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Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora

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Tribunal da Relação de Évora Processo nº 423/15.0T9LAG.E1 Relator: MARIA FERNANDA PALMA Sessão: 09 Janeiro 2018

Votação: UNANIMIDADE Decisão: NÃO PROVIDO

CRIME DE INJÚRIA

Sumário

I – Nem toda a expressão, adjectivação ou comparação que incomoda, que causa engulho, que humilha e envergonha, é necessariamente injuriosa ou difamatória, tudo dependendo de sua intensidade, do seu contexto e do padrão de actuação dos intervenientes.

II – Não comete o crime de injúria a arguida, vereadora de uma Câmara Municipal, que na sequência de uma Assembleia Municipal, em que o

assistente, aí deputado municipal, lhe imputou a prática de atos incorretos no exercício da sua atividade política de vereadora da Câmara Municipal,

aproveitando o intervalo que se seguiu nessa assembleia municipal, dirigindo- se ao assistente diz-lhe “O senhor é pior do que um cão lazarento”.

Texto Integral

Processo nº 423/15.0T9LAG.E1

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora

No processo Singular nº 423/15.0T9LAG, da Instância Local de… – J2, da Comarca de Faro, por sentença de 30 de Outubro de 2016, foi absolvida a arguida BB, id. a fls. 263, dos crimes de injúria e difamação, na forma agravada, p. e p. pelos artigos 180º, 181º e 184º do Código Penal.

Inconformado com o decidido, recorreu o Ministério Público, nos termos da sua motivação constante de fls. 277 a 299, pugnando pela condenação da

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arguida, e concluindo nos seguintes termos:

1. Em relação à matéria de facto, a versão apresentada pela Arguida de que nunca teve intenção de denegrir o Assistente não merece qualquer

credibilidade, demonstrando as suas declarações, ao invés, que foi exactamente isso que pretendeu fazer.

2. Conjugando as declarações da Arguida com o depoimento das testemunhas, entendemos que das mesmas deveria o Tribunal ter dado como provado a existência de dolo directo por parte da Arguida, tanto porque o mesmo resulta directamente das declarações da Arguida, como porque, de tudo o que foi dito pela Arguida, pelo Assistente e pelas Testemunhas, se retira, com o auxílio da experiência comum, tal intenção dolosa.

3. A Arguida quis dirigir-se ao ofendido e proferir aquela expressão, bem sabendo que a mesma, cuja significância conhecia, era apta a demonstrar a sua falta de consideração pelo mesmo e, por via disto, adequada a causar lesão na honra e consideração do mesmo.

4. Por outro lado, tendo o Tribunal dado como provada a matéria de facto 1 a 4, deveria este, com o auxílio das regras da experiência comum, ter inferido de tais factos a intenção dolosa da Arguida.

5. Dado como provada a existência de dolo por parte da Arguida, cumpria ainda ao Tribunal a quo, proceder à alteração não substancial dos factos imputados, nos termos do disposto no artigo 358º nº1 do Código de Processo Penal - com a formulação “Ao actuar da forma descrita, a Arguida agiu de forma livre e consciente, com a intenção de ofender CC no seu bom nome, honra e consideração por conta do exercício de funções deste como Deputado Municipal de ….; - A Arguida, embora tivesse perfeito conhecimento de que tal conduta lhe era proibida por lei, não se absteve de a prosseguir.” - pois que, de todos os elementos de prova supra analisados, resulta inequivocamente que, apesar do Assistente já não se encontrava em exercício de funções, foi por conta de tal exercício de funções que a Arguida proferiu aquelas

expressões injuriosas;

6. Em relação à matéria de direito, consideramos que a adjectivação

“lazarento” tem o potencial de atingir o bem jurídico protegido pelo crime de injúria, só servindo para reforçar o potencial injurioso da frase “o senhor é pior que um cão”.

7. Isto porque, afirmar que alguém é pior – inferior - a um cão (animal

irracional de quatro patas) é claramente um insulto e mais o é quando este é um cão particularmente desvalioso porque é leproso, postulento e esfaimado.

