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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATOGROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORÂNEA OSCAR HERNAN SAAVEDRA CRUZ

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATOGROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORÂNEA

OSCAR HERNAN SAAVEDRA CRUZ

DISCURSIVIDADES DO DESENVOLVIMENTO E DO NEOLIBERALISMO: CONFIGURAÇÕES NO RURAL E RESISTÊNCIAS NA PERIFERIA DO

MUNICÍPIO DE CALI, COLÔMBIA

Cuiabá-MT

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OSCAR HERNAN SAAVEDRA CRUZ

DISCURSIVIDADES DO DESENVOLVIMENTO E DO NEOLIBERALISMO: CONFIGURAÇÕES NO RURAL E RESISTÊNCIAS NA PERIFERIA DO

MUNICÍPIO DE CALI, COLÔMBIA

Dissertação de Mestrado apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre junto ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato Grosso (ECCO-UFMT).

Orientador: Dr. Yuji Gushiken

Cuiabá-MT 2016

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Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.

Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a). Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.

S112d saavedra cruz, oscar hernan.

Discursividades do desenvolvimento e do neoliberalismo: configurações no rural e resistências na periferia do município de Cali, Colômbia / oscar hernan saavedra cruz. -- 2016

112 f. : il. color. ; 30 cm. Orientador: Yuji Gushiken.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Linguagens, Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea, Cuiabá, 2016.

Inclui bibliografia.

1. discursividade. 2. desenvolvimento. 3. neoliberalismo. 4. ruralidade. I. Título.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente ao professor Yuji Gushiken porque acho que deu certo quando se precisou enquadrar uma problemática que permitira mediar meus interesses acadêmicos com os interesses da linha de pesquisa em ECCO. Depois pelos prazos dos informes e os ritmos de trabalho que foram muito importantes para o planejamento, estruturação e revisão da dissertação.

Quero agradecer também a Andrés Felipe Muñoz, a Jenny Montenegro e a Alex Valencia, pessoas que colaboraram ativamente nesta pesquisa durante o trabalho de campo, quando foi o momento de entrar em contato com as comunidades aqui apresentadas. Além disso, a meu amigo Andrés García pelas fotos que tirou em La Leonera e que algumas delas foram utilizadas neste texto na procura por contextualizar esse lugar.

Por último, agradecer aos professores José Carlos Leite, Fernando Antonio Lourenço, Rodrigo Constante Martins e Suzana Guimarães, banca desta dissertação, pela leitura do texto e suas apreciações sobre o trabalho aqui apresentado.

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RESUMO

A partir da perspectiva teórica pós-estruturalista da discursividade e de uma concepção heterárquica do poder, este trabalho de dissertação procura dar conta da forma como, respectivamente, o desenvolvimento e o neoliberalismo, depois de serem construídos e viabilizados hegemonicamente pelas organizações internacionais e reconfigurar a governamentalidade nacional, tiveram efeitos em zona rural e na periferia urbana no município de Cali, na Colômbia. Num primeiro momento busca-se dar conta dos pressupostos epistêmicos e ontológicos que permitem entender as hegemonias da modernidade-capitalista ocidental enquanto discursividades, isto é, estruturas contingentes de sentido que organizam a experiência e disputam a verdade sobre as coisas. Num segundo momento, o intuito é mostrar historicamente como o desenvolvimento foi viabilizado como politica internacional por parte dos governos dos Estados Unidos através de organismos e instituições que disponibilizaram recursos econômicos, tecnologias, saberes e legislações para construir o subdesenvolvimento em América latina, na procura por atingir hegemonia no contexto da guerra fria, reconfigurando assim não só a governamentalidade dos países, mas também as práticas das comunidades nos lugares. Por último, e já no contexto da globalização, não sendo mais o desenvolvimento e sim o neoliberalismo a discursividade hegemônica, buscamos mostrar formas de resistências, também discursivas, que hoje surgem localmente na periferia urbana do município de Cali, na Colômbia, e que procuram, se não ainda reconfigurar a hegemonia localmente, ao menos gerar resistência e mostrar que outras formas de se relacionar com os outros e com os territórios ainda são possíveis.

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RESUMEN

Partiendo de la perspectiva post-estructuralista de la discursividad y de una concepción heterárquica del poder, este trabajo de investigación pretende dar cuenta de cómo el desarrollo y el neoliberalismo, respectivamente, después de ser construidos y viabilizados de manera hegemónica por organizaciones internacionales y de reconfigurar la gubernamentalidad nacional, tuvieron efectos en la zona rural y en la periferia urbana del municipio de Cali en Colombia. Primeramente, y a modo de presupuesto epistémicos y ontológicos, intentaremos entender las hegemonías de la modernidad capitalista occidental como discursividades, es decir, como estructuras contingentes de sentido que organizan la experiencia y disputan la verdad sobre las cosas. Después, nuestro objetivo será mostrar históricamente cómo el desarrollo fue viabilizado como política por los gobiernos de Estados Unidos a través de organismos e instituciones que otorgaron recursos económicos, tecnologías, saberes e legislaciones para construir o sub-desarrollo en América latina, en la búsqueda por alcanzar la hegemonía en el contexto de la guerra fría. Aquello reconfiguró tanto la gubernamentalidad de los países como las prácticas comunitarias en los lugares. Por último, ya en el contexto de la globalización, siendo el neoliberalismo y ya no el desarrollo la discursividad hegemónica, vamos a intentar mostrar algunas de las resistencias, entendidas igualmente como discursividades, que actualmente surgen localmente en la periferia del municipio de Cali en Colombia, las cuales buscan, si no todavía reconfigurar la hegemonía localmente, si por lo menos generar resistencias, mostrando que otras formas de relacionarse con los otros y con los territorios aún se hacen posibles.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8

CAPÍTULO I.PRESSUPOSTOS ONTOLÓGICOS E EPISTÊMICOS QUE ORIENTAM A PESQUISA ... 12

1.1 Realidade social, hegemonia e discursividades ... 12

1.1.1 A realidade social como construção ... 12

1.1.2 Poder e hegemonia ... 13

1.1.3 A concepção de sujeito em Laclau e Mouffe ... 16

1.1.4 Contingência e democracia radical ... 18

1.2 O sistema-mundo capitalista de Wallerstein ... 20

1.2.1 O Outro radical e a Trans-modernidade ... 26

1.3 O poder heterárquico... 27

1.4 O lugar como cenário de disputa pelo sentido ... 31

1.5 As configurações culturais ... 34

CAPÍTULO II.O DISCURSO DO DESENVOLVIMENTO PARA AMÉRICA LATINA ... 37

2.1 A construção do Terceiro Mundo: América Latina e o subdesenvolvimento ... 37

2.2 O agenciamento da política de desenvolvimento na Colômbia ... 45

2.2.1 Violência e progresso econômico na Colômbia... 45

2.2.2 A Frente Nacional e a Aliança para o Progresso ... 56

2.3 O desenvolvimento em La Leonera, zona rural do município de Cali na Colômbia 63 2.3.1 Breve apresentação de La Leonera ... 63

2.3.2 Situação dos camponeses em La Leonera ... 66

CAPITULO III.O NEOLIBERALISMO E AS NOVAS RURALIDADES EM AMÉRICA LATINA: RECONFIGURAÇÃO DAS DINÂMICAS RURAIS-URBANAS ... 77

3.1 As discursividades do neoliberalismo e as novas ruralidades ... 77

3.1.1 O neoliberalismo como prática governamental ... 77

3.1.2 As politicas neoliberais em América latina ... 81

3.1.3 As novas ruralidades como saber sobre o rural em América latina ... 83

3.2. Perda da agricultura familiar, atividades não agrícolas e pluriatividade familiar em.... 85

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3.3 Dois processos de resistência comunitária em zonas de ladeira do município de Cali .. 87

3.3.1 Ecolprovys proposta comunitária na ladeira de Cali ... 89

3.3.2 Cabildo urbano Nasa Uka Wesx Tha’j ... 94

CONSIDERAÇOES FINAIS ... 100

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INTRODUÇÃO

O pós-estruturalismo tem aberto uma perspectiva que permite entender a modernidade como uma formação discursiva que consegue hegemonia, nunca total e sempre contingente, capaz de construir objetos, práticas e sujeitos na procura por estabelecer ordens sociais. Além disso, permite conceber a economia politica já não como uma ciência que se apresenta desinteressada quando diz verdade sobre os fenômenos econômicos, mas como sendo parte da discursividade da modernidade e dos seus processos hegemônicos que procuram fazer do individualismo o estado natural do ser humano e das suas riquezas (conseguidas através do trabalho, a propriedade e da sua concorrência ao mercado) as máximas realizações de toda sociedade.

