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Adriano Moreira e o império português

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Academic year: 2020

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Adriano Moreira e o Império Português

José Maria dos Santos Coelho

Tese para obtenção do Grau de Doutor em

Letras

(3º ciclo de estudos)

Orientador: Prof. Doutor António dos Santos Pereira

Co-orientador: Prof. Doutor Alexandre António da Costa Luís

Artes e Letras

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UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR

Artes e Letras

Adriano Moreira e o Império Português

José Maria dos Santos Coelho

Tese para obtenção do Grau de Doutor em

Letras

(3º ciclo de estudos)

Orientador: Prof. Doutor António dos Santos Pereira

Co-orientador: Prof. Doutor Alexandre António da Costa Luís

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Dedicatória

Quero dedicar este trabalho aos meus. Foram eles que mais atentos seguiram o meu es-forço e a minha abnegação para atingir o objectivo que me propus quando iniciei esta Tese sem reclamação que me lembre.

Suportaram o meu cansaço, a minha ansiedade e algum mau humor. Agradeço em parti-cular a compreensão da minha mulher, Anabela Lamelas, da minha filha, Ana Miguel, e do meu filho, Diogo Nuno. No próximo futuro, recompensarei tudo o que por mim fizeram durante estes anos. Muito obrigado.

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Agradecimentos

Endereçar agradecimentos é sempre um acto que me torna feliz. Contudo, apesar dessa minha satisfação, temo não ser capaz de o fazer sem que me esqueça de alguém. Assumo, por isso, a responsabilidade de qualquer esquecimento que venha a ocorrer. Agradeço todo o apoio e a disponibilidade que me foram dispensadas pelos Senhores Professores Doutores António dos Santos Pereira, Orientador, e Alexandre António da Costa Luís, Coorientador. A sabedoria e o empenho que emprestaram ao meu trabalho foram decisivos.

Agradeço aos meus amigos, não destacando nenhum, todo o apoio que sempre me deram. Agradeço, igualmente, a compreensão da Direcção do Agrupamento de Escolas do Sabugal, onde sou Professor do Quadro, e que sempre me apoiou facilitando-me as ausências que, em-bora ao abrigo da lei vigente, nunca me foram negadas.

Agradeço, por fim, à minha família no sentido alargado e, especialmente, à nuclear, todo o apoio e compreensão.

Agradeço aos proprietários da Tipografia Marques e Pereira na Guarda e, em especial, à funcionária Rosa Gonçalves.

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Prefácio

A complexidade de trabalhos como este que nos propusemos realizar resulta, antes de mais, do facto de tratar temas muito contemporâneos, que implicam personalidades ainda vivas e assentam em documentação, muita dela, ainda insuficientemente tratada. Contudo, o apelo da temática que aqui apresentamos foi de grande peso na hora da escolha do assunto que poderíamos tratar nesta tese. Ponderados que foram os constrangimentos que determinariam o sucesso ou insucesso do nosso trabalho, concluímos que os mesmos poderiam ser ultrapassados na sistematização dos conteúdos, alicerçando o nosso estudo em bases documentais sólidas e assumindo, desde o início, a vulnerabilidade do conhecimento que apresentaríamos no final, já que, ao ritmo a que se vão apresentando novos documentos e novos estudos, as conclusões a que chegámos podem ser ultrapassadas em curto espaço de tempo. Ao mesmo tempo em que nos questionávamos acerca de todos estes considerandos, tínhamos, igualmente, a vontade ina-balável de não desperdiçar a “sorte” de ainda permanecer entre nós o protagonista desta tese. Seria imperdoável perder, de viva voz, as explicações, as informações e os considerandos que o Prof. Adriano Moreira nos pôde ainda prestar. Mesmo tendo consciência dos riscos que corría-mos ao escolher este tema, justamente pela natureza das coisas, sabíacorría-mos que poderíacorría-mos não mais ter acesso ao último ministro vivo de Oliveira Salazar.

O interesse pelo conhecimento dos verdadeiros motivos do afastamento de Adriano Mo-reira da pasta do Ultramar, de forma inusitada e em tempo menos oportuno conduziu-nos à curiosidade própria de quem espera respostas, a confirmações de teses, aclarações ou mesmos desmentidos. Aquilatar o peso da relação entre o ministro Moreira e os militares interessava-nos numa perspectiva de avaliar as pressões que Oliveira Salazar terá sofrido, ao ponto de colocar termo às reformas ultramarinas que tanto ambicionara quando chamara Adriano Moreira ao go-verno. Afinal, quisemos sempre saber qual o verdadeiro peso do “Príncipe” que residiu no seio do mundo militar durante todo o Estado Novo, até que ponto António de Oliveira Salazar foi um refém dos militares durante o seu longo consulado. O Professor Adriano Moreira foi muito claro na sua afirmação quanto ao excessivo peso do meio castrense na política ultramarina por-tuguesa. Foi-o, ainda mais, quando a guerra em Angola e, sucessivamente, em Moçambique e na Guiné, denunciou a fragilidade do velho Presidente do Conselho em determinar o papel dos militares na questão ultramarina

Este trabalho clarifica dois segmentos fundamentais na política ultramarina portuguesa durante o Estado Novo: um, o mais teórico, a adopção do luso-tropicalismo como doutrina ofi-cial do Estado português, a partir dos anos de 1940, numa tentativa de justificar o injustificável – o colonialismo; o outro avalia o papel das Forças Armadas na política nacional e, particular-mente, na política ultramarina. Temos consciência das limitações implícitas a este tipo de tra-balho e, em particular, também às que se prendem com o nosso esforço pessoal. Há, contudo, que levar em conta que a nossa intenção foi somente a de podermos acrescentar algo mais ao que já se estudou e, se possível, servir de lastro de partida para outros estudos.

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fac-to de uma boa parte dos instrumenfac-tos de informação não estarem, ainda, disponíveis; contudo, clarificador em relação aos objectivos que estiveram na base da opção por nós feita.

O estudo continua em aberto e encerra em si mesmo a capacidade de ser acrescentado e clarificado.

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Resumo

O trabalho que desenvolvemos no âmbito da relação vivenciada entre o Prof. Doutor Adriano Moreira e o Estado Novo na vertente de resolução da questão ultramarina a partir do final da Segunda Guerra Mundial assenta, justamente, na tentativa que fizemos de identificação das linhas fundamentais que nortearam o papel do Professor. Este teve uma acção enquanto ideólogo, assumindo o lusotropicalismo de Gilberto Freyre, mas, de igual modo, desenvolveu um papel de diplomata integrando as delegações que, no estrangeiro, nomeadamente na ONU, tentaram legitimar a posse das Províncias Ultramarinas por parte de Portugal. Quanto à acção de ideólogo, há que reafirmar o papel de reformador, nomeadamente na questão do Sistema Prisional Ultramarino, ou, com maior repercussão, a revogação do estatuto do Indígena. Já no papel de diplomata, devemos realçar a inteligência e a antecipação que o Professor demonstrou nas Nações Unidas ao antever uma evolução lógica da situação colonial portuguesa. A interpre-tação quer da composição da ONU, onde prevaleciam as potências vencedoras guerra, quer da evolução dos equilíbrios que, naquela Organização, se iam gerando, fizeram de Adriano Moreira um dos homens com maior conhecimento do mundo e da sua evolução nas décadas de 1960 e de 1970.

Defensor acérrimo da autonomia progressiva das Províncias Ultramarinas portuguesas, empreendeu, enquanto ministro, reformas de extrema importância, entre as quais as que já destacámos neste texto. Para além dessas, importa referenciar a criação de várias escolas no Ultramar, incluindo os Estudos Superiores Universitários. Pretendia, assim, criar uma elite instruída que pudesse tomar em suas mãos o futuro daqueles territórios. A luta pelo poder ti-nha começado nos inícios dos anos sessenta do século XX. Tentava-se identificar, entre os mais próximos, aquele que viria a ser o sucessor do presidente do Conselho – Oliveira Salazar. Franco Nogueira, Marcello Caetano e também Adriano Moreira eram apontados como delfins do velho chefe do governo. Entretanto, apesar de embrenhados na guerra ultramarina, os militares não ficavam de fora desta luta pelo poder. O Novíssimo Príncipe apertava o cerco aos ministros civis e isso aconteceu com o ministro do Ultramar – Adriano Moreira. Acabaria por se demitir quan-do Salazar lhe comunica que, tenquan-do receio das acções quan-dos militares e não tenquan-do a garantia de poder continuar no comando do regime, era obrigado a abandonar as reformas iniciadas pelo ministro do Ultramar, Adriano Moreira. Após este acontecimento, verificou-se um retrocesso enorme na evolução das Províncias Ultramarinas.