8. Por outro lado, consideramos que a propalação daquela expressão não cai no espectro da mera falta de educação e, bem assim, que a mesma não foi proferida num contexto político, mas que apenas derivou, decorreu, do

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combate político, que foi este a sua motivação, mas não foi neste que os factos foram praticados

9. Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada por outra que considere provada a existência de dolo directo na propalação da expressão “o senhor é pior que um cão lazarento”, que altere a redacção do elemento

subjectivo nos termos propostos e que considere aquela expressão atentatória da honra, consideração e bom nome do Assistente e assim, apta ao

preenchimento objectivo do tipo de injúria, e, em consequência, condenar a Arguida BB pela prática, em autoria imediata e na forma consumada, de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181º nº 1 e 184º do Código Penal, pois só assim se fará Justiça.

A arguida respondeu, nos termos que constam de fls. 304 a 313, concluindo pela sua absolvição, nos seguintes termos:

I - As normas jurídicas distinguem-se das demais normas (religiosas, de costume, morais) porque se prendem com o núcleo essencial da convivência humana, atendendo a que tutelam valores de tal modo relevantes para a vida em sociedade, que o Estado impõe coactivamente a sua observância,

estipulando sanções para os infractores.

II – O tipo legal do crime de injúria tem por finalidade proteger a honra e a consideração dos indivíduos.

III – A Honra protegida pelo crime de injúria é entendida como o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui, tais como o carácter, a

lealdade, a probidade, a rectidão, ou seja, a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um.

IV – A Consideração protegida pelo crime de injúria é entendida como o

merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, bom-nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, ou seja a dignidade objectiva, o património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma a opinião pública.

V – A ofensa à honra ou consideração não é susceptível de confusão com a ofensa às normas de convivência social ou com atitudes desrespeitosas ou grosseiras, ainda que dirigidas a pessoa identificada, as quais não são objecto de sanção penal.

VI – A expressão “o senhor é pior que um cão lazarento”, sendo indelicada, não contende com o conteúdo ético da personalidade moral do visado, não ataca o núcleo essencial das qualidades morais inerentes à dignidade da pessoa humana, motivo pelo qual não atinge valores ética e socialmente relevantes do direito penal.

VII – No contexto em que foi proferida a expressão, esta não tem outro

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significado que não seja a mera indelicadeza da Arguida, uma manifestação da sua revolta pela conduta que lhe fora imputada pelo Ofendido na sessão da Assembleia Municipal, mas sendo absolutamente incapaz de pôr em causa o carácter, o bom nome ou a reputação do visado.

VIII – Não houve assim intenção por parte da Arguida de atingir o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, o bom-nome, o crédito, a confiança, a

estima, a reputação do Ofendido, sendo assim a expressão dirigida pela

Arguida nas circunstâncias em que o foi destituída de relevância penal, motivo pelo qual se justificou inteiramente a sua absolvição.

Neste Tribunal da relação de Évora, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seu parecer, no qual se pronunciou no sentido de não lhe repugnar o teor do decidido, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Como o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelos recorrentes nas respectivas motivações de recurso, nos termos preceituados nos artigos 403º, nº 1 e 412º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal, podendo o Tribunal de recurso conhecer de quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida, cumprindo cingir-se, no entanto, ao objecto do recurso, e, ainda, dos vícios referidos no artigo 410º do referido Código de Processo Penal, - v. Ac. do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19 de Outubro - vejamos, pois, se assiste razão ao Ministério Público, ora recorrente, no que respeita às questões que suscitou nas conclusões do presente recurso, quais sejam:

- A sua discordância quanto à matéria de facto apurada, na parte a que a mesma dá como não apurado o elemento subjetivo da infração;

- A sua discordância quanto à não consideração da apurada expressão como suscetível de integrar o apontado crime de injúria agravada.

