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Rev. adm. empres. vol.45 número4

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Academic year: 2018

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PENSATA • APRESENTAÇÃO

1 0 6 •©RAE • VO L. 4 5 • N º 4

APRESENTAÇÃO

Por Thomaz Wood Jr.

Professor da FGV-EAESP

E-mail: twood@fgvsp.br

A pensata de Laurent Lapierre, pu-blicada nas páginas seguintes desta

edição da RAE-revista de

administra-ção de empresas, é um manifesto e um

panfleto. Isso, entretanto, não a tor-na menos merecedora de atenção. O conhecido professor da HEC de Mon-treal exprime uma sensação que se torna mais e mais comum: o descon-forto com o avanço da linguagem e dos princípios de gestão empresarial além do mundo corporativo, por to-das as dimensões da vida humana, e a insatisfação com o papel das esco-las de gestão nesse processo e na for-m ação d e qu ad ros p rofission ais. Lapierre fala de resistência e recusa, e toma como inspiração a “Revolução Tran qü ila”, movimen to de massa, ocorrido na província de Quebec nos anos 1960, que liberou a sociedade do jugo da religião e mudou profunda-mente as relações sociais e as insti-tuições.

O autor também critica o modelo de professor sem vivência prática, que vive cercado de teorias herméticas, e chama a atenção para o fato de ser a profissão de gestor uma das únicas que se pode ensinar sem jamais tê-la praticado, condição que certamente seria inconcebível na medicina, advo-cacia e até mesmo nas artes. Ele de-monstra seu desgosto com o modelo de escola de pesqu isa, isolada do mundo real, a incentivar seus pesqui-sadores a desenvolver trabalhos de

grande rigor e pouca relevância, des-tinados unicamente a serem veicula-dos em revistas especializadas e orien-tados para uma comunidade compos-ta exclusivamente por outros pesqui-sadores.

Lapierre é mais uma voz conheci-da a se manifestar contra o estado conheci-das coisas nas escolas de negócios. De fato, uma permanente crise de iden-tidade parece cercá-las desde o seu surgimento, no final do século XIX.

O observador pouco atento que folhear as páginas das revistas de ne-gócios provavelmente chegará à con-clusão de que se trata de um campo forte e vibrante. Certamente não pas-sarão despercebidos os anúncios de programas executivos e MBAs prome-tendo “a chave para o futuro”, “um verdadeiro processo de transformação pessoal” ou a “porta de entrada para o seleto grupo de profissionais globa-lizados”. De forma análoga, aquele que examinar sem se aprofundar as revis-tas e os congressos científicos prova-velmente colherá a impressão de vigor e crescimento.

Entretanto, nos últimos anos, o coro crítico tem incluído nomes acima de qualquer suspeita, tais como Henry Minzberg, Jeffrey Pfeffer, Warren G. Bennis e Sumantra Ghoshal. Ou seja, não se trata de críticas originadas de correntes alternativas ou minoritárias. Elas vêm da própria corrente central da academia internacional.

Cabe notar que o grupo de críticos não é monolítico. De um lado, con-centram-se críticas ao modelo de en-sino, que seria ineficaz, e até desas-troso, na formação de gerentes. Os propositores de tal perspectiva, que tem como foco os MBAs, advogam que tais programas formam “atores” prontos a reproduzir discursos e se-duzir platéias corporativas, porém incapazes de realizar trabalho real. Alguns defendem que o impacto de um programa de um MBA sobre a car-reira profission al é pífio ou n u lo. Outros mencionam a influência per-versa que os programas têm sobre os valores dos estudantes, levando-os a práticas excessivamente instrumentais e voltadas para o curto prazo, temerá-rias e de impacto social negativo.

Tais críticas são complementadas pelos representantes dos Estudos Crí-ticos em Gestão e da Educação Crítica em Gestão. Os pesquisadores filiados a tais correntes centram seu foco na visão dominante da educação como negócio e na excessiva “mercadoriza-ção” do ensino de gestão. Eles criti-cam ainda a transformação do aluno em cliente e espectador, a propensão a modas e modismos e a incapacidade do ensino em dar conta da complexi-dade do mundo corporativo atual.