Defensor incondicional da língua portuguesa, Adriano Moreira recusa qualquer tipo de acordo normativo para a mesma que unificaria todas as formas de escrita nas diferentes lati-tudes onde diferentes povos falam o português. O Professor usa, amiúde, uma expressão por si criada e que se tornou já bandeira dos defensores da língua lusa: “A língua não é nossa, tam-bém é nossa”. Moreira defende que a língua, depois de entregue aos povos que a passam a ter como língua oficial, passa a evoluir de acordo com influências próprias de cada lugar e com as influências endógenas e exógenas que sobre ela se exercem.

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Comuni-dade de Países de Língua Portuguesa, ainda enquanto Presidente da SocieComuni-dade de Geografia de Lisboa. Depois foi o Brasil quem criou a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. O grande papel na criação da CPLP coube, sem dúvida, ao brasileiro Jorge Aparecido de Oliveira. O Pro-fessor acreditou, e acredita ainda, que esta organização de países falantes do português consti-tui uma janela de liberdade para Portugal e para a Europa. Esse núcleo de países deve tornar-se um potentado económico e um espaço de liberdade que marque, definitivamente, o Atlântico Sul. Portugal deve constituir uma ponte de passagem entre o mundo marítimo na África, nas Américas e mesmo no Oriente e a velha Europa, cujo euromundismo desaparecera há muito.

De forma clara, Adriano Moreira assume que se não tivesse saído do Ministério do Ul-tramar e, em consequência, abandonado as reformas em curso, e, ao mesmo tempo, tivesse sucedido a Salazar, a guerra no Ultramar teria tido um fim rápido, negociado e sem que se per-petuassem cicatrizes profundas como aconteceu. Ao mesmo tempo, esclarece que a evolução de Portugal para a democracia ter-se-ia verificado sem sobressaltos. A transição que o Professor fez do Estado Novo para a Democracia foi calma e com a assunção dos valores democráticos que lhe foram propostos. De certa forma, eles encaixavam nos valores do respeito cristão pela pessoa humana, o que deu alguma paz ao futuro Presidente do CDS. Moreira mantém-se extre-mamente interessado pelos temas actuais, internos e externos, o que lhe permite emitir claras opiniões sobre os mesmos. Continua a sonhar para Portugal um futuro auspicioso que passará, sem dúvida, por uma grande viragem deste país para o Atlântico.

Palavras-chave

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Abstract

The work we have developed regarding the relationship experienced between Professor Adriano Moreira and the Second Portuguese Republic (Estado Novo) in relation to the resolu-tion of the overseas quesresolu-tion as from the end of the second world war, is exactly based on the attempt we made to identify the fundamental lines the guided the Professor’s role. He played the part of ideologist, assuming the Lusotropicalism of Gilberto Freyre, but, similarly he deve-loped a role as a diplomat by integrating the delegations abroad, namely the UN, attempting to legitimize the possession of the overseas provinces in Portugal’s name. As far as his action as an ideologist, we need to reaffirm the role of reformer, namely in the issue of the Overseas Prison System, or with greater repercussions, the revocation of the Indigenous status. As a diplomat, we should emphasize the Professor’s intelligence and the anticipation shown at the United Nations, foreseeing a logical evolution of the Portuguese Colonial Situation. The interpretation both of the composition of the UN (where victorious power wars prevailed) and the evolution of the equilibria that the Organization would generate, made Adriano Moreira one of the men with the greater knowledge of the world and its evolution in the 1960’s and 1970’s.

Staunch supporter of the progressive autonomy of the Portuguese Provinces Overseas, as minister, he undertook extremely important reforms among which the ones already highlighted in this text. Furthermore, the establishment of various schools overseas, including Higher Edu-cation Universities should be noted. In this way, he intended to create an educated elite who could take the future of these territories into their own hands. The fight for power had begun in the beginning of the sixties in the 2oth century. Among those closest, an attempt was made to identify the one who would be Oliveira Salazar, the Prime Minister’s successor. Franco Nogueira, Marcello Caetano and also Adriano Moreira were names put forward as the political heirs of the old head of government. Meanwhile, despite being caught up in the war overseas, the milita-ry did not stay out of this power struggle. The New Prince/ Novíssimo Príncipe tightened the circle against civil ministers and this happened with the Overseas Minister – Adriano Moreira. He eventually resigned when Salazar informs him that fearing military action and not having the guarantee of being able to continue in charge of the regime, he was forced to abandon the reforms initiated by the Overseas Minister, Adriano Moreira. Following this event, a huge step backwards in the evolution of the provinces overseas took place.

Unconditional defender of the Portuguese language, Adriano Moreira refuses any kind of legal agreement which would unify all forms of writing in different latitudes where different people speak Portuguese. The Professor often uses an expression he himself created and which has become a flag flown by the defenders of the Portuguese language. “The language is not ours, it is also ours.” Moreira defends that after a language is handed to the people who will use it as an official language, it begins to evolve according to the influences of each place and the endogenous and exogenous influences that are exerted on it.

Very soon Adriano Moreira invested on the need and validation in what concerns the cre-ation of a Community of Portuguese Languages, while he was, still, the President of the Lisbon

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Geography Society. Later on, it was Brasil that created the Community of Portuguese Lan-guages. The major role on the CPLP Foundation was, doubtless, played by the brasilian Jorge Aparecido de Oliveira. The Professor believed and still believes that this organization of Portu-guese speaking countries constitutes a window of freedom for Portugal and Europe. These core countries must become an economic potentate and a space of freedom that definitely marks the South Atlantic. Portugal should be a bridge crossing between the maritime worlds in Africa, The Americas, even in the East and the old Europe where the European World has long gone.

Clearly and unequivocal manner, Adriano Moreira assumes that if he had not left the Over-seas Ministry, consequently abandoning the ongoing reforms and at the same time succeeded Salazar, the overseas war would have had a quicker negotiated end, without the perpetuation of deep scars. At the same time, he clarifies that the evolution of Portugal towards democracy would have occurred smoothly. The transition the Professor carried out from the Estado Novo to Democracy was calm, without alarms and with the assumption of the democratic values that were proposed. In a way, they fit in with the Christian values of respect for the human being which brought some peace to the future President of CDS. Moreira maintains extreme interest in current affairs, both internal and external, which allows him to articulate clear opinions on these issues. He continues to dream about an auspicious future for Portugal, which undoubtedly will include a new turning point of this country towards the Atlantic.

Key Words

(14)

Indíce

Dedicatória

... III

Agradecimentos

... V

Prefácio

... VII

Resumo

... IX

Abstract

... XI

Siglas e Acrónimos

... XV

Introdução

... 3

Capítulo I

Adriano Moreira: um percurso. ... 29

1. Adriano Moreira: dados biográficos. ... 29

2. A formação do ideário de Adriano Moreira. ... 34

3. Alguns contemporâneos de Adriano Moreira. ... 39

4. A aproximação de Adriano Moreira ao Estado Novo. ... 47

Capítulo II

Gilberto Freyre, o Luso-tropicalismo e Adriano Moreira. ... 59

1. Luso-tropicalismo: uma teoria social. ... 59

2. 0 Luso-tropicalismo na perspectiva de Adriano Moreira. ... 63

3. O Luso-tropicalismo em outros autores. ... 69

4. Luso-tropicalismo: uma teoria do Estado Novo? ... 77

Capítulo III

Adriano Moreira, o Ultramar Português e os Organismos Internacionais. ... 83

1. A ONU e o princípio da descolonização. ... 83

2. Portugal, o Império e a ONU. ... 86

3. A questão ultramarina em Portugal e a posição da Igreja Católica. ... 93

4. A diplomacia portuguesa após 1945 e as relações com os aliados tradicionais. ... 103

Capítulo IV

Adriano Moreira para além do Estado Novo. ... 109

1. Adriano Moreira e o Portugal do pós 1945. ... 109

2. Adriano Moreira: um crítico do Estado Novo. ... 114

3. Adriano Moreira: um conhecedor do Império. ... 117

4. Adriano Moreira: escolhido para Ministro do Ultramar. ... 122

(15)

Capítulo V

Adriano Moreira: a construção de uma alternativa. ... 133

1. Adriano Moreira: a antevisão do futuro do Ultramar. ... 133

2. Adriano Moreira e as reformas ultramarinas que o Regime recusou. ... 136

3. O Ministro Adriano Moreira: uma alternativa à guerra Ultramarina e a posição dos milita-res. ... 141

4. A Língua como elemento agregador ou o nascimento do V Império? ... 156

5. A CPLP: da criação à actualidade - o Futuro. ... 165

Conclusão

... 179

Bibliografia e Netgrafia

... 197

Bibliografia de Adriano Moreira - corpus da tese

... 198

Bibliografia Geral

... 200

Netgrafia

... 207

Apêndices

... 213

Questões a colocar ao Prof. Dr. Adriano Moreira

... 215

Apêndice A

... 217

(16)

Siglas e Acrónimos

AM - Adriano Moreira

CDS – Centro Democrático Social CEE – Comunidade Económica Europeia. CEPS – Centro de Estudos Políticos e Sociais.

CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. EUA – Estados Unidos da América.

ISCSPU – Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas do Ultramar. JC – José Coelho

MUD – Movimento de Unidade Democrática. NATO – Organização do Tratado do Atlântico Norte. ONU – Organização das Nações Unidas.

OUA – Organização de Unidade Africana. SDN – Sociedade das Nações.

UBI – Universidade da Beira Interior.

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Adriano Moreira e o Império Português

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Introdução

“Tinha esse poder sobre todos os territórios ultramarinos. Era um poder enorme”1

Iniciamos esta introdução com uma das frases emblemáticas de Adriano Moreira em epí-grafe: “Era um poder enorme”2. Trata-se, pois, da assunção das responsabilidades inerentes a este poder que, por ser grande, terá representado, ou não, um marco indelével na relação de Portugal com as Províncias Ultramarinas nos inícios da década de 1960. Interessa-nos, assim, a partir desta afirmação, interpretar o pensamento e a acção do autor face a um período crucial da história de Portugal, que pretendemos situar entre a Segunda Guerra Mundial e a Revolução de 25 de Abril de 1974. O que se espera com este trabalho prende-se, justamente, com a cla-rificação que se torna necessária das posições de Adriano Moreira face a um poder ditatorial e decadente, que caracterizou o Estado Novo, em especial depois dos finais da década de 1950, bem como aos meandros das relações de Portugal com as possessões Ultramarinas. Aqui, como o próprio título deste trabalho indica, deter-nos-emos mais tempo, pois que é, justamente, o âmago da nossa Tese.

O mundo mudara com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948). Os impérios chegavam ao fim e a realidade geopolítica global alterava-se. Fora definitivamente consagrado o direito dos povos à autodeterminação, o que implicava, para as potências colonizadoras, uma nova visão do mundo – um mundo de contrastes económicos e culturais que, em pé de igual-dade, sentava à mesma mesa países ricos e países pobres, povos com Estados consolidados e outros recém-chegados à independência. Mesmo os impérios mais estruturados politicamente, como era o caso do britânico, começaram a desmoronar-se. As potências colonizadoras acei-taram, na maioria dos casos, que os territórios não autónomos por si detidos tinham o futuro aberto para a independência. A ONU constituiu, a partir do final da Segunda Guerra Mundial, a estrutura jurídica internacional que garantia o direito dos povos a serem donos do seu destino. A autodeterminação passou a ser um princípio normativo dos novos desígnios do Direito Interna-cional. A Carta das Nações tonou-se uma espécie de Constituição para os povos que a aceitaram ao aderirem à ONU. Logo na declaração de intensões e na definição dos meios para alcançar os objetivos definidos, os povos signatários da Carta das nações Unidas deixam bem claras as linhas da Política Internacional para o futuro. A Seguinte transcrição é disso a prova.

“ Nós, os povos das Nações Unidas, decididos:

a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por duas vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade;

a reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da

1 SOROMENHO, Ana; CASTANHEIRA, José Pedro – Tive um poder enorme como ministro do Ultramar

[em linha]. Expresso. Lisboa: 22 de Novembro de 2008. Disponível em http://expresso.sapo.pt/tive-um-poder-enorme-como-ministro-do-ultramar=f459552. Consultado em 23 de Abril de 2013.

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pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações, grandes e pequenas;

a estabelecer as condições necessárias à manutenção da justiça e do respeito das obriga-ções decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional;

a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de um conceito mais amplo de liberdade;

e para tais fins:

a praticar a tolerância e a viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos; a unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais;

a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição de métodos, que a força armada não será usada, a não ser no interesse comum;

a empregar mecanismos internacionais para promover o progresso económico e social de todos os povos;

Resolvemos conjugar os nossos esforços para a consecução desses objectivos.

Em vista disso, os nossos respectivos governos, por intermédio dos seus representantes reunidos na cidade de São Francisco, depois de exibirem os seus plenos poderes, que foram achados em boa e devida forma, adoptaram a presente Carta das Nações Unidas e estabele-cem, por meio dela, uma organização internacional que será conhecida pelo nome de Nações Unidas”.3

Neste contexto, Portugal mostrava total incapacidade para integrar o pelotão da mu-dança, resistindo tanto quanto podia, mesmo sentindo esfumarem-se as velhas alianças, como era o caso da mantida com a Grã-Bretanha. Apoiado em postulados como o de Império, o de Missão e o de Evangelização, Salazar ambicionava justificar o pretenso particularismo da colo-nização portuguesa. Insistia numa realidade geopolítica inexistente: um país pluricontinental e multirracial. Na realidade, era esta a tipificação que o regime usava para recusar a aplica-ção dos ditames da Carta das Nações e do artigo 73º da mesma. Na linha deste pensamento político de Salazar e incorporado pelo próprio regime, alguns políticos usaram teorias mais ou menos fundamentadas para alicerçarem a determinação do Estado Novo em manter o Império. Encontramos neste grupo teorizadores como Adriano Moreira. Para ele, havia particularismos linguísticos, históricos, culturais e até administrativos que tinham permitido aos portugueses criar um mundo luso. Este pensamento está bem patente em toda a obra do sociólogo Gilberto Freyre, como se pode inferir do texto imediato:

“Em Casa Grande e Senzala e nos livros de Gilberto Freyre que se seguiram, procura estabe-lecer-se uma interpretação para o processo global da cultura e de vivência que considera ser a base do sucesso brasileiro. Nelas se definem dois pontos diferentes, ainda que, não raro, solidários: um, salienta o ajustamento bem-sucedido do português no mundo tropical, em diversas modalidades regionais que, não obstante, apresentam um como que “ar de família”. O outro visa ou envolve,

3 Carta das Nações Unidas, [em linha], disponível em

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para esse efeito, uma interpretação da mentalidade e da cultura portuguesas, com vista a explicar o sucesso da sua transferência para o meio tropical”.4

É deste pensamento em parte inovador e, por isso mesmo, cativante, que Adriano Morei-ra se torna aMorei-rauto e defensor. A justificação paMorei-ra o colonialismo português parece perfeita. A defesa de uma comunidade intrinsecamente consciente da sua pertença a uma cultura lusa po-deria tornar-se tese de aceitação obrigatória nas Nações Unidas. Na verdade, Freyre acreditava existirem particularismos na cultura portuguesa que fabricaram uma realidade multicultural no Brasil que podia, justamente, multiplicar-se em Angola, Moçambique e restantes Províncias Ultramarinas. Verdadeiramente digna de admiração, a realidade brasileira constituía no Pós-Segunda Guerra Mundial um referencial no processo de emancipação dos povos colonizados. A própria Grã-Bretanha terá sentido vontade de aplicar este modelo sociocultural na região da Índia e do Paquistão, não tendo, contudo, obtido sucesso.

O Luso-tropicalismo reflete particularidades muito próprias da realidade brasileira. Con-tudo, a África não era o Brasil e este não se emancipou pela via dolorosa da luta contra o colo-nizador, mas sim com o acordo deste. O tempo, o modo e os protagonistas da emancipação bra-sileira não eram repetíveis. O Brasil do século XIX era, no fundo, um caldeirão de culturas, de etnias, de cores e de origens. De facto, no caso do Brasil, foram povos de África e da Europa que se encontraram numa terra estranha. As populações autóctones no território brasileiro foram pouco interventivas face à força dos povos que nela se instalaram. A exploração das riquezas no Brasil (o açúcar o ouro…) conduziram para aquele território populações diversas e com línguas e modos de vida diferentes. Foi este particularismo que conduziu a uma economia de escala mundial, aumentada pela fixação da Corte no Rio de Janeiro, em resultado das invasões fran-cesas (1807). Foi esta a realidade que inspirou Gilberto Freyre na criação do luso-tropicalismo como teoria explicativa da essência do Portugal único.