Está em causa a seguinte matéria de facto apurada:

1. CC é deputado da Assembleia Municipal de ….

2. No dia 29 de Setembro de 2014, no edifício dos Paços do Concelho, em …, durante interrupção de reunião da Assembleia Municipal de …, a arguida dirigiu-se a CC e proferiu em voz alta as seguintes expressões: “O senhor é pior do que um cão lazarento”.

3. Ao actuar da forma descrita, a arguida agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que o mesmo se tratava de Deputado Municipal de ….

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4. Imediatamente antes do intervalo da sessão, o Assistente fez as seguintes afirmações na reunião da Assembleia Municipal:

“…vemos uma Câmara que considera que existem membros com diferente dignidade, criando um clube tipo bolinha, onde vereadores que não sejam do partido … não participam. Temos uma câmara onde a informação não circula do mesmo modo para todos os seus membros, sendo mesmo recusada usando os mais diversos estratagemas, como o de dizer que não há meios técnicos para transcrever ceitas partes das atas, mas só quando tal não convém a quem acham que manda ou que mandam sozinhos. Mais grave do isso, parece

continuar a haver uma estratégia de censura e de medo quer em relação aos membros das forças políticas municipais quer nos próprios cidadãos. Porquê censura? Porque a informação relativa à vida do município não circula de forma transparente e igual para todas as forças políticas, e parece haver uma tentativa de condicionar o modo de falar e de intervir seja dos membros das forças políticas, seja dos funcionários, como sucedeu, recentemente na

apresentação do … e …, em que senhora Vereadora BB interrompeu a atuação das técnicas responsáveis pelas apresentações, dando-lhes instruções

expressas para não responderem a certas questões colocadas por mim e por outros intervenientes do público, condicionando-as na sua intervenção, pondo em causa o estatuto de autonomia técnica de as mesmas gozam, o que foi uma forma clara de censura, e sobretudo de menorização das elevadas qualidades intelectuais e capacidades técnicas que até aí tinham demonstrado […] agindo assim, a nosso ver, tirou vivacidade ao debate e praticou um ato de censura, limitando a voz de quem tinha autonomia e competência para a usar, nos seus estritos limites e sentido de responsabilidade”.

Não se provaram os restantes factos constantes das acusações de fls. 125 a 132 e contestação de fls. 181 a 188, que aqui dou por integralmente

reproduzidos, nem ficaram por provar quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.

O Tribunal a quo fundou a decisão da matéria de facto nos seguintes termos:

“A fixação dos factos provados e não provados teve por base a globalidade da prova produzida em audiência de julgamento e da livre convicção que o

Tribunal granjeou obter sobre a mesma, partindo das regras da experiência, assim como da prova escrita e oral que foi produzida, aferindo-se quanto a esta o conhecimento de causa e isenção dos depoimentos prestados, conforme se passa a explicitar.

In concretu.

Na senda da afirmação da ocorrência histórica dos factos vertidos em 1., 2. e 3., louvou-se o Tribunal da menção que dos mesmos foi feita pela globalidade

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das testemunhas inquiridas, que os verbalizaram de modo unívoco e coincidente e que, como tal, se fixou.

Ao facto 4., aproveitou o teor da certidão da acta municipal que documenta a realização da sessão da Assembleia Municipal e regista as intervenções dos participantes na mesma.

Por banda dos factos não provados, a prova produzida em audiência não permitiu a sua afirmação.

Com especial acuidade, que haja a arguida agido com intenção de ofender CC no seu bom nome, honra e consideração, estando este em exercício de

funções, tendo conhecimento de que tal conduta lhe era proibida por lei, não se abstendo de a prosseguir.

A arguida enquadrou o seu dizer na sequência de debate político.

CC, confirmou que anteriormente ao evento protagonizado pela arguida, fizera uma intervenção, criticando a Câmara Municipal, por limitar a liberdade de expressão e opinião, ressalvando que não dirigiu a esta uma crítica pessoal e reputando que a mesma o atacou, não como adversário político, mas como pessoa.

