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CONGRESSO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO CONPEDUC 2017 Política e Educação: desafios contemporâneos ISSN X

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Academic year: 2021

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CONGRESSO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO – CONPEDUC 2017 Política e Educação: desafios contemporâneos

ISSN 2179-068X

Universidade Federal de Mato Grosso – Campus Universitário de Rondonópolis 10 a 13 de outubro de 2017

FORMAÇÃO, ATUAÇÃO PROFISSIONAL E EXPERIÊNCIAS DE UMA PROFESSORA NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: saberes que se entrelaçam, e seus condicionantes, em uma escola quilombola de Mato Grosso

Suely Dulce de Castilho (PPGE/UFMT) – castilho.suely@gmail.com1 Silvana Alves dos Santos (PPGE/UFMT) – silvanaalvessantos@hotmail.com2

Resumo:

Este trabalho apresenta resultados parciais de uma pesquisa realizada com professores atuantes na Escola Quilombola Reunidas de Cachoeira Rica, localizada no quilombo Itambé/Chapada dos Guimarães-MT. Objetiva-se conhecer os saberes e fazeres dos professores da área de Linguagem, Códigos e suas Tecnologias no contexto da educação escolar quilombola. A pesquisa se insere na abordagem qualitativa, recorrendo-se à entrevista semiestruturada e à observação participante. Os dados aqui reportados advêm das narrativas de uma professora e da observação realizada em cinco aulas de língua portuguesa. Os resultados apontam particularidades a comprometerem o processo ensino-aprendizagem: condições estruturais, falta de formação continuada, descaso do Estado e as carências de recursos didáticos, precarizando o processo educativo.

Palavras chave: Educação quilombola. Práticas pedagógicas. Linguagem. Formação

de professores.

1 Introdução

Este trabalho apresenta os resultados parciais de uma pesquisa realizada com professores que atuam em uma Escola Quilombola localizada na comunidade Cachoeira Rica/Chapada dos Guimarães/ MT. Objetiva-se conhecer os saberes e fazeres dos professores da área de Linguagem, Códigos e suas Tecnologias no contexto da educação escolar quilombola. Também compreender a percepção deles no que respeita aos processos afeitos ao domínio de conteúdo e às metodologias de ensino

Assim, como para toda sociedade, a educação formal tem um papel essencial na vida dos moradores dos quilombos contemporâneos, contudo, essa parcela da população deseja uma escola sua, da comunidade, onde suas diferenças sejam observadas e respeitadas. O que diferencia uma escola quilombola de uma escola regular é o respeito à cultura e à história do local. Todavia, infraestrutura, formação

1 Professora Doutora no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade

Federal de Mato Grosso

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de professores e currículo próprio ainda são desafios que necessitam urgentemente ser superados.

O dilema de ontem ainda é o de hoje: como fazer com que leis tão progressistas se realizem na prática? Atualmente, contamos com muito mais controles sociais que os africanos e abolicionistas brasileiros do início do século 10. As organizações populares, os meios de comunicação e um governo formalmente comprometido com a democracia fazem com que as pressões para a realização dos direitos quilombolas sejam muito maiores hoje. Mas ainda assim, vivemos uma situação de insegurança dos direitos, isto é, uma situação na qual não temos certeza de que tais direitos serão efetivados (ARRUTI, 2008, p, 21).

Diversos estudos, como os de Castilho (2011), Ferreira (2015) e Carvalho (2016), apontam que as escolas inseridas em comunidades quilombolas enfrentam inúmero desafios para atender com qualidade seus alunos. Alta rotatividade de professores, pouca infraestrutura, baixo número de docentes quilombolas e dificuldade de implantação efetiva das diretrizes curriculares são problemas presentes. Grande parte desses entraves são comuns aos enfrentados por outras instituições de ensino localizadas em locais remanescentes de quilombos em todo o Brasil.