O último tempo da Monarquia em Portugal saldou-se por dificuldades em manter um Im-pério vasto e disperso. O Ultimato inglês de 1890 revelou as debilidades da organização política e administrativa portuguesa naquilo que respeitava às colónias.

Os modelos ideológicos vigentes após 1945 são substancialmente diferentes daqueles que vigoravam antes daquele conflito bélico. Os novos paradigmas ideológicos mostraram-se defensores da emancipação nacionalista e da defesa dos direitos do Homem. O mundo mudara e, apesar dessa mudança, alguns países, velhas potências coloniais, teimavam em manter o sonho do imperialismo. Era neste grupo que Portugal se encontrava. No contexto do Estado Novo, havia, pois, que legitimar a manutenção dos territórios ultramarinos. O grande desígnio que o regime português acreditava ser o de civilizar e missionar aqueles territórios era um tema quase dogmático. Esta realidade justificava a adesão de uma grande parte dos intelectuais lusos do tempo, e não só os ligados às cúpulas do poder ou à filosofia freyreana. Corroborando esta ideia, Carlos Monjardino afirmou:

4 MACEDO, Jorge Borges de - O Luso-tropicalismo de Gilberto Freire: metodologia, prática e

resulta-dos [em linha], Revista ICALP. Disponível em

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“Falar de Tropicologia é, ainda, evocação de Gilberto Freyre por conhecer a importância do luso-tropicalismo como contribuição decisiva para essa nova perspectiva. Portugal, na sua expan-são pelo mundo, iniciou as primeiras rotas regulares de ligação entre os povos e culturas. E diria até que nessa atitude inicial, própria da aproximação dos povos, apesar de todos os elementos negativos, com o que também foi feito, mostra que houve, da nossa parte, um elemento decisivo, que foi a relação do português com o diferente. Ora, nós nos conhecemos através do diferente, e é perante outras culturas que tivemos consciência da nossa. Os diferentes ou nos fascinam ou nos actualizam. Creio que esse fascínio pelo diferente está na base da nossa aproximação com outros povos. A Carta de Pêro Vaz de Caminha, por exemplo, revela porventura, o único encontro entre os povos feitos através da alegria, da dança e do jogo. Por outro lado, A Peregrinação, de Fernando Mendes Pinto, continua a ser o grande documento literário da peregrinação portuguesa pelo mun-do. É um relato continuado da importância, diria mesmo do deslumbramento, que a surpresa do diferente nos pode provocar”.5

Já quanto a Adriano Moreira, que anteriormente se mostrara, em certa medida, distante do regime político, a partir dos inícios da década de 1950, começa a ensaiar uma certa apro-ximação ao Estado Novo, tendo prestado serviços a Salazar, nomeadamente na ONU. Por se ter tornado visivelmente afecto e cooperante com o Governo, Adriano Moreira chega mesmo a integrar, em lugar cimeiro, a lista de nomes para possíveis sucessores de António de Oliveira Salazar. O próprio não o assume, mas vários dos seus contemporâneos falam nisso.

Chegados a este ponto da nossa reflexão, assume importância dar expressão a algumas dúvidas que nos têm assaltado: o que terá levado Adriano Moreira a aproximar-se do Regime político? Terá Moreira aceitado que só dentro dele poderia tentar as reformas necessárias nas antigas colónias? Talvez. Já quanto à sua fortíssima aceitação e defesa do luso-tropicalismo, temos dúvida se esta teoria do sociólogo brasileiro funcionou como teoria estruturante de uma doutrina defensora do Império Colonial Português, ou se, pelo contrário, terá sido ela mesma apropriada pelo salazarismo como força impulsionadora e motivadora para consolidar a colo-nialismo português.

Procurando conhecer os contornos da ligação de Adriano Moreira ao regime de Salazar, interessa-nos percepcionar de que forma o pensamento social cristão preponderante no meio académico nesta altura contribuiu para a especificidade dessa ligação. O que terá motivado o chefe do governo português a depositar em Moreira tão alta confiança ao ponto de o encarregar da defesa das posições portuguesas nas Nações Unidas? Que Adriano Moreira temos nós a partir dos inícios da década de 1950 – um cooperante com o regime de forma desinteressada ou, pelo contrário, um homem com ambições políticas inconfessáveis? É a estas e outras interrogações que procuraremos responder, para tentarmos compreender uma história pessoal que também é nacional. De que “armas” estava o Ministro Adriano Moreira munido para resolver a questão ultramarina?

5 CUNHA, Lúcia Carvalheira; VILA NOVA, Sebastião - Os Trópicos: na era da globalização: anais da

reu-nião especial comemorativa dos 30 anos do Seminário de Tropicologia, Setúbal, Portugal (1996), I.ª sessão. Recife: Fundação Joaquim Nabuco: Editora Massangana, 1998.

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Não pretendemos, com este trabalho, dar resposta a todas as questões que os aconteci-mentos na vida de Adriano Moreira nos foram sugerindo. Tratando-se de um dos homens mais marcantes da política portuguesa na segunda metade do século XX, identificar linhas estru-turantes do seu pensamento ideológico-político e das suas relações com o poder castrense, o Príncipe,6 será imperativo desta tese. Onde residia o real poder no Portugal do Pós-Segunda Guerra Mundial? No governo? Nos militares? Nos grupos económicos que nasceram e cresceram após o impulso industrializador de finais da década de 1950?

Na década de 1950, a propaganda que pretendia aliciar colonos para o Ultramar começa-va a ser intensa. Havia um imperativo de ocupar, de forma organizada e sistemática, territórios até aí com pouco interesse para os emigrantes metropolitanos. Havia que replicar em Angola e em Moçambique a realidade provinciana das Beiras ou de Trás-os-Montes, caracterizada por agricultores pobres, analfabetos e com vontade de aproveitar as promessas de uma vida me-lhor. Colonizar o interior daqueles territórios africanos pretendia aumentar a ocupação branca de modo a torná-la equilibrada com a autóctone. Nunca foi possível conseguir tal feito, como havemos de demonstrar. Foi neste contexto que Adriano Moreira, no concurso para professor or-dinário, apresenta provas com uma dissertação sobre O Problema Prisional do Ultramar, tendo sido aprovado por unanimidade. Como curiosidade, diremos que Marcello Caetano foi arguente nestas provas e, ironia do destino, arguente e arguido haveriam de se cruzar mais tarde nos corredores do poder. Os trabalhos académicos sucedem-se e adensa-se e a simpatia de Moreira pelos temas do Ultramar também. Notamos em Adriano Moreira uma vontade enorme de levar a cabo reformas no Ultramar que, segundo a sua visão, acabariam por conduzir a uma autonomia controlada desses territórios. O Luso-tropicalismo defendido por Gilberto Freyre acabaria por ser a base do pensamento do Professor Moreira. Pensamos que a atenção do Professor para com os problemas do Ultramar se prende com duas realidades: uma, talvez a mais importante, a que tem a ver com a necessidade de Portugal investir nas Províncias Ultramarinas, tornando-as peças integrantes do território nacional como, aliás, convinha ao regime; a outra, certamente, o despertar nos académicos do interesse por uma questão supranacional que se evidencia após o fim da Segunda Guerra Mundial – a descolonização. É nesta linha de pensamento que integra-mos a posição de Adriano Moreira favorável à revogação do Acto Colonial em 19517 e que, de

6 De facto, a noção de Príncipe aparece clara no pensamento de Maquiavel e repete-se na obra de

Adria-no Moreira O Novíssimo Príncipe, ambas referenciadas na bibliografia desta tese. Incorporámos também

nós essa noção aplicável ao poder das armas. Tal como com Maquiavel, também os militares durante o Estado Novo preferiram ignorar os meios para atingir determinados fim. Este foi sempre o domínio da sede do Poder.

