• Nenhum resultado encontrado

FACULDADE DE DIREITO

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "FACULDADE DE DIREITO "

Copied!
124
0
0

Texto

(1)

FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO

RAQUEL CUNHA DOS SANTOS

A DEMOCRACIA CAPTURADA.

PODER ECONÔMICO POLUIDOR DA DEMOCRACIA BRASILEIRA SISTEMAS DE CONTROLE.

SÃO PAULO 2017

(2)

FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO

RAQUEL CUNHA DOS SANTOS

A DEMOCRACIA CAPTURADA.

PODER ECONÔMICO POLUIDOR DA DEMOCRACIA BRASILEIRA SISTEMAS DE CONTROLE

Dissertação apresentada para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós- Graduação stricto sensu em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie com orientação da Prof.ª Dra.

Monica Herman Salem Caggiano.

SÃO PAULO 2017

(3)

S231d Santos, Raquel Cunha dos.

A democracia capturada : poder econômico poluidor da democracia brasileira : sistemas de controle / Raquel Cunha dos Santos. – 2017.

123 f. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2017.

Orientadora: Monica Herman Salem Caggiano.

Referências bibliográficas: f. 104-112.

1. Democracia. 2. Riscos de captura. 3. Mecanismos de controle. I. Título.

CDDir 341.234

(4)
(5)
(6)

A meus pais Francisco e Maria Eurice.

A minha tia Ana Elza, em sua memória.

(7)

Gratidão é sentimento transformador. Sou grata pela metamorfose vivenciada durante o processo de mestrado. Sem dúvida este trabalho se tornou realidade graças a ímpar paciência, o cuidado e o zelo que minha estimada orientadora Profa. Dra. Monica Herman Salem Caggiano me dedicou; todo o mérito dessa dissertação deve ser rendido a ela, e as eventuais imperfeições são de minha exclusiva responsabilidade.

Sou grata pelas aulas singulares dos professores doutores Gilberto Bercovici, José Francisco Siqueira Neto, Felipe Chiarelo, Gianpaolo Smanio, Alysson Mascaro, Claudio Salvador Lembo, Hélcio Ribeiro, Fabiano Dolenc Del Masso, Vicente Bagnoli, e sobretudo por todo o ensinamento ministrado pela professora doutora Monica Herman Salem Caggiano. Agradeço a Universidade Presbiteriana Mackenzie e em especial à Coordenadoria de Pós-Graduação Strito Sensu por implementar e manter o Programa de Mestrado e Doutorado em Direito Político e Econômico, cujo constante compromisso com a excelência acadêmica buscou-se observar como parâmetro para realização desse trabalho. Jamais poderia deixar de agradecer a todos os funcionários da instituição de ensino, por personificarem a essência dessa excelência; faço o agradecimento a todos na pessoa da secretária do curso Sra. Cristiane Alves Macedo, cuja peculiar dedicação e simpatia a todos abriga.

Rendo meus agradecimentos à Capes pela concessão de bolsa de estudos, fundamental para realização deste projeto.

Agradeço imensamente a oportunidade de ter convivido e criado laços de amizades durante o processo de mestrado, tesouro que espero manter pela vida. Sem a cumplicidade e parceria da doutoranda Ana Paula Bagaiolo Moraes; os apontamentos pontuais do mestrando Cleoman Fernandes da Silva Filho; o relevante conhecimento acadêmico compartilhado pelo doutorando Danilo Vieira Vilela, a perseverança personificada na mestranda Juliana Leme Faleiros, a alegria e sagacidade intelectual da mestranda Melina Ferracini de Moraes; a jornada teria perdido o perfume e a cor.

Juntos, pudemos compartilhar e dividir o peso das dúvidas que cercam as investigações acadêmicas, possamos manter unido nosso senadinho. Não poderia deixar de render meus sinceros agradecimentos a Alessandra Mara Sales, companheira na monitoria de Direitos Humanos, sempre disponível para apoiar no que foi preciso; meu muito obrigado, também, aos estimados Alessandra Farani, Andrea Schneider, Leandro Sarai e Orly Kibrit, por todo conhecimento partilhado.

(8)

jornada, pelas palavras de incentivo, pela alegria que compartilham comigo sempre, essa realização também se efetivou graças a vocês: Alexandre Fidélis Martuscelli, Fabiana Laja Santana, Helane Marques da Silva, Maria Gildete de Oliveira Martins, Vanessa Setsuko Ferreira e Victor Rodolfo Lomnitzer.

Agradeço por fim a minha família, foi a doce e amorosa presença de vocês que tornou possível essa conquista. Daniela Cunha dos Santos, minha irmã querida, as palavras faltam para descrever minha gratidão, você é arrimo e cimento dessa realização, obrigada por tudo; Caio Santos Ricarte, filho amado, que minha curiosidade acadêmica se instale desde cedo em você; Francisco Nunes dos Santos e Maria Eurice Cunha dos Santos, pai e mãe, luz e caminho, amo vocês profundamente.

Agradeço, enfim, pela pessoa que me tornei.

(9)

“A ditadura perfeita terá as aparências de uma democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga.

Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão”

(Aldous Huxley)

(10)

Esta dissertação busca responder em que medida a democracia no Brasil está a salvo de influência predatória do poder econômico, sempre que denotado o uso deturpado dessa força social. Inicialmente aborda-se as raízes da democracia e seu funcionamento, bem como a internalização efetuada dessa prática pela Constituição da República de 1988 - pelo estudo de seus princípios, instrumentos de pressão e riscos de captura. Na sequência há um aprofundamento da análise do arranjo constitucional democrático, a relação de pertencimento entre direitos políticos e cidadania, opção pela fórmula de democracia semidireta, os princípios eleitorais constitucionais e a formatação do sistema de governo. Avança a análise proposta na dissertação pelo estudo dos mecanismos de defesa da democracia, considerando num primeiro momento os fatores de desvirtuamento, para então verificar as formas de profilaxia.

PALAVRAS-CHAVE: Democracia, Riscos de Captura, Mecanismos de Controle.

(11)

This dissertation seeks to answer to what extent democracy in Brazil is safe from the predatory influence of economic power, whenever denoted the misused use of this social force. Initially it discusses the origin of democracy and its functioning, as well as how this institute was incorporated by the Brazilian Constitution of 1988 - by studying its principles, its instruments of pressure and risks of capture. Then there is a deep analysis of the democratic constitutional arrangement, pointing out its relation between political rights and citizenship, the legislator's option for the semi-direct democracy, the constitutional electoral principles and how the system of government is arranged. The subject of this work advances in the analysis of mechanisms to defend democracy by considering, foremost, the distortion factors to then verify the forms to promote its prophylaxis.

KEY WORDS: Democracy, Capture Risks, Control Mechanisms.