Os alunos quilombolas continuam sendo excluídos do direito de compartilhar um currículo escolar que considere suas lutas e abarque seus direitos à terra, ao território, à igualdade, às diferenças, às suas memórias, culturas e identidades étnicas. Além de que estão relegados a frequentar escolas, sem estrutura física adequada, e demais condições favorecedoras da construção do conhecimento; caminham longas distâncias a pé, ou em transportes precários, passam fome por falta de merenda escolar, em suma, lutam com forças super-humanas, na tentativa de obter êxito no processo de escolarização e, finalmente, poder “mudar de vida”. Mas, sabemos que tipo o de escolarização que lhes é oferecido está longe de concretizar esse sonho (CASTILHO, 2015, p. 15)

Lanchert e Oliveira (2013), nos adverte que a falta de preparo dos órgãos públicos municipais e estaduais, como por exemplo as Secretarias de Educação para implementar as políticas federais, garantindo a efetiva operação nas comunidades, é um dos obstáculos para efetivação das ações de valorização e reconhecimento dessas comunidades nas diversas esferas políticas. “É preciso apontar que existe um hiato entre o que propõe as políticas públicas aqui descritas e a situação local de alguns grupos quilombolas do país” (LANCHERT E OLIVEIRA, 2013, p.50).

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Esta educação, profundamente vinculada às matrizes culturais diversificadas que fazem parte da formação da nossa identidade nacional, deve permitir aos alunos respeitar os valores positivos que emergem do confronto dessas diferenças, possibilitando-lhes ao mesmo tempo desativar a carga negativa e eivada de preconceitos que marca a visão discriminatória de grupos sociais, com base em sua origem étnica, suas crenças religiosas ou suas práticas culturais. Só assim a escola poderá, levando em consideração as diferenças étnicas de seus alunos, reconhecer de forma integral os valores culturais que carregam consigo para integrá-los à sua educação formal (MOURA, 2005, p. 76).

Para Moura (2016), implantar um currículo capaz de responder às especificidades aqui apontadas e, ao mesmo tempo, escapar das armadilhas que nelas se encerram, imprime a necessidade de que os professores recebam uma formação que os capacite a lidar com as questões educacionais.

Segundo a autora, só a partir da formação de professores capacitados a criar, levantar possibilidades, inventar novas situações de aprendizagem em sala de aula, frente à especificidade do contexto em que conduz o processo de ensino-aprendizagem, imbuídos do sentido de sua profissão e de sua responsabilidade na sociedade, poder-se-á desenvolver um processo escolar de educação consoante à realidade sociocultural brasileira.

Esse contexto suscita alguns questionamentos, entre eles: Quais saberes os docentes da área de linguagem mobilizam em suas práticas pedagógicas, no contexto da educação escolar quilombola, de modo a transitar entre os saberes identitários e culturais locais e saberes globais? Que tipo de formação esses profissionais vêm recebendo para desenvolver um trabalho que abarque a diversidade e contemple as especificidades exigidas por essa modalidade de educação?

Os argumentos reunidos neste texto estão organizados em cinco partes. Esta introdução, que apresenta a problematização do tema, os objetivos e as perguntas da pesquisa. A segunda parte discorre brevemente sobre a comunidade pesquisada e os procedimentos metodológicos de coleta de dados. Já a terceira discute alguns conceitos importantes sobre os pressupostos de uma educação para a diversidade. Por sua vez, a quarta parte apresenta as vozes do sujeito da pesquisa e esboça algumas análises. Por fim, a última parte, traz as considerações a respeito do que foi tratado no texto em seu conjunto.