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THOM AZ WOOD JR.

e aprendizado, e seu modelo subja-cente de professor, quanto a questão dos valores. Sua contribuição se soma

a outras iniciativas da RAE-revista de

administração de empresas, que vem

publicando há alguns anos artigos e ensaios tratando do tema.

O Brasil, como se sabe, vem re-produzindo de forma peculiar o fe-nômeno do crescimento da educa-ção em gestão. Na década de 1990, em particular, houve uma explosão de program as de gradu ação e de edu cação execu tiva. Em paralelo, cresceu também espetacularmente o número de eventos e de publicações científicas. São notícias positivas, que não devem, entretanto, ser vistas sem reservas.

No âmbito da educação em gestão, a diversidade e a criatividade propi-ciaram o surgimento de alguns pro-gramas sérios e inovadores, porém ainda pequenos e de repercussão mo-desta. De forma geral, o crescimento se deu pela ampliação dos programas de graduação, uma opção peculiar e duvidosa, e pelo crescimento dos pro-gramas executivos.

Alguns observadores percebem as escolas brasileiras como dutos perfei-tos colocados após o funil do vestibu-lar. Tais dutos não interferem de for-ma algufor-ma no conteúdo (os alunos), mas apenas os conduzem até a saída, quando serão eventualmente sociali-zados, “adestrados” e capacitados

pe-las empresas, por meio de programas

de trainees ou iniciativas similares. As

escolas privadas são, em geral, primi-tivas, em função da preparação restri-ta dos professores, da prática de car-gas excessivas de aula, da ausência de projetos pedagógicos consistentes, da falta crônica de renovação do conteú-do e da inexistência de um “contrato de aprendizagem” entre professores e alunos. Em função dessa última condi-ção, permanece uma relação frágil, na qual um grupo vê o outro como opo-nente, e que dificulta a aprendizagem. As escolas públicas, por sua vez, enfren-tam problemas crônicos de má gestão e “esclerose”, muitas delas constituindo arenas políticas imobilizadas pela força de alguns grupos de interesse e incapa-zes de mudar ou avançar.

No campo da formação executiva, a sigla MBA se transformou em em-balagem sem substância. Para viabi-lizar comercialmente seus modelos, as instituições promotoras parecem re-correr a uma curiosa mistura, que contempla padronização de conteú-dos, aulas-shows (para entreter os alunos-cliente), palestras com profis-sion ais de mercado e “atividades lúdicas”.

No âmbito da pesquisa e publica-ção, o Brasil caminha pela metade da década de 2000 como iniciou a déca-da de 1990. Apesar do crescente vo-lume produzido, nossa pesquisa con-tinua periférica, pouco rigorosa e

tam-bém pouco relevante para a prática gerencial. São notáveis os esforços para o desenvolvimento metodológi-co, porém são ainda tímidas as inicia-tivas voltadas para a questão da rele-vância. Com isso, as publicações in-ternacionais de autores locais conti-nuam praticamente zeradas (sinal de baixo rigor) e o impacto sobre a prá-tica local mantém-se restrito a casos esporádicos (sinal de baixa relevân-cia). Nossa pesquisa é sustentada pe-los fatores criticados por Lapierre e outros autores. Na verdade, apenas servem o propósito de alimentar a carreira dos próprios pesquisadores.

Tanto no plano internacional quan-to no plano local, a disseminação de perspectivas críticas não tem sido su-ficiente para provocar grandes mudan-ças. Até aqui, a lógica comercial res-trita que move a gestão das escolas e a lógica instrumental, igualmente restri-ta, que move a produção científica têm prevalecido. De fato, parece haver um grande esforço para consolidá-las. En-quanto isso, o país real permanece mal gerido, pouco competitivo e incapaz de fazer frente a sua própria realidade. Se simpatizarmos com man ifestos como o de Lapierre, devemos, como primeira medida, nos esforçar para compreender nosso estranho “siste-ma imunológico”, que nos “siste-mantém atados a nossos pequenos ciclos vicio-sos, nos impedindo de perceber a rea-lidade ao redor.

Referências

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