(12)

INTRODUÇÃO

1 Democracia. Seu Funcionamento. Risco(s) de Captura ... 6

1.1 Raízes do termo Democracia ... 6

1.2 A Democracia Contemporânea ... 21

1.3 Fundamentos da Democracia no Brasil ... 30

1.4 Instrumentos de pressão na Democracia ... 37

1.5 Risco de Captura da Democracia pelo Poder Econômico ... 46

2 O arranjo constitucional-democrático brasileiro a partir de 1988. Tratamento dos Direitos Políticos. ... 52

2.1 Direitos Políticos e Cidadania uma relação de pertencimento ... 52

2.2 Opção dos Constituintes pela Democracia Semidireta ... 58

2.3 Princípios Constitucionais do Processo Eleitoral ... 64

2.4 Opção pelo Sistema de Governo Presidencialista... 69

3 Mecanismos legais contra o abuso do Poder Econômico sobre a democracia no Brasil ... 74

3.1 Poluição e toxidade: causas e efeitos da interferência nociva do Poder Econômico na formação da vontade do cidadão-eleitor ... 74

3.2 Controles anticorrupção: atuação sistemática dos Tribunais de Contas e do Ministério Público, contra o abuso de poder econômico ... 84

3.3 Regulamentação dos Meios de Comunicação de Massa ... 90

3.4 Transparência aplicada aos Partidos Políticos ... 96

CONCLUSÃO ... 101

Referências Bibliográficas ... 104

(13)

A Constituição Federal promulgada em 05 de outubro de 1988 é marco de ruptura com o regime autoritário que a precedeu. Os constituintes sublinharam sua opção pela democracia de forma expressa e reiterada; o direito a participação através do voto foi blindando contra qualquer eventual retrocesso (artigo 60, § 4º, II, CF/88); esse é um dos diversos sinais de que as liberdades-negativas pareciam insuficientes para dar ao Estado nova roupagem; por isso a opção pela constituição-garantia (SILVA, 2005) e o consequente tratamento constitucional extensivo à maior gama de matérias. A consolidação da sociedade justa, livre e solidária, objetivo da República enunciado no artigo 3º do referido texto, depende diretamente da pluralidade de vozes, e o preâmbulo da Constituição Federal de 1988 permite antever que a democracia foi o fio condutor eleito para promover o desenvolvimento social da nação.

Aliás, o modelo de democracia adotado pelo texto constitucional permite concluir que, entre todas as constituições brasileiras, o texto em vigor é o que favorece a menor distância entre a classe política e a sociedade civil. O sufrágio universal abrange a maior parcela da população: a partir dos 16 anos há a faculdade de se tornar eleitor;

analfabetos voltaram a integrar o corpo eleitoral e podem exercer o ius sufragii após mais de cem anos de exclusão. Além disso, o voto torna-se obrigatório aos 18 anos e assim permanece até os 70 anos, sem que isso impeça os mais longevos de continuar o exercício da manifestação política, dado que não existe idade máxima para compor o corpo eleitoral. Outro sinal evidente da maior busca de conectividade com a sociedade civil é verificado pelo incremento de direitos políticos reconhecidos aos cidadãos naturalizados. Sem mencionar a possibilidade de participação direta pela realização de referendos e plebiscitos e, ainda, pela possibilidade de propositura de projetos de leis.

Não obstante o cenário inclusivo na formação do corpo eleitoral, verifica-se no Brasil um acentuado hiato entre os representantes eleitos e a população. A pluralidade de legendas partidárias não se traduz em maior identificação entre os diversos extratos sociais e os representantes políticos eleitos; persiste a excessiva elitização da classe política. Cita-se como exemplo desse descompasso a composição do Congresso Nacional eleito em 2014: composto majoritariamente de homens, empresários, com idade média acima dos 45 (quarenta e cinco) anos e com patrimônio pessoal declarado

(14)

sociedade que é em maioria composta por mulheres, pessoas pardas e cujo patrimônio pessoal muitas vezes se limita apenas a prole.

Identifica-se no seio do congresso, abertamente, bancadas formadas por parlamentares que têm, em comum, interesses privados específicos, v.g. ‘bancada ruralista’. Talvez esse seja o maior traço do ranço herdado durante a formação econômica do Brasil: a existência de oligarquias com interesses privados ocupando o espaço público-representativo da nação. O coronelismo2 antes consistia na representatividade política falseada pela influência direta dos grandes latifundiários na disputa eleitoral (LEAL, 2012); agora a falta de representatividade é consequência, entre outros motivos, do abuso do poder econômico de forma generalizada, não apenas vinculada a concentração da propriedade rural.

Sem embargo, a preocupação em coibir práticas predatórias contra a livre formação da vontade política do eleitor e sua manifestação através do voto é pauta antiga no sistema normativo pátrio. Pode-se afirmar, mesmo, que a criação da Justiça Eleitoral se deu no esforço da correção dos desregramentos que influenciavam o resultado dos pleitos. Isto, por óbvio, incluía a necessidade de refrear o avanço das elites econômicas sobre os resultados eleitorais, na mesma medida em que se fazia necessário a adoção de políticas públicas que dotassem os eleitores de melhores condições para o exercício da função eleitor.

Inicialmente as interferências danosas eram classificadas pela legislação eleitoral como coação ou fraude (Código Eleitoral 1932, Lei Agamenon 1945, Código Eleitoral 1950), contudo, sem qualquer tipo de qualificação. A expressão poder econômico foi usada pela primeira vez no Código Eleitoral elaborado durante o regime militar (artigo 237, Lei nº 4.737/1965), para expressar de forma explícita o princípio proibitivo da interferência do poder econômico a fim de desviar a liberdade de expressão política contida em cada voto. O cuidado também se fez presente de forma expressa no parágrafo 9º, do artigo 14, texto constitucional, regulado pela Lei Complementar nº 64 de 18 de maio de 1990, que trata das hipóteses de inelegibilidade, incluídas as

1TSE, Relatório das Eleições 2014, Anexo 4 - Perfil dos Candidatos.

2 CARVALHO (2001) em artigo publicado no Jornal do Brasil, de maio de 2001, pontua que o coronelismo designava um compromisso entre o poder público e o poder privado; enraizado na estrutura social; e que no momento da elaboração do texto de Coronelismo, enxada e voto, publicado em 1949, havia a expectativa que os processos de urbanização, industrialização e o aperfeiçoamento da Justiça Eleitoral seriam suficientes para sanear tais relações.

(15)

abuso de poder econômico; delegando-se, desta forma, ao Poder Judiciário a tarefa de construir os limites da conduta antijurídica.

A partir da redemocratização verifica-se um esforço em ampliar as possibilidades de controle dos cidadãos sobre os detentores dos poderes políticos e em especial sobre o emprego dos recursos públicos. São diversas as ações constitucionais que se destinam ao fim específico de assegurar a cidadania, destacamos a ação popular, mandado de injunção e as ações de controle de constitucionalidade.

Foram ampliados os legitimados a propor a Ação Civil Pública e para o uso do controle de constitucionalidade na forma concentrada. A matriz constitucional optou ainda pela diferenciação das funções da Advocacia Pública das desenvolvidas pelo Ministério Público, a fim de que esse último pudesse, nos termos do caput do artigo 127 da CF, exercer a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais, individuais indisponíveis, fato que colabora com o fortalecimento das instituições democráticas.

Verifica-se avanços progressivos na legislação infraconstitucional, diversos marcos legislativos foram incorporados a fim de facilitar o controle dos gastos públicos, destacando-se a Lei de Acesso a Informação (lei nº 12.527/2011) profundamente ligada ao princípio da publicidade, em seu matiz mais explícito, a transparência; e a Lei nº 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção.

Apesar dos esforços para o saneamento das relações entre os detentores do poder político e segmentos da iniciativa privada, diversos esquemas de corrupção continuam a ser comprovados. O julgamento pelo STF do caso conhecido como Mensalão (AP nº 470, encerrada em abril de 2013), ocupou não apenas a grande mídia, mas demonstrou que havia um esquema envolvendo nomes do alto escalão da Presidência da República para desvio de recursos públicos a fim de assegurar o apoio de deputados aos projetos de lei de iniciativa do governo através do pagamento de propina, efeito colateral do presidencialismo de coalizão. Contudo, a Operação Lava a Jato, ainda em trâmite, denota que apesar dos diversos controles legais, há operações inquinadas de ilegalidade entre detentores do poder político e setores da iniciativa privada e que boa parte dos valores desviados tiveram como destinação específica o custeio de despesas das campanhas eleitorais.

O julgamento final pelo STF da ação direta de inconstitucionalidade ADI nº.