DD, enquadrou tal conduta, “infelizmente”, depois de um debate político.

EE, evocou um “desentendimento”, confirmando o dizer da arguida, que vinha exaltada e teve uma “reacção espontânea”, não se recordando que o

Assistente tivesse ficado perturbado ou tenha tido qualquer reacção, reputando que “na altura ninguém ligou muito àquilo”.

FF, num depoimento corroído pelo tempo, verbalizou que a arguida, dirigindo- se ao Assistente, lhe disse ter menos consideração por este que por um cão, não sendo um assunto “que eu guardasse na memória”, parecendo-lhe “uma expressão, uma troca de palavras”.

GG, declarou que “aquilo foi na sequência de um intervalo, depois de uma intervenção, de um debate político”.

HH e II, atestaram as qualidades pessoais e profissionais da arguida.

JJ, qualificou o evento como uma troca de palavras numa reunião da Assembleia, reputando que o Assistente “deu um ar da sua graça”,

retorquindo à expressão proferida pela arguida, dizendo que “se calhar era melhor ir ao canil”.

Impôs-se breve excurso pela prova oral adquirida, por desta resultar

desenhado o contexto, enquadramento e sequência em que o agir da arguida teve lugar: nisso, a visão é unânime, foi decorrência de combate político.

E, bem ou mal, nos dias que correm, a dialéctica - a argumentação subtil, engenhosa, dialogada - na política, é sacrificada, a mais das vezes, pelo impulso, pelo descontrolo, não sendo inusitados debates boçais e reacções – até na Assembleia da República – desrespeitosas, grosseiras e desconformes

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ao padrão da sã convivência social.

Tudo, a cobro do litígio político, querendo atingir o adversário como adversário e não como pessoa.

A expressão que a arguida dirigiu ao Assistente, num intervalo de um acto político – pelo que não se encontrava este no exercício de funções – foi

decorrência de uma intervenção feita pelo mesmo naquela sede, encabeçando- a na autoria de um acto de censura.

Foi grosseira a reacção da arguida, sem dúvida, mas na mesma se não divisa o propósito de atingir o Assistente, visando atingir o seu bom nome, honra e consideração, com aliás não o divisou este, quando na sessão seguinte, reputa que “quando uma pessoa em vez de responder com urbanidade, com

educação, e responde desta maneira… isto é uma linguagem própria da comédia” – vd. fls. 52v.

Entendeu-o, como todos os que presenciaram o evento, como uma reacção ou resposta, ainda que efectivamente infeliz.

Ante tais evidências, mais que não seja em obediência ao princípio probatório de direito material de in dubio pro reo, por nebulosa a intenção que presidiu ao agir da arguida, sempre impunha a recondução de tal matéria à

factualidade não provada – que, mesmo que provada, por motivos que ao diante se exporão, nunca teria a intensidade necessária à conclusão pela prática do crime imputado à arguida.

No mais, por absoluta ausência de actividade instrutória, se quedaram por provar os demais trechos vertidos na acusação particular e contestação, sendo certo que na sua grande maioria se cuidavam de factos tributários da

acusação – nessa medida, constituindo repetição – e, afora aqueles cuja prova saiu prejudicada pela argumentação já expendida supra, os demais não

encerravam, com propriedade, factualidade, mas antes contendo conclusões e raciocínios, nessa medida não reclamando pronúncia.”

Vejamos então:

Quanto à primeira questão suscitada, a qual se prende com a matéria de facto não apurada respeitante ao preenchimento dos elementos subjetivos da

infração em causa, entende-se não assistir razão ao recorrente.

O Ministério Público, e bem, indica a matéria de facto que considera

incorretamente julgada, respeitando esta aos factos não apurados, os quais constituem o elemento subjetivo da infração.