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2 Lócus da Pesquisa e esclarecimentos metodológicos

A escola está situada na comunidade quilombola de Itambé, que por sua vez compõe o território denominado de Reunidas de Cachoeira Rica o qual agrupa, além destas mais cinco comunidades Quilombolas: Aricá-Açú, Cachoeira do Bom Jardim, Cansanção, Lagoinha de Cima, Lagoinha de Baixo. De acordo com relatos orais de membros mais antigos da comunidade, o movimento em prol de reconhecimento do espaço como território quilombola, foi encabeçado pela Associação de Pequenos produtores Rurais do Ribeirão do Itambé. A área reivindicada junto ao Incra para regularização abriga aproximadamente 220 famílias.

Em 2004, depois de muita luta, finalmente Comunidade de Cachoeira Rica foi submetida a um estudo elaborado pela Fundação Cultural Palmares que confirmou haver na comunidade, moradores que descendem de pessoas que foram escravizadas e que trabalharam em fazendas da região entre os séculos XVIII e XX, e que ainda residem no lugar, de forma ininterrupta, há muitos anos. Assim, todas as seis comunidades estudadas pela Fundação Cultural Palmares foram certificadas como território quilombola em 2005 e 2009.

A Escola Estadual Reunidas de Cachoeira Rica está localizada na Comunidade Itambé, as outras cinco comunidades estão situadas em torno dela. O processo de implantação da unidade de ensino se deu por meio do Decreto lei n° 274 de 26 de maio de 1939, tendo como primeiro nome Escola Rural Mista de Baús, que trabalharia a princípio apenas com as séries iniciais do ensino fundamental (1ª a 4ª série). Aos alunos que concluíam a 4ª série, restavam duas opções, ou continuavam na comunidade sem dar continuidade aos estudos, submetendo-se ao trabalho no garimpo com os pais, ou se mudavam para o município de Chapada dos Guimarães para dar continuidade aos estudos na Escola Evangélica de Buriti, sendo na época a única escola que existia desde 1923.

A partir da década de 80 a escola recebe nova denominação, passando a se chamar Escola de 1° Grau Reunidas de Cachoeira Rica. Em 2011 a escola passa e ser caracterizada pela Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso – SEDUC/MT, como Unidade de Ensino de Educação Escolar Quilombola, desse

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processo, surge à necessidade de reorganização do currículo escolar com vista à inclusão de disciplinas e práticas para subsidiar a abordagem das temáticas e das questões quilombolas, compreendida como parte integrante da cultura e do patrimônio afro-brasileiro, cujo conhecimento é imprescindível para a compreensão da história, da cultura e da realidade da comunidade local.

Sobre os aspectos físicos e estruturais, a Escola reunidas de Cachoeira Rica, atualmente conta com 08 (oito) salas de aula, equipadas com cadeiras escolares, quadro branco e ventiladores de teto; 01 (uma) sala destinada para a Direção Escolar com dispensa para material pedagógico e banheiro; 01 (uma) sala destinada para a Secretaria Escolar; 01 (uma) sala destinada à Biblioteca; 01 (uma) sala destinada à Coordenação Pedagógica/sala de professores com banheiro; 01 (uma) sala destinada para o Laboratório de Informática; 01 (um)Refeitório com mesas de assento embutido; 01 (uma) Cozinha com dispensa e área de serviço e 01(uma) quadra poliesportiva sem cobertura.

A escola atende aproximadamente 218 estudantes, nos seguintes níveis de ensino: educação infantil, ensino fundamental, e ensino médio regular e EJA, sendo que em todos esses níveis e modalidade funcionam no regime multisseriado. Os níveis e modalidade de ensino estão distribuídas entre a Escola “Sede” e vinte e 08 salas anexas distribuídas em 03 comunidades rurais.

Metodologicamente, a entrevista semiestruturada e a observação participante foi a principal ferramenta utilizada para coletar os dados apresentados no presente texto. A observação foi realizada na Escola Estadual Reunidas de Cachoeira Rica, entre os dias 04,05,08 e 09 de maio de 2017. No total foram observadas 05 aulas de língua portuguesa, com duração de 45 minutos, ministrada pela professora que aqui chamaremos de Dalva.