4650, em setembro de 2015, é outro marco que não se pode ignorar. O acórdão com

(16)

assegurar a legítima manifestação eleitoral, tendo sido utilizada a expressão captura da democracia de maneira recorrente entre ministros para caracterizar a finalidade real dos recursos repassados por empresas a campanhas eleitorais: isto é, uma espécie de investimento, uma antecipação a fim de obtenção de lucro com a vitória dos candidatos financiados. A corte máxima limitou a possibilidade de financiamento às pessoas físicas. Por fim, há que se considerar a minirreforma política que deu origem à Lei nº 13.165 de 29 de setembro de 2015, o Congresso Nacional internalizou alguns dos fundamentos do referido acórdão; tornado expressa a proibição de financiamento de campanhas por empresas, e ainda, em razão da redução da possibilidade de captação de recursos, esforçou-se em reduzir o custo de campanhas políticas.

Esse é o cenário sobre o qual se desenvolve esta pesquisa. O trabalho foi dividido em três capítulos. A partir da visão proporcionada pelos marcos teóricos (CAGGIANO, 1987 e SARTORI, 1994a e 1994b) buscou-se, inicialmente, compilar o conceito democracia sob o aspecto que o liberalismo conferiu ao termo, a fim de identificar seus traços distintivos, princípios fundamentais, razões de sua acentuada expansão durante o Século XX; sem se furtar da obrigação de enfrentar a hipótese de captura da democracia.

O capítulo subsequente reforça o recorte adotado para o trabalho, centra-se na relação da constituição com os pilares do Direito Eleitoral, aspecto fundamental da estrutura da democracia brasileira em si. A relação entre direitos políticos e cidadania, a opção pela democracia semidireta, os princípios constitucionais eleitorais e a escolha do sistema presidencialista foram abordados.

O terceiro capítulo trata como a relação entre poder econômico e processo eleitoral pode se tornar tóxica para o desempenho da democracia, verificam-se os mecanismos existentes para coibir o avanço do poder econômico sobre a democracia no Brasil.

Afinal, não se pode ignorar que, ainda, é o processo eleitoral que formaliza a democracia e permite a participação política do povo, colocando-o no epicentro da fenomenologia que translada poder aos eleitos; e que em razão do princípio da soberania popular, os representantes eleitos deveriam estar atentos à necessidade de efetivar os anseios nacionais. Devem ser reconhecidos os esforços para evitar a captura da democracia pelos interesses dos agentes poluidores, em especial do assédio exercido pelo poder econômico, que se transmuta em múltiplas práticas: numerário para

(17)

de material impresso, etc.), influência sobre meios de comunicação, entre outras.

A construção da cidadania decorre de um processo complexo e histórico, em que se combinam liberdade e igualdade. A princípio, a existência de direitos civis (garantidores da liberdade), de direitos políticos (que permitem a participação política) e de direitos sociais (mecanismos para distribuição da riqueza da sociedade) demonstram como a sociedade está organizada e o grau de maturidade de sua democracia. Em termos gerais, quanto mais desenvolvidos os direitos sociais, melhor a organização democrática.

Um sinal da captura da democracia pelo poder econômico pode ser evidenciado pela precarização dos direitos sociais; a deterioração das garantias constitucionais culmina na inviabilidade do projeto nela descrito, cita-se, por exemplo, as sucessivas reformas previdenciárias que a cada alteração erodem as garantias constitucionais originalmente previstas. Vivencia-se a ativa participação do poder econômico no processo decisório democrático, seja pela injeção de recursos em campanhas eleitorais;

seja na (de)formação da opinião pública pelos meios de informação de massa; seja pela pressão e formação de lobbies com os representantes já eleitos.

O processo eleitoral resulta na seleção da elite política, de quem se espera ações no interesse nacional. A cada novo ciclo eletivo os eleitores exercem o poder de controle sobre os grupos políticos situacionistas, reconduzindo ou rechaçando sua permanência. A escolha da maioria indica os caminhos que devem ser traçados, sem que isso importe em supressão do direito das minorias. O ideário democrático aponta sempre o caminho para o bem coletivo.

(18)

1 Democracia. Seu Funcionamento. Risco(s) de Captura

1.1 Raízes do termo Democracia

Compreender os sistemas de organização do poder na forma democrática e identificar o modo de operação dessa plataforma é a tarefa primária dessa dissertação; sem a qual não se poderá encontrar resposta para a dúvida genuína de qual forma se pode coibir a captura do mando social por interesses privados?

Conceituar democracia, entretanto, é tarefa imbricada tanto pela ausência de evolução histórica - ausente liame entre o uso durante a Antiguidade e as atuais fórmulas democráticas;

quanto pela profusão de significados associados ao vocábulo. CAGGIANO (1987) assevera que apesar da plasticidade do conceito face à realidade histórico-social, uma vez que se amolda a cada povo e às suas peculiaridades; dimana dele um mecanismo para preservação da liberdade individual. SARTORI (1994a) enfatizou a ausência de conformidade conceitual, referiu-se esta época como a era da democracia confusa.

Atribui-se a Heródoto3, ainda na Antiguidade, o emprego do termo democracia pela primeira vez, em crônica, a fim de comparar os regimes monarquia, oligarquia e democracia.

Nesse esboço inicial o termo democracia designava o sistema pelo qual os cidadãos4 em deliberação conjunta decidiam sobre os temas da coletividade (autogoverno) e elidiam abusos típicos da concentração de poderes; a preservação da liberdade decorria da ausência de hierarquia, uma vez que a decisão tomada em conjunto, favorecia o clima de igualdade entre

3 CAGGIANO (1995, p. 23, nota de rodapé 38) explica que o texto de Heródoto, em forma de peça, apresentava a conversa entre três personagens, Dario, Megabizo e Otanes, que debatiam sobre as formas de governo, sendo cada um responsável pela defesa de um modelo distinto - o primeiro propunha a manutenção da monarquia; o segundo ao defender a adoção da oligarquia defendia que nesse modelo todos eles (que eram nobres) teriam espaço na condução do governo; por fim, Otanes discordando dos demais propôs que se adotasse uma forma de governo mais isonômica e que contasse com maior participação popular. O debate entre os personagens ilustra a coincidência entre sociedade civil e necessidade de organização das funções de governo; a conclusão do texto revela a predileção do autor, que concluiu que o governo por um só se revelava a melhor prática.

4 Diminuta parte da população gozava de tal qualidade, nesse conjunto estavam excluídos de forma total mulheres, escravos e metecos, por serem considerados inferiores. (GOYARDE-FABRE, 2003, p. 20)

(19)

os indivíduos. A participação política implicava em dever social. Não havia nesse exercício a interposição de representantes; as regras sociais eram estabelecidas de forma direta.

Etimologicamente o termo democracia corresponde à junção em grego dos termos demos (povo) e kratos (poder) e em singela tradução: o poder do povo. O cerne central na Antiguidade que a distinguia dos demais regimes de governo consistia na participação dos cidadãos na tomada das decisões. Buscava-se por esse método eliminar a hierarquização social e assegurar a maior liberdade possível a cada um dos indivíduos, uma vez que os governantes e governados seriam coincidentes.

Convém considerar que os parâmetros da democracia da antiguidade, condicionados por seu momento histórico, foram fixados para uma sociedade de base escravagista, notadamente excludente (o rol de cidadãos equivalia a pouco mais de 10% do total da população da cidade, sem a participação de mulheres, escravos e metecos5) cujo desempenho das funções decorrentes da cidadania exigia de seus membros dedicação quase que exclusiva aos interesses da polis. A liberdade de antanho vinculava-se estritamente ao dever de participação política, vivia-se para a polis, para a manutenção da comunidade. O poder soberano dos cidadãos atenienses não conhecia limites, preponderando a vontade da maioria;

as leis aprovadas em assembleia nem sempre reproduziam os hábitos já sacralizados; esse poder desregrado levou a ruína do sistema democrático na Antiguidade (SARTORI, 1994b, p.