Para além das declarações da própria arguida e do depoimento do assistente, indica a prova testemunhal que, em sua opinião, impunha decisão diversa da recorrida - testemunhas DD, EE e GG -. Cumpre, nestes termos, os imperativos aludidos no artigo 412º, nºs 3, als. a) e b) e 4 do Código de Processo Penal.

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Mais alude, até, ao preceituado no artigo 358º do Código de Processo Penal para a integrar, se necessário, o dito elemento subjetivo da infração.

Porém, não vemos necessidade de recorrer a tal preceito adjetivo para essa integração, já que os factos vêm descritos na acusação. De salientar, conforme o entende a jurisprudência fixada - v. Ac do STJ nº 1/2015, DR, I, de

27-01-2015 - não ser possível o recurso ao dito preceito para descrever o elemento subjetivo de um tipo legal de crime quanto este não conste da acusação.

Ora, da análise dos ditos depoimentos testemunhais, mais não é possível constatar do que a materialidade objetiva dada como apurada, para além das suas opiniões sobre o ocorrido.

Com efeito, o recorrente, citando o defendido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, refere que “O dolo – o conhecimento e vontade de praticar o facto com consciência da sua censurabilidade [em qualquer das modalidades previstas no art. 14º do C. Penal] – é sempre um facto da vida interior do agente, um facto subjectivo, não directamente apreensível por terceiro e por isso, a sua demonstração probatória, quando não exista confissão, não pode ser feita directamente, designadamente, através de prova testemunhal. Nestes casos, a prova do dolo só pode ser feita por inferência, terá que resultar da conjugação da prova de factos objectivos – em especial, dos que integram o tipo objectivo de ilícito – com as regras de normalidade e da experiência comum. E as regras da experiência são definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto sub judice, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade (Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, II, pág. 30) ou, dito de outra forma, são regras que exprimem o que sucede na generalidade dos casos isto é, são regras extraídas de casos semelhantes (cfr. Ac. do STJ de 7 de Abril de 2011, proc. nº 936/08.0JAPRT.S1, in www.dgsi.pt).”

Concorda-se inteiramente com estas considerações.

E assim sendo, estas testemunhas nada mais apontaram do que para uma situação de normalidade ao nível do debate político numa Assembleia Municipal, onde o assistente, deputado da Assembleia Municipal de …, acabara de imputar à arguida, Vereadora da Câmara Municipal da mesma localidade, atos de censura na sua atuação como tal, e esta, aproveitando o intervalo que se seguiu, e muito zangada, proferiu a expressão em causa “O senhor é pior do que um cão lazarento”.

E tratando-se de uma questão de normalidade, é a este nível, e segundo o princípio da livre apreciação da prova, e das regras da experiência comum, que deve ser tratado o elemento subjetivo da infração, sendo certo que o tipo

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em causa admite o dolo normal, em qualquer uma das suas formas, não exigindo um dolo específico, isto é, o animus injuriandi.

Portanto, a arguida quis agir da forma por que o fez, como resultou apurado no ponto 3, sabendo que o assistente era um Deputado Municipal de ….

Como tal, não se vislumbra qualquer motivo para alteração da matéria de facto fixada, já que a questão de que se trata constitui uma questão de direito, qual seja, a de saber se a expressão em causa, proferida pela arguida no

contexto em que o foi, é objetivamente injuriosa para a pessoa do assistente, e se a dita arguida, ciente disso, a quis proferir.

E assim, a matéria de facto apurada mantém-se, nos seus precisos termos.

Quanto à segunda questão suscitada, temos que a decisão recorrida tratou a questão de direito nos seguintes termos:

“A primeira questão que se coloca consiste em apreciar se as condutas que foram descritas e imputadas à arguida, correspondem à descrição jurídico- penal legalmente prevista, de modo que a mesma possa ser responsabilizada pela sua infracção, pelo que se deverá ter em atenção os respectivos

normativos, aos quais está subjacente a tutela de um determinado bem jurídico – F. Muñoz Conde alude a propósito que “a norma jurídico-penal

pretende a regulação de condutas humanas e tem por base a conduta humana que pretende regular”, acrescentando ainda que “a norma selecciona uma parte que valora negativamente e que comina com uma pena” in Teoria General del Delito, 1984, p. 9.

