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O ponto de partida para a argumentação que se segue sobre metodologia do design to- mará como referência a definição de "método" oferecida por Bunge (Bunge, 2003):

A well-specified repeatable procedure for doing something: an ordered sequence of goal-directed operations.

Bunge, 2003, p. 180

Esta definição extremamente sucinta pode ser alargada por forma a permitir a distinção entre dois tipos de métodos: métodos descritivos e métodos prescritivos. Nigel Cross faz uma distinção semelhante, precisamente a respeito dos métodos do design, notando que os métodos descritivos descrevem "uma sequência de atividades que ocorre tipicamente no design" (Cross, 2008, p. 29), enquanto que os modelos prescritivos "prescrevem um padrão de atividades melhor e mais apropriado" (Cross, 2008, p. 29) e "preocupam-se em tentar persuadir ou encorajar os designers a adotar melhores formas de trabalhar" (Cross, 2008, p. 29). Argyris e Schon (Argyris & Schon, 1992) foram mais longe, distinguindo três tipos de teorias no decurso do seu estudo sobre teorias da atividade:

Theories are vehicles for explanation, prediction, or control. An explanatory theory explains events by setting forth propositions from which these events may be inferred, a predictive theory sets forth propositions from which inferences about future events may be made, and a theory of control describes the conditions under which events of a certain kind may be made to occur.

Argyris & Schon, 1992, p. 5

Tendo em conta estas considerações, um método descritivo será uma teoria ex- planatória, enquanto que um método prescritivo será baseado diretamente numa teoria de controlo. Necessariamente, uma teoria de controlo requere e expande uma teoria pre- ditiva, uma vez que o "controlo" consiste na manipulação das variáveis causais inferidas na teoria preditiva.

A argumentação que se segue utilizará a palavra "método" para designar méto- dos prescritivos, e a expressão "modelo descritivo" para designar métodos descritivos, numa tentativa de tornar a distinção entre ambos mais explícita. Esta diferença é até cer- to ponto veiculada pelo adjetivo repeatable presente na definição de Bunge acima cita- da, mas deverá, em última análise, ser atribuída ao objetivo principal para o qual o método em questão está a ser utilizado: enquanto que o objetivo de um método prescri- tivo é estabelecer um processo reprodutível, o objetivo principal de um modelo descriti- vo não é chegar à descrição de um processo reprodutível, mas sim criar novo conhecimento sobre o processo que analisa e descreve. Corolário de todas as conside- rações até aqui expostas:

– Todos os métodos são, por definição, descritivos;

– ...logo, todos os métodos prescritivos são também descritivos; – Um método só pode ser prescritivo se for repetível;

Para além do fato de que um método pode ser simultaneamente descritivo e prescritivo, note-se que um modelo descritivo pode ser utilizado como ferramenta para desenvolver um outro método, prescritivo — isto é, um modelo descritivo pode omitir certas etapas ou componentes do processo que descreve, ou não descrever o processo com o detalhe suficiente para que o mesmo seja repetível. Um modelo descritivo pode descrever um procedimento não reprodutível quando a descrição é incompleta ou vaga, mas mesmo assim ser útil para promover um conhecimento mais profundo sobre o pro- cesso que descreve. Note-se ainda que certas operações podem não encaixar perfeita- mente numa sequência, pelo que uma definição genérica de método será provavelmente demasiado restritiva se for apenas aplicável a processos cuja estrutura temporal seja li- near. Com todas estas considerações em mente, a definição de Bunge será a partir daqui substituída por uma definição revista de método:

Descrição de um conjunto organizado de operações que contribuem para atin- gir um objetivo específico e que, quando suficientemente bem especificada, pode ser utilizada como um procedimento repetível para fazer uma coisa em particular.

Esta definição admite que alguns métodos podem não ser completamente repro- dutíveis, e que a reprodutibilidade do procedimento está dependente do grau de detalhe da sua especificação. Mais importante ainda, esta definição identifica os componentes necessários e suficientes para a definição de método (que podem também ser utilizados para caracterizar diferentes métodos):

– Um objetivo

– Um conjunto de operações

– Uma estrutura (de organização das operações especificadas)

– Uma especificação (descrição) com um determinado grau de detalhe

O objetivo é aquilo que se pretende atingir através da aderência ao método. No âmbito do presente trabalho, o objetivo principal dos métodos de design (a "coisa em particular" que se pretende fazer) é o próprio processo projetual do design, que por sua vez é um processo para fazer outra "coisa em particular" (por exemplo, uma casa, uma cadeira, um logotipo, um serviço público, um aeroporto, uma cidade) — nesse sentido, pode-se dizer que os métodos de design são meta-métodos, pois descrevem ou prescre- vem um processo para criar múltiplas outras coisas. Esta visão dos métodos de design como meta-métodos encontra um paralelo na relação existente entre o conceito de práti- ca reflexiva avançado por Schon (Schon, 1991) e o conceito de capacidades meta-repre- sentacionais, proveniente da psicologia. As capacidades meta-representacionais são aquelas que permitem o sujeito representar as suas próprias representações (Perner, 1991).