7 Como afirmou o Prof. Fernando Rosas, “em 1930 quando interinamente assume a pasta das Colónias

Salazar promove a publicação do Acto Colonial – o Decreto n.º 18.570, de 8 de Julho –, diploma em cuja elaboração têm papel importante Quirino de Jesus e Armindo Monteiro, dois homens intimamente ligados aos interesses coloniais. O Acto Colonial resume os princípios dos diplomas anteriores e acrescenta-os, vindo substituir o título V da Constituição de 1911 e sendo posteriormente incorporado no texto da Cons-tituição de 1933 [por meio do decreto-lei n.º 22.465 de 11 de Abril de 1933 e modificado pela lei n.º 1900 de 21 de maio de 1935]. Resumidamente, esta lei-padrão da colonização portuguesa até aos anos 50 vem proclamar para o País uma ‘função histórica e essencial de possuir, civilizar e colonizar domínios ultrama-rinos’, afirmando como sua ‘ideia basilar’ que ‘o Estado não aliena, por qualquer título, nenhuma parcela do seu território colonial. In O Portal da História, História de Portugal [em linha], disponível em http://

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igual modo, defende a nova condição jurídico-administrativa das antigas colónias, que passam a ser designadas de Províncias Ultramarinas. Também a questão da propriedade no Ultramar interessa a Moreira. Em 1956, é publicado o pensamento do Professor a este respeito com o título “A propriedade no Ultramar”8. No mesmo ano, é criado um Centro de Estudos Político-Sociais que terá na direcção Adriano Moreira. Este Centro funcionará na dependência da Junta de Investigações do Ultramar. Nota-se aqui, justamente, um interesse muito grande do Prof. Adriano Moreira pela evolução do mundo ultramarino.

O que terá levado Moreira a interessar-se tanto pelo Ultramar? Questões éticas e políti-cas? Talvez, se considerarmos a sua acção na perspectiva da manutenção de um Império histori-camente ganho com sublime esforço. Questões de influência e de ganhos neste campo junto do poder? Acreditamos, sobretudo, neste último postulado. Trata-se de ganhos de poder por parte do transmontano, agora professor em Lisboa, que lhe podem permitir adquirir uma influência capaz de colocar os seus conterrâneos no caminho da emigração colonial. Neste particular, é curioso o aumento dos colonos idos de zonas rurais da metrópole, analfabetos muitos deles, para colonizarem regiões longínquas de Angola e de Moçambique. Neste particular convém referir que, apesar dos lavradores que emigram para o Ultramar, havia muitos outros com uma formação média superior a muitos dos habitantes que ficam por cá. Esses, detentores de for-mação, ocupam cargos na administração pública e, também, no tecido empresarial que, ainda que condicionado, vai crescendo naquelas paragens africanas.

Fosse pelas razões avocadas ou por outras quaisquer, o certo é que Adriano Moreira se mostrava, nos finais da década de 1950, como um dos cérebros mais esclarecidos acerca do Ultramar e capaz de empreender estudos de fundo, fazendo valer a posição portuguesa no pa-norama internacional. Interessa-nos perscrutar da bondade, ou da falta dela, no pensamento luso-tropicalista de Adriano Moreira. Foi com ele que António de Oliveira Salazar se escudou face a um mundo cada vez mais hostil à manutenção de territórios não autónomos por parte de potências europeias. Adriano Moreira produz, ao longo da sua actividade de homem do regime, muitos artigos clarificadores da sua doutrina. Referimos apenas os seguintes, como exemplo: “Portugal Ultramarino – contribuição de Portugal para a valorização do Homem no Ultramar”9. “O pensamento do Infante D. Henrique e a actual política ultramarina de Portugal”10. Nestes escritos, o autor refuta veementemente a ideia corrente de que o Homem ocidental teria pas-sado a agredir o mundo por si descoberto. Este pensamento implica uma dimensão civilizacional e desenvolvimentista. Recusa a ideia do branco mau e do negro bom.

Adriano Moreira assume-se, nos finais dos anos de 1950, como um homem convictamen-te luso-tropicalista, que assimilou de forma inequívoca o pensamento de Gilberto Freyre. Ao mesmo tempo, reforçava a sua ligação ao regime. O mundo tornara-se complexo demais para que Portugal usasse da simplicidade argumentativa que lhe era comumente peculiar. Tornava-se indispensável fundamentar, categoricamente e com sustentabilidade, a sua posição e, para

8 Id., Ibid. 9 Id., Ibid. 10 Id., Ibid.

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tanto, Moreira havia-se revelado o homem ideal. Escreve Duarte Silva sobre o valor das teorias de Gilberto Freyre na conduta do Ministro Adriano Moreira:

“A tese do Luso-tropicalismo passou a ser conhecida e admirada em Portugal e resumia, nesta década de 50, uma espécie de plataforma comum a autores e políticos do regime e da opo-sição «todos empenhados em saudar o sociólogo brasileiro que tem sabido realçar a benignidade da colonização portuguesa, o seu carácter cristocêntrico, tolerante e igualitário». De resto, “o pensamento gilbertiano” foi o pano de fundo da acção reformista empreendida por Adriano Moreira enquanto Ministro do Ultramar, sobretudo quanto à revogação do “Estatuto dos Indígenas” – deci-são «que Gilberto Freyre festejou» (…)”11.

O Professor Adriano Moreira adoptou, na íntegra, a ideologia lusotropicalista. Tê-lo-á feito por duas ordens de razões: a primeira prende-se com a validade que o Prof. Reconhece no pen-samento de Gilberto Freyre em relação à colonização portuguesa, a segunda por ter pretendido que essa teoria validasse internacionalmente as posições de Portugal face aos particularismos da sua colonização. Contudo, existem outros que duvidam e criticam Gilberto Freyre. Neste ponto, torna-se necessário evidenciar algumas das críticas que são feitas ao Luso-tropicalismo. Se é clara a aceitação da teoria de Freyre quer por parte de Moreira, quer pelo regime de Sa-lazar, que a usam internacionalmente como arma, ela é, igualmente, alvo de críticas, algumas delas violentas. Mário de Andrade critica abertamente o luso-tropicalismo, negando mesmo a sua validade na construção da realidade brasileira. Escreve Andrade: “O Luso-tropicalismo não é válido para explicar a formação do Brasil e é inteiramente falso para as circunstâncias do co-lonialismo português na África”12. Do mesmo modo, encontramos no pensamento do historiador britânico Charles Boxer uma crítica clara às teorias luso-tropicalistas de Gilberto Freye. Boxer considera que o racismo português existiu e não foi, de forma alguma, substituído pela vontade da mestiçagem na perspectiva da construção de uma sociedade inovadora. Ele expressa de for-ma sistefor-matizada o seu pensamento, nufor-ma obra que congregou várias conferências que o autor havia proferido nos Estados Unidos em 1962. A obra intitula-se “Race relations in the Portuguese Colonial Empire, 1415- 1825”. Nela, segundo Alberto Luiz Schneider, Boxer denunciou “com um rigor histórico e erudição as práticas raciais no Império Português da Era Moderna”13.

César Braga Pinto apresenta-nos no pensamento de Maria Lúcia Garcia Pallares-BurK algu-ma incongruência nas teorias de Gilberto Freyre. Em artigo intitulado “Os “Desvios” de Gilberto Freyre”, Braga Pinto remete para Burk, escrevendo o seguinte: “Segundo Pallares-Burk, antes de se tornar autor de Casa-grande & senzala, Freyre teria de sucumbir, para depois

11 SILVA, António E. Duarte - Sarmento Rodrigues, a Guiné e o Luso-tropicalismo, (O Luso-tropicalismo

e o colonialismo português) [em linha]. Disponível em http://cultura.revues.org/586. Consultado em 7 de

Outubro de 2014.

12 In PEREIRA, José Maria Nunes - Mário de Andrade e o Luso-Tropicalismo [em linha]. Disponível em

www.biblioteca.clacso.edu.ar/ar/libros/aladaa/nunes.rtf. Consultado em 18 de Maio de 2015.

13 SCHNEIDER, Alberto Luiz - Charles Boxer (contra Gilberto Freyre): raça e racismo no Império

Portu-guês ou a erudição histórica contra o regime salazarista [em linha]. Disponível em http://www.scielo.

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se distanciar, daquilo que ela chama de “paradigma racial” – que ele teria aceitado, quando não defendido, pelo menos até cerca de 1926”14.