Vem a arguida acusada da prática de um crime de injúria e um crime de difamação.

Prescreve-se no Art.º 180º, n.º 1, do Código Penal, que comete o crime de Difamação “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração”.

Nos termos prevenidos no artigo 181º, por referência ao Art.º 182º, ambos, da Lei Substantiva Penal, comete o crime de Injúria “quem, dirigindo-se a outra pessoa, ainda que por escrito, lhe imputar, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou dirigir-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração,

injuriando-a”.

Se a difamação ou injúria forem praticadas contra membro de órgão das autarquias locais, no exercício das suas funções ou por causa delas, assumem tais crimes a sua forma agravada – cfr. Art.º 184 e 132º, n.º 2, alínea l), do Código Penal.

Doutrinariamente pode definir-se a injúria como a atribuição directa a alguém, de facto ou conduta, ainda que não criminosos ou necessariamente torpes, a

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par da verbalização de palavras que signifiquem em si uma reprovação ético- social e, por conseguinte, que sejam ofensivos da reputação do visado.

Já a difamação, consiste naquela atribuição, de modo indirecto ou por via de terceiros, na ausência do visado.

O bem jurídico protegido, em ambos os casos, é a honra ou consideração do visado.

Segundo o ensinamento do Sr. Prof. Beleza dos Santos, in Algumas

considerações jurídicas sobre crimes de difamação e de injúria, RLJ, 92º-164, a honra é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale.

A consideração é aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração ou ao desprezo público.

A honra refere-se ao apreço de cada um por si, à auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral, a

consideração ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de tomar alguém como um bom elemento social, ou ao menos, de o não julgar um valor negativo.

Salienta ainda, "os delitos contra a honra não são crimes de dano. Para se considerarem consumados não é necessário que o ofendido tenha sofrido, de facto, uma diminuição na sua honra, ou na consideração social; basta que haja o perigo de que as ofensas que constituem aquelas infracções possam atingir esses dois valores. [...] Basta portanto, a imputação de facto donde resulte o perigo de ferir esses valores. A lei não exige que eles sejam realmente

prejudicados, isto é, que os ofendidos, de facto, sejam avaliados socialmente como pessoas indignas ou com menor dignidade do que a que tinham, ou com menor consideração do que aquela que lhes era atribuída antes da ofensa em questão", estudo citado, RLJ, 95º-35, o que situa a honra, afinal, como objecto ideal.

Diz-nos Silva Dias, que as valorações sociais não intervêm na ocasião de definir o conteúdo da honra, mas apenas no momento de apreciar o que constitui ofensa à honra, ou seja, no momento da determinação da amplitude da tutela do bem jurídico - in Alguns aspectos do regime jurídico dos crimes de difamação e de injúrias, AAFDL, 1989, pág. 20.

Mas o crivo rigoroso da objectivação do modo como se olha a honra, o

sentimento médio de honra da comunidade, “aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar- se ofensivo daqueles valores individuais e sociais”, Aut. Cit. in RLJ, 97º - 167,

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se absoluta, contrariaria a própria afirmação inicial que postula o conceito normativo de honra, como intrínseca ao indivíduo, substituindo-se-lhe pela aferição da dignidade fora do indivíduo, se lha achassem - e a honra, a final, seria de todos e de ninguém.

Ponto assente, é que a honra não só é um bem jurídico pessoalíssimo – os crimes contra ela atentatórios são, regra geral, crimes particulares, cfr. Art.

188º, querendo dizer-se que o único detentor do bem jurídico é o próprio sujeito, a própria pessoa de quem a honra é qualidade intrínseca – como é um bem cuja afirmação da dignidade penal resulta inequívoca da mens

legislatoris, que a inclusão da sua tutela em capítulo próprio denuncia.