Nesse sentido, a história moderna se desvela também ela como parte da discursividade hegemônica que reconstrói linear e progressivamente o acontecido no passado, de jeito que seu relato seletivamente da ou nega valor aos modos de vida que os povos têm adiantado através do tempo enquanto que deslegitima outras histórias que lhe podem disputar o sentido as suas construções. Assim, o civilizado e o selvagem, o moderno e o pré-moderno, o belo e o feio, o normal e o anormal, o desenvolvido e o subdesenvolvido não são termos que nomeia essências, mas elementos que relacionados em uma estrutura discursivas hegemônica são naturalizados como se constituíssem a fatalidade de um destino.

Além disso, a perspectiva do lugar e o conceito de heterarquia para entender as redes de poder têm ajudado a pensar o local como importante ao menos em dois sentidos, a saber: 1) No que tange á possibilidade de reconhecer que existem reconfigurações locais das discursividades hegemónicas globalmente e 2) quanto ao perceber que existem tradições, memórias e saberes locais que resistem ou disputam as hegemonias dessas reconfigurações.

O presente trabalho de pesquisa de dissertação, que institucionalmente inscreve-se na Linha de Pesquisa em Epistemes Contemporâneas do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea (ECCO) da Universidade Federal de Mato Grosso (ECCO-UFMT/Cuiabá) e no âmbito do projeto de pesquisa “Modernização midiática e tecnológica:

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Imagens da cidade e demandas do cosmopolitismo” (Propeq/UFMT) e do Núcleo de Estudos do Contemporâneo, tenta ser um aporte na compreensão dos processos que permitiram que primeiro o desenvolvimento e depois o neoliberalismo, entendidas como discursividades da modernidade, se formassem e se tornassem logo hegemônicas em América Latina. Além disso, pretendemos mostrar a forma em que foram reconfigurados como governamentalidade pelas elites nacionais na Colômbia, além de tentar encontrar não somente os efeitos, mas também as resistências locais a essas reconfigurações tanto em zona rural quanto nas periferias urbanas do município de Cali, na Colômbia.

Para atingir nosso objetivo, procuraremos no primeiro capítulo apresentar de forma mais aprofundada e a modo de pressupostos epistêmicos e ontológicos, a perspectiva teórica que sustenta nossa pesquisa.

No segundo capítulo, a partir da revisão de documentos e pesquisas elaboradas sobre o assunto, pretendemos primeiramente fazer uma reconstrução histórica que nos permita mostrar as formas como a discursividades do desenvolvimento fora agindo como organizações, saberes acadêmicos, discursos políticos, transações econômicas, práticas sociais, estratégias militares e técnicas agrarias na procura por se implantarem hegemonicamente em América Latina. Posteriormente, pretendemos, a partir também de documentos e pesquisas já elaboradas, apresentar a forma como na Colômbia fora reconfigurada esta discursividades pelas elites nacionais num contexto de violência e pugna bipartidária pelo poder do Estado. Ao final do capítulo, por meio de entrevistas e observações feitas no lugar, tentaremos reconhecer fenômenos que se podem entender como efeitos dessas reconfigurações no corregimento de La Leonera, zona rural do município de Cali na Colômbia.

No terceiro capítulo deste trabalho, tentaremos num primeiro momento fazer uma reconstrução da formação histórica do neoliberalismo como discursividade, a partir principalmente dos aportes que fizera Foucault neste sentido. Logo, tentaremos mostrar o contexto e traçar o caminho histórico que se seguiu para que o neoliberalismo lograsse hegemonia em América latina. Além disso, apresentaremos o enfoque das novas ruralidades que surge nos estudos sociais e que tenta dar sentido às novas dinâmicas que hoje se apresentam no rural da América latina, só que tentaremos mostrar que dito enfoque nem aprofunda nas condições estruturais nem destaca as relações de poder que fizeram possíveis

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essas transformações nas realidades rurais durante a década dos anos 90 do século XX, justamente quando o neoliberalismo lograva hegemonia na região.

Por último, nesse mesmo capítulo, apresentaremos algumas das transformações que a reconfiguração do neoliberalismo ao nível da governamentalidade nacional trouxe no tocante ao ordenamento territorial no corregimento de La Leonera, zona rural do município de Cali, na Colômbia, para depois mostrar dos processos de resistências às discursividades neoliberais que acontecem no mesmo município, mas na ladeira, periferia da zona urbana do município que poderia considerar-se como fronteira e fluxo entre o urbano e o rural em Cali.

É importante frisar, que a maneira em que se apresentam os dados, as análises e os resultados desta pesquisa procura uma estrutura textual que tenta seguir a temporalidade histórica das discursividades tanto do desenvolvimento quanto a neoliberal, ao passo que procura tratá-las como agindo e reconfigurando-se ao menos em três níveis, a saber: global, estatal e local; seguindo assim a lógica do poder heterárquico, conceito elaborado pelo teórico colombiano Santiago Castro (2007), a partir de Michel Foucault e Kyriakos Kontopolus, para assinalar a autonomia, embora parcial, que o poder adquire na sua configuração em distintos níveis da realidade.

No que tange ao trabalho no campo, fizeram-se entrevistas não estruturadas e observações nos lugares mesmos, na busca por compreender as práticas cotidianas. No corregimento La Leonera do município de Cali, entre os meses de janeiro e março do ano 2015, se fizeram varias visitas ao lugar nas que se tentou observar as práticas do plantar dos camponeses, além disso, e após de lograr relacionamento com as pessoas que habitam no corregimento, pôde-se fazer seis entrevistas com camponeses que plantam o plantaram em La Leonera. Na comuna 18, zona de Ladeira de Cali, uma vez se recopilou informação sobre o Equipo comunitario de

la ladera por la promoción de la vida y la salud (Ecolprovys), logrou-se entrar em contato

com algumas pessoas que tinham participado no festival del trueque, evento anual organizado por Ecolprovys. Duas visitas foram possíveis à horta de Ecolprovys, numa delas, acontecida em fevereiro do ano 2015, pôde-se organizar uma conversa com três integrantes do coletivo (Dora, Doly, Gloria), quem deram conta do processo, as dificuldades e as expetativas que se tem com a proposta. O relacionamento com cabildo Nasakywe Uka Wesx Tha’j foi um pouco mais difícil, dadas as desconfianças que os indígenas tem com os pesquisadores acadêmicos que muitas vezes, dizem eles, usam as comunidades. Precisou-se de outras pessoas que

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tinham já trabalho de vários meses no cabildo para poder entrar no lugar e ter contato com as pessoas que ali moram, as quais, no entanto, não quiseram ser gravadas. As entrevistas feitas no cabildo apresentadas neste trabalho foram realizadas pela historiadora Jenny Montenegro, quem facilitou seu material para esta pesquisa.

Levando em conta as profundas transformações que aconteceram no rural e suas dinâmicas como o urbano a partir das reconfigurações que se fizeram do desenvolvimento e o neoliberalismo nos países de América latina, pensamos que se faz relevante realizar uma pesquisa que procure ajudar a esclarecer essas transformações e as realidades que elas têm gerado, assim como também nos parece importante visibilizar os processos sociais que através de práticas culturais e saberes comunitários pretendem contestar às hegemonias e os sentidos que as discursividades da modernidade impõem nos lugares.