50).

FERREIRA FILHO (2001) ao discorrer sobre o tema lembra que as cidades helênicas se utilizaram de várias formas de governo, incluindo a democracia; ele relaciona a grande admiração que goza a democracia ateniense à coincidência de ter se desenvolvido durante o apogeu de Atenas. Ele ainda destaca que as assembleias em sua essência não atraíam os cidadãos espontaneamente e foi preciso estabelecer um subsídio aos pobres (para que comparecessem) e uma multa aos ricos (caso faltassem), além de fixar um quorum de comparecimento mínimo para determinadas decisões; deliberava-se sobre questões políticas fundamentais.

Assevera, com razão, GOYARDE-FABRE (2003, p. 20) que a democracia da Atenas da antiguidade não significava que todos governavam, mas que ‘todos os cidadãos’

participavam do governo. A amplitude do direito a igualdade e a liberdade era limitada pelo

5 Como explica FERREIRA FILHO (2001, P. 5) metecos eram aqueles que embora tivessem nascidos em Atenas, não descendiam de pai ou mãe ateniense. Conceito que mais tarde seria aprimorado no conceito de direito romano jus sanguini, isto é, a nacionalidade adquirida pelo indivíduo decorre da origem de seus pais, independentemente do local de nascimento (MELLO, 2000, p. 923)

(20)

conceito de cidadão, empregado naquele tempo com viés excludente6. Não se deve esquecer que apesar daquela Atenas possuir amplas definições sobre o direito à vida, ao pensamento e à palavra, a escravidão não apenas era admitida como consistia na base econômico-social.

A democracia ateniense era avaliada com severidade por filósofos que lhe foram contemporâneos, em especial por Platão e Aristóteles. O maior receio de outrora consistia no temor que o governo da maioria se tornasse uma tirania do povo (entendido como turba/populacho) e causasse uma abrupta ruptura na organização social. A cisma decorria da possibilidade de prevalência dos interesses individuais que líderes demagogos pudessem inflar no âmago das paixões populares, e que os conduzisse a buscar vantagens pessoais em detrimento de preservação do interesse coletivo (FERREIRA FILHO, 2001, p. 4).

PLATÃO (2007) discorre sobre a formação de uma sociedade ideal, na qual cada pessoa possuísse uma determinada vocação para exercer uma função específica na estrutura da cidade. A visão do filósofo sobre a democracia revela-se, na sequência de diálogos, depreciativa; em poucas linhas: a democracia era uma forma de governo vinculada ao domínio da sociedade pelos pobres - necessariamente; com a imposição de igualdade material (pela distribuição uniforme das riquezas), e à atribuição do exercício de cargos de comando pela via do sorteio. A maior crítica do filósofo a essa configuração, contudo, repousava no fato que para o império da liberdade, não poderia haver constituição ou lei, uma vez que cada um organizaria sua vida como melhor lhe conviesse, isto é, observaria às leis se e como quisesse. A democracia traria em si um elemento instável e volátil (a vontade da maioria poderia ser corrompida por paixões individuais) que a dificultaria a concreção da forma idealizada de Constituição.

Ao estudar os sistemas de governo, Aristóteles buscou traçar um sistema lógico que permitisse identificar de forma clara a razão da cíclica alteração de regimes, contudo, como assevera GOYARDE-FABRE (2003), mesmo após analisar diversas constituições gregas e bárbaras, a conclusão do filósofo foi que não existe uma cíclica degenerescência de regimes; e que, no mais, o número de governantes não passaria de mero acidente na conceituação dos tipos de governo. A concepção de uma constituição pura seria incompatível com uma fórmula rígida, uma vez que as sociedades possuem condições sócio-históricas distintas. Menos impermeável à democracia que Platão, ainda que a classificasse como um sistema de segunda ordem, na formulação de um sistema de governo moderado, Aristóteles mesclou elementos da

6 Cerca de 10% a 20% da população da polis grega eram considerados cidadãos. (FERREIRA FILHO, 2014)

(21)

democracia com elementos da oligarquia a fim de moldar a forma de governo ideal, a república.

ARISTÓTELES (2007, Livro V) relacionava a igualdade com o conceito de justiça plasmada na nomos7, em sentido geral a lei era considerada boa pelo filósofo em razão do caráter não individualista. A equidade traduzia-se na flexibilidade necessária da aplicação da lei ao caso concreto, descendo da generalidade da norma às peculiaridades fáticas. Sempre que a lei fosse justa, equidade e norma estariam em harmonia. A autossuficiência dos homens livres dependia dessa igualdade. A soberania que ela [nomos] expressava, sempre que fundada na matriz democrática, pertencia ao conjunto dos cidadãos, axioma fundamental da democracia. A cidadania ativa exigiria de cada indivíduo o exercício da virtude, prudência e discernimento em busca do bem comum, evitando que o povo caísse na passividade e indiferença. Um regime que desejasse ser democrático dependeria da necessária participação paritária dos cidadãos, reconhecendo que a vontade soberana deles fundamenta e justifica toda a organização Estatal.

A democracia ateniense exigia a conjugação dos valores liberdade-igualdade conjuntamente. Aliás, os gregos possuíam um termo específico para designar esse valor isegoria, significava igualdade e liberdade de expressão (WOOD, 2007, p. 421). Nessa conjugação fundamentava-se a defesa da liberdade de expressão, pela qual cada cidadão poderia pensar e manifestar a decisão política de forma suficientemente livre e independente.

A noção de livre-arbítrio e de espaço privado como expressão de singularidade não integravam o pensamento das sociedades antigas, a polis era percebida como o espaço orgânico de convivência, os integrantes da sociedade não eram notabilizados pela sua individualidade, mas como engrenagens para construção do bem comum (VILANI, 1999, p.

20-21).

ARISTÓTELES (2005, Livro II) questionava, aliás, se os que dependiam do trabalho para se manter poderiam desenvolver as responsabilidades atreladas a cidadania - em especial a busca do bem viver coletivo; pois, para ele, não se poderia esperar daqueles a isenção necessária para desenvolver essa virtude antes de privilegiar interesses pessoais. Para o filósofo a questão crucial entre democracia e oligarquia repousava na distinção entre pobreza e riqueza, que acabaria por gerar a patologia no corpo político - pois, a democracia dependeria

7 Nomos equivale a lei, todavia, em sentido distinto do contemporaneamente utilizado. Na democracia ateniense da antiguidade, a lei decorria da manifestação da vontade dos cidadãos, que deliberavam coletivamente e diretamente sobre circunstâncias concreta. (MASCARO, 2013. p. 79)

(22)

de absoluta igualdade material entre os pares. Outra crítica tecida a essa forma de organização derivava da constatação que o povo no exercício de sua autoridade, em geral agia em detrimento dele mesmo, apesar de ser a finalidade do governo a consecução do bem comum.

FERREIRA FILHO (2001) denota que a democracia ateniense foi instituída em 509 a.C., não tendo sido duradoura, em 322 a.C. foi definitivamente abolida, e por longos séculos permaneceu como prática esquecida. Após a queda das cidades-estados ligadas a Atenas, no século VI a.C., foram poucos os sistemas democráticos permaneceram ativos, dispersados em pequenas sociedades e longe dos grandes centros. Ainda na antiguidade a experiência democrática seria parcialmente retomada pelo Império Romano.

O termo inicial da Idade Média coincide com a fragmentação do Império Romano Ocidental, seguida de uma rígida estratificação da sociedade em três classes: nobreza, clero e povo. A Igreja Católica sobreviveu aquele desmembramento e exerceu grande influência na conformação da disposição social decorrente. O feudalismo trouxe consigo uma relação de poder piramidal na qual o povo, base da organização social, estava subordinado aos mandos das demais classes; o poder dos dirigentes era absoluto.