Foi assinado pela professora, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual ela autoriza a gravação da entrevista e das 05 cinco aulas. Todas as aulas mencionadas, foram gravadas com auxílio de uma filmadora e algumas situações foram registradas em um caderno de campo, para que posteriormente pudéssemos recorrer as anotações e as filmagens a fim de esclarecer possíveis dúvidas.

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Segundo André (2012), a observação é chamada de participante porque parte do princípio de que o pesquisador tem sempre um grau de interação com a situação estudada, afetando-a e sendo afetada por ela. As entrevistas têm a finalidade de aprofundar as questões e esclarecer os problemas observados. O roteiro de entrevista semiestruturada procurou conhecer os saberes docentes e as práticas pedagógicas desenvolvida pela professora que ministra a disciplina de língua portuguesa.

A análise das narrativas está alicerçada na técnica da análise de conteúdo proposta por Bardin (1995), em observância à postura interpretativa encampada por Geertz (1989). Para a primeira autora, a análise de conteúdo se constitui de várias técnicas onde se busca descrever o conteúdo emitido no processo de comunicação, seja ele por meio de falas ou de textos. Para o segundo autor, não se pode interpretar ou generalizar “pela superfície”, mas, sim, buscar os significados dentro da determinada cultura, levando em conta todas as características existentes na comunidade, pois quanto mais densa for a descrição, mais meios se obterão para legitimar as teorias.

A professora que ministra a disciplina de língua portuguesa tanto no ensino fundamental quanto nas turmas de ensino médio é contratada, ou seja, não é concursada. Convém ressaltar, que a professora aqui mencionada e a única docente que ministra a disciplina de língua portuguesa, espanhol e arte na escola pesquisada. A Professora Dalva tem 45 anos, se declara negra, é quilombola, sendo natural de Cachoeira Rica, possui duas graduações, sendo a primeira delas Letras-português/espanhol e a segunda pedagogia, possui ainda, duas especializações. É casada há mais de 22 anos, tem uma única filha, e iniciou seu trabalho como docente na Escola Estadual de Cachoeira Rica em 1996.

3 Ambivalências no processo de inclusão e exclusão na educação: caminhos a percorrer

Para garantir uma educação realmente inclusiva e com qualidade é necessário a construção de um projeto compartilhado por todos, que, simultaneamente, contemple e respeite as diferenças e as particularidades de cada indivíduo. Nesse sentido, a educação precisa ser compreendida como um direito fundamental, que

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necessita ser garantido a todos e todas sem qualquer distinção, promovendo a cidadania, a igualdade de direitos e o respeito à diversidade sociocultural, étnico-racial, etária e geracional, de gênero e orientação afetivo-sexual.

“[...] A inclusão é a garantia, a todos, do acesso contínuo ao espaço comum da vida em sociedade, uma sociedade mais justa, mais igualitária, e respeitosa, orientada para o acolhimento a diversidade humana e pautada em ações coletivas que visem a equiparação das oportunidades de desenvolvimento das dimensões humanas (MONTEIRO, 2001, p. 1).

Para Bertotti e Simões (2016), o debate entre a questão da diversidade, da alteridade e do papel assumido pela escola, em referência ao ensino num contexto multicultural, tem-se ampliado nos últimos anos em decorrência dos estudos relacionados à construção de um currículo e de uma linguagem que desmistifique visões eurocêntricas do conhecimento escolar.

Segundo os autores, ainda que se perceba uma crescente preocupação por parte das escolas brasileiras em reconhecer a multiplicidade de vozes e sujeitos presentes no espaço educativo, a prática pedagógica ainda permanece alicerçada em práticas de ensino que ocultam ou desvalorizam as condições de vida de grupos sociais minoritários e/ou marginalizados, tornando-se um espaço que pode ser retratado como opressor, injusto excludente.