De nossa parte, o interesse é aderir a uma proposta acadêmica que é tanto epistêmica quanto política, a qual tenta visibilizar praticas locais que estabelecem relações outras com a natureza, distintas às que impõe atualmente a globalização moderno-capitalista em sua procura de fazer da natureza recurso e dos grupos sociais apenas consumidores de mercadorias. Trata-se de visibilizar essas praticas na busca de contribuir para estabelecer articulações que possibilitem outras globalizações, capazes de exprimir modos de vida humana que se possam tornar alternativa ante a destruição do planeta a mãos das práticas de controle e do individualismo exacerbado pelos modos de vida humana propostos pelo capitalismo. Em palavras de Arturo Escobar “una reafirmación del lugar, el no-capitalismo, y

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CAPÍTULO I

PRESSUPOSTOS ONTOLÓGICOS E EPISTÊMICOS QUE ORIENTAM A PESQUISA

1.1 Realidade social, hegemonia e discursividades

1.1.1 A realidade social como construção

O que se quer dizer quando exprimimos que a realidade social é construída? Primeiramente, e seguindo Hacking (2001), dizer que algo é construção expressa em termos filosóficos que esse algo não é necessário, que esse algo pôde ser de outra forma, isto é, que esse algo é contingente. Contrário ao que expressa o idealismo hegeliano ou o marxismo, a realidade social não implica uma teleologia nem tem leis objetivas que possam ser descobertas para dar conta de seu desenvolvimento.

Daí que não seja possível traçar uma linha para o futuro seguindo a ideia de momentos ou etapas no desenvolvimento das sociedades. Tampouco, podemos hierarquizar as distintas sociedades seguindo o critério de progresso, a partir da ideia que umas sociedades estariam mais desenvolvidas que outras nesse ascender teleológico que implicaria um avanço na procura dum aprimoramento da humanidade.

Esse critério de progresso serviu de base para hierarquizar as sociedades em primitivas e modernas, e mais adiante, como veremos em detalhe, em desenvolvidas e subdesenvolvidas. Quando falamos de construção, não estamos dizendo que as sociedades não tenham ordens, só que essas ordens surgem dos processos de interação social1que se dão entre sociedades e

1 Nós não estamos aqui entendendo a interação como intersubjetividade, segundo concebe certa corrente

fenomenológica da sociologia surgida a partir de Alfred Schutz, segundo a qual, o sujeito se entende sempre como uma perspectiva que vivencia o mundo e que pode ser experienciada e compreendida por qualquer

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ao interior delas. Tampouco estamos negando que as sociedades se organizam segundo fins a serem alcançados, só que esses fins não são exteriores ao relacionamento humano, para o dizer em termos de Searle, retomado por Hacking, essas ordens e esses fins são ontologicamente subjetivos no sentido de ser criados de maneira subjetiva, mas epistemologicamente objetivos, no sentido de adquirir autonomia ao momento de dar conta deles. (Hacking, 2001: 49). Se não houver necessariedade nas ordens sociais e os fins que as sociedades procuram, a pergunta que nos precisamos fazer é como então eles logram-se estabelecer.

Partindo da premissa da contingencia de toda ordem social, sua possibilidade de se estabelecer estaria dada na interação social, seja por acordo ou por imposição. Para compreender o jeito dessa construção das ordens sociais, vamos nos apropriar e discutir o conceito de hegemonia que toma relevância a partir das reflexões de Antônio Gramsci no contexto teórico do marxismo e no contexto histórico da Itália de pós-guerra, mas nosso interesse é assumi-lo depois do esforço critico feito por Ernesto Laclau e Chantal Mouffe para liberar o conceito do determinismo econômico que ele pressupõe em sua elaboração gramsciana.

1.1.2 Poder e hegemonia

A crítica que fazem Laclau e Mouffe ao marxismo permite-lhes tomar o conceito de hegemonia para seu projeto teórico sem as travas que para eles supõe a necessidade das leis marxistas da História e a classe como categoria que determina as mudanças sociais. O proletariado como classe social, que surge na dialética no processo mesmo de apropriação dos meios de produção por conta da burguesia, está determinado objetivamente, isto é, historicamente, a dirigir a revolução que permita a socialização dos meios de produção para que as forças produtivas sigam-se desenvolvendo na procura de uma sociedade sem carências materiais e sem classes sociais.

outro, o que permite estabelecer objetividades construídas de forma intersubjetiva. Nossa posição sobre o sujeito implica não apenas uma perspectiva epistêmica, no sentido do sujeito estar situado num lugar desde o qual se vivencia e se conhece mundo, mas também pensamos um sujeito que tem relacionamento vital a partir de sua organicidade que não pode ser reduzida a mera ubiquação cognitiva, o sujeito é já sujeito em sua organicidade mesma e não sempre ele ascende ao plano do significado, por outras palavras, o sujeito nem sempre pode simbolizar nem sempre pode ser simbolizado.

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Para Laclau e Mouffe, no contexto do sindicalismo na Europa, depois da Primeira Guerra Mundial surge a problemática para os marxistas de como enfrentar a contínua fragmentação da classe proletária. A hegemonia, como conceito, aparece no leninismo para propor as alianças de classe, sem colocar em questão a necessidade da classe proletária de tomar o poder para levar a sério as mudanças na procura da sociedade sem classes. Assim, poder-se-ia explicar a fragmentação da classe proletária sem que o marxismo deixasse de ser não só a análise cientifica da sociedade, mas também a práxis que unifica ao proletário e dá sentido a suas lutas (Laclau e Mouffe, 1987: 73).

Já em Gramsci, para Laclau e Mouffe, o conceito de hegemonia assume que a ideologia não é um sistema de ideias ou a falsa consciência que alguns marxistas proclamaram em seu momento, senão que ela é um todo relacional, incorporado em instituições e aparelhos que soldam ao redor de certos princípios articulatórios a unidade de um bloco histórico (1987: 117). Porém, apesar de por em questão o em si da classe proletária, Gramsci, para Laclau e Mouffe, não deixa de reconhecer a liderança da classe proletária na procura de quebrar a hegemonia burguesa.

Em vistas de seu projeto teórico, Laclau e Mouffe concebem a hegemonia supondo a construção das próprias identidades por parte dos agentes sociais em seu relacionamento com outros agentes sociais, já não apenas referidas as relações de produção e sim às articulações, sempre precárias e contingentes, entre distintas posições de sujeito (1987:101), o que lhes permite superar a ideia de classes pré-constituídas que dariam sentidos às lutas políticas na perspectiva marxista, segundo a dialética do materialismo histórico, para então explicar o poder na lógica relacional das discursividades sempre impossibilitada para fechar-se numa totalidade essencial.

Nesse sentido, nem o proletário, mas tampouco qualquer outra classe social, pode assumir-se mais como o sujeito objetivamente determinado para fazer avançar a história, pois não existe totalidade nenhuma que justifique a teleologia desse avanço. O estabelecimento do poder, na perspectiva de Laclau e Mouffe, será sempre o resultado contingente de articulações discursivas entre posições de sujeito que alcançam a hegemonia pela possibilidade de estabelecer equivalências, identificações, segundo interesses subjetivos. Em palavras de Laclau e Mouffe: “Es porque la hegemonía supone el carácter incompleto y abierto de lo social, que sólo puede constituirse en un campo dominado por prácticas articulatorias” (1987: 229).

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A herança teórica de Laclau e Mouffe, no que tange a sua concepção de discurso, vem dada pelo pós-estruturalismo. Na tradição pós-estruturalista, a linguagem não se concebe mais como a representação da realidade, no sentido dum espelhamento do mundo, numa clara concepção binária onde por um lado estava o mundo a ser representado e por outro a língua à procura de sua representação. Com a crise de esta concepção, desde o estruturalismo mesmo já se começava a pensar a linguagem como constituindo a realidade.

