de perícia.32 Assim, face à escassez de

estudos do processo criativo focados em designers comuns, foi desenvolvido no âmbito do presente projecto um estudo empírico centrado num inquérito dirigido a designers profissionais no ativo.

O referido estudo começou com uma investigação preliminar, constituída por entrevistas semiestruturadas ministradas a uma amostra composta por 15 designers, e culminou num questionário que aferiu 37 variáveis junto de uma amostra de 509 indiví- duos, constituída maioritariamente por designers gráficos (incluindo algumas outras es- pecialidades) distribuídos por 44 países. Este capítulo apresenta o enquadramento metodológico e os resultados do referido estudo. Os resultados são analisados com o ob- jetivo de estabelecer um perfil genérico do designer da atualidade, apresentado no sub- capítulo 3.7 (pág.175-182), e de contribuir para o desenvolvimento de um modelo descritivo do processo criativo dos designers, apresentado no subcapítulo 4.2 (pág.191- 203).

31. A pesquisa bibliográfica desenvolvida no âmbito do presente projeto não encontrou nenhum estudo deste tipo cujas amostras não fossem constituídas exclusivamente por arquitetos ou por um conjunto de profissionais de diversas áreas, e não apenas por designers.

32. Habitualmente, os sujeitos destes estudos são estudantes com pouca ou nenhuma ex- periência profissional ou profissionais seniores excecionalmente bem-sucedidos.

Resumo introdutório

É apresentado neste capítulo o enquadramento metodológico do estudo empírico, se- guindo-se a análise dos resultados que se consideram mais importantes para a restante argumentação e conclusões finais. São apresentados no sub-capítulo seguinte os objeti- vos específicos do estudo empírico, as áreas temáticas que se pretendeu explorar, e quais as perguntas a que se pretendeu responder. É apresentado ainda o enquadramento metodológico do estudo preliminar e do inquérito.

As três grandes áreas temáticas abordadas no estudo empírico foram encadeadas partindo da esfera individual para a esfera social da actividade profissional do designer. A primeira área temática está relacionada com o notório debate entre aptidões inatas e aptidões adquiridas, e aborda questões relacionadas com o primeiro “P” da criatividade, a “Pessoa”.33 A segunda área temática diz respeito às aptidões e práticas criativas pes-

soais do designer, independentemente da sua atividade profissional, abordando questões relacionadas com o “Potencial criativo”. A terceira área temática relaciona a criatividade com o trabalho diário específico do designer, e como tal aborda questões que dizem res- peito a todos os “Ps” da criatividade.

Os resultados do estudo empírico apontam para a conclusão (entre outras) de que o design, como área profissional, atingiu uma maturidade que se reflete em alguns indicadores como o elevado nível de escolaridade dos designers ou o equilíbrio entre géneros. Outro indicador de maturidade da profissão está patente na própria escolha de carreira dos designers que, na sua grande maioria, não tem qualquer relação com as es- colhas profissionais dos pais, nem dos irmãos. Apesar de se verificarem casos em que os pais do designer detêm profissões dentro das áreas das artes ou do design, e casos em que tanto o designer como os seus irmãos seguem carreiras dentro das mesmas áreas, a regra geral é não existir qualquer relação entre estas variáveis.

O nível de escolaridade dos designers é atualmente bastante elevado, com ape- nas cerca de 10% dos inquiridos a declararem um nível de escolaridade inferior à fre- quência universitária. Notavelmente, os designers da atualidade são maioritariamente

detentores de um curso superior na sua área profissional específica (em muitos casos de- tentores de mestrados e em alguns outros doutoramentos), e atribuem a esta educação universitária o papel principal na sua formação profissional como designers. Isto é um indicador positivo para as universidades que oferecem cursos superiores na área do de- sign, uma vez que demonstra que os cursos que oferecem estão efetivamente a formar designers que integram o mercado de trabalho seguindo a profissão para a qual estudaram.

A educação em design continua a ter uma componente tutorial, que se reflete no fato de perto de metade dos inquiridos afirmar ter tido um "mentor" durante a sua edu- cação em design. Verifica-se que ter ou não um mentor não aparenta ter qualquer re- lação com qualquer uma das outras variáveis aferidas no inquérito. O mesmo acontece com a inclusão explícita da criatividade na educação em design: não existe para esta amostra qualquer relação entre a educação do designer incluir explicitamente ou não a criatividade34 e qualquer outra das variáveis aferidas através do mesmo questionário.

Os dados obtidos através deste inquérito revelam características dos designers e aspetos do seu processo criativo fundamentais para a compreensão da prática projetual, tal como ela se desenvolve no dia-a-dia do comum designer profissional, e para a com- preensão da natureza dos próprios objetos de design que resultam dessa prática proje- tual. Este estudo, para além de constituir por si só um contributo inédito para a investigação em design e para a investigação dos processos criativos dos designers, complementa o extenso corpo de trabalho de investigação sobre os processos criativos em geral e sobre os processos criativos dos designers em particular.

A análise estatística e as conclusões retiradas dos resultados do inquérito re- forçam muitos dos pressupostos e conclusões do estudo preliminar. Devido à não-alea- toriedade da amostra e à natureza não-experimental deste estudo, as conclusões não são formalmente generalizáveis para o universo alvo (toda a população de designers). São, no entanto, um ponto de partida sólido na persecução dos objetivos da presente investi- gação — considerando não só a dimensão da amostra como também a solidez de algu-

mas das relações encontradas entre certas variáveis, que revelam consensos alargados sobre algumas das questões mais salientes no domínio dos processos criativos utilizados na prática diária do design.