Neste sentido os estudos de Silva (2007), apontam que tais práticas:

Tem propiciado a formulação de representações que desvalorizam os diferentes, aqueles que não se encaixam nos padrões difundidos pela referida visão unitária. Tem propiciado representações que geram, junto aos diferentes, tidos como não iguais, percepção de inferioridade que lhes seria inata e quase sempre incorrigível (Silva, 2007, p. 496).

Silva (1993, 2002, 2007), reitera que apesar da pauta sobre diversidade só ter entrado nas discussões educacionais a partir da década de 90, o assunto é bem antigo e acompanha a história de luta por isenção cidadã na sociedade, empreendidas por indígenas, negros, sem-terra, empobrecidos, outros marginalizados pela sociedade. O Brasil, como outras sociedades ocidentais se descobre multicultural quando os oprimidos, que alguns designam como “minorias inúteis”, reagem (SILVA, 2007, p. 498).

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Segundo Arroyo (2010), ao pensamento sócio pedagógico mais crítico das últimas décadas deveríamos ter levado as análises das desigualdades educacionais para além dos supostos determinantes intraescola e intrassistema, para os determinantes sociais, econômicos, políticos, culturais, de gênero, raça, etnia, campo, periferia.

Avançando até as determinações dos padrões de poder, trabalho, acumulação, concentração-exclusão da terra e da renda. Sabemos mais sobre como esse conjunto de desigualdades históricas condiciona as desigualdades educacionais. Análises demasiado incômodas para a paz das instituições educativas gestoras e formuladoras de políticas, de avaliações e de análises. Nas últimas décadas avançamos em mostrar essas estreitas relações entre desigualdades. Um avanço de extrema relevância (ARROYO, 2010, p. 1383).

Contudo, o referido pesquisador assegura que essas análises não conseguiram sensibilizar órgãos gestores, de planejamento, formulação de políticas e de avaliações. O foco continua fechado na exposição das desigualdades escolares e na denúncia dos fatores intraescolares como responsáveis pela sua persistência. O foco estreito continua responsabilizando os professores e até os próprios educandos.

Para Arroyo (2010), as pesquisas e análises sérias que apontam outras causas mais determinantes, inclusive intrassistema escolar, são ignoradas. Como não são levadas a sério pesquisas que mostram o papel histórico do próprio sistema, a reprodução das desigualdades, sobretudo, são ignoradas as análises e pesquisas que mostram o peso determinante das desigualdades sociais, regionais, raciais, sobre as desigualdades escolares na formulação de políticas, na sua gestão e avaliação.

4 Percepção da professora de língua portuguesa sobre suas práticas docente: Os impactos da falta de formação e da precariedade das condições de trabalho.

A educação escolar quilombola é uma modalidade de educação que imprime respeito aos modos de ser de cada comunidade, aos seus aspectos culturais e identitários seus valores e práticas sociais, em diálogo com as grandes mudanças e transformações cotidianas que ocorrem.

Exigências éticas, epistemológicas, pedagógicas desencadeadas pela implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (BRASIL, 2004a, 2004b) instigam

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conhecer, esquadrinhar condições, contextos, redes de relações em que as mulheres e os homens, ao longo da história da nação, vêm aprendendo e ensinando a exercer cidadania (SILVA, 2006, p. 489).

Para que a escola consiga atender os anseios e as expectativas dos alunos das comunidades quilombola, se faz necessário, mais que simplesmente abrir as portas da escola e ofertar vagas, é primordial que, além de respeitar e valorizar a contribuição destes agentes na formação da sociedade brasileira, deve ainda, como afirma Castilho (2011), problematizar as relações raciais existentes na sociedade brasileira.

Diante desses pressupostos, o papel da Educação Escolar Quilombola é mediar o saber escolar com os saberes locais, advindo da ancestralidade que formou a cultura do segmento negro no Brasil. Durante o tempo que permaneci na escola Estadual Reunidas de Cachoeira Rica, foi possível perceber o esforço do corpo docente e da equipe gestora para implementar as Diretrizes Curriculares e fazer com que a escola se alinhasse ao que está proposto no referido documento.