Começa-se a pensar que a linguagem constituía o que antes se pensava como exterior a ela, segundo uma estrutura unificada e de relacionamento diferencial que subjazia e determinava os significados da vida social. Porém, para os pós-estruturalistas se ainda a linguagem segue conformando o social, como acontece para os estruturalistas, já não se trata duma estrutura profunda e fixa, pois as relações diferenciais entre os significantes não são somente potencialmente infinitas (o que impediria o fechamento total da estrutura), mas também o significado pode virar significante de outro significado, pelo que a distinção entre significante e significado faz-se difícil de estabelecer. Assim, a ideia de uma estrutura profunda que subjaz à multiplicidade aparente da vida social, determinando-a, começa a perder sentido. Em consequência, a realidade social vai sendo conforme a linguagem vai-se estruturando sem nunca poder alcançar a significação plena. Nas palavras de Laclau e Mouffe:

No habría, pues, dos planos, uno de las esencias y otro de las apariencias, dado que no habría la posibilidad de fijar un sentido literal último, frente al cual lo simbólico se constituiría como plano de significación segunda y derivada. La sociedad y los agentes sociales carecerían de esencia, y sus regularidades consistirían tan sólo en las formas relativas y precarias de fijación que han acompañado a la instauración de un cierto orden (1987:164).

Em vez de uma estrutura última, os pós-estruturalistas vão começar a falar do discurso ou de formações discursivas como a forma em que se organizam as relações sociais. Se estas discursividades carecerem da possibilidade de se estabelecer de forma definitiva numa totalidade que organize as diferenças de seus elementos constitutivos, a pergunta a fazer é como logram estabilizar-se as relações e as identidades sociais, embora apenas parcialmente, pois se não existir essa estabilização, o social, como organização de diferenças, não seria possível.

O que acontece é que certos significantes privilegiados fixam o sentido da cadeia significante. Laclau e Mouffe vão chamar de articulação à possibilidade de se tentar fixar uma ordem

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social necessária. Só que essa necessidade não é um princípio que subjaz às ordens sociais, mas sim um esforço por fazer literal aquilo que não é literal. Em outras palavras, a articulação é um esforço por estabelecer como natural o que sempre é simbólico. Acontece então que por meio de práticas discursivas articulatórias se estabelecem as hegemonias como ordens sociais que se tentam fixar como necessários, apesar do caráter contingente do social.

Cabe ressaltar, na proposta pós-estruturalista de Laclau e Mouffe, que quando se fala de discurso ou campo discursivo como prática articulatória hegemônica não se está falando somente duma realidade linguística, como se poderia pensar desde uma posição idealista tipo Berkeley, pois ela atravessa “todo el espesor material de instituciones, rituales, prácticas de diverso orden, a través de las cuales una formación discursiva se estrutura” (Laclau e Mouffe, 1987:185). Nesse sentido, Laclau e Mouffe não negam a existência externa ao pensamento, só que, afirmam, essa existência não pode constituir-se como objeto fora das discursividades. Porém, encontramos dois problemas na proposta teórica de Laclau e Mouffe que precisamos abordar para adiantar uma perspectiva que nos permita compreender de uma melhor maneira nossa problemática de pesquisa.

1.1.3 A concepção de sujeito em Laclau e Mouffe

Laclau e Mouffe vão aderir à posição estruturalista que assume o sujeito como uma construção discursiva, isto é, o sujeito individual não é a origem das relações sociais, pois inclusive toda experiência subjetiva depende de condições discursivas (1987:196). Assim, para Laclau e Mouffe, o sujeito é apenas uma posição dentro de um discurso. Porém, os autores assumem a critica pós-estruturalista da estrutura estruturante e esclarecem: sendo que o sujeito é construção discursiva e o discurso não se fecha nunca de maneira definitiva em uma totalidade, assim tampouco a posições discursivas que são os sujeitos no discurso podem-se estabelecer definitivamente como posições fixas num sistema de diferenças (Laclau e Mouffe, 1987:197).

Por outras palavras, o sujeito, entendido como construção discursiva, nunca pode estabelecer-se com uma identidade plena, definitivamente esclarecida em estabelecer-seu relacionamento com outras posições de sujeito. Por isso, para Laclau e Mouffe, estabelecer as identidades e as alteridades

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dos sujeitos humanos é consequência de um processo de articulação e antagonismo num cenário de contingência que sempre pode ser distinto.

Mesmo assim, parecerá que, para os pós-estruturalistas, o sujeito, se bem aberto no sentido de sua impossibilidade de plenitude linguística, não tivera em conta o que já Freud assinalara, a saber: a origem biológica da libido humana, sendo o libidinal elemento importante na construção do sujeito humano. Para os pós-estruturalistas, como Laclau, o orgânico biológico só passa a ser significado, isto é, adquire sentido linguisticamente sem que ele possa interagir ou pelo menos ser parte de aquilo que impediria o fechamento das estruturas linguísticas. Assim, para os pós-estruturalistas, a linguagem não pode fechar-se em uma estrutura estruturante, mas sim pode fechar-se como linguagem mesmo, fazendo do orgânico-corporal tão só um significado nessa totalidade simbólica, assim, eles podem admitir a existência das coisas além do pensamento, só que aquilo “além de” não pode deslocar nada nessa ordem simbólico que é a linguagem.

Nós partimos da ideia de que, para que exista sujeito, primeiro deve existir o orgânico como pressuposto para que essa subjetividade possa ser possível. Não é só que o orgânico seja reconhecido como existente e sendo parte do que os pós-estruturalistas têm mostrado como a materialidade nas discursividades, pois para eles o simbólico é aquilo que dá o sentido e por isso nada poderia estabelecer-se no relacionamento humano sem antes passar pelo simbólico, isto é, sem passar pela linguagem.

Em coerência, para eles, não pode existir realidade humana sem o constante processo simbólico. Pelo contrário, nós admitimos que também existe relacionamento humano além da linguagem e que se ele não pode ser significado não constitui razão suficiente para negar sua possibilidade. Assim, esse além da linguagem pode assumir-se como processos orgânicos que estabelecem relacionamentos entre indivíduos humanos, sendo aquilo que nunca é reduzível à realidade simbólica, embora a vontade de conhecê-lo sempre seja tanto o esforço quanto o fracasso na procura da verdade que pretende toda interpretação.

Dito isso, vamos assumir o sujeito humano como se constituindo constantemente na ordem instável das discursividades sem se poder reduzir seu relacionamento social às significações. O sujeito existe na interação entre o cultural simbólico e o libidinal que existe a partir dos processos do vivente. Assim, não se pode ser sujeito sem se participar do vivo.

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Agora nos interessa refletir sobre a proposta de Laclau e Mouffe pela busca de uma democracia radical.

1.1.4 Contingência e democracia radical

Laclau e Mouffe afirmam:

Lejos de considerar que el «Hombre» tiene el estatus de una esencia —acordada, presumiblemente, por un don del cielo—, dicho análisis nos puede mostrar las condiciones históricas de su emergencia, y las razones presentes de su vulnerabilidad, permitiéndonos así luchar más eficazmente, y sin ilusiones, en defensa de los valores

humanistas (1987:199, grifo nosso).

Laclau e Mouffe têm estabelecido o poder politico como resultante contingente de articulações discursivas entre posições de sujeitos que logram identidade, também ela contingente e relacional, a partir de uma lógica das equivalências que desloca as identidades dos objetos mesmos para seus contextos de aparição (Laclau e Mouffe, 1987:110). Porém, Laclau e Mouffe, no marco da redefinição do projeto socialista como democracia radical, vão falar de valores humanistas, que se identificam com a liberdade e a igualdade enquanto valores democráticos, os quais, para eles, deveriam ser os valores que como horizonte permitem a articulação de toda luta por terminar com as subordinações existentes (1987: 6), o que os autores vão chamar de prática democrática pela hegemonia (1987:102).