A matriz do pensamento cristão justificava a ordem social como reflexo da vontade de Deus (inclusive para o fundamento do poder dos governantes e submissão aos papéis sociais) e condicionava todas as ações para salvação do espírito (cultivo das virtudes, subordinação às ordens da Igreja). A rígida hierarquização da sociedade fez a Igreja Católica ascender ao governo, como interlocutora do governo espiritual com os governos temporais - esses, ao lado da Igreja tinham a missão de conduzir a humanidade ao caminho da retidão de Deus (VILANI, 1999). Religião e Direito se assemelharam, em especial pela interpretação ortodoxa que Santo Agostinho fez das escrituras no sentido de que todo o poder advinha de Deus, e a fé importava em submissão incondicional a esse comando, com confiança cega na justiça divina.

Não havia espaço para contestações, a ordem imperfeita do mundo atendia ao propósito divino, incompreensível para os homens - esse pensamento foi adotado pela Igreja Católica, e predominou até a parte final da Idade Média (MASCARO, 2013).

Ainda que a democracia como sistema de governo tenha sido preterida durante a Idade Média; o debate teórico a cerca de dois de seus valores fundamentais: liberdade e igualdade, permaneceu em curso. COMPARATO (2010) destaca a obra de Boécio, no início do século

(23)

VI, com grande influência no pensamento medieval; sua clássica definição de pessoa8 serviu como premissa para a elaboração do princípio da igualdade; pois, a partir do reconhecimento de uma essência comum a todos, que supera as diferenças biológicas e culturais, formou-se o núcleo da universalidade de garantias, que mais tarde seria denominado como direitos humanos.

Durante a Idade Média foram registrados marcos legais que denotam que a sociedade civil, em certos momentos, pressionava o governante para o reconhecimento de limitações ao poder arbitrário. Dentre eles destaca-se a Carta Magna outorgada pelo rei inglês João Sem Terra, em 1215. COMPARATO (2010) classificou normatização da limitação do poder monárquico como a pedra angular para a posterior construção da democracia, dado que pela primeira vez na história a limitação decorrida da necessidade do governante em respeitar direitos subjetivos dos governados.

A questão que se buscava resolver na transição da Idade Média para a Idade Moderna repousava em como ser governado sem ser oprimido e não necessariamente na necessidade de autogoverno expressada no modelo democrático da Antiguidade (VILANI, 1999, p. 25).

Na transição entre o feudalismo e a formação dos Estados nacionais houve um resgate do pensamento clássico - em especial do pensamento aristotélico, período conhecido como Renascimento. Um dos maiores expoentes dessa corrente é Nicolau Maquiavel, o florentino, que analisou a necessidade de um governo moderado, a fim que o regente pudesse se perpetuar no poder, ele reconheceu que o poder não tem sustentação teológica e que para sua conquista e manutenção deve se ater as vontades dos governados (LEMBO, 2007a) - um conceito primário de responsividade.

Marsílio de Pádua, também deve ser lembrado. O autor das obras Defensor Pacis e Defensor Minor, embasado no pensamento aristotélico, defendeu a autonomia do poder temporal em relação às ordens do papado considerando a sociedade como um todo orgânico no qual o livre arbítrio é a expressão da razão humana, a lei natural - única com natureza coercitiva - decorreria da soberania popular (VILANI, 1999, p. 49, 52).

São Tomás de Aquino, através da Suma Teológica, buscou refinar o pensamento agostiniano, para inserir a visão aristotélica sobre as leis. Ele traçou uma distinção entre as

8 “persona proprie dicitur naturae raticionalis individua substantia” Boécio apud COMPARATO (2015), uma tradução possível é diz-se propriamente pessoa a substância individual da natureza racional, este conceito de pessoa seria incorporado ao pensamento de Santo Tomas de Aquino, na edição de sua Summa Theologiae.

(24)

leis de origem divinas, dividas entre as quem estariam fora do alcance de entendimento humano e as leis naturais; e, ainda, as leis dos homens, que são essencialmente injustas, o que de certa forma contesta o dogma de resignação e fé, propondo em contrapartida o uso da razão e da equidade (MASCARO, 2003).

Uma das reações ao pensamento tomista é a Reforma Protestante que retoma o diálogo agostiniano. LEMBO (2007a) aponta que o modelo deuteronômico9 de governo estabelecido por Calvino guarda relação com os parlamentos democráticos modernos, teria sido a célula da qual viriam a formarem-se, posteriormente, câmaras e a independência das igrejas protestantes, conduziria ao princípio federativo das repúblicas.

SARTORI (1994b) reconhece a importância da experiência puritana, na gênese da democracia moderna. A cisão entre os assuntos da religião e do governo aliada a luta pelo reconhecimento da sua liberdade de consciência religiosa contribuíram para o posterior amadurecimento que dissensão, diversidade e pluralidade de partes são de fato as bases da democracia moderna. A importância do evento, prossegue o autor, reside na alteração do paradigma relativo à unanimidade; antes do movimento revolucionário, a uniformidade e o consenso eram os fundamentos essenciais para formação do Estado; a partir de então, gradativamente, a unanimidade passou a ser suspeita.

A partir dos ideais liberais que reacenderam o debate sobre um regime de governo formado por iguais, retoma-se a questão da res publica, poder exercido segundo o interesse geral e o bem comum apesar de o repúdio à democracia persistir.

O pacto social foi o instrumento utilizado por pensadores Iluministas para justificar a organização civil que fundamentaria o Estado moderno, tendo o indivíduo como fonte de todo o poder, assim, o consenso seria a origem remota que justificaria a soberania (VIERA, 1997).

HOBBES (2003), precursor do pensamento iluminista, desenvolveu uma visão filosófica e racional para justificar o absolutismo, centrando o indivíduo como base de seu pensamento. Segundo o autor as ações humanas são voltadas para a satisfação de seus próprios interesses, e apenas o medo leva os homens a se associarem. Dessa forma, é a fragilidade recíproca que justifica a igualdade. Para o autor o poder político precisa ser absoluto, indivisível e irrevogável. Nessa condição, a fim de obter paz social, os homens abdicam de seus poderes individuais em favor do soberano ou de uma assembleia, como

9 A sistemática adotada por Calvino estava descrita no livro do Deuteronômio, integrante do Testamento Hebreu, deriva dessa referência o nome dado ao sistema. (LEMBO, 2007, p. 24)

(25)

forma de obter a unanimidade necessária. Não se reserva nada ao indivíduo senão o direito de defender a própria vida contra decisões do Estado que a coloquem em risco.

LOCKE (1998), por sua vez, articulou sua teoria do contrato social vigorosamente contra o regime absolutista; para ele o poder é uma condição humana, mas opondo-se a visão aristotélica, defendia que o poder político não é espelho do poder familiar, não se confundindo com o pátrio poder. O poder político derivava de uma troca mútua entre os integrantes da sociedade, que tinha por finalidade garantir direitos fundamentais dentre eles a propriedade privada10, considerada pelo autor anterior a formação da sociedade civil. O pacto social centralizaria na figura do Estado o poder coercitivo, neutralizando os inconvenientes da prática da justiça11 por vias diretas, sem retirar dos indivíduos seus naturais direitos - as demais liberdades deveriam permanecer intocadas. É na obra de Locke que se verifica o esboço da especialização das atribuições do poder pela primeira vez; o Poder Legislativo possuía destaque em comparação com os demais, por considerá-lo o sistema central para o sucesso da sociedade. Aliás, caberia à própria sociedade constituir os representantes que limitariam a atuação do Estado - origem remota do princípio da legalidade. O autor inglês considerava que a distribuição de poderes a melhor maneira de assegurar as liberdades individuais12 que o Estado precisava garantir, além do poder legislativo, identificou outros dois poderes o executivo (dar cumprimento às leis postas, incluindo a atividade jurisdicional) e o federativo (para questões atinentes a relação com outros Estados).