Pesem embora as críticas que foram e continuam a ser feitas às teorias de Gilberto Freyre, elas tornaram-se, no que à África portuguesa diz respeito, quase uma cartilha. Políti-cos, militares e intelectuais, entre eles Adriano Moreira, aderiram de forma voluntariosa e com alguma convicção a uma explicação científica para os particularismos da ocupação territorial que os portugueses levaram a cabo em várias partes do mundo e, especialmente na região dos trópicos. Esta teoria explicava esses particularismos quer interna quer externamente.

O Estado Novo contribuiu sempre para manter o poder no centro do Império, a Metrópole. As autonomias nunca seriam suficientemente alargadas ao ponto de deslocar os centros de deci-são. Como afirma o Professor Adriano Moreira, “O principal elemento dos sistemas políticos é a sede do Poder, e todo o processo político se traduz essencialmente numa luta pela sua ocupação e manutenção”15. Esta luta também existiu em Portugal ao longo de toda a sua história. Existiu com períodos de maior ou menor ênfase e, com particular clareza, durante o Estado Novo. As sucessivas alterações jurídico-administrativas levadas a cabo pelo poder de Salazar tiveram, na sua essência, o objectivo primordial de manter em Lisboa o centro do Portugal Multirracial e Pluricontinental. Essa inabalável convicção conduziria Portugal primeiro à condenação externa e, depois, à própria guerra em África.

Na visão de Moreira, o pensamento de Maquiavel “obrigou a olhar para o poder como um facto, despido de considerações éticas”16. Neste pensamento materializa-se a norma funda-mental do acesso e da manutenção do Príncipe. Para além das questões éticas, levantam-se as razões de “Estado” que legitimam os meios usados para atingir o fim primeiro que é o de captar e manter o centro do poder. Moreira vai mais longe na análise desta questão, comparando o pensamento de Maquiavel com o de Aristóteles. Assim escreve o Professor:

“O capítulo XVII de O Príncipe destina-se a introduzir esse ponto de vista na análise do processo político. Em vez de, como Aristóteles, procurar vincular o Poder a um valor, Maquiavel trata o próprio Poder como o mais importante dos valores. Por isso explica como é que o tirano mente e esconde a sua natureza sob a capa de uma completa honestidade, e como sabe estabele-cer um pacto com o Diabo, não recuando na utilização dos meios para alcançar, manter e exerestabele-cer o Poder”.17

Certamente que António de Oliveira Salazar também leu, para além de Aristóteles, Ma-quiavel. Faz parte da literatura clássica dos estudos em Política, pelo que, se o leu, aplicou até ao fim os ensinamentos que bebeu. Na verdade, até ao final da vida, tentou manter a sede do

14 PINTO, César Braga - Os “Desvios” de Gilberto Freyre, [em linha]. Disponível em http://www.scielo.

br/pdf/nec/n76/17.pdf. Consultado em 7 de outubro de 2014.

15 MOREIRA, Adriano - Ciência Política, Coimbra: Almedina, 2009, p. 158. 16 Id., Ibid., p. 158.

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poder do “Portugal Uno” em Lisboa e, por outro lado, quis garantir a unidade imperial sempre superior a todos os sacrifícios individuais, em prol do bem comum e da Nação. Quando se fala de unidade imperial, torna-se necessário reflectir sobre essa realidade a que chamamos Impé-rio. Importa saber até que ponto a noção de Império Ultramarino deixou de ser abstrata e se tornou uma realidade político-geográfica inerente ao próprio regime do Estado Novo.

O conceito de Império tem merecido da parte de vários estudiosos uma atenção constan-te. Um dos estudiosos que mais se tem debruçado sobre este tem sido Michel Cartier. No seu artigo Impérios in Enciclopédia Einaudi, Cartier começa por escrever os seguinte:

“Designa-se geralmente com o termo ‘império’ toda a organização hegemónica que trans-cenda os quadros étnicos ou políticos naturais e tenda para um certo tipo de dominação universal. Este conceito, que releva indiferentemente do campo político em sentido estrito ou do económico, é susceptível de se aplicar a um grande número de estados da Antiguidade, da Idade Média ou dos tempos modernos.”18

Cartier dá-nos uma definição de Império abrangente mas, simultaneamente, actual. Na verdade, os princípios que presidem à construção de um Império, parece serem intemporais.

Mais adiante, Cartier constrói uma teoria interessante quanto à forma de organização e durabilidade dos Impérios. Escreve Cartier:

“A conquista não é senão uma condição necessária à constituição dos impérios; com efeito, qualquer construção política não dura senão na medida em que consegue dotar-se de uma estru-tura capaz de assegurar a continuidade. Esta regra é particularmente importante tratando-se de sistemas que reúnem pela força populações e culturas sem qualquer elemento comum na origem. Conhecem-se numerosos impérios que não conseguiram manter a sua coesão para além da exis-tência física do seu criador; o exemplo mais célebre de uma conquista bruscamente interrompida pelo desaparecimento do seu promotor é, sem dúvida, o da expedição de Alexandre o Grande, cujo império se desmembra imediatamente”.19

Mais adiante, Michel Cartier reflete sobre a evolução da realidade império na sua evolu-ção até ao conceito de imperialismo. Analisa mesmo os casos ibéricos de Portugal e da Espanha comparando-os com outros como o inglês.

O que se pretende com debates e estudos sobre este tema é, tão-somente, distinguir as várias interpretações que o vocábulo Império permite. Tratando-se de uma realidade político-jurídica muito antiga, um Império, no sentido mais actual do seu significante, abrange reali-dades várias que vão muito para lá das concepções tradicionais. O século XIX traduziu para os tempos modernos a ideia burguesa e capitalista do significado de Império. Trata-se, portanto,

18 CARTIER, Michel, Impérios, Enciclopédia Einaudi, volume 14, Estado-Guerra, Director, Ruggiero

Roma-no, Coordenador-responsável, Fernando Gil, Edição Portuguesa, Imprensa nacional-Casa da Moeda, 1989, p. 318.

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nos tempos modernos, de uma construção ideológica determinada pela pressão burguesa sobre as velhas concepções que apenas interpretavam com sentido político a noção de Império. Es-creve, em relação a esta temática, Luís Moita:

“O conceito de império tem sido objecto de debates interessantes, designadamente em tor-no da sua aplicabilidade às relações internacionais contemporâneas. Numa palavra: será o termo adequado para interpretar a actual posição norte-americana no mundo? Tenho a convicção de que pode ter alguma utilidade explorar esse tema do Império, como tantos outros o têm feito, nem que seja como pretexto para, justamente, percorrer a actualidade e dela explicitar alguns traços salientes”20.

No seguimento deste raciocínio interessa-nos, igualmente, desligar o conceito de Império daquele outro que é o de Imperialismo. De facto, o primeiro, ainda que assumindo várias mo-dalidades, é muito antigo, remontando mesmo à Antiguidade pré-clássica. O conceito existiu já no Antigo Egipto e mesmo na região da Pérsia onde hoje se situa o Irão. Contudo, a significância desta palavra evolui de acordo com o período a que respeita e a consciência que os Imperadores tiveram dessa realidade. Tratava-se, pois, de um território geralmente vasto, governado por um Imperador. Contudo, nem sempre o Imperador se mostrou capaz de manter esse Império. Por questões diversas, económicas, sociais mas igualmente culturais e étnicas, nem sempre os impérios foram sustentáveis sem uma integração económica e social à semelhança dos seus criadores. Também em relação a este ponto Cartier escreve:

“Os impérios representam uma forma quase universal de organização política supra-étnica independente dos tipos ecológicos e das estruturas socioeconómicas, cujo sucesso prossegue muito além da persistência das condições que permitiram o seu aparecimento. Na medida em que, pelo contrário, as instituições imperiais se revelam incapazes de assegurar uma integração económica ou política comparável à dos estados nacionais que se desenvolvem na Europa Ocidental a partir do fim da Idade Média, os impérios são progressivamente eliminados ou constrangidos a reformarem-se sobre o modelo dos estados nacionais. A expansão europeia que reformarem-se reformarem-segue à época dos grandes descobrimentos não destrói numa primeira fase senão os impérios americanos dos Aztecas e dos Incas (…). No resto do mundo, na África como na Ásia, as conquistas permanecem limitadas a zonas marginais, simples pontos de apoio cuja dispersão através do espaço marítimo confere todavia à Espanha e a Portugal, primeiro, à Inglaterra, aos países baixos e à França, em seguida, uma supe-rioridade económica e militar indiscutível”.21

De facto, o conceito de Império tornou-se diferente num processo evolutivo resultante

20 MOITA, Luís - A Propósito do Conceito de Império, [em linha], Nação e Defesa. Disponível em http://

comum.rcaap.pt/bitstream/123456789/1264/1/NeD110_LuisMoita.pdf. Consultado em 29 de Agosto de 2014.