Quando Laclau e Mouffe sustentam a contingência radical de toda hegemonia, não obstante afirmem que tanto a liberdade quanto a igualdade devem ser os valores que como horizonte permitem qualquer luta contra-hegemônica, parecerá que eles não pudessem assumir a contingência em toda sua radicalidade e voltassem para o âmbito das necessidades, pois apresentam os valores democráticos como imaginário social que deve guiar qualquer projeto hegemônico que procure a quebra da subordinação. “Multiplicar los espacios políticos e impedir que el poder sea concentrado en un punto son, pues, precondiciones de toda transformación realmente democrática de la sociedad” (1987: 296). Como se a possibilidade de um projeto contra-hegemônico hoje fosse estabelecido de antemão pela liberdade e a igualdade como horizonte de procura, embora esses valores tivessem surgido historicamente a partir do estabelecimento da hegemonia liberal. Uma contingência que vira transcendente e volta novamente como marco de toda contingência.

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A partir desta aparente contradição na proposta de Laclau e Mouffe, alguns teóricos, sobretudo marxistas, os têm acusado de, a saber: i) negar a possibilidade da revolução socialista e aceitar a democracia liberal e o capitalismo como marco legitimado de toda luta política numa espécie de reformismo que não põe em questão os alicerces do sistema, pois para Laclau e Mouffe:

La tarea de la izquierda no puede por tanto consistir en renegar de la ideología liberal–democrática sino al contrario, en profundizarla y expandirla en la dirección de una democracia radicalizada y plural (1987: 293, o grifo do autor).

Zizek, em sua discussão com Laclau e Mouffe, vai responder:

El verdadero dilema es qué hacer -cómo debe relacionarse la izquierda- con el imaginario liberal democrático predominante. Yo sostengo que la "democracia radical" de Laclau y Mouffe se acerca demasiado a "radicalizar" simplemente este imaginario democrático liberal, permaneciendo dentro de su horizonte (…) los defensores de los cambios y las resignificaciones dentro del horizonte democrático liberal son los verdaderos utópicos en su creencia de que sus esfuerzos redundarán en algo más que la cirugía estética que nos dará un capitalismo con rostro humano (Zizek, 2004: 327).

Tomando distância da polêmica entre marxistas e pós-marxistas, nós vamos assumir não somente que toda ordem política é contingente e logra sua estabilidade por meio das articulações hegemônicas, mas também que as lutas sociais mesmas não podem se estabelecer de antemão, pois não existe algo assim como valores planetários válidos para qualquer sujeito individual ou coletivo. Pensamos que as interações interculturais, que para Laclau seriam as articulações mesmas, é a única maneira de se estabelecer o que seriam valores compartilhados entre distintos grupos humanos.

Nesse sentido vamos assumir a radical contingência de toda ordem social hegemônica e a entender as articulações e as equivalências como resultantes dos próprios processos de articulação entre sujeitos coletivos, assumindo que não existem valores preestabelecidos que possam garantir nem as articulações nem as equivalências nos processos contra hegemónicos, o que em consequência, faz de tudo projeto político também uma contingencia que procura hegemonia.

Nosso interesse agora no marco ontológico discutido até o momento é refletir sobre a lógica da hegemonia mundial estabelecida pela Europa a partir de suas conquistas de ultramar iniciadas no século XVI e do surgimento de uma lógica econômica sustentada sob o lucro

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como intuito último a ser atingido. Para isso, vamos tomar e discutir a ideia de

sistema-mundo de Immanuel Wallerstein, elaborada a partir da categoria de longa duração, de

Braudel, e em confronto com os marxistas na disputa por estabelecer uma compreensão histórica sobre a expansão do capitalismo como ordem mundial.

Além disso, vamos expor as críticas que Enrique Dussel faz da ideia de sistema-mundo a partir dos conceitos de exterioridade e trans-modernidade na procura por impedir o fechamento como totalidade que a ideia de sistema-mundo corre o risco de estabelecer. Também, vamos a aderir à ideia de poder heterárquico que o filosofo colombiano Santiago Castro desenvolve a partir de sua leitura do último Foucault e de sua crítica ao poder hierárquico que, para Castro, está implicado quando se entende o capitalismo como sistema-mundo nos termos de Wallerstein. A ideia de heterarquia nos permitirá entender o lugar como sendo apenas determinado parcialmente pelas estruturas macro do sistema-mundo, o qual vai implicar que seja necessária a etnografia para compreender as diversas e complexas redes de poder que agem no local ao momento de se estabelecer as hegemonias nos lugares.

1.2 O sistema-mundo capitalista de Wallerstein

Assim como Laclau e Mouffe, Immanuel Wallerstein é considerado um pós-marxista, no sentido de colocar em questão a explicação dialética da história que faz da luta de classe e o modo de produção econômico os alicerces do progresso histórico. Porém, a diferença de Laclau e Mouffe, Wallerstein concebe a ordem capitalista como uma estrutura que se fecha completamente formando um sistema, só que essa estrutura fechada escapa ao essencialismo porque evolui na longa duração da história para assim nascer, desenvolver-se e morrer. (Wallerstein, 1979: 7).

Wallerstein toma a ideia de longa duração elaborada por Braudel e a partir dela constrói sua concepção de sistema-mundo como estrutura histórica, embora sem ter que organizar sua compreensão da ordem mundial segundo a dialética marxista da essência-aparência que faz dos termos infraestrutura-superestrutura um marco explicativo que restaria importância às relações que o capitalismo teve estabelecido historicamente com o Estado, o saber científico e as culturas. Assim, o sistema mundo não é uma dialética da história determinada de maneira

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econômica, é uma estrutura histórica que contem uma rede de processos econômicos, políticos e culturais que figuram na sua base como forma relacional de coesão.

Quando Braudel fala de longa duração procura compreender a história desde um empirismo que poderia chamar-se de estrutural, pois para ele o presente está inserido em estruturas que abrangem também o passado e as quais resistem às mudanças do tempo, sem que por isso elas sejam eternas. Logo, é preciso entender o que acontece e o que muda de forma rápida, a partir de unidades de análise muito mais amplas que o fato histórico, embora deva conter e complexificar esses fatos. Para isso, Braudel vai falar de estruturas de longo, meio e curto alcance. “la historia se le presenta a Braudel como una síntesis compleja no sólo de diversas realidades y fenómenos, sino también de distintas temporalidades, de tiempos y ritmos de duración de magnitud y dimensiones variables” (Rojas, 1986: 62).

Wallerstein tomando o esquema explicativo de Braudel vai dizer que o capitalismo pode-se entender como uma estrutura de longa duração que ele vai chamar sistema-mundo. Estes sistemas-mundo são “sistémicos, pero también son históricos. Permanecen iguales a lo largo del tiempo, pero no son idénticos de un minuto al siguiente” (Wallerstein, 2005: 21). Esse sistema-mundo vai se ampliar como conceito, a saber: economia sistema-mundo. “Lo que queremos significar con economía-mundo es una gran zona geográfica dentro de la cual existe una división del trabajo y por lo tanto un intercambio significativo de bienes básicos o esenciales así como un flujo de capital y trabajo” (2005: 21).

Não vai ser mais o modo de produção, e sim a organização social do trabalho, aquilo que organiza a acumulação do lucro no sistema-mundo capitalista, acrescentando que essa divisão do trabalho é extensiva, e não apenas funcional, mas também geográfica, “es decir, la gama de tareas económicas no esta distribuída uniformemente a lo largo y lo ancho del sistema mundial” (Wallerstein, 1979: 491).