O conjunto de operações (ou tarefas) resulta das inferências presentes naquilo que Argyris e Schon chamam, na citação acima, "teorias preditivas" (Argyris & Schon, 1992, p. 5). Para que se possa chegar a um conjunto de operações que permita atingir o objetivo, é necessário construir uma teoria preditiva que determine quais as variáveis que permitem atingir o objetivo proposto, e em seguida determinar que operações per- mitem manipular essas variáveis. Por agora, para efeitos da argumentação que se segue, vamos simplesmente presumir que a causalidade que liga o objetivo às operações (des- critas ou prescritas) foi inferida por se ter verificado no passado, para a maioria dos ca- sos similares. Deve ser aqui sublinhado que o propósito de um método prescritivo é

exatamente o de remover a necessidade de criar uma teoria preditiva, para os futuros utilizadores do método. No próximo subcapítulo será analisada a forma como os desig- ners conseguem ultrapassar o obstáculo entre objetivo e tarefa. O que torna a maioria das abordagens metodológicas do design problemáticas (bem como muita da argumen- tação contida na bibliografia sobre este tema) é a omissão de que o núcleo duro da ativi- dade do design consiste precisamente neste salto quântico do objetivo para a tarefa. Este é também o problema principal em se escolher uma abordagem metodológica de inspi- ração cartesiana. Dividir um problema em sub-problemas deixa-nos sempre com um conjunto de problemas e sem nenhuma solução.

A estrutura (ou organização) das operações é o que determina como os passos, etapas ou componentes do método se organizam no tempo (em sequência, em paralelo, em simultâneo, ou numa mistura das três possibilidades) e como a informação, mate- riais e produtos utilizados no processo fluem entre operações. Note-se que esta organi- zação é espaciotemporal, mas não é necessariamente sequencial, apesar de que a maioria das representações dos processos induzem essa interpretação. Tal como já foi notado em relação aos problemas causados às ciências cognitivas pela metáfora da men- te como computador,23 será importante sublinhar aqui o fato de que as representações (e

as metáforas) que se utilizam para reflectir sobre qualquer fenómeno servem para pôr em evidência determinadas características, mas habitualmente em detrimento de outras. A unidirecionalidade do tempo não deve ofuscar o fato de que há outras estruturas espa- ciotemporais para além da simples sequência: um método pode requerer a participação de múltiplos agentes em diferentes locais, atuando por vezes em simultâneo, como também múltiplos circuitos de realimentação que fazem ocorrer a mesma operação vá- rias vezes.

A especificação consiste na materialização ou fixação da descrição do método, por forma a que possa ser preservada e comunicada. Note-se que a especificação em si mesma se encontra habitualmente ausente das definições de método (e a definição de Bunge acima citada não é exceção) mas é sem dúvida um fator essencial. Se, por um

lado, sem especificação não há método, por outro lado é importante notar que a comple- xidade do método pode sofrer simplificações determinadas pelas limitações inerentes às técnicas de representação utilizadas. Esta limitação é bem patente nos diagramas habi- tualmente utilizados para representar métodos, porque geralmente desenham fluxos li- neares entre blocos retangulares que pretendem representar estado estáveis do processo. Ora, nem sempre os fluxos são lineares, nem os estados são estáveis. Acresce ainda o fato de que a representação desses fluxos, nesses diagramas, não expressa as diferenças das várias grandezas, como por exemplo, o tempo que uma determinada operação de- mora, ou a quantidade de informação que transita de um estado para o outro.

O grau de detalhe da especificação diz respeito tanto à profundidade como à la- titude da especificação. A latitude corresponde ao grau de detalhe estrutural da especifi- cação (isto é, se a estrutura do método é especificada na sua totalidade ou em parte) e a

profundidade corresponde ao grau de detalhe da especificação de cada operação indivi-

dual. O grau de detalhe da especificação pode determinar se o método é reprodutível ou não. Um método que não seja reprodutível pode ser útil numa perspetiva metafória, i.e., como um modelo simplificado que permite focar a atenção num determinado conjunto restrito de características ou como uma visão de conjunto que permite uma melhor com- preensão do processo como um todo.

2.3. Contributos prévios para a metodologia do