ROUSSEAU (1999), de forma original destaca a necessidade de mitigação do racionalismo puro, na sua visão os sentimentos não podem ser soterrados, sob pena de não se conhecer o homem em sua totalidade. O contrato social foi um marco na retomada do debate sobre o regime de governo ideal, para o autor genebrino o Estado ideal seria formado para a proteção e defesa de seus integrantes e seus bens e para a consecução do bem comum, preservando ao máximo a liberdade de cada um. A liberdade, assim, deixaria de ser natural e passa a ser civil. A associação de todos à coletividade precisava ser plena, a vontade de todos

10 Vieira (1997, 41) aponta que a sociedade civil formada na teoria de Locke é necessariamente uma sociedade de proprietários, logo o direito à cidadania se restringiria essa classe social. E mais, tendo por fim a preservação da propriedade, o Estado não poderia taxar ou instituir impostos sem o consentimento dos proprietários.

11 Locke defende que uma das vantagens do Estado é exatamente a instituição de juízes neutros para apreciar eventuais violações aos direitos naturais, com possibilidade de aplicação de sanções.

12 Os detentores das liberdades individuais, na visão de Locke, seriam estritamente homens, brancos e proprietários. Apesar do discurso sobre a liberdade, a fortuna de Locke se pautava no comércio de escravos africanos para a América do Norte.

(26)

se somaria para formar a vontade geral13 e, assim, cada indivíduo estaria livre do comando de outros para ser subordinado à vontade impessoal do todo.

FERREIRA FILHO (2001, p. 11) explica a proposta de Rousseau, em termos mais simples, a vontade geral desenhada na referida obra não surge sem a participação de todos. A soberania do Estado fundamenta-se na vontade geral cuja expressão, mais que o mero resultado aritmético das manifestações individuais, sintetiza o interesse comum e a vontade nacional.

É importante pontuar que ROUSSEAU (1999) criticou diretamente o sistema inglês de representação política, afirmando que a liberdade do povo inglês era limitada a escolha dos senhores a quem estariam submetidos até as próximas eleições. Embora reconhecesse a dificuldade de implementação de seu exigente sistema, ressaltava que apenas com a participação direta do povo seria possível alcançar a identificação entre governantes e governados e, assim, caminhar para o autogoverno.

Para o ilustre genebrino a legitimidade do governo repousaria na vocação para dar efetividade ao interesse público, pois, apenas dessa forma a vontade geral fundamentaria as leis adotadas pelo Estado. A fim de evitar que o comportamento sedicioso de alguns grupos acabasse por corromper a vontade geral, tornando-a uma vontade particular era preciso evitar o fracionamento dos interesses por grupos de pressão, o autor se opunha terminantemente a formação de facções, associações ou de partidos, que poderiam deturpar a opinião pública e comprometer a vontade geral.

No modelo proposto por ROUSSEAU (1999), há destaque para a figura do legislador14 a quem, desprovido de soberania ou de capacidade para exercício da magistratura, caberia o exercício de atribuição particular e superior: a propositura das leis que deveriam ser submetidas ao povo para que pudessem ser ou não aprovadas, antes de gerar efeitos. Ele não ignorava que as diferenças existentes entre os indivíduos poderiam gerar distorções na formação das liberdades públicas, mas entendia que as desigualdades deveriam ser combatidas para a estabilização do Estado, in verbis,

13 Rousseau explica que a vontade geral em si é o fator que justifica a existência do Estado (na ficção jurídica que a personifica como ente), e que a soberania dela decorrente se faz aplicável a todos na forma da lei. Como decorre da soma de expressões singulares, a própria vontade geral, observada, por um prisma unificador possibilita que cada indivíduo seja ao mesmo tempo soberano e súdito.

(ROUSSEAU, 2000, Livro I, Cap. VIII.).

14 Democracia para Rousseau deveria ser exercida de forma direta, preferencialmente, fato que não o impedia de reconhecer a necessidade de um corpo legislativo, cuja produção deveria ser submetida ao crivo do povo. (Ob. cit., Livro II, Cap. VII)

(27)

Quereis dar consistência ao Estado? Aproximai os graus extremos tanto quanto seja possível; não tolereis nem homens opulentos nem indigentes.

Esses dois estados, naturalmente inseparáveis, são igualmente funestos ao bem comum; de um se originam os fautores da tirania; e de outros os tiranos.

É sempre entre eles que se faz o tráfico da liberdade pública: um a compra, o outro a vende. (ROUSSEAU, Livro II, Capítulo XI)

Insta salientar que embora o autor fosse um entusiasta do modelo de pacto social sediado na participação direta de todos os cidadãos como fundamento do Estado e de sua soberania, concluiu, por fim, que sua aplicação prática não seria fácil, pois, exigiria dos indivíduos uma constante vigilância e coragem, a fim de evitar que os interesses individuais sobrepujassem a vontade geral; um governo tão perfeito conviria apenas a um povo de deuses (ROUSSEAU, 1999, Livro III, Capítulo IV).

Não apenas teorias contratualistas foram utilizadas para justificar a estrutura do Estado e a razão de sua organização. Ao debruçar-se sobre os clássicos tipos de formas de governo, MONTESQUIEU (2000) inovou ao classificar os regimes, desconsiderando o número dos detentores do poder, classificando-os em republicanos ou tirânicos, subdividindo a segunda categoria em monárquicos ou despóticos15, em função da virtude de cada um dos sistemas. O autor francês é o precursor dos fundamentos da democracia representativa, vinculando, na esteira do magistério aristotélico, a prática republicana e a democracia, pelo ponto de contato que possuem em comum: a realização do bem comum a todos. Um governo democrático dependeria da virtude de seus cidadãos, isto é, da capacidade de demonstração de amor à pátria e às leis, de maneira que o interesse coletivo coincidisse com o objetivo final da sociedade16.

A obra O espírito das leis traduz o esforço do barão em encontrar um modelo de governo equilibrado; todavia, da observação das diferentes formas de organização políticas dos Estados, o autor concluiu que o exercício do poder é erodente, tendo diagnosticado uma tendência dos detentores do poder político em abusar de suas atribuições, e que a solução para evitar a corrupção dos governantes repousaria na fragmentação das suas responsabilidades e competências. Em sua proposição, ainda, aliou a separação dos poderes a um sistema de

15 Os governos de natureza republicana têm sua origem no poder exercido pelo povo (ainda que de forma parcial - apenas uma parte seja detentora do poder), enquanto as monarquias são divididas em duas categorias - as limitadas (para quem o autor tece elogios) e as despóticas (alvo das maiores críticas). (ob. cit., Livro II, cap. I).

16 MONTESQUIEU, 2000, Livro IV, Cap. V.

(28)

controles recíprocos entre as distintas esferas de atribuições de cada órgão. Esse modelo, inspirado no parlamento inglês setecentista, foi propagado e assimilado em diversas constituições, após as revoluções burguesas, tornando-se clássica. A teoria de pesos e contrapesos ainda é utilizada na contemporaneidade.

No texto da obra, o autor identificou como virtude fundamental a qualquer regime democrático o amor à pátria pelos integrantes da sociedade, pois esse ânimo a república tenderia a corrupção e a ruína. Assim, os governantes, devem adotar leis que estimulem ao máximo a igualdade entre os cidadãos, visto ser a igualdade, em sentido amplo, o fundamento da democracia17. O filosofo filiava-se favorável à forma de representativa de democracia, por reconhecer no povo a capacidade para selecionar seus governantes e em diversas passagens de sua obra ele assevera tal faculdade. Aliás, outro atributo necessário ao desenvolvimento da democracia, segundo o autor, dimana do exercício do poder sem o uso de violência; todo poder que depende de tal artificio para sua manutenção é tirânico; não apenas a violência física é rechaçada, mas também àquelas práticas que o poder contra o modo de pensar de uma nação18. Há nessa passagem o reconhecimento da opinião pública como fonte imediata de orientação da sociedade.