Além disso, para Wallerstein, o capitalismo tem sido capaz de subsumir outras formas de trabalho (trabalho escravo, trabalho servil), além da forma trabalho assalariado; o que implica não reconhecer a premissa marxista da necessidade da dialética de classes para as formações sociais e os modos de produção como determinante para definir os tipos de sociedades. Deste modo, Wallerstein vai poder falar coerentemente não apenas do trabalhador, mas também da unidade doméstica compreendida pela categoria de classe social, assim como de cinco modos pelos quais a unidade doméstica consegue seus ingressos: atividade de subsistência, pequena atividade mercantil, renda, pagamentos de transferências e o salário, sendo este último só

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mais um deles. Para Wallerstein, as unidades domésticas também funcionam como “las agencias primarias de socialización del sistema-mundo” (2005: 32).

Para Wallerstein, há uma estrutura interestatal no sistema-mundo no qual existem Estados centrais e Estados periféricos, sempre que lembremos que na verdade estamos falando de uma relação entre processos produtivos. É por isso que “los estados en una economía-mundo capitalista no tienen la autonomía o el aislamiento que hace posible calificarlos como poseedores de un modo particular de producción” (2005: 20).

As relações entre os Estados e as empresas são importantes para entender o sistema-mundo, pois se a propriedade privada, diz Wallerstein, é peça chave para o capitalismo como sistema, é o Estado que se encarrega de garantir sua proteção. Também Wallerstein reconhece a diversidade cultural no sistema-mundo, só que precisa ser entendida como uma geocultura, isto é, uma cultura unificadora que compreenda a diversidade cultural, numa espécie de multiculturalismo que, no caso do capitalismo, diz Wallerstein, foi assegurada pelas ciências sociais, pois sua função foi “... la de suplir los fundamentos intelectuales de las justificaciones morales que eran utilizadas para reforzar los mecanismos operativos del sistema-mundo moderno” (2005: 59).

Porém, de tempo em tempo, acontecem crises na acumulação do lucro, o que implica reconfigurações no sistema na busca de se perpetuar. Assim, surgem novas hegemonias no interior do sistema que tentam viabilizar novamente essa acumulação. Essas hegemonias que se sucedem entre si, levam a mudanças nas relações hierárquicas entre as nações. No entanto, essas reconfigurações em termos de hegemonia não implica o final do sistema-mundo; pelo contrário, fazem parte de sua maneira de prorrogar o fim, só prorrogá-lo, pois por seu caráter histórico tudo sistema-mundo vai se terminar.

Em síntese, nas palavras do próprio Wallerstein, um sistema mundo é:

Un sistema social, un sistema que posee límites, estructuras, grupos, miembros, reglas de legitimación, y coherencia. Su vida resulta de las fuerzas conflictivas que lo mantienen unido por tensión y lo desgarran en la medida en que cada uno de los grupos busca eternamente remodelarlo para su beneficio. Tiene las características de un organismo, en cuanto a que tiene un tiempo de vida durante el cual sus características cambian en algunos aspectos y permanecen estables en otros” (1979: 489).

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Para Wallerstein, as crises dos sistemas históricos acontecem quando as dificuldades não se podem resolver ao interior do sistema mesmo, desse modo, o sistema entra num período de transição para o inicio de um novo sistema histórico:

El periodo de transición de un sistema a otro es un período de grandes luchas, de gran incertidumbre, y de grandes cuestionamientos sobre las estructuras del saber. Necesitamos primero que todo intentar comprender claramente qué es lo que está sucediendo. Necesitamos después decidir en qué dirección queremos que se mueva el mundo. Y debemos finalmente resolver cómo actuaremos en el presente de modo que las cosas se muevan en el sentido que preferimos. (Wallerstein, 2005: 70)

Assim, na transição não existe maneira de prever as decisões que os participantes vão tomar, embora elas sejam inevitáveis e marquem o rumo que seguirá o novo sistema histórico. Para Wallerstein, o sistema-mundo capitalista está em crise terminal e vive um período de transição.

O mérito de Wallerstein, a nosso ver, é sua capacidade de insistir na ideia que mundialmente, e segundo um sistema interestatal, os Estados organizam-se de maneira hegemônica para não apenas extrair matérias-primas e trabalho, mas também para expandir uma geo-cultura nos Estados periféricos em beneficio da acumulação nos Estados centro.

O sistema interestatal de Wallerstein permite-nos entender como, para a Europa, foi decisivo o ouro e a prata que extraíram das Américas, usando trabalho escravo e servil na conformação de seu poder hegemônico, bem assim nos serve para deixar de pensar o desenvolvimento como virtude ou vileza das nações mesmas para atingir o progresso.

Também nos permite entender como a cultura do consumo logra-se expandir mundialmente naturalizando os modos de vida que são convenientes para a acumulação dos capitais, ao tempo que invisibiliza as perdas que o capitalismo produz, não só de vidas humanas, mas também das condições para que qualquer vida seja possível no planeta.

No intuito de traçar um caminho de compreensão para a problemática de pesquisa, dois inconvenientes nós encontramos na teoria do sistema-mundo.

Wallerstein vai entender o capitalismo como um sistema-mundo, isto é, como uma estrutura socio-histórica “viva”, pois, para ele, todos os sistemas existentes, desde o astronômico até o mais insignificante fenômeno físico,

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(...) nascem num determinado momento e nós precisamos explicar esse surgimento. Eles têm vidas normais cujas regras precisam ser compreendidas. A maneira como essas vidas normais evoluem com a passagem do tempo, tende a colocá-las cada vez mais longe de equilíbrio até ao ponto em que entram numa crise estrutural que, mais cedo ou mais tarde, faz com que deixem de existir (Wallerstein, 2012:16).

O capitalismo entendido no esquema da longa duração não foi influenciado pelo agir humano para que ele começasse, pois, segundo Wallerstein, são as próprias regras do sistema entendido como totalidade o que vai permitir tanto que nasça quanto que pereça. Wallerstein vai afirmar que hoje o sistema-mundo capitalista já entrou historicamente na sua fase terminal, num momento onde o sistema tem começado a oscilar de maneira repetida e desordenada, o que o vai levar a uma bifurcação “que nos sistemas sócio-históricos é uma batalha política, para que um de dois resultados alternativos possíveis seja colectivamente

escolhido” (2012:17, grifo do autor).

Assim, é como se os sistemas-mundos, quando eles entrarem no seu período de crise estrutural, criassem a possibilidade para que o agir humano pudesse influir de forma decisiva no rumo e a estrutura que um novo sistema-mundo vai tomar para evoluir.

Num sistema histórico funcionando normalmente, mesmo os grandes esforços sociais são limitados nos seus efeitos pela eficiência das pressões necessárias para voltar a um ponto de equilíbrio. Mas, quando o sistema está longe do equilíbrio, todo e qualquer input tem grandes efeitos e a totalidade dos nossos inputs – feitos em todos os nano-segundos de todos os nano-espaços, podem somar-se para obrigar a balança da “escolha” colectiva inclinar-se no sentido certo da bifurcação (Wallerstein, 2012: 26).

Para Wallerstein, esse agir humano na procura de influir no jeito que vai ter esse novo sistema-mundo faz-se também bifurcado entre o que ele vai chamar muito vagamente o “espirito de Davos” e o “espirito de Porto Alegre”, assim:

Os proponentes do ‘espírito de Davos’ querem um sistema diferente – um sistema que poderá ser não-capitalista mas que manterá três características essenciais do actual sistema: hierarquia, exploração e polarização. Os proponentes do ‘espírito de Porto Alegre’ querem um tipo de sistema que nunca existiu até agora e que seja relativamente democrático e relativamente igualitário. Eu chamo “espírito” ou consciência a estas duas posições porque não existem organizações centrais em nenhum dos lados desta luta. Na realidade, os proponentes de cada lado estão profundamente divididos sobre o que devem ser as suas respectivas estratégias (Wallerstein, 2012: 23).