A fala da professora que ministra a disciplina de língua portuguesa, transcrita abaixo, esboça a consciência da professora a respeito da sua atuação, bem como também o papel da escola na construção de um modelo inclusivo de educação escolar quilombola:

Quando ficamos sabendo que a escola tinha virado escola quilombola, foi um susto, ninguém aqui sabia o que era isso, teve gente que ficou até ofendido, porque pensavam que era escola de gente do mato, que não aprendia. Mas com o tempo, ficamos sabendo que seria melhor para escola e para comunidade, pois além de receber mais recursos a escola deveria implementar uma forma diferenciada para ensinar os alunos. As aulas deveriam ir ao encontro das necessidades da comunidade e respeitar a nossa cultura, nossa maneira de ser, quando eu compreendi isso fiquei mais animada com a escola, pois sou daqui, sou quilombola e sempre quis que o “Peba” fosse reconhecido pelas qualidades que possui. Trabalhar em uma escola quilombola significa pensar com mais carinho no nosso público, de adequar os conteúdos a realidade da nossa gente, de envolver a comunidade e fazer com que eles participem das coisas que acontecem aqui dentro da escola e oferecer uma educação alinhada com a nossa história com nossa cultura e identidade. É um grande desafio para nós professores que trabalhamos aqui, mas não desisto, eles precisam ter ciência do seu valor (professora Dalva, entrevista concedida no dia 05/05/2017)

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No entanto é perceptível também, que a professora apresenta muitas dúvidas em relação à efetivação da Educação Escolar Quilombola, ela expressa suas angústias, e diz que precisa de uma maior compreensão sobre esse processo, que os cursos oferecidos pela SEDUC costumam acontecer a cada um ou dois anos e as vagas são limitadas para cada escola:

Aqui, demora para vim um curso e quando vem são poucas vagas, daí temos que fazer sorteio para ver quem vai, isso é muito ruim, porque causa até conflito dentro da escola, entre nós professores, porque todos querem fazer o curso, daí quem não vai, fica com raiva de quem vai. Todos aqui precisam de formação, todos os professores aqui precisam saber o que exatamente devem fazer em uma escola quilombola se não a coisa não funciona a contento. Eu mesma, nas minhas aulas de língua portuguesa, tenho dificuldades em trabalhar com algumas questões, por exemplo a história dos negros, do quilombo, de preconceito ou mesmo o racismo, as vezes não sei que conteúdo levar para sala, por onde exatamente começar as discussões, não me falta vontade de fazer um trabalho diferente, me falta um entendimento dessas questões e os cursos de formação ajudam muito, tiram dúvidas (professora Dalva, entrevista concedida no dia 05/05/2017).

Percebe-se na fala da professora que as deficiências na formação de professores continuam a provocar graves consequências nas atividades escolares. A necessidade de enfocar as especificidade étnico-cultural, de valorizar a cultura local e desenvolver ações pedagógicas a partir da necessidade evidenciada no chão da escola é conhecida e percebida pela professora.

Mas, conforme ela mesmo relata lhe falta domínio de referenciais teóricos básicos para implementar suas aulas e desenvolver um trabalho condizente ao que está posto nos documentos oficiais que orientam o trabalho a ser desenvolvido em escolas inseridas em território quilombolas. “A formação de professores pode desempenhar um papel importante na configuração de uma nova profissional idade docente, concebida como um a dos componentes da mudança” (Nóvoa, 1995, p.24).