Estribados nesta noção da honra, apura-se em julgamento que a arguida, dirigindo-se a CC, deputado da Assembleia Municipal, em exercício de funções, dirigiu-lhe palavras de teor ou cariz vernáculo e ofensivo.

Importa determinar o que seja dirigir palavras a outrem ou alguém, o que nos situa na problemática das práticas enraizadas nas relações sociais.

E precisamente tal importa, pois situações de injúria aparente há, que são congemináveis. Pense-se naquelas pessoas para quem o “insulto”, a linguagem desbragada, os nomes, são da ordem da habitualidade. A injúria tem uma intensidade específica, que se não toma com a rudez no trato, a falta de polidez, ou mesmo a “grosseria”, que são comportamentos que apenas atestam a falta de educação.

Tem-se assim, que não possa – pelo menos no que ao elemento volitivo concerne - praticar-se um crime de injúria apenas pelo modo de falar.

Ainda, a contextualização dos factos, o que no escrever de Leal-Henriques e Simas Santos, é a atenção à característica da relatividade, o que quer dizer que o carácter injurioso de determinada palavra ou acto é fortemente

tributário do lugar ou ambiente em que ocorrem, das pessoas entre quem ocorrem e do modo como ocorrem in O Código Penal de 1982, vol. 2, pág. 203, 1986.

Resultou provado que a arguida, dirigindo-se ao aludido deputado, por causa de tais funções, pois que foi na sequência de intervenção sua, em que a

encabeçou na autoria de um acto de censura, lhe dirigiu a expressão “o senhor é pior que um cão lazarento”.

Lazarento é adjectivo que pode querer significar coberto de chagas ou

pústulas, leproso ou esfomeado – vd. dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora.

Apodar outrem de pior que um cão lazarento, ainda que susceptível de ofender e chocar o visado, num contexto político – e como actualmente se conhece a política – não é, contudo, atentatório da honra, revelando não mais que pura falta de educação e a impreparação para a assunção, com dignidade, da causa

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pública.

Não é, indiscutivelmente, uma expressão necessária ao combate político, mas que, in casu, foi posta ao serviço daquele, como resposta a uma intervenção prévia.

Raiando os limites da ofensa – apresentando o político como pior que um cão leproso ou, ante a miríade possível de significações para tal adjectivo, pior que um cão esfaimado – daí se não extrai, no plano pessoal, a aptidão de tal

expressão para denegrir a honra e consideração da pessoa – o seu núcleo essencial íntimo, transpondo as intransponíveis fronteiras da esfera da vida privada, obliterando a dignidade da pessoa humana.

Nem toda a expressão, adjectivação ou comparação que incomoda, que causa engulho, que humilha e envergonha, é necessariamente injuriosa ou

difamatória, tudo dependendo de sua intensidade, do seu contexto e do padrão de actuação dos intervenientes.

E neste conspecto, quem voluntariamente se submete à actual praxis politica e democrática, terá tendencialmente uma tutela da honra e reputação menos intensa que os demais cidadãos, mais que não seja, pelo padrão de

comportamento instituído, que de um ponto de vista do que é o consenso comunitário – o modo como a generalidade dos cidadãos olha tais condutas, em tal contexto – ainda que não aceite como comportamento conforme às normas da convivência social ou da educação, sendo grosseiro e nada cortês, não é visto como ofensivo da honra e consideração do visado.

Escora o Art.º 18º, n.º 2, da Lei Fundamental, o doutrinado princípio da subsidiariedade do Direito Penal, também denominado princípio da mínima intervenção do Estado em matéria penal ou da máxima restrição das penas, tendo todas as indicadas expressões como conteúdo comum a asserção de que a cominação de sanções penais há-de constituir sempre a ultima ratio da

política social.

Vale por dizer que, só é lícito incriminar certo comportamento quando a tutela do bem ou bens jurídicos que ele tem em vista proteger com a incriminação não poder ser conseguida através do recurso a outros meios menos gravosos.

Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, 1993, § 41, doutrina que “o direito penal só pode intervir onde se verifiquem lesões insuportáveis, das condições comunitárias essenciais de livre desenvolvimento e realização da

personalidade de cada homem”.

As sanções penais constituem a mais intensa intromissão do Estado na esfera de liberdade dos indivíduos e são também aquelas que têm efeitos

estigmatizantes mais acentuados.

Apenas deverão encontrar eco criminal os comportamentos tão gravemente lesivos de direitos fundamentais que impedem as condições mínimas

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essenciais de vida em sociedade, desde que não possam ser combatidos eficazmente através do recurso a meios menos gravosos do que os que são próprios do Direito Penal.

Não o ocorre, in casu, não tendo a expressão proferida pela arguida a aptidão de preenchimento objectivo do tipo de injúria por que vem acusada, sempre se impondo – ainda que se provasse a sua intenção – a sua absolvição.

O mesmo vai, no que tange ao imputado crime de difamação, não apenas pelo que se vem expendendo, como pela circunstância de, ainda que na presença de terceiros, a arguida nunca haver deixado de se dirigir directamente ao Assistente, não logrando tal comportamento, por intermédio de outras pessoas – não estando o Assistente presente – pelo que, em faltando tal quid – os

terceiros seriam, in casu, meras testemunhas e não o veículo, indirecto, por via do qual se pudesse atingir a honra do Assistente – nunca se poderia ter por praticado tal tipo legal.”

Concorda-se, igualmente, com o decidido.

Com efeito, a noção de cão lazarento tirada do Dicionário da Porto Editora, aponta para um cão leproso ou esfomeado.

Alguém que se dirija a outrem com tal epíteto, só o pode querer fazer em sentido figurado, necessariamente.

Nada nos indica que a arguida tivesse algo de pessoal contra o assistente, pelo que ao atacá-lo desta maneira só o pode estar a fazer na sequência do debate político que tinham travado, portanto, ainda neste quadro.

E assistimos no dia a dia a debates políticos muito violentos, ao nível de diversas Assembleias.

O arguido acabara de referir-se à assistente, não em sentido figurado

negativo, mas imputando-lhe a prática de atos incorretos no exercício da sua atividade política de Vereadora da Câmara Municipal….

Desconhece-se se tais factos eram verdadeiros ou falsos, mas o que é certo é que a arguido ficou muito zangada em na sequência desta atitude do

assistente.

Sempre no âmbito do debate político, já que era nesta sede que se encontravam, respondeu-lhe da maneira dada como apurada.

Foi sem dúvida de uma forma grosseira, a imagem que utilizou para definir a atitude que o arguido acabara de assumir para consigo, a de um cão leproso ou esfaimado, mas como diz a mesma, “as normas jurídicas distinguem-se das demais normas (religiosas, de costume, morais) porque se prendem com o núcleo essencial da convivência humana, atendendo a que tutelam valores de tal modo relevantes para a vida em sociedade, que o Estado impõe

coactivamente a sua observância, estipulando sanções para os infractores.

Ora, entende-se que a expressão em causa, proferida no âmbito do debate

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político, não justifica a subsunção a um tipo legal de crime previsto no nosso ordenamento jurídico-criminal, já que estes se destinam, sim, a proteger o núcleo essencial de valores que permitem a vida em sociedade, o que justifica a punição legal e social de quem atenta contra os mesmos.

Como tal, entende-se que bem andou o Tribunal recorrido ao decidir da forma por que o fez.

Assim, e pelo exposto, acordam os juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento ao recurso, mantendo, na íntegra, a decisão recorrida.

Sem tributação.

Évora, 09 de Janeiro de 2018 Maria Fernanda Palma (relatora) Maria Isabel Duarte

Referências

Documentos relacionados

Aliás, foi já fixada jurisprudência pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão nº 5/2009 (publicado no DR nº 55, 1ª Série A, de 19-03-2009), onde se pode ler que:

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