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Levando em conta o anteriormente exposto:

Primeiro: é como se Wallerstein estivesse pressupondo que os sistemas-mundo poderiam seguir existindo independentemente das condições orgânicas que permitem a vida no planeta. A estrutura “viva” dos sistemas-mundo nada tem a ver com os processos da vida. Assim, para Wallerstein, é possível esperar que o capitalismo, como sistema-mundo, pereça por si mesmo, e não levar a sério a possibilidade que o capitalismo possa destruir, antes de seu próprio perecimento, as condições no planeta para que a vida humana seja possível, e com essa possibilidade a de qualquer sociedade e história que possa acontecer.

Segundo: apresenta-se uma ambiguidade em sua proposta do sistema-mundo, quanto à relação existente entre as estruturas e o agir humano, pois é como se nos pequeníssimos intervalos em que um sistema-mundo perece e outro nasce, algumas gerações nessa longa e durável história humana tiveram a fortuna ou o infortúnio, depende do ponto de vista, de decidir sobre as estruturas que vão constituir o sistema-mundo que está surgindo. Já na “vida” dos sistemas mesmos, que é a maioria do tempo, os seres humanos, sem protagonismo, tão só poderiam tentar compreender as lógicas estruturais que os limita tanto quanto os possibilita, e esperar, acaso séculos, para voltar a ser responsável por sua própria história.

Nós retomamos a ideia de que as sociedades humanas não podem ser reduzidas a estruturas, pois sempre nas totalidades que se quer impor existe aquilo que não se deixa estruturar nem em seus tempos nem em seu agires, o que impede as certezas que muitas vezes os modelos sistêmicos pretendem assegurar. Resgatamos de Wallerstein a ideia de centro-periferia que organiza os Estados numa dinâmica hierárquica e relacional que tem a ver com uma divisão extensiva e geografia do trabalho que procura garantir a acumulação de lucro e manter, a nosso ver, não a hegemonia de algumas nações como em Wallerstein, mas sim a hegemonia capitalista mesma.

No que segue vamos apresentar as ideias de “o outro” e de trans-modernidade elaboradas por Enrique Dussel, o que nos vai permitir pensar além do sistema como totalidade, segundo o exposto por Wallerstein, e vislumbrar nas interações interculturais uma possibilidade de articular processos contra-hegemônicos.

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1.2.1 O Outro radical e a Trans-modernidade

Enrique Dussel publica uma conferência dada por ele na Universidad del Salvador, de Buenos Aires, em 1971. O artigo-conferência se intitula Para una fundamentación filosófica

de la liberación latino-americana (Dussel, 1975). Nesse texto Dussel, a partir de sua leitura

de Emmanuel Levinas, elabora a ideia de América Latina como uma exterioridade ante a modernidade europeia enquanto totalidade. Dussel propõe ante a ontológica da opressão, que identifica com a modernidade europeia, uma metafísica da alteridade que seria caminho para alcançar a liberação.

Para Dussel, a ideia de totalidade aparece com os gregos quando Parménides sentencia o que o Uno é o tudo, daí que a unidade não se possa ultrapassar (1975:15). Na lógica da totalidade as coisas são diferenças internas do mesmo. Assim, o mesmo e o diferente terminam por identificar-se numa completude fechada. Essa totalidade reconhece o diferente, mas está impossibilitada para reconhecer o distinto, ou seja, aquilo que não se origina no idêntico.

Para Dussel, essa ideia de totalidade passou à Europa moderna, só que já não como o Uno, pois será o sujeito quem se vai considerar a totalidade mesma, assim, doravante, o sujeito constituirá todas as coisas existentes (1975: 20). É essa totalidade que se vai impor como cristandade e modernidade através do colonialismo, tendo como consequência que o Outro, que não é o diferente, seja negado na procura de assegurar a totalidade. “Lo distinto es el Otro como persona, el que en tanto libre no se origina en lo idéntico” (1975: 25). Porém, esse distinto tem sido negado e nessa negação sofrida ele mesmo se sabe nada, mas, pergunta Dussel, quem ensino a ele que vale nada, e Dussel responde: “los que dominan la totalidad” (1975: 28). América-latina será assim definido por Dussel como o Outro oprimido, Por isso, os processos de liberação em América-latina devem descartar a lógica da totalidade e virar para uma lógica da alteridade que seja realmente uma novidade no acontecer. Para Dussel, só assim pode-se ir além do capitalismo na procura de um socialismo “que se irá definiendo latinoamericanamente, socialismo que comenzamos a pensar, a enunciar” (1975: 36).

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Em Sistema mundo y transmodernidad (2004), Dussel vai dizer que a exterioridade dessa totalidade que o autor vai identificar com a exterioridade negada e excluída no processo de expansão hegemônica da Europa, vai conter culturas que são anteriores, que se tem desenvolvido ao tempo que a modernidade europeia e que tem sobrevivido até hoje com ainda força para desenvolver suas potencialidades na procura por gestar uma pluralidade cultural num horizonte trans-moderno, isto é, como um “más allá de toda posibilidad interna de la sola modernidade” ( 2004: 222). A trans-modernidade seria um diálogo intercultural que nasce entre o que a totalidade tem nomeado como o excluído, o bárbaro, o selvagem, o subdesenvolvido. A trans-modernidade seria então uma afirmação do Outro em sua exterioridade radical.

Segundo a ideia exposta por Dussel, a exterioridade significa o distinto, aquilo que tem sido negado, embora possa voltar. Nesse sentido vai-se abrir a possibilidade de falar de outras histórias, memórias ou tradições que têm sido invisibilizadas ou negadas no processo hegemônico de estabelecer a “História” do Ocidente, mas que até hoje têm sobrevivido. Já na ideia de modernidade em Dussel pode-se assumir dois sentidos, a saber: trans-modernidade como superação da trans-modernidade, um ir além dela, e trans-trans-modernidade como diálogo intercultural que permita visar outras formas de pensar, de viver, de relacionamento com a natureza sem que se deva procurar da modernidade para serem reconhecidas, por isso, não é tanto uma dialética do reconhecimento quanto uma dialética da interpelação.

No que segue, vamos exprimir a ideia de poder heterárquico que Santiago Castro Gómez apresenta como crítica da ideia de hierarquia no marco do sistema-mundo de Wallerstein, para compreender a importância de assumir a perspectiva epistêmica do lugar.

1.3 O poder heterárquico

Num artigo intitulado Michael Foucault y la colonialidade del poder, o filosofo colombiano Castro Gómez vai argumentar que a hierarquia do poder que supõe a representação do capitalismo como sistema-mundo, segundo os termos de Wallerstein, não permite enxergar a independência relativa que tem o local frente aos imperativos do sistema, sobretudo nos

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âmbitos que tem a ver com a produção das subjetividades (2007: 155). Santiago Castro a partir de uma leitura do último Foucault, isto é, o Foucault das lições do College de France, vai dizer que Foucault desenvolve uma teoria heterárquica do poder sem que isso implique uma reflexão de Foucault sobre realidades exteriores a Europa, o seja, a reflexão do poder de Foucault, salienta Castro Gómez, segue sendo uma teoria eurocêntrica desde os conteúdos, mas que analiticamente pode ser importante para olhar outras realidades distintas à europeia. Santiago Castro, em sua leitura de Foucault, acredita que o último Foucault reconhece que a biopolítica vincula-se em rede com outra cadeia mais global de caráter geopolítico. Isto parece contradizer as críticas, sobretudo dos teóricos pós-coloniais anglo-saxões, de que a analítica do poder de Foucault limita-se a pensar o poder no nível micro, sendo incapaz de se pensar o funcionamento dele nas estruturas macro, o que impossibilita a Foucault pensar os modos em que o sujeito é constituído pelo capitalismo, “De hecho, la tesis de Spivak es que la microfísica del poder obra como una ideología que oculta y legitima la macrofísica del poder” (Castro, 2007:161).