A professora quando interpelada sobre os principais entraves para levar para sala de aula conteúdos de que dialoguem com a realidade impressa pela necessidade da comunidade na qual desenvolve seu trabalho responde:

O Estado só cobra melhorias, só fica exigindo mudanças na postura do professor e sempre nos responsabiliza pelo mal empenho dos alunos. Mas ninguém do governo vem aqui ver nossa situação, na escola não chega nada novo para nós professores, podermos usar nas aulas, a não ser cobranças

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por melhorias. Mas vamos melhorar a qualidade das nossas aulas como? O aluno não tem livro didático, nem livros nós temos aqui para ler, a internet não é sempre que funciona, nós precisamos de apoio, de alicerce, para desenvolver um trabalho com mais qualidade. Sei que isso não é culpa da gestão, também não é da coordenadora, é falta de investimento por parte do governo que sempre nos deixou abandonados à própria sorte (professora Dalva, entrevista concedida no dia 05/05/2017).

A queixa da professora sobre as condiçõesestruturais, o descaso do Estado e as carências de recursos didáticos que a escola enfrentou e vem enfrentando ao longo de sua existência, inviabilizam o processo educativo e interfere diretamente na qualidade do trabalho prestado a comunidade de Cachoeira Rica.

São vários obstáculos que temos que enfrentar para realizar um trabalho adequado e que esteja de acordo com as propostas que já li sobre a educação escolar quilombola. Não é só isso que falei para você da falta de curso, de material, dessas coisas não, até os colegas de trabalho ficam contra gente, quando tentamos fazer algo diferente. Lembra dos conflitos que te falei quando surge um curso? Então, geralmente quando a gente volta de um curso de desses que a Seduc dá, você quer colocar em prática, aplicar na sala de aula. As formações propõem muito diálogo com os alunos, então arrumei umas revistas dessas de moda sabe? Que tem a Taís Araújo e outros artistas que sofreram preconceito para conversar com meus alunos sobre os fatos. Uma colega de trabalho viu e falou que eu estava enrolando, que eu não dou aula, que aquele tipo de revista não é material pedagógico, fiquei aborrecida, porque a aula rendeu muito naquele dia e poderia ser muito melhor se os colegas apoiassem e fizessem o mesmo, mas não fiquei com raiva dela, sei que assim como eu ela também está aprendendo, depois expliquei para ela o objetivo da minha aula e ela não falou mais nada (Professora Dalva).

Carvalho e Castilho (2015), nos explicam pesquisas que já existem algumas iniciativas inovadoras, dispersas, em algumas escolas, nas ações isoladas de alguns professores, mas ainda são embrionárias e tímidas. Contudo é importante vincar que, no geral, os profissionais da educação que atuam nessas escolas demonstram desejo e preocupação com o ensino da história e da cultura local, com a afirmação identitária dos alunos, em contribuir para o rompimento do preconceito e racismo, seja na educação, seja na sociedade. Não conseguem, porém, transgredir o currículo oficial, imposto, por falta de subsídios teórico-metodológicos.

5 Algumas Considerações

Neste trabalho procurei conhecer a partir das narrativas de uma professora que ministra disciplina de língua portuguesa, os saberes docentes, as práticas

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pedagógicas dos no contexto da educação escolar quilombola. Objetivou também, compreender a percepção da docente em relação aos processos concernentes ao domínio de conteúdos e metodologias de ensino.

Os resultados apontaram particularidades que comprometem o processo de ensino-aprendizagem, a saber: a falta de formação continuada, as condições estruturais, o descaso do Estado e as carências de recursos didáticos que a escola enfrentou e vem enfrentando ao longo de sua existência, que inviabilizam o processo educativo e interfere diretamente na qualidade do trabalho prestado a comunidade de Cachoeira Rica.

Nesse sentido, além de uma maior atenção por parte dos órgãos responsáveis, como Secretaria de Estado de Educação e Ministério da Educação, a escola carece de uma mudança no que tange a preparação de seus profissionais. Essa mudança deve estar alicerçada nos cursos de formação inicial e continuada, permeados pelo compromisso com a formação de um profissional que entenda e compreenda as particularidades que uma escola inserida em território quilombola requer.

6 Referências

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Referências

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