FERREIRA FILHO (2001) destaca que o triunfo da filosofia das luzes se verifica pelo predomínio de cinco ideias fundamentais que inspiraram as revoluções liberais: o indivíduo, a razão, a natureza, a felicidade e o progresso. As revoluções burguesas disseminaram o ideário liberal para além do continente europeu, marcando de forma indelével a história ocidental. O poder da monarquia deixou de ser absoluto com a adoção sistemática do Estado de Direito (limitador dos poderes do soberano) e o germe do governo republicano moderno cruzou o oceano Atlântico e alcançou as colônias inglesas da América do Norte. Lá a luta pela independência acabou por estabelecer um regime democrático, como reflexo da preponderância da limitação dos poderes, a fórmula estadunidense pautava-se no respeito à rule of the law e a vontade política era formada pela eleição de representantes.

Ainda nesse particular, TOCQUEVILLE (2005) ao estudar os primórdios da democracia nos Estados Unidos, destacou que o princípio da soberania do povo alcançou ali desenvolvimento prático inimaginável; especialmente porque as altas classes se submeteram à nova ordem, procurando obter antes o beneplácito do povo, que com ele se indispor. O autor francês em sua viagem pela América do Norte identificou que o ambiente de relativa

17MONTESQUIEU, 2000, livro III, Cap. V.

18 Ob. cit., Livro XIX, Cap. III.

(29)

igualdade (propriedade e intelecto) favoreceu a organização democrática e o fortalecimento do dogma da soberania do povo. A participação popular alcançada na América do Norte após a Independência não se restringia meramente à eleição de representantes políticos para elaboração de leis; era comum que houvessem reuniões públicas para tomada de decisões em conjunto sobre temas sensíveis a sociedade local, que dessa forma governa a si mesma e justifica a sua organização social19. Contudo, o autor francês também verificou em sua análise sobre o sistema estadunidense fragilidades, em especial, o uso irrestrito do despotismo da maioria pelos dirigentes (que facilmente pode-se identificar com as causas de corrupção do poder), a pouca ou nenhuma garantia contra a tirania da maioria, assim, na eventualidade da decisão da maioria ser tocada de iniquidade muito pouco pode ser feito por quem discordar20; asseverou, por fim, que havia muito mais patriotismo no povo americano que naqueles que os dirigiam - estes últimos preferiam manter-se alinhados com a opinião pública ao invés de adotar posicionamentos impopulares, mesmo que essenciais para o avanço e a melhoria dos hábitos21.

O movimento de independência estadunidense também influenciou os líderes da Revolução Francesa. Após a tomada da bastilha, foram iniciados os trabalhos para formulação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão; cujos preceitos apontavam para a necessidade de formalização de Constituição escrita, a fim de cristalizar instrumento capaz de limitar o uso do poder pelo Estado e reconhecer os direitos fundamentais do indivíduo.

LEMBO (2007a, p. 51-52) ressalta que o texto desta Declaração foi considerado por alguns como inacabado; contudo, é inconteste que o documento de 1789 está marcado pelo racionalismo e individualismo, próprios do Iluminismo francês, e tem como valores fundamentais a liberdade, a propriedade, a exigência de segurança jurídica e a resistência à opressão.

A necessidade de estabelecer um Estado, fundado no direito e na partição do poder, dotava os textos constitucionais de ferramenta adicional para o controle das atribuições do

19 TOCQUEVILLE, 2005, p. 68.

20 Idem, p. 296.

21 O pesquisador francês verificou a “parcimônia” das classes dirigentes com a população, pelo retardamento na adoção de medidas impopulares de combate a comportamentos que lhes eram nocivos. Um dos grandes problemas sociais a época decorria do excessivo consumo de bebidas alcoólicas pela “arraia-miúda”, que poderia ser refreado pela taxação sobre a “aguardente”, mas que por receio de rejeição eleitoral não era implantada. Na ótica dos legisladores de então, era melhor deixar o tempo agir sobre a sociedade, o povo se esclareceria por si só (TOCQUEVILLE, 2005, p.

262).

(30)

governo. O movimento constitucionalista, a fim de permitir a tutela de direitos fundamentais, foi catalisador da organização política do Estado e absorveu a sistemática da limitação recíproca dos poderes. Foi a partir dessa mudança de paradigma que uma nova organização da sociedade22 se consolidou, especialmente, a fim de reconhecer direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem23, e para consolidar a propriedade privada individual.

Deve-se a esse movimento a estruturação do Estado Liberal que sob o império da constituição igualou os indivíduos formalmente, afirmou a autonomia da vontade como pressuposto de liberdade e os indivíduos foram transformados em sujeitos de direitos24. Essas são as bases sobre as quais decorre o desenvolvimento conseguinte da democracia representativa, como regime político.

Ainda, é preciso ponderar que o significado do termo democracia esteve atrelado a tradição filosófica de Platão e Aristóteles, até os séculos XVIII e mesmo XIX, como pontua MACPHERSON (1978); havia, portanto, um (pré)conceito associando o vocábulo ao sentimento que a democracia importava no exercício do governo direto por uma classe social (pobres) que não possuía condição de exercê-lo.

O florescimento da democracia no seu sentido contemporâneo guardou estreita relação com a adequação estadunidense sobre as bases históricas da democracia direta, nas palavras de Abraham Lincoln, em discurso proferido em Gettysburg, democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo. O viés individualista imantado ao conceito de povo o revestiu de sentido preponderantemente político, e não mais de classe. O exercício da cidadania foi atrelado ao direito subjetivo de integrar o corpo eleitoral. A operação eleitoral para escolha de representantes, mecanismo central na democracia representativa, tornou viável a aceitação do regime político democrático em sociedades e estados de maior magnitude populacional e territorial que as cidades-estados gregas da antiguidade.

Convém ponderar a crítica de KELSEN (2000) ao conceito povo, que seria mera ficção jurídica para unidade dos atos individuais regulados e dirigidos pelo direito do Estado.

A participação limitada aos detentores de direitos políticos, distancia-se do conceito amplo povo. Por mais inclusivo que seja o direito ao sufrágio ele nunca abrangerá a totalidade dos

22 Durante a Renascença o dinheiro, a propriedade mobiliária e o tempo são os elementos fundamentais para o progresso individual, em especial, porque há uma nova consciência sobre o valor do trabalho. (LEMBO, 1999. p. 140).

23 Preâmbulo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1789. (SIEYÈS, 2015. p. 107).

24 Há no termo sujeito de direito mais que a mera identificação do indivíduo, nele se insere a submissão ao Estado, a subordinação às leis, possibilidade de constituição de subjetividades, mediante atribuição de garantias jurídicas e políticas. (MASCARO, 2013. p. 14).

(31)

indivíduos submetidos ao mando estatal (sempre houve impeditivos como menoridade, capacidade cognitiva ou relativas a nacionalidade).

CAGGIANO (1987) observa que conquanto o princípio da democracia representativa implique na integração do povo ao processo de formação da decisão política, ainda que apenas pela seleção dos agentes políticos; a normatização desse direito, via de regra, implicava em limitações25 do número de detentores do direito de sufrágio, e que a pressão popular se encarregou de reduzir ao correr dos tempos, até a universalização do direito de sufrágio.