Para Castro Gómez, o tipo de crítica como essa desconhece o modus operandi de Foucault na elaboração de sua teoria do poder, pois não levam em conta que o poder em Foucault não só funciona em rede, mas também circula em muitas direções; além disso, existem distintos níveis no exercício do poder, embora

Foucault prefiere concentrarse en los niveles más bajos, allí donde la microfísica del poder ‘trashuma por nuestro cuerpo’, pero también reconoce que estos niveles bajos se vinculan en red con niveles más generales que transforman, extienden y desplazan el ejercicio infinitesimal del poder (Castro, 2007:162).

Castro vai falar de três níveis de poder em Foucault, a saber: um nível microfísico, onde operam as tecnologias disciplinares e as tecnologias do Eu na produção das subjetividades;

um nível mesofísico, no qual se inscreve a governamentalidade do Estado moderno e seu

controle das populações e, um nível macrofísico, onde se localizam os dispositivos supraestatais de seguridade que favorecem a competência entre os Estados hegemônicos pelos recursos naturais e humanos do planeta. “En cada uno de estos tres niveles, el

capitalismo y la colonialidad del poder se manifiestan de forma diferente” (2007:162).

A essa teoria que em Foucault enxerga o poder como cadeias operando em distintos níveis de generalidade, Castro Gómez vai chamar de teoria heterarquia do poder, a qual, diz ele, pode

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ajudar a explicar bem melhor as relações de poder existentes na estrutura sistema-mundo apresentada por Wallerstein.

Para Castro, na teoria heterárquica do poder em Foucault não se pode pensar que o nível macrofísico determina em última instância os outros níveis na rede, o que, diz Castro, é evidente na concepção hierárquica do poder apresentada na elaboração do sistema-mundo, pois para Wallerstein:

(…) la lógica del capitalismo se juega por entero en el nivel global del sistema-mundo y todas las demás instancias (el Estado, la familia, la sexualidad, las prácticas de subjetivación, etc.) son tenidas como “momentos” inferiores al servicio de una totalidad mayor. Es decir que ninguna de estas instancias goza de autonomía, ni siquiera relativa, frente a la lógica macro del sistema-mundo (Castro, 2007:165).

Enxergar as relações de poder entre centro e periferia segundo o sistema-mundo, a partir de uma lógica hierárquica do poder, faz que as relações de poder mais globais estruturem as relações menos globais, assim, os níveis micro ficam sometidos sempre aos níveis macro.

Los regímenes globales tienen de este modo prioridad analítica y los elementos pertenecientes a los regímenes semi-globales o locales son vistos como dependientes o subordinados a una lógica más abarcadora (Castro, 2007:166).

Pelo contrario, para Castro Gómez, em Foucault o poder funciona em distintas cadeias e em distintos níveis, e não é possível pensar umas sem as outras, mas não existe um imperativo estrutural que implique a necessariedade desse vínculo.

Lo que quiero decir con todo esto es que para la Analítica de Foucault, las articulaciones entre unas redes de poder con otras no son necesarias, son siempre parciales y su análisis parte metodológicamente de los niveles menos complejos hacia los más complejos (2007:166).

Em uma teoria heterárquica do poder, diz Castro, não é possível falar de estruturas que agem independentemente da ação dos sujeitos, o qual não implica esquecer-se da lógica global, mas sim lembrar que ela opera através das tecnologias de subjectivização e do controle das populações que operam ao nível local.

Em consequência, Castro argumenta que a colonialidade não pode reduzir-se só ao domínio político e econômico estabelecido pelas potências hegemônicas do sistema-mundo sobre os territórios da periferia, pois tem a ver também com os dispositivos de regularização ao nível

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estatal (o que Foucault vai chamar de governamentalidade) e com as tecnologias de resistência que operam a escala micro, isto é, ao nível local.

No hay una sola colonialidad del poder sino que hay muchas y su análisis dependerá del nivel de generalidad que se esté considerando (micro, meso o macro), así como de su ámbito específico de operación (Castro, 2007:168).

Castro reconhece que os sistemas globais tendem a exercer um controle absoluto sobre os níveis mais locais, só que ele consegue apenas ser parcial. Na melhor das hipóteses, o controle mantém-se estável apenas através da violência, seja ela econômica, política ou epistêmica.

Diremos entonces que una característica de las heterarquías es su alto grado de “indeterminación residual”, refiriéndonos con ello a la proliferación de zonas grises o agujeros negros que escapan al control y que no son funcionales al sistema (2007: 171).

Para os propósitos de nossa pesquisa, conceber o poder como heterárquico permite-nos assumir o lugar como tendo certa autonomia parcial na maneira em que se estabelecem as hegemonias localmente, o que metodologicamente justifica o trabalho etnográfico para compreender os modos em que os discursos globais são contextualizados, segundo as tecnologias que garantem a governamentalidade sobre as populações ao nível do Estado nacional, mas, sobretudo, as tecnologias disciplinares que realizam os processos de subjectivização e as tecnologias do ‘eu’ que permitem as resistências no local. Pois, como diz Castro: “Es muy fácil hablar de una ‘decolonialidad’ a escala molar, sin ver la colonialidad alojada en las propias estructuras del deseo, que uno mismo cultiva y alimenta” (2007:171). Exposto o anterior, seja o momento para fazer uma primeira síntese na procura de ir aclarando nossa perspectiva teórica. Ontologicamente, vamos assumir que toda ordem social é radicalmente contingente e que ela gera-se a partir do relacionamento humano, estabelecendo-se discursivamente mediante processos hegemônicos que logram articular, de modo heterárquico, sujeitos coletivos segundo interesses particulares. Além disso, entendemos o capitalismo como uma ordem sócio-histórica hegemônica que procura estender-se mundialmente a partir das relações entre as companhias, o Estado e uma geo-cultura que expande os modos de vida que convêm à acumulação do lucro. Compartilhamos a ideia de Wallerstein sobre a existência de um sistema interestatal que organiza o Estado segundo o esquema centro-periferia, definido segundo uma divisão internacional do trabalho e levando em conta o geográfico na lógica da produção capitalista.

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Embora, consideremos que se bem o Estado nacional é importante não apenas no estabelecimento da hegemonia, mas também na possibilidade de articular as subalternidades nos processos de resistência, o Estado nacional não esgota o cenário do conflito, pois o lugar, ainda que atravessado pelas discursividades hegemónicas, contextualiza essas discursividades e se reconfigura, embora hegemonicamente, de maneira local. Além disso, o local encontra-se vinculado vitalmente com as sensibilidades do lugar gerando práticas, saberes e modos de vida que poderíamos considerar como o Outro radical, segundo a ideia de Dussel, no sentido de propor outras formas de relacionamento com a natureza que escapam à discursividade abrangente do capitalismo.

No que segue vamos tentar refletir sobre o lugar não apenas como objeto a ser apropriado pelo capitalismo, mas também como possibilidade das resistências e estabelecimento das articulações contra-hegemônicas.

1.4 O lugar como cenário de disputa pelo sentido

Depois das reflexões sobre o lugar, pode-se considerar a sua importância não só pelo questionamento que se faz à concepção do espaço construída pela modernidade europeia, mas também pelas possibilidades de visibilizar outras formas de vida que impliquem outros relacionamentos sociais com a natureza.

Devido à separação entre natureza e o humano, onde o ser humano foi sujeito de conhecimento e a natureza objeto para ser controlado e manipulado, o espaço e o tempo foram concebidos pela modernidade europeia como abstrações que subjaziam aos objetos e suas relações, de forma que permitiu compreender as coisas matematicamente como se elas só fossem movimento e extensão. Essa quantificação e homogeneização tanto do tempo quanto do espaço foram muito úteis para que a ciência moderna desligasse o acontecimento de qualquer particularidade onde se implicassem ritmos vitais.

Assim, o detrimento da experiência de viver num lugar em favor da quantificação e da abstração do existente foi útil para reduzir a diversidade do vivente apenas a recurso ou força,

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