21 CARTIER, Michel, Impérios, Enciclopédia Einaudi, volume 14, Estado-Guerra, Director, Ruggiero

Roma-no, Coordenador-responsável, Fernando Gil, Edição Portuguesa, Imprensa nacional-Casa da Moeda, 1989, p. 320.

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dos condicionalismos de cada época.

Já quanto ao segundo conceito, o de Imperialismo, é bem mais recente. Constitui uma realidade abstracta, ideológica e política resultante da concorrência capitalista característica da época de dominação burguesa – séculos XIX e XX. A necessidade de dominar mercados e fon-tes de produtos primários conduziu, no século XIX, as grandes potências a essa realidade que designamos de Imperialismo. Foi neste contexto que, em 1885, se realizaram as Conferências de Berlim22.

Por vezes, este imperialismo sustenta-se na existência de um Império Colonial. Este novo conceito de Império confunde-se geralmente com o próprio colonialismo. Determina este a existência de colónias, politicamente dependentes de uma metrópole que exerce não apenas o poder político, mas, igualmente, o económico. Trata-se de um domínio da metrópole sobre a colónia no que conduz à exploração desta. Neste sentido, é de toda a conveniência apropriar-mo-nos da verdadeira relação entre dominado e dominador. Ela consiste, justamente, numa re-lação desigual, desequilibrada e de benefício para metrópole. Na verdade, desde a apropriação de bens pelo Homem e das trocas que os mesmos propiciam que as relações entre as diferentes comunidades estão estruturadas com base em diferentes níveis de relação. São eles o centro, as semiperiferias e as periferias. Estas últimas foram sempre identificadas com as colónias. A relação destas com as metrópoles (Centro e semiperiferias) estabeleceu-se justamente na base de uma relação desigual, o que deu sempre vantagens à metrópole. Trata-se, assim, de uma relação imperialista. É um tipo de imperialismo comum na Europa dos séculos XIX e na primeira metade do século XX. Trata-se, pois, de um imperialismo capitalista.

O Professor da Universidade de Coimbra Amadeu Carvalho Homem analisa a teoria do inglês Cecil Rhodes,23 homem de grande peso na política imperialista britânica, escrevendo o seguinte acerca da acção de Rhodes na política colonial inglesa na África:

“Se Cecil Rhodes conseguisse realizar a sua espantosa e portentosa visão, o melhor das ri-quezas africanas seria despejado na cornucópia mercantil do seu país. Por isso Londres o elevaria, em 1890, a governador do Cabo, reconhecendo nele o mandatário insubstituível da sua estratégia para a África meridional”.24

A eclosão da Primeira Guerra Mundial e, sobretudo, os resultados geopolíticos definidos

22 Entre Novembro de 1884 e Fevereiro de 1885, realizou-se em Berlim uma conferência que viria a ficar

conhecida como a Conferência de Berlim. Nela foram discutidas seis questões fundamentais relativas aos interesses coloniais na África Central: liberdade de comércio na bacia do Congo e seus afluentes; interdi-ção ao comércio de escravos; neutralidade dos territórios na bacia do Congo; navegainterdi-ção no Congo e no Níger; condições essenciais a serem seguidas nas novas ocupações no Continente Africano; e por último, quais as ocupações já efectuadas que seriam consideradas como efectivas. In Sociedade de Geografia de Lisboa, [em linha]. Disponível em http://www.spocgeografialisboa.pt/historia/conferencia-de-berlim. Consultado em 30 de Setembro de 2014.

23 Colonizador e homem de negócios britânico. As suas teorias estão na base da questão do Ultimato

inglês a Portugal em 1890, relativo ao chamado “Mapa cor-de-rosa”. Desta forma tornou-se uma das prin-cipais figuras no alargamento e consolidação do Império Colonial britânico.

24 HOMEM, Amadeu Carvalho - XXV, Cecil Rhodes e o Peão Português, [em linha]. Disponível em http://

lagosdarepublica.wikidot.com/XXV-cecil-rhodes-e-o-peao-portugues. Consultado em 01 de Outubro de 2014.

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em Versalhes (1919) trouxeram à discussão as questões do Imperialismo e, em particular, da questão colonial. O fim dos regimes imperialistas europeus e a nova visão democrática do es-tatuto das possessões europeias no mundo esbarraram com o fim do império euromundista. De facto, a velha Europa deixava de ser o centro económico, político, científico e financeiro do mundo. As reformas nos sistemas políticos europeus avolumavam-se em redor dos princípios democráticos consagrados na Sociedade das Nações (SDN). Escreve Caio Martins Bugiato:

“Para além das fórmulas apologéticas, foram duas as principais vertentes de interpretação crítica do imperialismo que se formaram do início do século até à Primeira Guerra Mundial: a refor-mista e a revolucionária. A formulação crítica reforrefor-mista, seja marxista ou não, tende a observar a política imperialista como um desvio ou uma deformação do processo civilizatório capitalista, que deveria ser corrigido, até para que se preservasse o potencial democrático, supostamente contido na ordem burguesa. A leitura reformista do imperialismo está principalmente vinculada ao debate iniciado na Alemanha, no seio do movimento socialista, em torno das ideias de Eduard Bernstein sobre a necessidade de revisão da teoria socialista marxista por conta das importantes novidades trazidas pelo desenvolvimento capitalista recente”.25

Consideramos ser necessário, ainda que muito sumariamente distinguir dois conceitos chave: Império e Império Colonial. Quanto ao significado deste último não o encontramos ex-plícito nas obras de Adriano Moreira. Mesmo na sua obra de memórias “Espuma do Tempo, Memórias do Tempo de Vésperas”26, o Professor não deixa, de forma clara, a noção de Impe-rialismo Colonial a que por vezes se refere. Neste contexto, deixamos para mais tarde e Capí-tulo apropriado o debate desta questão. Contudo, avaliamos já a posição de Marcello Caetano quanto a este assunto. Interessa conhecer o sentido que o mesmo atribuía à expressão “Império Ultramarino”. Escreve Marcello Caetano:

“Pertenci a uma geração para a qual o Ultramar surgiu como a grande missão de Portugal no Mundo. Leitores apaixonados de Eça de Queiroz – não era a África o caminho apontado na Ilustre Casa de Ramires aos portugueses que quisessem fugir à mediocridade das lutas partidárias em que se esgotava o regime Liberal?”.27

Encontramos no pensamento de Caetano, acerca do Ultramar, a referência a variadas influências para além da que se encontra na transcrição que fizemos. Reporta-se às influên-cias que teve das Leis Republicanas derivadas da Constituição de 1911 relativas às Colónias, remete para os princípios consagrados na Constituição do Estado Novo de 1933, refere-se ao pensamento de Oliveira Salazar e, igualmente, àquilo que internacionalmente se ia definindo

25 BUGIATO, Caio Martins - Teoria do Imperialismo: John Hobson, [em linha]. Disponível em http://

www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/ric/article/viewFile/171/(157. Consultado em 01 de Outubro de 2014.

26 Op. cit.

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como as decisões tomadas nas reuniões de Versalhes em 1919 ou as que, mais tarde, a ONU veio a consagrar na sua Carta.

Decerto que as actividades desenvolvidas por Marcello Caetano relacionadas com o Mun-do Colonial Português moldaram-lhe o espírito e ter-lhe-ão daMun-do uma interpretação própria do conceito de Império Ultramarino. Essa consciência impôs-lhe as escolhas políticas que fez quando tomou conta do governo em 1968. O imperialismo de que partilhava Caetano não era mais que uma forma moderna e prática de manter o Portugal Multirracial e Pluricontinental. Defendia essa unidade na base de um federalismo que, metodologicamente, nunca estruturou. Tornava-se necessário avaliar os percursos longos que conduziriam a esse federalismo. A impre-paração das populações autóctones para a participação em órgãos de gestão local tornou-se, advogamos nós, um dos principais limites a essa consecução federalista. Por seu turno, embora o grosso dos colonos brancos fosse mais culto e letrado do que poderia esperar-se,28 estes não estavam à espera de integrar órgãos de governo de um momento para o outro.