A natureza jurídica dos mandatos eletivos guardava, inicialmente, estreita semelhança com a figura homônima do direito civil, impondo ao representante direta subordinação à vontade de seus mandatários (eleitores) e restringia a possibilidade de representação aos assuntos elencados nos chamados cahiers de doléances (LEMBO, 2007a). Essa forma de representação26 foi denominada como mandato imperativo, os poderes outorgados aos representantes eram limitados, condicionados; qualquer tema além da esfera do mandato demandaria nova consulta à base eleitoral.

A mudança dessa interpretação atribui-se ao engenho do Abade Sieyès durante a Revolução Francesa, pois as negociações sobre diversos temas, que antecederam a Declaração dos Direitos do Homem, não avançavam porque os representantes possuíam estritos poderes ligados a certa parcela da população. O Abade, apoiando-se na doutrina da vontade geral de Rousseau, transmutou o significado da representação, forjando novo sentido sem as amarras condicionantes do mandato imperativo. Para ele os representantes precisavam estar desvinculados da vontade direta dos mandatários, e livres para pensar os interesses da nação, mesmo que isso importasse em contrariar a determinação inicial daqueles que o elegeram, pois, só assim poderiam deliberar para consecução do bem comum (SIEYÈS, 2003). A adoção da forma de governo republicano operacionalizada por intermédio da representação

25 Entre as técnicas de restrição ao direito de sufrágio CAGGIANO (1987) elenca: voto censitário implica na adoção de barreiras com base na fortuna pessoal; alijamento em razão da capacidade eleitoral, isto é, exigência de escolaridade mínima para o exercício do voto. A essas acresce-se, ainda, as restrições ao direito de sufrágio decorrentes da distinção de gênero, de raça e credo.

26 FERREIRA FILHO (2015, p. 66) refere-se ao mandado imperativo como representação-expressão, é limitada a capacidade de representação à temática da convocação; da mesma forma que a ação do representante deve espelhar as instruções de quem o designou, tão somente; A atuação do representante é remunerada pelo próprio representado, que pode exigir prestação de contas e destituir o representante a qualquer momento.

(32)

política da nação, como pensada pelo Abade, possibilitou que a disseminação do mandato representativo irrestrito se alastrasse com rapidez, tornando-se a regra geral.

FERREIRA FILHO (1972) aponta a discrepância de posições adotadas por Rousseau e Sieyès, pois o primeiro defendia um modelo de democracia que favorecia a participação de todos de forma direta; enquanto o segundo é o teorizador da representação política que desvincula os representantes da base eleitoral, para fixá-los em interesses da nação in abstrato; o objetivo do segundo posicionamento, antes de prestar um serviço a democracia, era afastar ao máximo o risco de ser o povo constituído como classe dirigente e garantir na república um elemento aristocrático: o governo dos mais capazes.

MILLS (1942) reconhecia que em cada partícipe do povo residia parcela da soberania, e ante a impossibilidade de participação pessoal, a saída necessária seria a escolha de representantes; contudo, em sua obra Sobre a Liberdade, reporta que mesmo um governo de base democrática, regularmente eleito poderia ser fonte de tirania e opressão; isto porque os governantes não constituíam e nem representavam a totalidade do povo, mas, senão, uma pequena maioria; concluindo que o significado prático de self-governament limitava-se ao governo de cada qual por todo o resto.

O sistema de representação política sofreu muitas críticas, em especial, que a vontade não admite representação; e a constatação que a liberdade do direito de voto seria limitada a escolha de representantes, imperando a servidão do povo no restante do tempo - ambos argumentos extraídos da obra O Contrato Social, de Rousseau.

KELSEN (2000) ponderou que para que a representação não se tornasse mero instrumento de legitimação de poder, e para que a soberania popular fosse preservada, seria necessária a adoção de medidas que permitissem a maior participação dos reais detentores do poder na formação da vontade do Estado, a fim de aperfeiçoar o sistema. Para o autor austríaco a solução residiria na adoção de partidos políticos, com projetos de governos específicos, assim, ao eleger um mandatário, o indivíduo faria simultaneamente a escolha por uma plataforma governamental. Para que esse sistema pudesse ser funcional seria preciso haver um vínculo entre o candidato e o partido. O conceito de democracia por partidos distancia-se diametralmente do modelo proposto por ROUSSEAU (1999); para quem os partidos políticos ou quaisquer outras associações focadas em interesses específicos deturpariam a formação da vontade geral; pois, ao se associarem, os indivíduos formariam vontades parciais, ligadas a interesses privados e distintas do bem comum.

(33)

Aliás, o conceito de unanimidade associado implicitamente a ideia rousseauniana de vontade geral27 não é reproduzido na democracia liberal, pois, como SARTORI (1994b, p. 49) destaca a segunda encontrou fundamento na dissensão e na diversidade, como forma de construir um sistema político - e jurídico - a partir do consenso discordante28. Ademais, em comparação ao sistema da democracia direta, a democracia representativa não exige a permanente mobilização da sociedade civil para a tomada de decisões: o Estado deve servir ao cidadão, as leis são produto dos posicionamentos adotados pelos representantes, para preservação dos interesses nacionais.

A transição entre a modernidade e a Idade Contemporânea tornou evidente a necessidade de limitação do poder dos dirigentes; justapôs-se às fórmulas rule of the law, e check and balances a imperiosa necessidade de participação popular na escolha da classe dirigente; controles abrigados na dinâmica constitucional.

1.2 A Democracia Contemporânea

O Direito age como vetor para concreção da democracia, uma vez é sob a proteção da lei que se assegura um ambiente em que os princípios de liberdade e igualdade possam ser exercidos. BOBBIO (1993, p. 18) classifica esse regime político como a resposta contra todas as formas de governos autocráticos, uma vez que nele todo grupo social é convocado a tomar decisões vinculatórias, em especial para definir quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com quais procedimentos.

A febre democrática é fenômeno que não pode ser ignorado e que no último quarto do século XX alastrou-se por todos os continentes, com o franco estímulo estadunidense (WOOD, 2007). Muitos países recém-formados (leste Europeu, África) adotaram regimes

27 Rousseau afirma que intimamente cada indivíduo reconhece o bem comum para a sociedade, e a vontade geral decorreria da expressão dessas vontades, cuja unicidade daria a vontade geral os atributos de indestrutibilidade e soberania (ROUSSEAU, 1999)

28 O autor explica que ao contrário do antigo culto a uniformidade e unanimidade como único caminho para a manutenção da organização social; as democracias modernas entenderam que há espaço para a dissenção, a diversidade e as partes (que se transformaram em partidos) sem comprometer a ordem social e o bem-estar do organismo político. Dessa forma a democracia representativa incorporou o princípio de que a diferença, e não a uniformidade, é a levedura e o alimento dos Estados.

Referências

Documentos relacionados

• Não coloque humidificadores ou outros artigos que possam fazer subir a humidade nos compartimentos onde as configurações da instalação estão a ser utilizadas. Os

[r]

As três formas de definir números reais, como exposta anteriormente, “configura uma inversão de rota que entra em conflito com o processo que se desenvolve na

Este experimento investigou o fenômeno da Assimetria Sujeito-Objeto em frases do Português brasileiro utilizando-se a técnica de eyetracking (rastreamento ocular), com

 O orientador somente poderá indicar candidatos à seleção de bolsas para o PIBIC/CNPq/Embrapa Amazônia Oriental, que tenham realizado algum tipo de estágio e sem reprovação

Por seu lado, o ato ilocutório de aviso apresenta como conteúdo proposicional <acontecimento ou estado futuro E> e este ato ilocutório apresenta como condição essencial

Por outro lado, a conservação de rema- nescentes de Mata Atlântica do sudeste da Bahia até o limiar do terceiro milênio deve-se, quase que exclusivamente, ao método utilizado para

Mas para algumas pessoas, que pensam em termos mais formais, é muito importante entender o que é e o que não é parentesco, e isso é parte de um tipo diferente de projeto, que não