Tratemos, agora, da questão relativa à categorização que alguns autores fazem dos re-gimes políticos. No pensamento de Adriano Moreira ressalta a necessidade de classificar os regimes políticos. Não que se trate de uma inevitabilidade, mas essa classificação torna mais clara a identificação de normativos das várias categorias. Segundo Adriano Moreira, é possível estabelecer dois tipos fundamentais. Escreve o Professor:

“Uma classificação dos regimes que simultaneamente atenda à forma, à sede do Poder e à

ideologia talvez os possa arrumar em duas categorias fundamentais, que são tipos ideais: monistas

e pluralistas. Serão regimes monistas aqueles em que não se consente nem a circulação da sede do Poder nem a alternância ideológica, o que estabiliza facilmente a forma e encaminha o Estado para

autoritário ou totalitário, conforme apenas propõe ou também impõe uma concepção ideológica à

sociedade civil. Serão pluralistas aqueles em que a revolução legal está prevista, de tal modo que a forma torna viável a alternância no Poder e a alternância ideológica pelo consentimento expresso da sociedade civil”.29

A identificação do Estado Novo português com um regime monista acabaria por conduzir o país a um Estado Totalitário que repudiou sempre a alternância na sede do poder. Mesmo quando tal alternância parecia prestes a concretizar-se, como foi a candidatura do General Norton de Matos, em 1949, ao cargo de Presidente da República, ou a do General Humberto Del-gado, em 1958, ao mesmo cargo, também aí, o medo de perder, a sede do poder levou o regime a aplicar os princípios de Maquiavel, de acordo com os quais os fins justificam os meios.

De entre os diferentes regimes políticos conservadores e ditatoriais que se desenvolve-ram em vários países europeus no período que medeia entre as duas grandes guerras (1914-1918 e 1939-1945), o regime salazarista isola-se. Embora haja pontos de contacto ideológico com

28 CASTELO, Cláudia - O Modo Português de estar no Mundo: O Luso-tropicalismo e a ideologia colonial

portuguesa (1933-1961). Porto: Edições Afrontamento, 2.ª Edição, Porto, 2011.

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outras ditaduras europeias, nomeadamente a italiana, o certo é que o Estado Novo assumiu facetas muito particulares que o tornam, aos olhos de alguns investigadores, único. O Professor Luís Reis Torgal é um dos estudiosos que mais afincadamente se tem debruçado sobre o assunto. Para este autor, um dos problemas mais complexos é mesmo caracterizar o regime salazarista na sua máxima amplitude, por forma a ser possível classificá-lo ideologicamente. Nem sempre a praxis se aproxima da teoria, contudo é na junção das duas que podemos chegar a conclusões aceitáveis. Escreve Torgal:

“O que foi o «Estado Novo» em Portugal? Por mais que queiramos de um problema quase insolúvel, perguntaremos ainda: poderemos nós incluí-lo no conceito abrangente de «fascismo»?

É certo que a caracterização que tem vindo a ser feita ao longo dos anos por Fernando Ro-sas, sem discutir o problema de forma directa, nos leva a entender que, segundo ele, se trata de uma forma de «fascismo». E é verdade ainda que na obra mais recente saída em Portugal de um académico, Manuel Loff, o extenso e complexo livro com o título principal muito significativo «O

nosso século é fascista», se encara o salazarismo e o franquismo como fazendo parte da «galáxia eurofascista». No entanto, julgamos não errar se dissermos que a representação de hoje mais

co-mum entre nós – no meio de muitos silêncios, de muitos subentendidos e de algumas afirmações – é que o Estado Novo constitui uma forma de autoritarismo conservador e intervencionista sem pro-priamente se poder integrar na lógica dos regimes ditos «fascistas», em especial se considerarmos como tipos peculiares de «fascismo» os casos do fascismo italiano e, já mais discutivelmente (pela sua «originalidade» e radicalismo), do nazismo alemão”.30

Tem sido tarefa complexa a categorização do Salazarismo de entre os regimes ditatoriais europeus do século XX. Alguns autores colocam o Estado Novo português no grupo dos fascis-mos europeus da primeira metade do século XX. Contudo, outros há que tendem a afirmar que Portugal teve com o Estado Novo aquilo que se pode designar de Fascismo à Portuguesa, ou simplesmente um regime ditatorial musculado. Manuel Braga da Cruz e António Costa Pinto têm-se debruçado sobre este tema em conjunto com outros autores, o que concorre para uma crescente clarificação. É surpreendente verificar que uma boa parte dos actores do Salazaris-mo incluindo o próprio Professor Oliveira Salazar se esforçaram sempre por afastar o regime político português daquele que era protagonizado por Benito Mussolini em Itália. Mesmo em relação ao regime alemão de Hitler as diferenças eram recorrentemente a firmadas e vinca-das. Ninguém duvida do apreço que Oliveira Salazar nutria pela personalidade de Mussolini. A construção do estado fascista italiano tornou-se inspiradora para o modelo nacional. Daí que, amiúde, se considere o Salazarismo mais próximo do regime italiano que de outro qualquer. Escreve Reis Torgal:

“Salazar admirava Mussolini e essa admiração manteve-se intacta até, pelo menos, ao início

30 TORGAL, Luís Reis - Estados Novos, Estado Novo, Ensaios de História Política e Cultural, Vol. I, 2.ª

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da Segunda Grande Guerra. Veio mesmo a chamar-lhe, num discurso oficial e para uma grande au-diência, em 1938, no contexto da invasão alemã dos Sudetas e do tratado de Munique (29-30 de Se-tembro de 1938), «génio político»; teve a sua fotografia na mesa de trabalho, que foi reproduzida no jornal oficioso do Estado Novo, Diário de Notícias, ainda em meados de 1939; mandou preparar uma sua foto com dedicatória que terá endereçado ao Duce”.31

Outros autores debatem estas questões do poder e da sua sede, dos meios para manter esse poder e da categorização em que se podem formatar os vários regimes. Destacamos alguns deles como Powell, Gabriel Almond, Max Weber, entre outros. Este último distingue, ainda, dois tipos de sede do poder: a sede de apoio e a sede do exercício. Segundo Adriano Moreira, “A primeira diz respeito aos grupos, estratos sociais e classes, que estão numa situação de obedi-ência consentida com o aparelho do Estado (…) A segunda diz respeito ao próprio aparelho do poder”.32

Certamente que o regime político português em questão se caracterizou, igualmente, por esta visão de Max Weber. Na verdade, para além da sede do exercício do poder que residia no governo, existia igualmente a sede de apoio a esse poder. Podemos mesmo afirmar que os grupos de apoio ao exercício do poder do Estado Novo eram de vária índole, da Igreja, aos meios conservadores e à própria sociedade castrense. Eram os militares quem detinha o verdadeiro poder por serem os detentores das armas. A estes chamará Adriano Moreira Novíssimo Príncipe em obra com o mesmo nome e referente às Forças Armadas pós 25 de Abril de 1974. Nela es-creve o autor:

“E isto nos leva de novo a Maquiavel e à doutrina do Príncipe, porque foi Maquiavel também quem primeiro entendeu a importância do carácter nacional do exército. Não chega definir o tipo normativo do militar, e introduzir no conceito a referência às virtudes profissionais que são classi-camente enumeradas. Tais virtudes já eram as mesmas antes de a Nação ser o valor político básico, e não são diferentes das que para si próprios reclamam os mercenários. Um bom combatente não é, só por isso, um soldado nacional. Mas não há exército nacional se as virtudes tradicionais do soldado não forem preservadas nas fileiras. Um exército nacional é uma Instituição no sentido rigo-roso do termo, isto é, um conjunto de homens aos quais se confiam os meios supremos do poder de coagir, para que assegurem com eles a integridade dos valores nacionais em que acreditam”.33

Fica claro que, para Adriano Moreira, a importância do poder militar foi, e é ainda, muito forte. Ela manifesta-se tanto nas ditaduras como nas democracias sendo que, nas primeiras, as-sume um carácter mais rude. Constitui um mecanismo coercivo ao dispor do exercício do poder. Mas, de facto, nos regimes monistas que evoluem em geral para regimes de ditadura, o poder castrense é um instrumento intrínseco ao próprio poder político. Neste contexto, o Professor

31 Id. Ibid., p. 57.

32 Id., Ibid., pp. 164 e 165.

33 MOREIRA, Adriano - O Novíssimo Príncipe: Análise da Revolução. Edição da Prefácio, Lisboa, 2003, p.

Referências

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